Com seis indicações ao OSCAR:
Melhor Filme, Melhor Diretor (Kenneth Lonergan), Melhor Ator (Casey Affleck), Melhor Ator Coadjuvante (Lucas Hedges), Melhor Atriz Coadjuvante (Michelle Williams), Melhor Roteiro Original (Kenneth Lonergan).
“Há um momento que não consigo imaginar: o momento da vida dos outros que deixamos sempre de lado. ”
(Virgínia Woolf) [I]
Manchester à Beira Mar, o terceiro filme do roteirista e diretor Kenneth Lonergan, é uma exploração minuciosa sobre como as pessoas sentem a tristeza, a perda, o amor e a culpa, especialmente sobre como sobrevivem a tragédia de uma existência sem leveza e sem esperança. Casey Affleck é Lee Chandler, um zelador que mora em um porão em Boston e que leva uma vida aparentemente ordinária, executando tarefas de forma robótica, sem deixar-se tocar pelas mazelas que ouve sobre as vidas das pessoas que o cerca e que necessitam do seu trabalho.
Se não fosse pelo vazio do seu olhar, o personagem poderia passar despercebido. Mas é o insustentável peso que esse vazio carrega que provoca o interesse de quem acompanha a história, pois é na aparente calmaria do rosto de Lee que reside uma angustiante sensação de tragédia latente, capaz de provocar um tipo de dor diferente, uma dor que não passa com o tempo, ao contrário, torna-se mais e mais profunda com o decorrer dos anos.
A morte do seu único irmão traz Lee de volta à sua cidade natal (Manchester). E enquanto tenta entender como vai assumir a responsabilidade de cuidar do seu sobrinho adolescente (Lucas Hedges), sua vida é contada em forma de flashbacks. A preciosidade da interpretação que deu a Casey Affleck uma indicação ao Oscar e o tornou vencedor do Golden Globe e do Bafta de 2017 é a sua condução minimalista do mar de emoções conturbadas que acompanha Lee.
Segundo o diretor Kenneth Lonergan [II], era a angústia sem fim que geralmente nasce da vivência de grandes tragédias que ele estava interessado em trazer à tona. O que ele evidencia nesse filme, de forma extremamente realista e sem exageros ou pieguices, é a maneira como algumas pessoas sobrevivem a situações que são maiores que elas próprias, que são simplesmente esmagadoras. E acrescenta ainda que a disparidade e a variedade da experiência humana, de como uma pessoa pode ter um tipo de vida e seu vizinho ter outro completamente diferente em todos os aspectos, provocam seu fascínio e o impressionam, mas também confundem a sua percepção das coisas.
A tragédia de Lee é apresentada no filme ao som do Adágio de Albinoni, em uma sequência de fatos que mostra o momento que sua vida foi transformada para sempre. É através do seu olhar de pavor diante de sua casa em chamas que começamos a entender a pessoa que ele se tornou.
Segundo Elisabeth Kubler-Ross [III], há cinco fases do luto: a negação, a raiva, a barganha, a depressão e a aceitação. Claro que isso não é uma lei universal, apenas uma forma de sistematização das emoções que acompanham essa experiência. O que torna o luto diferenciado nesse filme é que ele nasceu de uma tragédia provocada pela pessoa que o vivencia e, assim, a fase de “aceitação” parece pouco provável, logo a dor, o sofrimento e a culpa não atenuam com o tempo, apenas submergem no mar revolto de fantasmas que povoam a mente de quem os sente.
Um dos momentos mais significativos do filme é o encontro do Lee com sua ex-esposa, a única sobrevivente da tragédia. Casada novamente e com um bebê recém-nascido, ela tenta reconstruir sua vida. A dor e a falta são latentes, mas ao menos nela não há a culpa. Lee não consegue estabelecer um diálogo com a ex-esposa, pois vê-la torna a dor ainda mais insuportável, já que isso traz à tona as vidas que ele perdeu, em especial, a pessoa que ele foi, tão diferente da figura que ainda respira e vive, mas que está eternamente presa a um amontoado de lembranças sofridas.
Esse encontro mostrou-lhe que ele nunca poderia voltar a morar em Manchester, mesmo que amasse o sobrinho e quisesse cumprir o último desejo do irmão. Viver naquela cidade significaria estar diante do olhar acusador de alguns, mas especialmente diante do seu próprio julgamento. Mesmo que os policiais o tenham inocentado no momento da tragédia, por se tratar de um ato irresponsável, mas não de uma conduta criminosa, a culpa que ele carrega e a raiva pela impossibilidade de mudança do passado tiram o caráter transitório do luto, tornam a perda uma dor sem fim.
“Manchester by the Sea” não é um filme que nos faz sentir esperança ou que nos leva a refletir sobre o milagre da vida. É simplesmente um filme sobre o quanto a dor do outro, aquele que passa por nós na rua, o vizinho que nunca conhecemos bastante para imaginar o que sente, entre tantos outros, pode ser devastadora e imensurável. Que nos mostra o quanto somos desamparados diante das imensas tragédias da vida. Um filme que fala da tristeza que existe nos detalhes das dores que nos cerca, da raiva que não acha espaço para escoar, da falta que não pode ser preenchida e do amor que, felizmente, não acaba.
Referências:
[1] Woolf, Virgínia. “Contos Completos – Virginia Woolf”, Editora Cosac &Naif, edição de 2005.
[2] http://www.filmcomment.com/blog/interview-kenneth-lonergan-manchester-by-the-sea/
[3] KUBLER- Ross, E. “Sobre a morte e o morrer”: 8ª Ed., Martins Fontes. São Paulo, 1998.
FICHA TÉCNICA DO FILME
MANCHESTER À BEIRA-MAR
Diretor: Kenneth Lonergan
Elenco: Casey Affleck, Michelle Williams, Lucas Hedges, Kyle Chandler
País: EUA
Ano: 2016
Classificação: 14