Moonlight: sob a luz de Narciso – Parte 2

Com oito indicações ao OSCAR:

Melhor Filme, Melhor Diretor (Barry Jenkins), Melhor Ator Coadjuvante (Mahershala Ali), Melhor Atriz Coadjuvante (Naomie Harris), Melhor Roteiro Adaptado (Barry Jenkins), Melhor Fotografia (James Laxton), Melhor Edição ( Joi McMillon e Nat Sanders), Melhor Trilha Sonora (Nicholas Britell).

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Leia Moonlight: sob a luz de Narciso – Parte 1

O paradoxo espaço temporal [1] não existe no inconsciente, lá tudo é sempre presente. E é aí que os conflitos de Chiron se acumulam e seu mundo se torna ainda mais difícil de sustentar, tanto pelo que lhe pesa como pelo que lhe falta. Afinal, a estrutura egóica de Chiron não possui bases que suportem a realidade. Por isso, ele continua em fuga.

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Mergulhado em um profundo estado de desamparo, Chiron começa a sentir sua indiferença sendo transformada em uma angústia crescente, um sentimento que já não consegue ser represado no inconsciente, mas que se desloca lentamente rompendo as barreiras através dos sonhos e dos tímidos enfrentamentos seja quando ofendem suas “mães” Joana e Tereza, ou quando o chamam pelo apelido da infância, Little, nomeação que o coloca de frente com sua fragilidade narcísica. Entretanto, tão logo percebe a resistência do oponente Chiron volta a acomodar-se passivamente ao seu sentimento de inferioridade e impotência.

Em relação à mãe a situação é ainda pior já que, diante dela, ele não consegue fazer enfrentamento algum. Em casa é Chiron quem cuida de Joana. Esta, por sua vez, utiliza-se do filho como apoio para se manter em uma posição infantilizada, evitando encarar seus próprios problemas [2]. Ela coloca Chiron para fora a fim de receber outros homens, ela toma seu dinheiro para comprar drogas, e o chantageia dizendo que ele é tudo o que ela tem na vida, e ele a ela.

Ao mesmo tempo em que ama, Joana rejeita, ao mesmo tempo em que o busca com um sorriso sedutor, afasta-o pela impossibilidade de oferecer-lhe o cuidado e a provisão necessária, tanto física como emocional. A inconsistência entre discursos e ações são as bases para a insegurança do filho.

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Chiron, por sua vez, não reage, obedece resignadamente, dorme fora para ceder espaço a ela, permite que a mãe o assalte para manter seu vício e ainda demonstra amor e cuidado cobrindo-a enquanto dorme, amando-a ternamente como uma criança que ainda busca por um olhar que a corresponda, e lhe traga a necessária ilusão [3] da completude para que, finalmente, se sinta segura. Mas, na adolescência Chiron intensifica os problemas já experimentados na infância, com uma mãe cada dia mais afundada no vício e que lhe explora, exigindo dele o cuidado, o amor, a atenção e o sustento.

Abuso Emocional

Moura (2013) fala sobre os dois polos de manifestação da nocividade materna – a possessividade e o abandono –  e, este ultimo, não se refere propriamente ao abandono no nível da realidade corporal, mas a ausência de ocupação que deixa a criança sem recursos diante de seu poder de silêncio, não de fala, mas um silêncio de investimento subjetivo. Como vemos em Moonlight, Joana fala, mas sua falta de investimento afetivo fala ainda mais alto e tão poderosamente que silencia até a voz de Chiron.

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Utilizando-se de manipulações, Joana mantém o filho preso a um sentimento inconsciente de culpa por não conseguir completar a mãe, ou satisfazê-la de alguma forma que o torne merecedor de seu amor, por isso ele adota uma posição submissa, vivendo em função dessa que seria seu primeiro objeto possibilitador da transição do investimento de si mesmo para os objetos externos, conforme propõe Freud. Mas a mãe também não lhe pode investir, visto que busca nele a compensação para o seu próprio vazio existencial. E assim estabelece-se um ciclo geracional de transmissão de identidade.

Freud (1905/1996) aponta a ambiguidade dos cuidados maternos ao afirmar que quando a mãe afaga, acaricia o seu filho, ela o seduz colocando-o numa posição de substituto do objeto sexual completo [4]. Essa sedução fica explícita na relação manipuladora de Joana junto ao filho, revelando o abuso emocional incestuoso.

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A confusão de papeis dentro da família faz com que o filho assuma a função de cuidador de um adulto frágil a quem ele não pode contrariar sob a pena de não ser amado. Paradoxalmente à sua força e independência, esse filho guarda dentro de si a criança desnutrida de afeto, que não amadureceu para enfrentar a vida. Como a mãe frágil dentro de casa, ele se vê frágil diante do mundo, se não foi capaz de receber o amor dos próprios pais, por que o esperaria de outros? Nessa dinâmica, a pessoa volta todo o investimento libidinal para si mesma, a fim de se proteger da rejeição do outro. Ao abrir mão de si mesmo pelo outro (mãe), a criança “passa a desacreditar das próprias necessidades, julgando as ilegítimas, e o próprio desejo passa a ser considerado como vergonhoso.“ (Cukier, 1998) [5].

Sobre a gravidade do abuso emocional sobre os filhos podemos reportar o relatório da Associação Americana de Psicologia (APA) publicado em 2014:

As crianças que tinham sido psicologicamente abusadas sofriam de ansiedade, depressão, baixa autoestima, sintomas de estresse pós-traumático e suicídio no mesmo grau e, em alguns casos, a uma taxa maior do que as crianças que foram abusadas fisicamente ou sexualmente. Entre os três tipos de abuso, os maus tratos psicológicos foi mais fortemente associado com depressão, transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de ansiedade social, problemas de ligação e abuso de substâncias químicas [6].

A história de Chiron revela, portanto, a formação de uma personalidade narcísica por meio de um abuso emocional e nos confronta com uma realidade social que vai além de um único indivíduo, se manifestando, às vezes, como característica de toda uma sociedade ou um grupo de pessoas, no qual os mesmos traços de inferioridade podem ser observados como elevados a um nível sócio cultural e político que rege toda a dinâmica social de um povo.

REFERÊNCIAS:

[1] GREENE, Brian. O universo elegante. Supercordas, dimensões ocultas e a busca da teoria definitiva. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

A (a)temporalidade do Inconsciente. Disponível em < https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/19587/19587_5.PDF>.

FREUD, S. (1915). O Inconsciente. In: FREUD, S. Escritos sobre a psicologia do inconsciente. v. 2. Rio de Janeiro: Imago, 2006, p. 13-74.

[2] KNAPP, Daniela. Inversão de papéis: 5 maneiras de evitar que seu filho assuma o lugar do seu marido. <https://www.realmentemulher.com.br/single-post/2016/06/09/Invers%C3%A3o-de-pap%C3%A9is-5-maneiras-de-evitar-que-seu-filho-assuma-o-lugar-do-seu-marido>.

Parentificação. Disponível em <https://abusoemocionalblog.wordpress.com/2016/05/10/parentificacao/>.

[3] ROCHA, Zeferino. O papel da ilusão na psicanálise Freudiana. Ágora (Rio J.),  Rio de Janeiro ,  v. 15, n. 2, p. 259-271,  Dec.  2012 .   Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-14982012000200004&lng=en&nrm=iso>.

[4] MOURA, Danielle Ferreira Gomes. Maternidade e poder. Rev.Mal-Estar Subj,  Fortaleza ,  v. 13, n. 1-2, p. 387-404, jun.  2013.   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1518-61482013000100015&lng=pt&nrm=iso>.

[5] CUKIER, R. Sobrevivência emocional: as dores da infância revividas no drama adulto. São Paulo: Ágora. 1998.

[6] Abuso emocional pode ser tão prejudicial quanto o abuso sexual. Disponível em < http://www.psiconlinews.com/2014/10/abuso-emocional-pode-ser-tao.html>.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

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MOONLIGHT: SOB A LUZ DO LUAR

Diretor: Barry Jenkins
Elenco: Alex Hibbert, Ashton Sanders, Trevante Rhodes, Naomie Harris, Mahershala Ali
País: EUA
Ano: 2016
Classificação: 14

Estudante de Psicologia (Ceulp/Ulbra), namorando a psicanálise | Bacharel em Comunicação Social (UFT) | MBA em Gestão da Comunicação nas Organizações (Univ. Católica de Brasília)