“Carpinteiros, levantem bem alto a cumeeira & Seymour, uma apresentação”, romance publicado em 1963 por J. D. Salinger, aclamado autor de O apanhador no Campo de Centeio, é narrado por Buddy Glass e tem como protagonista Seymour Glass, que é apresentado somente pela visão de seu irmão, já que se suicidou aos 31 anos durante as férias de verão com sua esposa. O livro é dividido pelo conto Carpinteiros e pela prosa em que o narrador se incube a apresentar Seymour.
Salinger apresenta neste livro algumas características de sua escrita, presentes em O apanhador no Campo de Centeio, mas ao invés do narrador ter 17 anos, tem quarenta e é um professor de faculdade recluso. Buddy é filho de artistas aposentados, o segundo irmão mais velho de sete e alguns traços de sua própria personalidade quando jovem se assemelham com as de Holden Caulfield. Assim, em alguns momentos da leitura, é possível realizar algumas correspondências entre os personagens das duas obras.
O conto Carpinteiros narra os episódios que se sucederam à desistência do seu irmão pelo casamento, porque, segundo o próprio Seymour, se sentia muito feliz para fazer isso. No conto, o narrador deixa o leitor à par da personalidade de Seymour, sua profissão e outros detalhes da convivência com o irmão, que soam tão familiares à nós mesmos quanto possível, como a forma de resolver problemas na família e observar os outros. Buddy deixa claro no início do conto que o protagonista está morto, mas nem por isso se altera em contar a história do casamento.
Assim, após uma confusão causada na casa da noiva, Buddy entra em um carro que levava os convidados para outro lugar e narra a tarde juntamente com alguns deles. Nessa ocasião, a dama de honra, muito pontual e sincera em suas opiniões, começa a soltar disparates sobre a personalidade de Seymour e Buddy, com sua identidade como irmão do desistente ainda não revelada, se sente ultrajado perante as afirmações. Tomando posse de uma coragem que até então não havia demonstrado e para sua própria surpresa, Buddy se prontifica a desmentir todas as acusações desferidas contra o seu irmão relacionadas à sua personalidade e orientação sexual.
O narrador, transitando do implícito para o explícito, faz fortes críticas às escolas psicanalíticas ao atribuir essas interpretações da personalidade de Seymour como vindas de aristocratas intelectuais que não dão de fato ouvidos à dor do outro. Esses tipos de afirmação que encontramos com frequência no livro, sob as diversas faces, deixam explícito que o narrador se posiciona veementemente contra qualquer ideia, opinião ou comportamento de que alguma forma avilte quem seu irmão fora realmente em vida.
Nesse conto, o autor segue uma linha temporal de acontecimentos, o que na segunda parte do livro não acontece, pois as lembranças e sentimentos do narrador se intercalam numa narrativa acelerada e por vezes ele desiste de um caminho para seguir outro. Na segunda parte do livro, o narrador se presta a apresentar Seymour, contar sobre sua infância com ele e o relacionamento entre a família e os sete irmãos. É visível a preocupação de Buddy com a parcialidade fraternal, pois em todo momento o seu irmão mais velho é visualizado por ele como alguém único e essencial em sua vida. Salinger nesse momento toma uma frente narrativa bem diversa da primeira. Cabe salientar que o livro não tem capítulos ou partes, o que aumenta, além da própria escrita, a sensação de continuidade.
Seymour cumpre para Buddy o papel de ego auxiliar, que lhe guia e lhe apresenta alguns valores. As lembranças de seu irmão no início do texto estão recheadas de identificação e apreciação por parte de Buddy. Em dado momento, numa carta que seu irmão lhe dá, Seymour lamenta a necessidade dele em ter sua opinião para saber o quanto é bom e Buddy, menos para a surpresa do leitor e mais por satisfação, afirma que “senti-me sempre secretamente feliz e orgulhoso de me parecer com o Seymour”. (p.154)
Próximo do final do livro, o narrador começa a evidenciar características físicas de Seymour e existe neste ponto uma mudança relevante no andamento do texto, que se torna mais lento e com pausas. Se aproximar de uma descrição do irmão causa em Buddy cansaço físico e mental e apesar de acreditar que precisa fazê-lo, o narrador comemora enfadonhamente cada final de descrição, como se estivesse tirando um peso das costas.
O narrador possui uma relação muito próxima com o leitor, isto é, está a todo o momento se questionando o que ele pensará sobre suas afirmações. Ainda assim, tais reflexões parecem vir apenas à guisa de explicação, pois ele procura meios de evitar entrar em contato mais profundo com seu irmão que teve um valor muito significativo em sua vida e que se suicidou, fato que Buddy propositalmente não trata no livro. Para tanto, ele não deixa brechas para que tenhamos uma ideia de Seymour diferente do que nos é apresentado.
Neste aspecto, o narrador parece temer que tenhamos uma visão errônea de seu irmão, que “embora nunca tenha escrito um único poema, transmitia poesia por todos os poros.” (p. 54, com modificações). É interessante de igual maneira observar a transição de indiferença inicial do narrador com o suicídio do irmão e o posterior pesar que sente em falar sobre ele. De fato, não pode escapar de sentir a dor apesar do passar dos anos.
A aproximação dessa obra e do Apanhador no campo de centeio está presente no amor fraternal, além de outros detalhes. No segundo, Holden tinha o irmão Allie que morreu de leucemia e que para ele era uma pessoa genial e boa. Como citado pelo próprio protagonista “qualquer um teria que gostar dele” (SALINGER, p. 41). Na apresentação de Seymour, o mesmo acontece com o Buddy, que descreve seu irmão como um “sujeito talentoso e decididamente encantador, de tal modo que qualquer opinião em contrário só podia ser atribuída ao mau gosto de quem assim pensava.” (p. 154) A maneira crítica de observar o outro está presente nos protagonistas das duas obras, por outro lado, as características humanas que Holden reprova são motivos de admiração para Seymour. À vista disso, Seymour tem a capacidade de ver beleza perante a imperfeição humana.
O livro é de uma sensibilidade incrível e apresenta características dos relacionamentos fraternais tão bem entendidos por aqueles que os sentem que a primeira sensação causada com a leitura do livro é de agradabilidade e afetividade. Ao término da leitura, nos resta apenas lamentar que uma figura tão formidável quanto Seymour seja apenas fruto da imaginação do escritor.
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FICHA TÉCNICA DO LIVRO
CARPINTEIROS, LEVANTEM BEM ALTO A CUMEEIRA & SEYMOUR, UMA APRESENTAÇÃO
Título Original: Raise High the Roof Beam, Carpenters and Seymour: An Introduction
Autor: J. D. Salinger
Tradução: Jorio Dauster
Editora: L&PM Pocket
Páginas: 181
Ano: 2011
REFERÊNCIAS:
SALINGER, J. D.. O Apanhador no Campo de Centeio. 18. ed. Ipanema: Editora do Autor, 2012. 208 p.