O Menino e o Mundo: a distopia em suas possibilidades

Com uma indicação ao Oscar:

Animação

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Com direção e roteiro de Alê Abreu, em O menino e o mundo acompanhamos a história de um menino a espera da volta do seu pai, que rumou para a cidade grande em busca de novas oportunidades. Neste interlúdio, toda uma viagem é apresentada, com desafios, um mundo imaginário e fantástico, além de questões envolvendo sentimentos, sensações e decisões.

Nos últimos tempos cineastas brasileiros, ou profissionais com formação e atuação correlatas, assumiram a frente em interessantes trabalhos de curta duração e animações. Obras importantes podem ser mencionadas como detentoras deste legado, com premiações e indicações em diferentes premiações ao redor do mundo: Uma história de amor e fúria (2013), O céu no andar de baixo (2010), Céu, Inferno e outras parte do corpo (2011), Garoto Cósmico (2007), Cassiopeia (1996), O Grilo Feliz (2001), e muitos outros trabalhos, que circulam por longas e curtas-metragens de animação, tradicionais ou imagens alternativas.

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O lançamento d’O menino e o mundo foi no mínimo curiosa. Sua produção remonta ao ano de 2010, e após um longo percurso para arrecadação de fundos, angariação técnica, aproximação de colaboradores, etc. o filme foi lançado em prévias em 2013e internacionalmente nos anos de 2014 e 2015. Por esta razão faz parte dos indicados ao Oscar e outros prêmios para o gênero animação na temporada de 2016. Até o momento a obra foi reconhecida, como vencedora ou indicada, em ocasiões como Annie Awards, Oscar, Festival de Annecy, Grande Prêmio Brasileiro de Cinema, Grande Prêmio de Monstra em Lisboa etc.

Escrevi um primeiro argumento muito livremente, costurando idéias soltas: Cuca levado pelo vento, o encontro do menino com um velho, a partida do pai, mistério numa fábrica abandonada etc. Mas sempre incorporadas ao pano de fundo, que era a situação apresentada em Canto Latino, e buscando encontrar ali uma linha que os unisse numa história. […]Fazia anotações, esboços em um caderno de rascunho e depois transformava estas idéias em pequenos trechos de história, que eram incorporados ao bloco do filme. Ao mesmo tempo experimentava sons e trechos de músicas como referência e já brincava com a própria montagem (ABREU, 2011, s\n).

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Como já é costumeiro, o sucesso internacional corroborou para o olhar da crítica se voltar para o longa. Assistido por menos de 40 mil espectadores no Brasil, na França este número ultrapassou a marca dos 100 mil em poucas semanas., conseguindo grande bilheteria em países como Canadá, Japão e outros mercados fora do eixo americano e oeste europeu.

No caso d’O menino e o mundo não há, felizmente, todo o velamento da realidade opressiva e angustiante da metrópole aos viventes dos aglomerados urbanos, principalmente com concentração de baixa renda e diversos problemas citadinos. Temos uma distopia diante de nós, mas o seu reverso também está lá, pelas cores, imagens e representações que denotam esta dialética. Esta postura de negação da realidade, pelos reforços estereotípicos do Brasil, ocorreu recentemente por outra animação, nos constrangedores filmes Rio, que em certo ponto escalaram tantos arquétipos tortuosos do país que fica difícil defendê-lo além destes lugares comuns.

Neste ponto há outro destaque para a obra de Abreu, que é o traço, o apuro das gravuras, os movimentos, os sons, tudo está orquestrado de modo a apresenta rum caminho para a imersão do espectador na obra. Há uma delicadeza e sutileza nos desenhos, nos planos imagéticos, incrementos sonoros e todo o envolvimento da narrativa com seus personagens e cenas, tornando a experiência de assistir o filme algo único e inesquecível.

Inspirações em grandes mestres da animação e desenhistas de Hayao Miyazaki, Katsuhiro Otomo, Satoshi Kon a Charles Schulz e Mauricio de Souza são perceptíveis na obra de Abreu, fortalecendo-a como uma verdadeira obra-prima nacional, justamente por lidar com um cenário, público e mercado que não estão acostumados com sua linguagem e profundidade.

E cabe aqui uma menção aberta ao cinema nacional brasileiro. Não é de hoje que as fórmulas de grande potencial publicitário caminham distantes da qualidade, em prol da quantidade. O ponto fora da curva fica por conta do já distante duo Tropa de Elite (2007; 2010), comandados por Wagner Moura e o diretor José Padilha, as demais obras de grande caibre financeiro em investimentos e distribuição sequer são dignas de nota.

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 A fuga da realidade

Há algum tempo o cinema independente do Brasil vem fazendo investidas em temáticas sobre a existência nas grandes cidades. Solidão, solidariedade, angústia, desamores, o cotidiano urbano, dentre outros campos são explorados em obras de rico espectro reflexivo: O homem das multidões (2014), O Homem que Copiava (2003), Edifício Master (2002) e A Busca (2013), etc. Filmes que furaram uma bolha de extremos, entre os grandes lançamentos, americanos principalmente, e duvidosas obras nacionais sustentadas por interesses muito distantes da qualidade cinematográfica merecida pelo público e profissionais da sétima arte.

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Obras como O menino e o mundo mostram e provam, explícita e implicitamente, que o cinema brasileiro pode sim superar seus arquétipos e estereótipos: as favelizações, o nordeste (com um caricato e desrespeitoso regionalismo), o ufanismo edênico há muito servido como pano de fundo ideológico para a nação; as recentes e constrangedoras comédias sustentadas com leis de incentivo cultural dignas de repúdio em seus critérios de apoio e patrocínio, dentre outros.

Lembrando, os clichês existem em todas as linguagens da arte, e assim o são porque são devires da sociedade – a refletem, representam e reinventam pelos tempos e espaços –, é preciso revistá-los sempre, mas de forma original e construtiva, e não apenas como recurso fugidio para a falta de criatividade ou em busca de aceitação popular e retorno monetário.

É preciso valorizar a criatividade das animações brasileiras, que demonstraram, e o continuam fazendo, em várias ocasiões. Não seria exagero estabelecer nossos artistas em grandes escolas de animações já consagradas, como a japonesa, alemã e francesa, riqueza esta passível de constatação em cada novo projeto lançado, independente da plataforma, linguagem, escala popular ou alcance financeiro, se o pulso das novas fronteiras do cinema brasileiro pulsa com todo o seu vigor, um destes lugares reside nas animações como O menino e o mundo que  poderia ser muito mais do que já é, uma obra-prima da animação nacional. E mesmo que chegue a ganhar prêmios de maior escala como o Oscar, certamente ainda veremos anos de esquecimento e ostracismo para grandes obras, excelentes filmes, e inovadoras possibilidades, como é esta singular estória contada por Alê Abreu.

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REFERÊNCIAS:

O MENINO E O MUNDO. Roteiro e Direção de Alê Abreu. Filme de Papel e Espaço Filmes. 2015. 85 min.

ABREU, Alê. Textos do diretor [2011]. In: < http://omeninoeomundo.blogspot.com.br/> Acesso. 10.01.2016.

FILME DE PAPEL. O menino e o mundo. BLOG. 2014. Disponível em: <http://omeninoeomundo.blogspot.com.br/>. Acesso em: 01 de fev. de 2016.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

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O MENINO E O MUNDO

Direção: Alê Abreu
Elenco: Alê Abreu, Lu Horta, Vinicius Garcia;
País: Brasil

Ano: 2015
Classificação: Livre