Ponte dos Espiões: o medo como mecanismo de controle

Com seis indicação ao Oscar:

Melhor Filme, Melhor Ator coadjuvante (Mark Rylance), Melhor Trilha Sonora, Melhor Roteiro Original,  Melhor Design de Produção,  Melhor Mixagem de Som.

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Combater e morrer, é pela morte derrotar a morte, mas temer e morrer é fazer-lhe homenagem com um sopro servil.
William Shakespeare

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Com seis indicações ao Oscar (Melhor Filme, Melhor Ator Coadjuvante, Melhor Roteiro Original, Melhor Direção de Arte, Melhor Trilha Sonora e Melhor Mixagem de Som), Bridge of Spies (Ponte dos Espiões, título no Brasil) é dirigido pelo lendário Steven Spielberg e retrata um período de intenso medo e tensão, durante a Guerra Fria, marcado pelas constantes – e recíprocas – provocações entre os Estados Unidos e a Rússia. O filme baseia-se no incidente com o avião U2, em 1960, e no romance homônimo escrito por Giles Whittell.

Durante aquele período, “o advogado especializado em seguros James B. Donovan (Tom Hanks) aceita uma tarefa muito diferente do seu trabalho habitual: defender Rudolf Abel (Mark Rylance), um espião soviético capturado pelos americanos. Mesmo sem ter experiência nesta área legal, Donovan torna-se uma peça central das negociações entre os Estados Unidos e a União Soviética, quando é enviado a Berlim oriental para fazer um acordo para a troca de Abel pelo piloto americano Francis Gary Powers (Austin Stowell), capturado e condenado quando sobrevoava território soviético”.

A produção americana mostra o ápice de um século marcado por conflitos e agressões, que acabaria por resultar no que mais tarde Bauman chamaria de “mecanismos de controle pelo medo”. O embrião desta dinâmica já havia sido “mapeado” por Thomas Hobbes, séculos atrás, que acreditava ser necessária uma mediação do Estado para que as relações/trocas sociais ocorressem com o mínimo de segurança. Ele não previa, no entanto, que o próprio aparato estatal poderia se tornar o cerne, no futuro, das neuroses coletivas relacionadas à segurança pública. Nenhum momento sintetizou tão bem esta dinâmica quanto a Guerra Fria e o uso indiscriminado de espionagem, em ambos os lados.

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Para o sociólogo Zygmunt Bauman, a pós-modernidade (que ele também chama de Modernidade Líquida) foi profundamente influenciada, dentre outros, por três grandes paradoxos que se desenvolveram e, ao mesmo tempo, saturaram-se pela própria dinâmica dos conflitos contemporâneos. O primeiro deles defende a busca desenfreada para aliar segurança com liberdade (um sonho americano que se mostrou frágil e utópico depois da explosão das Torres Gêmeas); o segundo refere-se à ideia de que o Estado pode proporcionar segurança universal, nem que, para tanto, restrinja o direito à individualidade (fato que se consumou com o acesso irrestrito aos dados de pessoas investigadas por supostas ligações com o terrorismo); o terceiro e mais importante, a meu ver, diz respeito ao fato de o próprio Estado manter a sociedade sob o “limbo” de uma atmosfera de constante medo em relação às pretensões de seus algozes (da esfera política, religiosa e/ou econômica).

Neste terceiro caso, que predomina desde o início do século XXI, o medo é pulverizado em duas vertentes. A primeira, como pontua Bauman em “Medo Líquido”, ocorre sob a égide da inclinação para o autodesempenho e a autoperformance. Sendo assim, a aflição está em “não conseguir trabalhar ou ter qualquer tipo de sustento”. Em segundo lugar, há o medo de – os indivíduos – não conseguir manter a posição (social ou política) que se ocupa. Este segundo medo, em escala coletiva, é o que moldou e serviu de realce para o expansionismo das nações/culturas centrais (leia-se, EUA e Europa, além da Rússia [quando ainda detinha influência econômica em igual medida ao poderio militar]). Os dois medos geram um terceiro receio, bem explícito no filme, que é o temor em torno da integridade física. Daí a correria para entender “o que pensa o inimigo” e, na medida do possível, “atacar de forma preventiva” (nada poderia ser mais paradoxal e/ou contraditório). O auge desta forma de pensar ocorreria décadas depois, na ocupação americana do Iraque.

Medo constante

É a partir da Guerra Fria, tão bem explicitada em “Ponte de Espiões”, que surge ainda outro tipo de medo, derivado dos três medos primários e que se caracteriza pela forma como foi inculcado socialmente. Enquanto o “medo primário se trata do medo da morte na sua forma mais pura – é o medo de levar um tiro quando se está na guerra –, o medo secundário é aquele que nos obriga a seguir pelo caminho mais longo para não passarmos pelo meio da favela”.

Quais os contornos atuais desta dinâmica? Para Bauman, trocamos “segurança por proteção”. Enquanto que a segurança é um imperativo-base das nações organizadas, e que se refere ao pacto social interno em torno do bem-estar geral, a proteção está associada à ampliação de mecanismos tecnológicos para evitar que algo desagradável ocorre a dado grupo ou nação. “Se trata de dizer que o inseguro é aquele que fica olhando o celular do parceiro para saber se ele ou ela está traindo. Já a proteção pode ser vista no número de câmeras instaladas em estabelecimentos/condomínios/instituições, coletes à prova de balas, armas que são compradas para se usar ‘contra bandidos’, senhas para impedir que qualquer um veja a tela de seu celular e etc.”.

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Incertezas e a questão da morte

De acordo com Bauman, o pano de fundo de toda esta crise cuja agudez se arrasta desde o fatídico século XX é, em súmula, “o dispositivo que visa tornar tolerável a experiência da vida tendo a certeza da morte”. Politicamente falando, a ameaça de morte vem sempre “do profundamente diferente, o outro”, aquele que tem ideologias diferentes e que, portanto, representa uma ameaça real para o modo de viver de quem se acha ameaçado. “Para ele, há duas formas de se lidar com a morte: 1) a desconstruindo, ou seja, detalhando completamente suas causas de maneira que, no fim, parece que ela poderia ser evitada e 2) a banalizando, que quer dizer, mostrá-la como algo do cotidiano”.

Ao optar por perceber a morte como algo evitável, já que quase sempre “é o outro que é culpado pela sua morte”, num total embaraço quanto às causas e condições históricas que levaram a dado conflito, surge outro fenômeno contemporâneo ainda mais pernicioso, e que ganha constante projeção, através da divulgação pelos meios de comunicação: a generalização do medo.

Há, portanto, um constante movimento no sentido de se manter a aparência de uma insegurança estrutural, numa dinâmica onde o próprio estado, responsável pela manutenção da integridade geral, cria as condições negativas para que, no futuro, ele mesmo tenha de combatê-las. Como diria o filósofo francês Deleuze, o estado cria a demanda da insegurança para em seguida apresentar-se como o antídoto de tal descontrole.

Por fim, Bauman diz que a incriminação sobre o que ocorre de negativo a uma pessoa, a um grupo ou a uma nação, por exemplo, não deve ser jogada sempre a terceiros. Com isso, o sentido de responsabilidade não é algo que possa ser evitado, uma vez que “em um sistema complexo e global, em uma rede tão interligada, não há como não ter responsabilidade sobre seus próprios atos e sobre os seus resultados macro. O micro é a engrenagem do macro. É impossível retirar o corpo da jogada”. Ou seja, nesta intricada malha de relações que regem todas as nações, atualmente, há de se verificar se aquele que foi agredido, no fundo, não teria criado as circunstâncias para resultar em tal agressão. É um modo de pensar que desafia a lógica comum e, em síntese, mostra que a análise vai além de dividir os povos/nações em “vilões ou mocinhos”.

MAIS: A polarização da Guerra Fria

Ao término da Segunda Guerra, os EUA eram o país mais rico do mundo, porém eles teriam que enfrentar um rival, ou seja, o segundo país mais rico do mundo: a URSS. Tanto os EUA (capitalista) como a URSS (socialista), tinham ideias contrárias para a reconstrução do equilíbrio mundial, foi então que começou uma grande rivalidade entre esses dois países. Quem era melhor? Esse conflito de interesses que assustou o mundo ficou conhecido como Guerra Fria. Tanto os EUA criticavam o socialismo quanto a URSS criticava o capitalismo.

Europa Ocidental, Canadá e Japão se aliaram aos EUA enquanto que a Tchecoslováquia, Polônia, Hungria, Iugoslávia, Romênia, Bulgária, Albânia, parte da Alemanha e a China se uniram com a URSS.

Na década de 50 e 60 houve a chamada corrida armamentista. Quem seria capaz de produzir tecnologias bélicas mais modernas, EUA ou URSS? Mesmo assim, esses dois países jamais se enfrentaram com armas durante a Guerra Fria, embora apoiassem guerras entre países menores (cada superpotência apoiando um dos lados rivais), como por exemplo, na Guerra da Coréia entre 1950 e 1953.

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Na tentativa de provar que o seu sistema era melhor do que o outro, cada lado fez as suas investidas, a URSS enviou um homem (Yuri Gagárin) ao espaço, enquanto os EUA enviaram Neil Armstrong à Lua.

Estas disputas continuavam para ver quem era o melhor, atingindo inclusive a área dos esportes. Nas Olimpíadas, por exemplo, os dois países lutavam para ver quem ganhava mais medalhas de ouro.

As disputas intensas, em todos os setores, se arrastaram até a década de 90 do século passado, quando a URSS entrou em colapso e os EUA se firmaram como mais importante potência global, agora acompanhado da China. (Fonte: InfoEscola – com adaptações)

REFERÊNCIAS:

COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. São Paulo: WMF, 2011;

O Livro da Filosofia (Vários autores) / [tradução Douglas Kim]. – São Paulo: Globo, 2011;

MORA, José Ferrater. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2001;

O medo líquido de Zygmunt Bauman. Disponível em < https://colunastortas.wordpress.com/2013/12/08/medo-liquido-zygmunt-bauman-uma-resenha/ >. Acesso em 13/02/2016;

Resumo de Ponte de Espiões. Disponível em < https://pt.wikipedia.org/wiki/Bridge_of_Spies >. Acesso em 12/02/2016.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

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Diretor: Steven Spielberg.
Elenco: Tom Hanks, Mark Rylance e Scott Shepherd;
País: EUA
Ano: 2014
Classificação: 12

Psicólogo. Mestre em Comunicação e Sociedade (UFT). Pós-graduado em Docência Universitária, Comunicação e Novas Tecnologias (UNITINS) e em Psicologia Analítica (UNYLEYA-DF). Filósofo, pela Universidade Católica de Brasília. Bacharel em Comunicação Social (CEULP/ULBRA), com enfoque em Jornalismo Cultural; é editor do jornal e site O GIRASSOL, Coordenador Editorial do Portal (En)Cena.