Princesa Aqualtune: o dia da Consciência Negra é para quem?

O Quilombo dos Palmares foi tido como o maior, mais importante e duradouro local de refugiados negros, escravos, da América em seu período colonial, pois perdurou por quase 100 anos. Era localizado na Capitania de Pernambuco, onde hoje é conhecida como o município de União dos Palmares, no estado de Alagoas. Em 20 de novembro de 1695, foi morto o último líder desse quilombo, Zumbi, por um grupo de bandeirantes que tinha como guia Domingos Jorge Velho.

Figura 1: Pintura retratando Zumbi dos Palmares
Figura 2: Pintura de Zumbi de Antonio Parreiras (1860-1937)

Esse texto não possui o propósito de exaltar a história de Zumbi dos Palmares, apesar de ela ser de extrema importância para o movimento de resistência contra a escravidão, e sim a de seus ancestrais, que vieram forçados de seu país de origem, e obrigados a servirem como escravos. Foram recortados violentamente de suas culturas, crenças e inseridos em um local onde a subjugação e preconceito permanecem de forma indireta e direta no tempo presente.

Começarei com a história de Aqualtune, princesa africana, filha de um rei do Congo não identificado pela história. O reino de Aqualtune possuía rivalidade com outros reinos, e em uma guerra, onde liderou cerca de 10 mil guerreiros, foram derrotados e com a interferência do reino português, foi vendida como escrava com os companheiros de batalha; seu pai, o rei de Mani-Kongo, foi decapitado e teve sua cabeça exibida em uma igreja, para aqueles que ousassem iniciar uma revolução novamente.

Figura 3: suposta fotografia de Aqualtune, princesa africana

Foi enviada em um navio negreiro, sendo este uma grande embarcação com um grande número de escravos para serem vendidos, para um forte em Gana para ser batizada por um bispo católico, e após isso, seguiu percurso para o Brasil onde desembarcou em Recife. Durante a viagem para o Brasil, há especulações históricas de que foi estuprada por outros escravos e teria engravidado, sendo assim, escolhida para ser uma escrava para fins de reprodução por conta de seu porte forte e saudável.

O dono da fazenda em que Aqualtune foi vendida, a entregou para seus piores homens, quando soube da origem da princesa e que ainda havia alguns escravos que a veneravam. Em seu sexto mês de gestação, soube do “Reino dos Palmares”, lugar onde escravos refugiados se abrigavam, e junto com um grupo de insurgentes, destruíram a casa grande e no caminho para o local, mais escravos se juntaram a ela. Há histórias de que Aqualtune chegou com 200 escravos no Reino dos Palmares e que por ter sido reconhecida como princesa do Congo, se tornou a líder do local de refugiados, que passou a ser chamado de Quilombo dos Palmares. Seus filhos, nascidos no quilombo, Ganga Zumba, Ganga Zona, ficaram conhecidos por serem guerreiros, e Sabina, que viria a ser mãe de Zumbi.

Figura 4: cartaz do filme que retrata a história de Gamga Zumba, dirigido por Cacá Diegues, em 1963

Ganga Zumba, assumiu a posição de líder do Quilombo dos Palmares, que havia crescido bastante até então. Em certa época, o Quilombo foi atacado, e o líder sertanista Fernão Carrilho, conseguiu 47 prisioneiros e entre eles, estavam os filhos de Ganga Zumba. Aceitando um tratado de paz que foi oferecido pelo Governador Pedro de Almeida, Ganga Zumba e seu irmão se mudaram com os habitantes do Quilombo de Palmares para o Vale do Cucaú. Há muitas versões do desfecho da história de Ganga Zumba, uma delas é que ao chegar ao Cucaú, se deparou com um lugar infértil e que era um campo onde foi reaprisionado e feito novamente de escravo. Outras dizem que cometeu suicídio, e também, há uma versão que diz que seu sobrinho, Zumbi, teria se revoltado contra ele, por não acreditar na proposta do Governador, e mandou um de seus seguidores envenená-lo.

A última personalidade importante na história de resistência negra é Dandara dos Palmares, uma das líderes femininas guerreiras que lutou a favor da libertação e autonomia dos escravos negros, durante o período escravocrata brasileiro. Sabe-se que cometeu suicídio para que não retornasse à sua condição de escrava, após ser presa novamente. Sua história não possui muitos registros e está encoberta de mistérios. Dandara me faz lembrar-se da personagem Bertoleza, do livro “O Cortiço”, de Aluísio de Azevedo, que do mesmo modo, também comete suicídio para não retornar às atividades abusivas escravistas. Ainda há muito do que gostaria de falar sobre histórias de personalidades que lutaram em prol do fim da escravidão, principalmente figuras femininas, no entanto, o objetivo principal deste texto, é reconhecer o motivo da Consciência Negra.

Figura 5: fotografia sem título, por Carlos Vergara

Pessoas negras passaram por mais de 300 anos de subjugação brutal em troca de poucos recursos para sua sobrevivência. Pode-se dizer que a “carta de alforria” foi para diminuir despesas, pois a população negra ficou sem suporte para que pudesse ascender e assim, essa falta de alicerce que os ajudasse e promovessem direitos básicos passou a ser hereditário, com negros sofrendo de abusos e sendo submetidos a trabalhos secundários.

Desse modo, faço essa pergunta em relação ao Dia da Consciência Negra. Consciência para quem? A “Consciência” não seria apenas para nós, negros. Seria para que todos aqueles que não enxergam que o racismo ainda é uma questão presente no Brasil e em vários lugares do mundo. Para que percebam que nunca houve um tratamento igual entre pessoas negras e não negras. E que com essa reflexão, pessoas negras e não negras, comecem e que continuem a procurar e criar formas de combate ao racismo; para que por fim, façam valer a pena a luta das personalidades que citei nesse texto e muitas outras que gostaria de ter citado.

REFERÊNCIAS:

Conheça Aqualtune, avó de Zumbi dos Palmares. Disponível em: <https://www.ceert.org.br/noticias/historia-cultura-arte/12428/conheca-aqualtune-avo-de-zumbi-dos-palmares>. Acesso em: 22 de Novembro de 2018.

Aqualtune: princesa no Congo, mas escrava no Brasil (cordel biográfico). Disponível em: <https://www.geledes.org.br/aqualtune-princesa-no-congo-mas-escrava-no-brasil/> Acesso em: 22 de Novembro de 2018.

Ganga Zumba, biografia. Disponível em: <https://www.todamateria.com.br/ganga-zumba/> Acesso em: 22 de Novembro de 2018.

Ganga Zumba: herói ou traidor? Disponível em: <https://www.recantodasletras.com.br/artigos/1032080> Acesso em: 22 de Novembro de 2018.

Personalidades negras – Dandara. Disponível em: <http://www.palmares.gov.br/?p=33387>. Acesso em: 22 de Novembro de 2018.

Negros no Brasil: quem foi Dandara dos Palmares? Disponível em: <http://nossacausa.com/negros-no-brasil-quem-foi-dandara-dos-palmares/>. Acesso em: 22 de Novembro de 2018.

BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História sociedade & cidadania: volume único. 1ª edição. São Paulo: Editora FDT, 2011.