Saúde Mental na infância: reflexões sobre o ato de cuidar

A saúde mental na infância é um tema que necessita ser amplamente estudado e discutido nos diferentes espaços públicos, observando as especificidades das condições de saúde de crianças e adolescentes. No entanto, o tema não costuma ser alvo central de discussões na saúde pública. Sobre a saúde mental na infância, uma reflexão importante é: o que representa o cuidado em se tratando dessa demanda na prática?

Cuidar pode ter diversos significados, mas o cuidado no trabalho de saúde em geral, deve ser pensado “para o trabalho que se dá na relação, para além dos protocolos que cuidam do corpo biológico, pensando nas lógicas que constituem as relações no campo da Política de Saúde” (BATTISTELLI; CRUZ, 2016, p. 190). Sendo esse conceito um importante norteador de um olhar acerca do ato de cuidar em saúde mental infantil.

Uma política de saúde mental na infância deve favorecer a construção de uma visão integralizada das problemáticas de saúde envolvidas no desenvolvimento infantil, bem como a ampliação de políticas públicas, de modo a possibilitar a transformação e superação dos modelos de intervenção que ainda são comumente executados no tratamento dessas demandas. Mas como superar tais modelos?

Pensar e implementar as práticas direcionadas ao cuidado com crianças e adolescentes é algo desafiador. A construção dessa demanda na perspectiva do cuidado vai além dos protocolos biológicos e, infelizmente, ainda não está presente nas ações direcionadas a demanda da saúde mental infantil.

Segundo Battistelli e Cruz (2016, p.191) o cuidado deve perpassar “pela expressão de percepções, sentidos e análises atribuídas às vivências”, no qual a criança é compreendida, sendo observado o seu contexto, a sua subjetividade e as suas relações, algo que impacta diretamente a forma como se constrói a atenção a saúde mental na infância.

Battistelli e Cruz (2016, p.199) ainda acrescentam que, infelizmente, “As saídas mais fáceis, muitas vezes, são disfarces para práticas institucionalizadas que repetem antigos padrões de tratamento […]”, reforçando uma concepção ultrapassada de saúde mental com foco na doença.

Fonte: encurtador.com.br/opyzZ

Em se tratando de infância, isso se torna ainda mais crítico, no sentido de não haver estratégias de enfrentamento para as questões peculiares pelas práticas de cuidado, nos espaços de atendimento para essa faixa etária, ou mesmo, da dificuldade de compreensão dessas questões, que em sua maioria dizem respeito à história de vida e familiar da criança, sendo mais fácil e adequado oferecer essa possibilidade real de atendimento logo que a queixa se apresenta.

Com o objetivo de fazer reflexões acerca de situações que de fato são alvos de uma intervenção psiquiátrica voltada para a infância em nossa sociedade, alguns questionamentos são levantados, enquanto recurso terapêutico ou de ampliar o olhar de modo a “pensar o sujeito integralmente, considerando sua subjetividade, singularidade e visão de mundo (BATTISTELLI; CRUZ, 2016, p. 192)”, para efeito de uma intervenção numa perspectiva de articulação dos princípios do Sistema Único de Saúde – SUS, Sistema Único de Assistência Social – SUAS e Estatuto da Criança e Adolescente – ECA, enquanto políticas que reconhecem outras estratégias de cuidado para crianças e adolescentes.

A rede de cuidados é reflexo do impacto de como se representa o ato de cuidar. Nela, as linhas de cuidado devem se pautar numa intervenção que tenha como aspecto central o sujeito e sua subjetividade, observando o contexto no qual este está inserido, valorizando suas potencialidades. Tais serviços de saúde devem romper com a lógica institucionalizante, adotando em sua práxis a lógica dialética e reflexiva, na qual o cuidado se constrói a partir da necessidade do outro, respeitando sua visão de mundo e valorizando sua co-participação na construção do projeto terapêutico (MERHY; FEUERWECKER, 2010).

Couto, Duarte e Delgado (2008, p. 391), evidenciam a defasagem na atenção em saúde mental para crianças e adolescentes no Brasil, contrastando com a magnitude dos problemas e as consequências a eles associadas. No geral, as especificidades dessa faixa etária não têm sido contempladas, para efeito da criação de políticas de prevenção, promoção e intervenção em saúde mental que beneficiem esse público.

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Alguns fatores podem ter influenciado a falta de discussões e debates, nos diversos espaços públicos, para estruturação de uma rede ampla de proteção à criança, no que concerne principalmente à inclusão da pauta saúde mental na infância, que aconteceu tardiamente a política nacional de saúde mental.  São eles:  extensa e variada quantidade de problemas que emergem nessa faixa etária, tornando complexas a avaliação diagnóstica e situacional; falta de conhecimento das consequências na vida adulta associadas aos transtornos mentais na infância e adolescência; inexistência de evidências que comprovem a eficácia e efetividade no tratamento dos transtornos mentais na infância e a falta de articulação entre os setores de proteção que atendem à demanda de saúde mental nesse segmento (COUTO; DUARTE; DELGADO, 2008).

Quando pensamos as práticas de intervenção na saúde mental infantil, o cenário é de desafios, pois o que acontece na maioria das vezes “são disfarces para práticas institucionalizadas que repetem antigos padrões de tratamento, pois reforçam uma concepção de saúde mental, onde a doença é o foco e o sujeito objeto” (BATTISTELLI; CRUZ, 2016, p. 199). Ou seja, ainda quando se deseja inovar, os riscos de continuar com práticas que reproduzem uma lógica que precisa ser superada, no dia a dia, é o que se apresenta.

Para Battistelli e Cruz (2016, p.199) “não produzir crianças loucas” será uma responsabilidade de uma rede de cuidados que envolve os profissionais e a família, observando a integralidade do sujeito, que necessita ser ouvido, protegido e defendido, enfrentando novas formas de agir e respeitando o universo infantil como algo primoroso e diferenciado.

O desenvolvimento de uma política de saúde mental que priorize a infância e adolescência se faz urgente e necessária, observando o que já foi exposto. No entanto, desafios como: a estruturação da rede, o aumento dos Centros de Atenção Psicossociais voltados para a infância, ambulatórios de atendimento e demais dispositivos devem ser enfrentados e efetivados na prática, bem como a implantação de uma metodologia compatível, que supere um modelo de priorização da institucionalização, uma maior cobertura do atendimento e a articulação entre os diversos setores para a constituição de uma rede eficaz de cuidado a criança e ao adolescente.

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Referências:

COUTO, M.C.V. DUARTE, C.S. DELGADO, P.G.G. A saúde mental infantil na Saúde Pública brasileira: situação atual e desafios. Rev. Bras. Psiquiatr. 2008;30(4):390-8. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-44462008000400015. Acesso: 05/03/2021.

BATTISTELLI, B. M. CRUZ, L.R. Saúde Mental na Infância: cuidado e cotidiano nas políticas públicas. Rev. Polis e Psique, 2016; 6(3): 187 – 205. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2238-152X2016000300011. Acesso: 05/03/2021.

MERHY, E. E., FEUERWECKER, L. GOMES, M. P. C.  Da repetição à diferença: construindo sentidos com o outro no mundo do cuidado. Em T.B. Franco (Org.). Semiótica, afecção & cuidado em saúde(pp.60-75). São Paulo: Hucitec, 2010.

Assistente Social (UFPI), bacharel em Direito (UNIRG) e Acadêmica de Psicologia pelo Ceulp/Ulbra. Pós-graduação em Saúde Pública (FAINTER), em Saúde Mental (AVM) e em Prevenção e tratamento do uso e abuso de substâncias psicoativas (FASEM). Trabalha como Assistente Social na Polícia Militar do Tocantins.