Viver Sem Endereço: realidades vivenciadas nas ruas

O contexto das ruas demonstra, em sua maioria, uma enorme hostilidade; sobreviver nas ruas é um ato de extrema batalha pela vida, dia após dia. As diversas histórias e vivências mostram o quão difícil é a dura realidade das pessoas em situação de rua, sendo que há um maior destaque para aquelas que moram nas ruas por não ter um outro lugar para ir.

Em “Shelter: Viver sem endereço”, filme dirigido por Paul Bettany, é possível observar, através da dramaturgia, um pouco dessa realidade. No início, Tahir (Interpretado por  Anthony Mackie) é um imigrante Nigeriano, que vive como morador de rua, nos Estados Unidos, em Nova York. A situação de Tahir é algo comumente visto dentre as pessoas imigrantes que ao saírem do seu país natal, por diversos motivos, em maioria por fuga de conflitos armados ou fome e pobreza extrema, passando então a viver em situação de rua em outros países. 

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No Brasil, há um grande fluxo de pessoas imigrantes, sendo considerado o principal país de acolhida na América do Sul no qual a cidade de São Paulo é onde há maior concetração da população imigrante no país (MIRANDA; RIBAS,2018).

Um estudo realizado por Miranda e Gomes (2018), revela que durante uma forte imigração de haitianos no Brasil, houve uma onda de preconceito com os mesmos, nos quais envolviam discursos de que os mesmos estavam “roubando vagas de atendimentos” dos brasileiros, ou trazendo doenças para o país, citando a “ebola”. 

Nas cenas iniciais do filme nos deparamos com uma atitude preconceituosa quando Tahir se mostra educado e o policial que o atende responde-o de forma grosseira. O preconceito para com os imigrantes, ou para com pessoas de outras etnias e/ou referências geográficas é caracterizado como xenofobia.

A palavra xenofobia vem do grego, da articulação das palavras xénos [ξένος] (estranho, estrangeiro) e phobos [φόβος] (medo), significando, portanto, o medo, a rejeição, a recusa, a antipatia e a profunda aversão ao estrangeiro […] A xenofobia pode se manifestar de diferentes maneiras, desde como uma simples recusa de aproximação, convivência ou contato com o estrangeiro até através de atitudes extremadas de agressão e tentativa de eliminação física ou simbólica do ser estranho (De ALBUQUERQUE JUNIOR, 2016, p.9).

O protagonista volta para as ruas após ser detido e posteriormente liberado por cometer um delito, mas ao chegar em seu “canto”, o lugar onde dorme, percebe que suas coisas foram furtadas por outras pessoas em situação de rua. Ao sair a procura de mantimentos para passar a noite, ele avista uma mulher que está com um de seus pertences, sendo a outra protagonista do filme, Hannah (Interpretada por Jennifer Connelly), que costuma pedir dinheiro e mostra um cartaz escrito “I used to be someone” (Eu costumava ser alguém).

 

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A frase no cartaz de Hannah muito diz acerca da invisibilidade que as pessoas sofrem no contexto da situação nas ruas, sendo por muitas vezes ignoradas, tal cartaz mostra-se como uma forma de chamar atenção, mas também muito diz sobre como as pessoas em situação de rua se sentem, como se não fossem alguém, por estar ali. Segundo Costa et al. (2019, p. 226),

A PSR [Pessoa em Situação de Rua] que é invisibilizada também pode ser percebida, com certeza, mas não notada. Ou ainda. É ignorada justamente porque, para quem invisibiliza, o outro não reúne características que provocam empatia. As qualidades das PSR não apetecem a quem os invisibiliza. Geralmente as pessoas veem as outras a partir do lugar que ocupam na sociedade. Está aí a causa imediata da maior parte da invisibilidade que atinge as PSR.

Na trama, os protagonistas se apaixonam e passam a viver nas ruas, porém, as causas que levaram ambos à essa situação, se dão de maneiras diferentes. Hannah, está ali após uma tragédia familiar, sendo que a mesma tem problemas de drogadição. A personagem tem um vício em heroína, relatando em uma cena que tal vício é uma forma de entorpecimento da dor que ela sente.

A realidade de pessoas em situação de rua é comumente repleta de dificuldades a serem enfrentadas, tais dificuldades podem ser consideradas como o ponto substancial que induz tal população a fazer uso de drogadições com a tentativa não apenas de fugir da realidade, mas de proteger-se da mesma ou até mesmo de evitá-la (De MATOS, 2018, p.4).

Por outro lado, Tahir não apresenta problemas com drogadição. Sendo muito importante destacar que o filme mostra a quebra do tabu relacionado há um grande preconceito no qual presume-se que toda pessoa em situação de rua faz uso de drogas. 

Durante o filme, ambos os protagonistas revelam um ao outro sobre seu passado e, a partir daí começam a tentar sair daquela condição em que se encontram. Durante o decorrer da história acontecem inúmeras reviravoltas, e o filme não traz consigo o “Felizes Para Sempre” que estamos acostumados a ver nas tramas, mas, revela situações de dor e sofrimento que na qual as pessoas em situação de rua carregam consigo, bem como assédios, violência física, fome, doenças e outras tantas facetas das ruas vivencias por esses indivíduos.

 

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O filme em si, traz também cenas pesadas, mas que nos demonstram que muitas situações ruins poderiam ser evitadas, mas não foram pelo simples fato da falta de empatia que sofrem essas pessoas, portanto a obra carrega uma mensagem muito forte e com lições acerca dos estigmas envolta dessas pessoas.

“Shelter: Viver Sem Endereço” pode ser encontrado na plataforma da Apple TV e está disponível no Youtube (Em inglês, com boa qualidade de imagem e em português com imagens de menor qualidade).

Referências

DE ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz. Xenofobia: medo e rejeição ao estrangeiro. Cortez Editora, 2016.

DE MATOS, Ana Carolina Nunes. População em situação de rua: a drogadição como escape para fuga da realidade. 2018. Disponível em: População em situação de rua: a drogadição como escape para fuga da realidade (psicologia.pt)

COSTA, Noélio Martins et al. A rua como lar: invisibilidade de pessoas em situação de rua no centro de Manaus. 2019. Disponível em: TEDE: A rua como lar: invisibilidade de pessoas em situação de rua no centro de Manaus (ufam.edu.br)

GOMES, Janaína Dantas Germano; MIRANDA, Juliana Rocha. Interações entre migrantes internacionais e brasileiros em situação de rua em São Paulo: reflexões sobre a narrativa de “disputa por vagas” nas políticas públicas locais. Cadernos de Direito, v. 18, n. 34, p. 101-125, 2018. Disponível em: Cad-Direito-Unimep_n.34.pdf (mpsp.mp.br)

MIRANDA, Juliana Rocha; RIBAS, Luciana Marin. Imigrantes e refugiados em situação de ruaCadernos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, p. 91, 2018. Disponível em: www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/Cad-Def-Pub-SP_n.11.pdf#page=91