Desafios e Estratégias para Inclusão Efetiva de Alunos com Transtorno do Espectro Autista no Sistema Educacional Brasileiro

Uma Análise Crítica das Barreiras Atuais e Propostas de Intervenção para Promover a Plena Participação e Desenvolvimento dos Alunos com Transtorno do Espectro Autista nas Instituições de Ensino do Brasil

 Gustavo Locatelle Fernandes da Cunha –  gustavolfcunha@hotmail.com  

 

No contexto educacional contemporâneo, a inclusão e garantia de direitos para alunos com transtorno do espectro autista (TEA) constituem um dos temas mais relevantes. O autismo, caracterizado como uma condição neurodiversa que influencia a comunicação e o comportamento, exige uma abordagem educacional especializada e sensível. As legislações e políticas educacionais brasileiras evoluíram significativamente para atender a essas necessidades, criando um ambiente de aprendizado mais inclusivo e equitativo para todos.

A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, estabelecida em 2008, garante o Atendimento Educacional Especializado (AEE), oferecendo uma gama de recursos e possibilidades para assegurar uma educação de qualidade que considere a diversidade dos alunos na sala de aula (Brasil; 2008). Garcia, Bacarin e Leonardo (2018) destacam que as escolas têm o compromisso de atender à diversidade humana, adaptando-se às necessidades individuais de cada aluno, sem excluir aqueles considerados “diferentes”.

As crenças e experiências dos professores exercem uma influência significativa sobre o processo ensino-aprendizagem. Conforme Sanini e Bosa (2015), as crenças dos educadores, moldadas por suas vivências, impactam diretamente na educação tanto de alunos com deficiência quanto daqueles sem deficiência. No entanto, apesar da existência de políticas públicas de inclusão, há desafios no processo de inclusão de crianças com autismo, como evidenciado em estudos brasileiros que apontam para as dificuldades enfrentadas pelos professores nesse contexto (Schmidt et al., 2016).

O ensino de crianças com TEA é complexo, devido aos desafios impostos pelo próprio espectro, que inclui déficits em comportamento, socialização e comunicação. Pimentel e Fernandes (2014) observam que, embora essas crianças apresentem desenvolvimento desadaptado nessas áreas, são capazes de extrair e internalizar algumas pistas do meio linguístico para uso contextual em sua vida social.

A inclusão eficaz de um aluno com TEA implica na necessidade dos professores de estabelecerem vínculos com seus alunos e entenderem a dinâmica das relações entre eles, para então elaborar estratégias de ensino que beneficiem a aprendizagem de toda a turma. Tais estratégias devem estimular a participação e interação entre os alunos (Favoretto; Lamônica, 2014).

Pesquisas indicam que estratégias diferenciadas adotadas pelos professores favorecem a aprendizagem de alunos com TEA (Aporta; Lacerda, 2018; Favoretto; Lamônica, 2014). No entanto, é comum que os professores criem representações sociais sobre o aluno com TEA, seu diagnóstico e desenvolvimento, influenciando a prática pedagógica. Favoretto e Lamônica (2014) sugerem a necessidade de os professores buscarem atualizações de conhecimento sobre o assunto, incluindo suporte de uma equipe interdisciplinar para lidar com as questões internas e aspectos relacionados à educação desses alunos.

As concepções dos professores sobre inclusão e a construção de vínculos com a escola e com o aluno são cruciais neste processo. Alves (2016) destaca a importância do trabalho colaborativo entre o professor da turma e o educador especial para favorecer o ensino-aprendizagem de uma criança com TEA.

Dessa forma, fica evidente que a inclusão de alunos com TEA no sistema educacional brasileiro é um processo complexo que requer não apenas políticas públicas robustas, mas também uma abordagem pedagógica adaptada e sensível por parte dos educadores, considerando as necessidades individuais de cada aluno e promovendo um ambiente de aprendizado inclusivo e justo para todos.

                                                                                    Fonte: Pixabay, imagem de Tho-Ge

A Lei Berenice Piana (Lei Federal n° 12.764/12) representa um marco significativo na educação inclusiva de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) no Brasil. Essa legislação aborda os mecanismos para a efetivação dos direitos à educação das pessoas com TEA, incluindo a garantia de diagnóstico precoce, tratamento, terapias, educação e proteção social (Souza Junior, 2023). No entanto, apesar dessas garantias legais, a inclusão efetiva desses indivíduos no sistema educacional enfrenta desafios práticos e conceituais.

No contexto do ensino superior, por exemplo, Tiago Abreu, mestre em Comunicação e autor do livro “O que é neurodiversidade?”, destaca a subnotificação de casos de autismo como um desafio significativo. Muitos indivíduos com autismo não se declaram como tal ou não são diagnosticados, resultando em uma evasão não identificada nas universidades. Essa situação é agravada pela falta de demanda concreta por ações que permitam a permanência desses estudantes no ambiente universitário (Vaz; 2023).

Além disso, William Chimura, ativista autista e pesquisador de Tecnologias Digitais para Educação, salienta que o conceito de aprendizagem, especialmente em relação ao autismo, é mais amplo do que a educação formal. A aprendizagem ocorre continuamente e de maneira atípica no autismo. Ele também destaca a importância da intersetorialidade no desenvolvimento de políticas e ações para o atendimento à pessoa com TEA, conforme preconizado pela Lei Berenice Piana (Vaz; 2023).

Essas análises evidenciam que, apesar dos avanços legais trazidos pela Lei Berenice Piana, ainda existem barreiras significativas para a efetiva inclusão educacional de pessoas com TEA. É necessário um esforço contínuo para superar os obstáculos práticos e conceituais, bem como promover uma conscientização mais ampla sobre as necessidades educacionais desses indivíduos.

As legislações e políticas educacionais brasileiras, como a Constituição Federal e a Lei nº 12.764/12, demonstram um compromisso com a inclusão e o acesso igualitário à educação para pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). No entanto, essas medidas enfrentam desafios significativos na prática.

Um dos maiores desafios é a preparação dos professores para receber alunos com autismo. Muitas vezes, os educadores não estão adequadamente capacitados para lidar com as necessidades específicas desses alunos, o que pode comprometer o processo de inclusão (Oliveira, 2020). Além disso, alunos com TEA apresentam características variadas que podem afetar suas relações com outras pessoas e sua linguagem, exigindo apoio especializado no processo de ensino-aprendizagem (Oliveira, 2020).

Outro aspecto crítico é a necessidade de adaptar o currículo para atender às diferenças individuais dos alunos. Essa adaptação curricular é essencial para promover a aprendizagem e o desenvolvimento do aluno com autismo (Oliveira, 2020).

Além disso, é necessário desenvolver metodologias de aprendizagem específicas para que o aluno com TEA consiga se comunicar e se desenvolver adequadamente. Isso exige do professor não apenas formação acadêmica, mas também sensibilidade e perspicácia para compreender e trabalhar com esses alunos (Oliveira, 2020).

Portanto, enquanto as legislações e políticas estabelecem a base para a inclusão de alunos com TEA, a implementação efetiva desses direitos educacionais exige uma abordagem mais holística, que inclua capacitação profissional adequada, adaptações curriculares e metodologias de ensino especializadas.

A Constituição Federal do Brasil desempenha um papel crucial na garantia dos direitos educacionais das pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Ela assegura a educação como um direito de todos, estabelecendo a igualdade de condições de acesso e permanência na escola para todos, incluindo alunos com TEA. Essa garantia é reforçada pela Lei nº 12.764/12, que assegura direitos fundamentais como a vida digna, a integridade física e moral, a segurança e o lazer, além de proteção contra abusos e explorações (Jus.com.br, 2016).

No entanto, a inclusão efetiva de alunos com TEA vai além das garantias legais. Ela requer práticas educacionais adaptadas e professores capacitados para atender às necessidades específicas desses alunos. Isso envolve não apenas a adaptação curricular, mas também o desenvolvimento de um ambiente acolhedor e compreensivo, que respeite as particularidades do autismo. A realidade mostra que, apesar do arcabouço legal robusto, a implementação prática ainda se encontra distante do ideal, com lacunas nas políticas sociais, falta de informação, conscientização e capacitação profissional para lidar com alunos autistas (Viana, 2023).

Em conclusão, os direitos educacionais das pessoas com TEA no Brasil estão bem estabelecidos e protegidos por uma série de leis e políticas. Essas medidas são fundamentais para assegurar a igualdade de oportunidades e a inclusão efetiva no ambiente escolar. Contudo, a implementação desses direitos requer uma mudança cultural e a adoção de práticas pedagógicas inclusivas. A educação é um direito de todos, e garantir seu acesso a pessoas com TEA é um passo crucial para construir uma sociedade mais justa e inclusiva.

 

 

REFERÊNCIAS

  1. Alves, D. E. (2016). O autismo e o processo de inclusão na perspectiva escolar: análise de caso na escola Professora Ondina Maria Dias, em Tijucas/Santa Catarina. Curso de Especialização EaD Gênero e Diversidade na Escola. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, SC, Brasil.
  2. Aporta, A.; Lacerda, C. B. F. (2018). Estudo de Caso sobre Atividades Desenvolvidas para um Aluno com Autismo no Ensino Fundamental I. Revista Brasileira de Educação Especial, 24(1), 45-58.
  3. Brasil. (2008). Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília: MEC. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf.
  4. Conteúdo Jurídico. (2023). A importância da Lei 12.764 para a efetivação do direito à educação da criança autista. Disponível em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/50207/a-importncia-da-lei-12-764-para-a-efetivao-do-direito-educao-da-criana-autista.
  5. Favoretto, N. C.; Lamônica, D. A. C. (2014). Conhecimentos e necessidades dos professores em relação aos transtornos do espectro autístico. Revista Brasileira de Educação Especial, 20(1), 103-116.
  6. Garcia, R. A. B.; Bacarin, A. P. S., & Leonardo, N. S. T. (2018). Acessibilidade e permanência na educação superior: percepção de estudantes com deficiência. Psicologia Escolar e Educacional, 22(spe), 33-40. https://dx.doi.org/10.1590/2175-3539/2018/035.
  7. Jus.com.br. (2016). Lei nº 12.764/2012: Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/48333/lei-n-12-764-2012-direitos-da-pessoa-com-transtorno-do-espectro-autista.
  8. Lume UFRGS. (2023). Lei Berenice Piana: O direito dos autistas à educação, análise das opiniões de usuários sobre a efetividade da legislação e principais desafios. Disponível em: www.lume.ufrgs.br.
  9. Pimentel, A. G. L.; Fernandes, F. D. M. (2014). A perspectiva de professores quanto ao trabalho com crianças com autismo. Audiology: Communication Research, 19(2), 171-178.
  10. Portal CNJ. (2023). Lei Berenice Piana: Ensino para autistas demanda dados e iniciativa no sistema de ensino. Disponível em: www.cnj.jus.br.
  11. Revista Educação Pública. (2020). Autismo e inclusão escolar: os desafios da inclusão do aluno autista. Disponível em: educacaopublica.cecierj.edu.br.
  12. Sanini, C.; Bosa, C. A. (2015). Autismo e inclusão na educação infantil: Crenças e autoeficácia da educadora. Estudos de Psicologia 20(3), 173-183.
  13. Schmidt, C.; Nunes, D. R. P.; Pereira, D. M.; Oliveira, V. F.; Nuernberg, A. H.; Kubaski, C. (2016). Inclusão escolar e autismo: uma análise da percepção docente e práticas pedagógicas. Psicologia: teoria e prática, 18(1), 222-235