Pequeno tratado pessoal sobre a beleza da bissexualidade e do amor romântico

Apesar de ser uma mulher acadêmica em sua essência, tenho tentado me desvincular da ideia de que sou apenas isso (afinal, quando nos encontramos demais em algo a consequência é que a gente se perca no resto). Assim, quando pensei em escrever algo sobre bissexualidade, decidi que seria um relato pessoal e não uma reflexão crítica. Acredito que as coisas na vida às vezes merecem e devem ser leves. E ultimamente, tudo em mim tem desejado a leveza. A partir dessa reflexão, percebi o quanto minha sexualidade é, hoje, vivida por mim com leveza, amor e sem cobranças, mas nem sempre foi assim. Esse, portanto, é um pequeno tratado sobre a beleza que enxergo na bissexualidade e as facetas do amor romântico.

Antes de qualquer coisa, quero deixar aqui a definição de bissexualidade feita pela Frente Bissexual Brasileira “Existimos. Bissexuais são pessoas para quem o gênero não é um fato determinante da atração sexual e afetiva. Não existe um jeito certo ou errado de ser bissexual, apenas somos.” (Frente Bissexual Brasileira, 2021). Não sei se é assim com você também, mas quando leio isso, meu coração se enche de amor e paz. Como já falei, tenho procurado a leveza em todas as coisas da minha vida e, para mim, nada é mais belamente leve do que essa pequena definição, do que esse pequeno vislumbre da liberdade.

No entanto, é claro que nem sempre foi assim e se você não consegue ainda enxergar essa beleza ou sentir essa leveza, vamos conversar um pouco.

Não é novidade para ninguém que as ideias pré-concebidas sobre como devemos amar são socialmente impostas e muitas vêm das raízes cristãs da formação da sociedade ocidental. Sou aluna de história e sei o quanto academicamente e socialmente isso é debatido, mas no âmbito pessoal, esquecemos-nos de nos olhar a fundo e fazer um carinho na cabeça da nossa criança interior confusa que pensa “mas você sempre foi assim, por que mudou de repente?”. Estou aqui para dizer que a confusão, o medo e a hesitação são normais. Quando me descobri bissexual, há muito tempo já tinha criado consciência dos ditames sociais que tentam nos moldar, nunca tive apego especial a igreja ou religião e até tinha amigas LGBTQIA+ no meu círculo social, mas me faltava o mais importante: quebrar minhas ideias pré-concebidas sobre amor romântico, criadas desde a infância.

Faltava que eu me sentasse, frente a frente com a minha criança interior, que sempre sonhou em encontrar um príncipe encantado da Disney e dissesse “Ei, garota, não se assuste! Podemos amar quem quisermos agora.”

A confusão com a descoberta da sexualidade é algo normal e natural. Se acolha nesse momento. A desvinculação com os padrões de pensamento que nos impuseram é fácil na teoria. É aceitável na teoria. É difícil na prática. É árduo na prática. Mas tudo na prática, é mais difícil. Especialmente quando se trata de nós e dos pedaços de quem somos. Afinal, nossa sexualidade não é nada além disso: um pedaço do que somos. Um belo pedaço do que somos. E é isso que eu gostaria de ter compreendido desde o começo: a beleza da bissexualidade.

Mas para entender a beleza que há em deixar suas barreiras caírem e amar independente do gênero, devemos compreender a beleza do amar. E aqui, falo do amor romântico, não a única forma de amor no mundo, mas aquela que sempre foi escancarada para nós desde a infância (como podemos perceber pelas nossas ilusões românticas envolvendo príncipes da Disney). Acredito muito verdadeiramente que fomos ensinados a forma errada de enxergar o amor romântico, sempre o almejando como se não pudéssemos existir sem ele, o que nos fez colocar um peso enorme nessa forma de amar e esquecer, não só das outras formas de amor, mas também deturpar o que é de fato amar apaixonadamente alguém. Assim, como diz Vinicius de Moraes:

“Amo-te afim, de um calmo amor prestante,

E te amo além, presente na saudade.

Amo-te, enfim, com grande liberdade

Dentro da eternidade e a cada instante.”

Percebem como existe uma beleza inerente em entregar coração, corpo e alma a alguém? Nos despimos de nossas barreiras. Sendo assim, o amor romântico é livre em sua essência existencial. Afinal, a questão não é sobre *quem* amamos, mas sim sobre *como* amamos. Se amamos de forma fria, morna, quente ou se deixamos tudo pegar fogo. Se estamos dispostos a nos entregar, confiar, construir uma vida juntos e dispostos a viver a tranquilidade dessa vida. Evitando os receios, escapando da ansiedade. Sendo assim, não existe nada mais belo do que amar sem receios.

Se o amor romântico existe como sentimento, como entidade, como algo sem receios. Se desde os gregos antigos falamos de amor, passando por Safo, Camões, Shakespeare, Luís de Azevedo e os contemporâneos, então o amor romântico existe como livre e fluido. E no fim, me atrevo a dizer que não existe nada mais sem receios do que deixar nossos estigmas para trás e aceitar quem somos em sua raiz. Como eu já disse, deixe suas barreiras caírem.

A partir disso, você estará se abrindo não só para amar o outro, mas para se amar também. E então, a percepção da beleza da sua sexualidade, a beleza da bissexualidade virá até você em uma tarde de domingo quando estiver deitada em sua cama, mexendo no celular. De repente, você irá perceber o quanto se entregou e amou por inteiro independente do gênero. Segurou a mão, olhou nos olhos e se encantou pela beleza do ser pelo qual se apaixonou, e então se sentiu imensamente livre. E imensamente orgulhosa de si por ter percebido como deixou suas ideias pré-concebidas, seus estigmas, suas barreiras caírem, para apenas amar. Para apenas gostar. Para apenas se apaixonar. Para apenas se deixar levar.

Em momento algum quero que se sinta desvinculada das questões sociais e políticas que permeiam nossa sexualidade. Mas aqui, quero que grave fundo em seu coração, assim como eu gravei, que sua sexualidade, além de não ser um erro, carrega uma beleza única de nos perceber capazes de amar sem barreiras. A beleza única de nos aceitar como amantes de nós mesmos e de vermos o belo que existe em nós e nas nossas relações. Deixar a culpa e os medos irem embora.

Talvez tenha algum tempo que você não pense sobre isso. Eu entendo, também me esqueço às vezes. Sempre que me esqueço, começo a me cobrar coisas incabíveis, cobranças que não são verdadeiramente minhas, mas sim, que os outros colocaram em mim. Sempre que me esqueço e sinto culpa, raiva ou não pertencimento, me lembro que meus amores e paixões pertencem apenas a mim e a ninguém mais. Me lembro que o amor romântico é, em essência, livre.

Eu espero que da próxima vez que estiver em uma roda de amigos e te perguntarem quais características você gosta em alguém, e você responder “gosto de pessoas assim e assim”, possa perceber imediatamente o quão belo e livre é amar, se apaixonar, se atrair, beijar pessoas, deixando de lado as barreiras: os gêneros socialmente impostos, o que te disseram desde a infância sobre só poder amar um gênero, a culpa, o gostinho de “eu deveria escolher um gênero?”. Perceba o quanto você se ama plenamente, e o quão lindo todas as formas de amor devem ser.