Tereza Costa: o racismo estrutural deve ser combatido todos os dias

Lucilene da Silva Milhomem Campos – damilhomem44@ gmail.com

 

O (EN) CENA entrevista Tereza Costa, Pedagoga, Especialista em gestão de pessoas, acadêmica de psicologia e que atua como consultora em gestão de pessoas e qualidade. O objetivo da entrevista é possibilitar a reflexão o cotidiano dos efeitos do racismo, bem como, os modos de como ele se apresenta na vida de milhões de brasileiros, já que o país é o que tem a maior população de negros fora da África.

A entrevista enverada sobre a história do racismo, as repercussões na economia, no setor jurídico e nos mais diversos seguimentos da sociedade, assim como, o sofrimento psíquico e os prejuízos sociais. O racismo muitas vezes se manifesta de forma consciente e também inconsciente; sem contar naquelas expressões nas quais são usadas sem imaginar que sejam eivadas de racismo.

(EN) CENA Todos os anos no dia 20 de novembro comemora-se o Dia da Consciência Negra. É uma data simbólica, mas também política, pra você Tereza, o que essa data representa?

Esse dia é sim uma data simbólica e um referencial político, mas também marca o dia da morte de Zumbi dos Palmares, que foi um líder Quilombola, mais especificamente do Quilombo dos Palmares, ele foi um dos maiores símbolos de resistência contra a escravidão em nosso país. E vejo esse dia como sendo uma oportunidade de fazer com que a sociedade em geral tenha a possibilidade de fazer uma reflexão sobre a contribuição do povo negro para a construção da sociedade brasileira, vejo também como sendo um meio para sensibilizar a sociedade sobre a importância de desenvolver a cultura de igualdade racial, e promover a conscientização sobre o racismo estrutural e institucional, além disso, é um momento para reivindicar direitos, denunciar as desigualdades enfrentadas por nós população negra bem como apresentar e debater políticas públicas que visem a inclusão e o combate ao racismo, tendo em vista que somos pessoas de deveres, mas devemos ser vistas também como pessoas com direitos, sendo que o direito e a dignidade humana deve ser mantida.

(EN) CENA – Esse ano no Centro Universitário Luterano de Palmas (CEULP/ULBRA) promoveu o CAOS – Congresso de Acadêmico de saberes em Psicologia e Direitos Humanos, sobre isso você acha que um evento como esse pode contribuir para amenizar, através do conhecimento, o racismo estrutural?

Sim, eventos acadêmicos como o CAOS, Congresso de Acadêmicos de Saberes em Psicologia e Direitos Humanos, com certeza desempenham um papel crucial na luta contra o racismo estrutural. Iniciativas assim geraram espaço para a discussão sobre à psicologia, mas também sobre questões relacionadas aos direitos humanos, que inclui temas cruciais como o racismo e suas implicações. Os debates, apresentações e compartilhamento de conhecimento no CAOS, oferecem uma oportunidade valiosa para o processo de sensibilização dos participantes sobre as complexidades do racismo estrutural, sendo assim uma forma de possibilitar aos acadêmicos chance de ampliar a visão no que diz respeito ao racismo e a interseccionalidade entre a psicologia, os direitos humanos e as questões raciais, permitindo uma compreensão mais profunda das causas e impactos do racismo na sociedade. Com certeza todos que participaram tiveram a chance de ter sua a consciência elevada no que diz respeito ao entendimento sobre o racismo. Um congresso como esse com certeza contribui, na formação de profissionais mais capacitados e engajados na promoção da igualdade racial, o que gera a possibilidade de no futuro próximo, ter mais e melhores políticas públicas. Eventos semelhantes têm o potencial de desencadear mudanças significativas na mentalidade e nas práticas, sendo assim, representa um passo importante para amenizar o impacto do racismo estrutural por meio do conhecimento, da conscientização e por que não do engajamento ativo.

(EN) CENA – Sabemos que durante 300 anos houve o racismo instituído pelo mundo e somente em 1888 institui-se a Lei Áurea, Lei n.º 3.353 de 13 de maio de 1888, concedendo a “liberdade” para os negros. De lá pra cá são 135 anos desde que ocorreu a formalização da “liberdade”. Os negros foram lançado a própria sorte, sem terra, sem trabalho e sem educação. Tereza, hoje os egressos do sistema penitenciário vive situações semelhantes aos que ocorreram lá atrás?

É gravíssima a situação que você descreveu e é de suma importância que a sociedade reconheça que os desafios enfrentados pelos negros ao longo da história, desde a escravidão até os dias atuais, são profundos, persistentes e acaba por deixar marcas na historicidade de cada indivíduo. É inegável que a abolição da escravidão, em 1888, não foi seguida por políticas eficazes de inclusão e acessórios para a população negra e por isso documentalmente a libertação aconteceu, porém estruturalmente a escravidão continuou, em função de não ter sido ofertado possibilidade de aquisição de conhecimento, bem como condições de dignas de trabalho.

E quando observamos a situação atual dos egressos do sistema penitenciário, podemos observar paralelos preocupantes com a história passada tendo em vista a repetição de muitos fatores. Muitos ex-detentos enfrentaram barreiras significativas ao tentar reconstruir suas vidas após o encarceramento, incluindo a falta de acesso a oportunidades de emprego, educação e moradia. Fica claro que algumas dessas dificuldades contribuam para a perpetuação do ciclo de pobreza, marginalização e reincidência no sistema criminoso. É necessário que a sociedade reconheça esses padrões e trabalhe para implementar políticas que promovam a igualdade de oportunidades, combate o preconceito.

(EN) CENA– O Racismo Estrutural, segundo o professor universitário Silvio Almeida (2019), fornece matéria-prima necessária para a reprodução e manutenção de desigualdades e violências. Tereza o que você pensa sobre isso?

É de suma importância que seja considerado e compreendido o conceito de Racismo Estrutural, destacado pelo professor Silvio Almeida. Racismo não é apenas uma questão individual, mas uma estrutura que está inserida em diversas instituições e sistemas, moldando as relações sociais e contribuindo para a manutenção das desigualdades, jugo e violências enfrentadas pela comunidade negra. O racismo está incorporado nas estruturas da sociedade e isso significa que ele vai além de atitudes individuais com ações discriminatórias, está presente em políticas públicas, práticas institucionais, no mercado de trabalho e em diversas outras esferas, contribuindo para a manutenção de disparidades socioeconômicas e a marginalização. Combater o Racismo Estrutural requer uma abordagem abrangente e colaborativa, passando por uma transformação profunda nas bases da sociedade Mundial, porém cada um pode ir fazendo o que pode dentro do pequeno mundinho onde está inserido.

(EN) CENA – Uma das consequências do efeito do racismo são os danos psicológicos, violência, discriminação e exclusão social, desigualdade econômica e social. Tereza, Você, como mulher negra, já experimentou alguma situação dessas?

Sim, como mulher negra, infelizmente, já experimentei diversas situações que refletem as consequências do racismo. A discriminação racial muitas vezes se manifesta de maneiras sutis e por vezes de forma explícita, impactando não apenas minha vida cotidiana, mas também meu bem-estar psicológico. A violência simbólica e estrutural do racismo deixa marcas profundas em nossa autoestima e em nossa saúde mental. Em minha vida cotidiana tenho enfrentado situações de discriminação das mais diversas formas, e isso por consequência por vezes gera em mim um estado de alerta e ansiedade, pois a possibilidade de ser julgada e tratada de maneira injusta apenas por minha cor de pele, é uma constante, outro ponto que gera ansiedade e a necessidade de estar todo o tempo tendo que provar que tenho tanta capacidade como uma pessoa que tem a pele “clara”. Por muito tempo eu tentei abafar dentro de mim essa ideia de que estava sendo vítima de algo tão grotesco como o racismo, fui tentando dar outro significado para tudo que ia enfrentando, muitas vezes ouvi de pessoas o seguinte comentário: ¨ela é preta, mas o serviço é de Branco”, ou a qualquer erro cometido: “preto é assim, quando não faz besteira na entrada, faz na saída”; muitas vezes busquei ressignificar e pensava, deixa para lá é só o modo dessa pessoa se expressar. É uma luta constante para superar barreiras que muitas vezes são impostas e eu para não ficar o tempo todo como a “vítima” da sociedade resolvi simplesmente ignorar olhares e comentários, não é fácil e não sei até onde vai funcionar, tendo em vista que a preconceitos está arraigados na sociedade.

Acredito que seja de suma, é importância aqui destacar que, apesar desses desafios, as experiências negativas não definem a totalidade da minha existência. Mulheres negras como eu, têm uma resiliência incrível, e muitas de nós continuam a lutar contra o racismo, buscando equidade, justiça e a construção de um futuro mais inclusivo para as gerações vindouras.

(EN) CENA – Tereza, o racismo é o processo histórico e político em que são atribuídos vantagens sociais a certo grupos em desvantagem a outros grupos. Segundo Silva Almeida, o racismo é reproduzido e disseminado (enraizado) nas estrutura do Estado, no sistema jurídico, econômico.  Na sua visão, Tereza, o que a sociedade pode fazer para atenuar o racismo e por consequência o sofrimento humano.

É fundamental que consideremos o racismo como um problema complexo e enraizado em diversas instituições e estruturas sociais, o racismo traz consequenciais catastróficas e é necessário reduzir o sofrimento humano, para isso é necessário um esforço coletivo e mudanças em diferentes áreas. Talvez seja utópico meu pensamento, porém segue algumas sugestões; Combate mais ostensivo ao discurso de ódio, políticas públicas mais efetivas, diálogos mais construtivos e que gerem relevância, diante do tema racismo, apoio a Iniciativas Afro empreendedoras, Reforma no Sistema Jurídico, projetos mais consistentes de educação antirracista inclusiva e com iniciação cientifica.

Referências

ALMEIDA, Silvio Luiz de; RIBEIRO, Djamila (Coord.). Racismo Estrutural. São Paulo: Pólen, 2019. 264 p. (Coleção Feminismos Plurais).

Dicionário Antirracista produzido pela Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA. Disponível em https://www.defensoria.ba.def.br/wp-content/uploads/2021/11/sanitize_191121-071539.pdf.

LEI Nº 14.532, DE 11 DE JANEIRO DE 2023 – Lei do crime racial.