Os efeitos do trio Meninas Superpoderosas como uma influência da geração, três personagens com personalidades completamente diferentes se tornando referências do que é ser mulher sem ser princesa.
Giovanna Gomes
O ano é 2004. As crianças ligam a TV logo de manhã cedo para ver desenho, e as meninas ficam focadas em um desenho de super-heroínas. De cores verde, azul, e rosa, pequenas meninas batem em bandidos e defendem a cidade de vilões malignos.
Essa geração cresce, influenciadas pelas figuras femininas delicadas e pequenas que é possível ser heroínas. Não é necessário ser princesas delicadas para serem importantes, surge um desprincesamento em uma geração.
As Meninas Superpoderosas, com nome original de Powerpuff Girls, é uma série de animação que foi exibida no Brasil entre os anos de 1998 até 2005 pela Cartoon Network e SBT. Criada por Craig McCracken, o desenho possui três personagens femininas principais, um cientista tomando o lugar de figura paterna, e diversos vilões (alguns deles até mesmo quebrando normas de gênero, como o personagem Ele).
Lindinha, Florzinha e Docinho são As Meninas Superpoderosas. As três meninas, cada uma com uma cor representativa (Lindinha azul, Florzinha rosa, e Docinho verde), são meninas pequenas, com braços e pés com pontas arredondadas, cabeça um pouco grande para o corpo, e no geral um design inclinado para a fofura. Os episódios contam as façanhas dessas três meninas, na cidade de Townsville As meninas foram geradas a partir de uma experiência genética realizada pelo professor Utônio, cientista de um centro de pesquisa e a referência paterna das crianças.
Tal geração é contada em todos os episódios na abertura, e é muito possível encontrar pessoas que saibam de cor as falas usadas para explicar a origem das personagens heróicas.
“Açúcar, tempero e tudo que há de bom
Estes foram os ingredientes escolhidos para criar as garotinhas perfeitas
Mas o professor Utônio, acidentalmente, acrescentou um ingrediente extra na mistura
O elemento X!
E assim nasceram as meninas Superpoderosas, usando seus ultra-super poderes
Florzinha, Lindinha e Docinho, têm dedicado suas vidas
Combatendo o crime, e as forças do mal!”
Um spoiler que não é contado na abertura, é que na verdade quem derruba o Elemento X não se trata do professor, e sim de seu assistente, um macaco. Tal macaco cresce, se desenvolve, e por ter sua atenção ‘roubada’ das meninas se torna o principal vilão da série, denominado Macaco Louco.
Cada menina superpoderosa tem sua característica e personalidade marcante. Cada uma delas influenciou milhares de meninas, que anos depois se tornaram mulheres, a serem diferentes. Novamente não é preciso ser princesa para ser (algo que a Disney na época não concordava muito visto que as princesas eram exaltadas como o auge da feminilidade). Porém, em diversos momentos a animação mostra reforços do estereótipo de menino/menina, Mas em contraponto elas frequentemente quebram o local de figura passível que aguarda ser salva por um homem.
Vamos começar pela Lindinha. Com sua estética em azul, Lindinha é a personagem loira que usa chiquinhas, de vestido e olhos azuis. Visivelmente mais delicada e sensível do que as outras meninas, Lindinha é a que mais se encaixa no papel de bebê do grupo (tanto é que em muitos momentos ela é chamada de “bebê” pela própria Docinho).
Cheia de contradição, a personagem Lindinha faz o possível para demonstrar que além da sua personalidade e seu exterior, ela consegue ser durona. Isso é um questionamento, uma quebra de imagem, que diversas mulheres passam. Há uma identificação por parte de diversas meninas que são consideradas ‘delicadas demais’, ‘fofas demais’, ‘pequenininha’, e não desejam ter apenas esse rótulo. Em Lindinha as meninas encontraram uma personagem que está em contato com a sua leveza mas que nem sempre quer que esse seja o resumo do seu exterior.
Depois partimos para Florzinha. Marcada pela cor rosa (que muitas vezes aparece como vermelho). Com um laço vermelho grande na cabeça, cabelos ruivos, vestido e olhos cor de rosa, Florzinha é dada como ‘perfeitinha’. Vaidosa, geralmente quem toma a frente no comando das meninas, inteligente e perfeccionista, é difícil ver meninas que tinham a personagem Florzinha como sua favorita.
O histórico que a maior parte das mulheres têm em relação a Florzinha remete muito ao processo de competitividade feminina. A mídia constantemente incentiva mulheres a competir entre si: competir por um cargo, competir por um homem, competir até mesmo por um vestido. As mulheres da mídia que são retratadas como a inimiga da protagonista tendem a ser como Florzinha: perfeitas em quase todos os aspectos.
A última personagem a ser retratada é a Docinho. Com olhos e vestido verde, Docinho tem os cabelos curtos e expressão forte. É ela quem desafia a figura de delicadeza feminina de forma mais acentuada entre as três.
Docinho é retratada o tempo todo como impulsiva, de humor explosivo, com uma agressividade maior do que as outras. Dentre as três, é ela quem mais desafia a figura de que meninas, mulheres, têm que ser princesas. É a partir de Docinho que se ergue o maior fator de desprincesamento proposto pelas personagens principais. Em Docinho, as meninas encontraram uma figura a quem se inspiraram quando precisavam ser fortes. Quando precisavam brigar por algo que queriam, quando viam alguma injustiça, ou simplesmente quando não queriam ser princesas.
Todas as três personagens trazem aspectos diferentes da figura feminina das quais as meninas puderam se espelhar. Em diversos personagens, é possível ver as protagonistas brigando contra estereótipos de gênero atribuídos ao gênero feminino ao mesmo tempo em que não se perdem da sua essência. Um exemplo disso é a relação entre Lindinha e Docinho. Lindinha, por mais que queira ser durona, está feliz e confortável com a sua personalidade e seu exterior mais amável, enquanto Docinho não tem vergonha ou medo de ser durona. Em diversos momentos é possível ver a troca entre essas personagens em relação às suas personalidades, mas em momento algum elas se tornam figuras descaracterizadas de si mesmas.
REFERÊNCIAS:
ALVES, Caroline Francielle; OLIVEIRA, Maria Regina de Lima. “Não me chama de princesa”: o mito da fragilidade feminina e o desprincesamento em “As meninas super poderosas”. II SEJA – Gênero e Sexualidade no Audiovisual da Universidade Estadual de Goiás (UEG), 2017, Junho. V. 2. Pag. 36-49.
SALGADO, Raquel Gonçalves. Da menina meiga à heroína superpoderosa: infância, gênero e poder nas cenas da ficção e da vida. Cad. Cedes, Campinas, 2012. Jan-Abr. Vol. 32, n. 86, p. 117-136.
Tema inicial – Powerpuff Girls (Meninas Super-Poderosas). Disponível em: <https://www.letras.mus.br/powerpuff-girls-musicas/1102948/>. Acesso em 17 de Nov. de 2021.