Os desafios emocionais, práticos e de ajuste da dinâmica familiar diante da chegada do primeiro filho.
Daniela Iunes Peixoto – danielaiunesp@rede.ulbra.br
A dinâmica conjugal é um aspecto fundamental nas relações humanas, e a chegada do primeiro filho é um evento significativo que provoca alterações nessa dinâmica. Segundo a teoria do ciclo de vida familiar, proposta por Duvall (1977), o nascimento de um filho representa uma transição para o casal, que precisa se adaptar às novas demandas e responsabilidades parentais. Essa transição é marcada por mudanças nas rotinas, na divisão de tarefas, na comunicação e na intimidade entre os parceiros. A chegada do bebê demanda uma reorganização das prioridades, tempo e energia, afetando diretamente a relação conjugal.
Um estudo realizado por Doss e Rhoades (2017) destacou que a chegada do primeiro filho pode levar a um aumento na satisfação conjugal para alguns casais, enquanto para outros, pode trazer um declínio na qualidade do relacionamento. Essa variação se deve a diversos fatores, como a adaptação à nova rotina, a divisão de tarefas e responsabilidades, e a gestão do estresse e das demandas familiares.
Um dos principais desafios enfrentados pelos casais é a redistribuição de tarefas e responsabilidades relacionadas ao cuidado dos filhos. Segundo Cowan e Cowan (2014), essa redistribuição pode gerar conflitos, especialmente se não houver uma comunicação aberta e equitativa entre os parceiros. A divisão desigual do trabalho pode levar a sentimentos de sobrecarga e ressentimento, impactando negativamente a satisfação conjugal.
Além disso, a teoria da interdependência, proposta por Kelley e Thibaut (1978), sugere que a presença de filhos pode aumentar os custos percebidos em um relacionamento. O casal pode enfrentar desafios como falta de sono, aumento das responsabilidades financeiras e diminuição da privacidade. Esses fatores podem gerar estresse adicional, levando a conflitos e desgaste na relação conjugal.
Um dos principais impactos da vinda do primeiro filho é a mudança nas responsabilidades domésticas e no papel de cada membro do casal. De acordo com o modelo de divisão de tarefas proposto por Hochschild (1989), há uma tendência culturalmente construída de que as mulheres assumam a maior parte das responsabilidades relacionadas ao cuidado infantil e às tarefas domésticas. Isso pode gerar conflitos e sobrecarga para a mulher, afetando a satisfação conjugal e aumentando o risco de desequilíbrios de gênero na relação.
A teoria da equidade conjugal, desenvolvida por Adams e Jones (1997), argumenta que a percepção de justiça na distribuição de tarefas é fundamental para a satisfação conjugal. No entanto, muitas vezes, as demandas relacionadas aos cuidados infantis recaem de forma desproporcional sobre um dos parceiros, especialmente a mãe. Isso pode levar a sentimentos de sobrecarga, frustração e ressentimento, afetando negativamente a qualidade do relacionamento.
Além disso, o surgimento do primeiro filho também provoca mudanças na comunicação e na intimidade entre os parceiros. Estudos mostram que, muitas vezes, os casais passam a dedicar menos tempo um ao outro e têm menos espaço para a vida conjugal. A atenção e o cuidado são redirecionados para o bebê, o que pode gerar sentimentos de solidão, negligência e desconexão entre os parceiros.
A teoria do apego, desenvolvida por Bowlby (1969), sugere que a relação do casal pode ser afetada pela forma como cada um deles se relaciona com o bebê. Se ambos os parceiros conseguirem desenvolver um apego seguro com a criança, isso pode fortalecer o vínculo conjugal. No entanto, se surgirem dificuldades no processo de adaptação à paternidade e maternidade, como a presença de sintomas de depressão pós-parto, isso pode impactar negativamente a relação conjugal.
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Além dos aspectos já mencionados, é importante considerar as mudanças emocionais e as expectativas que os pais têm em relação ao filho. A chegada de um filho é um momento de grande significado e transformação, repleto de emoções intensas, tanto positivas quanto negativas. Os pais podem experimentar uma ampla gama de sentimentos, como alegria, amor incondicional, preocupação, medo e ansiedade.
Essas mudanças emocionais podem afetar a dinâmica do relacionamento conjugal. Por exemplo, a sobrecarga emocional pode levar a um aumento do estresse e da sensibilidade, o que pode resultar em conflitos e dificuldades de comunicação. As preocupações e ansiedades relacionadas à parentalidade, como o bem-estar do bebê e a capacidade de serem bons pais, podem ser compartilhadas ou expressas de maneiras diferentes por cada um dos parceiros.
Nesse contexto, a capacidade do casal em lidar com essas emoções e em buscar apoio mútuo é crucial para a adaptação à nova realidade. A comunicação aberta e empática é fundamental para expressar as preocupações, medos e expectativas. O compartilhamento dessas emoções pode fortalecer a conexão emocional entre os parceiros e proporcionar um espaço seguro para o apoio mútuo.
Buscar apoio externo também é importante. Amigos, familiares ou grupos de apoio podem desempenhar um papel significativo, proporcionando um espaço de troca de experiências e de suporte emocional. Além disso, a busca de orientação profissional, como a terapia de casal ou aconselhamento parental, pode ser valiosa para auxiliar os pais a lidarem com as emoções e desafios da parentalidade.
As expectativas em relação ao filho também podem influenciar o relacionamento conjugal. Os pais podem ter ideias preconcebidas sobre como será a vida com o filho, alimentando expectativas de perfeição e felicidade constante. No entanto, a realidade muitas vezes é diferente do que foi imaginado, e isso pode gerar frustrações e desapontamentos.
Nesse sentido, é importante que os pais tenham uma visão realista e flexível da parentalidade. Reconhecer que cada criança é única e que haverá momentos de alegria, mas também de desafios, pode ajudar a reduzir a pressão e o estresse. É essencial cultivar a resiliência e a capacidade de adaptação, reconhecendo que a parentalidade é um processo contínuo de aprendizado e crescimento.
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Ademais, ainda há a mudança de prioridades e interesses individuais após o nascimento dos filhos. Os pais podem dedicar a maior parte do seu tempo e energia às necessidades dos filhos, deixando de lado atividades e interesses pessoais e de casal. Essa mudança pode gerar sentimentos de perda de identidade e distanciamento entre os parceiros, afetando a qualidade e a vitalidade do relacionamento.
Outro fator importante a ser considerado é a insegurança que assola o relacionamento diante da situação desconhecida. A pressão social e as expectativas idealizadas sobre a parentalidade podem contribuir para as inseguranças. A sociedade muitas vezes impõe um padrão de perfeição, colocando pressão nos pais para que sejam pais exemplares desde o início. Essa pressão pode levar a um sentimento de inadequação quando surgem dificuldades ou quando as coisas não saem como o esperado.
Também é importante ressaltar o impacto da parentalidade na vida sexual do casal. Pesquisas indicam que a frequência e a qualidade das relações sexuais tendem a diminuir após o nascimento dos filhos, como abordaram Cowan & Cowan (2014). A atenção e o desejo podem estar direcionados principalmente para o cuidado dos filhos, deixando menos espaço para a intimidade e a sexualidade do casal. Essa mudança pode gerar frustração e insatisfação sexual, afetando o vínculo conjugal.
Em suma, a chegada do primeiro filho é um momento de transformação para um casal, afetando diversos aspectos da relação conjugal. As mudanças nas responsabilidades domésticas, na comunicação, na intimidade e nas expectativas emocionais exigem dos parceiros uma capacidade de adaptação e de negociação. Compreender essas alterações à luz de teorias e estudos acadêmicos pode auxiliar casais e profissionais da área da saúde a oferecerem suporte adequado e estratégias de intervenção para promover a saúde e o bem-estar do casal e da família como um todo.
REFERÊNCIAS
ADAMS, J. M.; JONES, W. H. A conceituação do compromisso conjugal: uma análise integrativa. Journal of Personality and Social Psychology, v. 72, n. 5, p. 1177-1196, 1997. Disponível em: https://doi.org/10.1037/0022-3514.72.5.1177. Acesso em: 10. jun. 2023.
BOWLBY, J. Apego: a natureza do vínculo. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
COWAN, C. P.; COWAN, P. A. Quando os parceiros se tornam pais: A grande mudança de vida para os casais. Porto Alegre: Artmed, 2014.
DOSS, B. D.; RHOADES, G. K. A transição para a parentalidade: impacto nos relacionamentos românticos dos casais. Current Opinion in Psychology, v. 13, p. 25–28, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.copsyc.2016.04.003. Acesso em: 09 de jun. 2023.
DUVALL, E. M. Desenvolvimento familiar. São Paulo: Martins Fontes, 1977.
HOCHSCHILD, A. R. O segundo turno: trabalhadores e trabalhadoras em tempo integral e a revolução inacabada em casa. São Paulo: Paz e Terra, 1989.
KELLEY, H. H.; THIBAUT, J. W. Relações interpessoais: Uma teoria da interdependência. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1978.