Afinal, o que é o amor?

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Andei ensimesmada a procura de uma definição clara e precisa do que seja o amor, carecia saber acerca do que rondava minha mente e meu corpo, trespassando até meu mundo imaginário, fazendo-me ficar por horas a fio em meus devaneios.

Arriei meu cavalo, companheiro de longas datas, coloquei provisões em uma matula, verifiquei a moringa de água fresca e parti em busca de respostas.

Pois bem, fiquei sabendo de um polêmico rapaz lá em Röcken na Alemanha, diziam que era um grande sabedor de todas as causas, um grande estudioso.

 Foi uma longa viagem até que enfim cheguei e fui direto a ter minha entrevista com o Sr. Friedrich Wilhelm Nietzsche, que prontamente me recebeu, embora com cara de poucos amigos. Ao adentrar o recinto, pasmei-me com o ambiente, as paredes não se via, apenas um sem fim amontoado de livros, bem como nas mesas ali expostas. Sentei-me exausto da longa viagem, porém, não tinha tempo a perder; por impressão minha, notei que o cavalheiro à minha frente também não, suas atitudes era que o tempo urgia, denotava pressa em seus gestuais. Expliquei a ele minha visita e ele me convidou a sentar e pediu explicações mais detalhadas.

Senhor, necessito saber qual é a essência real do amor. Esperei alguns segundos que me pareceram séculos, e ele a passar a mão esquerda pela ponta do longo bigode, se colocou a pensar (pelo menos a meu ver não me julgou uma tola).

Eis que ele me olha seriamente e diz:

O amor é o estado no qual o homem vê as coisas quase totalmente como não são. A força da ilusão alcança seu ápice aqui, assim como a capacidade para a suavização e para a transfiguração. Quando um homem está apaixonado sua tolerância atinge ao máximo; tolera−se qualquer coisa. (Friedrich Nietzsche; Montecristo Publishing LLC, 2012 O Anticristo, p. 24).

Dito isso, levantou-se e sem cautela despediu-se, alegando o gosto pela solidão. Saí e me coloquei a indagar sobre a resposta recebida.

Instalei-me em uma pensão, onde passaria a noite para descanso e para me inteirar dos dizeres daquele homem tão peculiar. Fiz a devida assepsia do corpo, alimentei-me e logo procurei descanso, mas a mente trabalhava para desvendar o que para mim estava mais confuso do que antes, embora julgasse ser pura ignorância minha, pois o ensinamento tinha sido de grande monta.

Resolvi empreender viagem para reunir mais opiniões para assim sanar minha sede de saber. Acordei cedo, tomei um farto café da manhã e empreendi viagem rumo a Gdansk, na Polônia, minha entrevista era com o sr. Arthur Schopenhauer. Diziam deste homem, que era um pouco mais introvertido que o primeiro, de têmpera forte, era rude e franco, diziam dele também, que era sombrio e pessimista, sem meias verdades. Pensei cá comigo mesmo, que era disso que estava precisando. Apesar de minha determinação, sentia-se um tanto inquieto, pois em minhas pesquisas até a mãe de meu entrevistado o achava insuportável, mas embrenhei-me pelo caminho com tenacidade.

Fonte: Imagem de PIRO por Pixabay

Ao chegar deparei-me com um homem de poucas palavras, que por sua vontade, a entrevista seria ali mesmo na porta, muito a contragosto me recebeu e de pronto disse para haver brevidade em nossa entrevista, pois tinha muito a fazer. Pois bem, lancei-lhe a pergunta e reiterei a necessidade que tinha em saber dele toda verdade acerca dela.

Andou de um lado para outro, sempre de costas, virou-se e me disse:

[…] a origem do amor apaixonado propriamente dito, via de regra, será encontrada nestas considerações relativas, e apenas a origem da inclinação habitual, e fácil será encontrada nas considerações absolutas. De acordo com isso, não são exatamente as belezas regulares, perfeitas que costumam acender as grandes paixões. Para que nasça uma tal inclinação realmente apaixonada exige-se algo que só se deixa expressar mediante uma metáfora química: ambas as pessoas têm de se neutralizar mutuamente, como ácido num sal neutro. […] Para a neutralização mútua de duas individualidades que está em pauta exige-se que o grau determinado de masculinidade do homem corresponda exatamente ao grau determinado de feminidade da mulher, suprimindo-se com isso aquelas unilateralidades de modo preciso. (SCHOPENHAUER, 2004, p. 29-30).

Dito isto, calou-se, sendo-me impossível outra colocação a não ser bater-me em retirada. Confesso certa decepção, pois no meu íntimo espero mais do amor do que uma resposta rebuscada a cerca de uma conjunção carnal, mas como contrapor tanta sabedoria?

Pois bem, refletiria sobre esses achados depois, por hora partiria para mais uma empreitada. Há muito já ouvia falar de um cavalheiro muito ilustre e de tanto conhecimento como os meus outros entrevistados, o que li dele, me fazia pensar em uma resposta mais equivalente ao meu próprio pensamento, dizia ele que apesar das imperfeições e das diferenças humanas, que a plenitude é encontrada na realização de si mesmo.

Com renovada esperança me coloquei a caminho de Kesswil, na Suíça. Ao me deparar com o cavalheiro, logo de pronto, senti-me acolhido, e pela primeira vez senti que sairia dali encontrando as respostas que procurava. Este amável cavalheiro era Carl Gustav Jung.

Feitas as minhas indagações, me senti validado por meu interlocutor. Amigo, vou lhe ajudar, e disse:

“O desejo apaixonado tem dois lados: É a força que tudo exalta e, sob determinadas circunstâncias, também tudo destrói. É possível assim que um desejo ardente, já venha em si acompanhado de medo, ou que seja seguido ou anunciado por medo. A paixão acarreta destinos e com isso cria situações irrevogáveis”. (Jung apud Azevedo, 2001, p. 38)

Dito isto ele alegou que ia receber visita ilustre de seu velho amigo e parceiro de estudos, Sigmund Freud, se caso eu quisesse ali permanecer, poderia me deleitar de ensinamentos mais profundos.  Não achei de bom tom estar a atrapalhar a entrevista dos amigos. Despedi-me, agradeci e me coloquei em retirada.

No caminho, no trote do meu cavalo, meus pensamentos fervilhavam… Ora raios! Um diz que o amor nos cega a razão, o outro que o amor não passa de uma junção carnal em perfeita ordem, já o outro me fala de destruição de medos e destinos irrevogáveis. O que seria mesmo o amor?

Neste momento, descuidado que sou, nem me apercebi que meu companheiro de longas datas se encontrava no limite de suas forças em prol de minha busca incessante. Meu cavalo arriou-se ao chão. Fiquei desesperado, abraçava-o ao chão, chorava e sentia o quão egoísta fui, pensei só em mim, esquecendo-me do meu fiel amigo que tanto a mim dedicou, num ímpeto, dei a ele toda a agua que tinha, sem pensar na longa e dura jornada pela frente, ele foi abrindo os olhos pouco a pouco, e eu a pular de alegria feito uma criança por seu restabelecimento.

Foi quando num estalo tudo clareou, o que eu tanto buscava enxerguei naquele momento, o amor sempre esteve dentro de mim, eu era o amor, tudo que senti em relação ao Alasão refletiu-se de volta para mim em forma da resposta que eu precisava.

O amor está dentro de cada um de nós, basta saber acessá-lo e entender que cada um tem suas definições acerca dele, o meu era simples como água e minha intenção doravante era joga-lo ao universo, para que pudesse se espalhar como estrelas nas noites escuras, e quem sabe um dos meus entrevistados acima possam se iluminar com algumas dela.

E para você, o que é o amor?

Referências

GRISOLIA Luiza Moreira. (2008). Paixão como Projeção: Quando este sentimento aprisiona. Disponível em:  https://tede2.pucsp.br/handle/handle/18705. Acesso em 18/08/2022

Página 24: https://books.google.com.br/books?id=kL3UjvEoPZwC&pg=PR24, Parte 23, Friedrich Nietzsche; Montecristo Publishing LLC, 2012 O Anticristo
Fonte: https://citacoes.in/obras/o-anticristo-1748/

SILVA Ana Clécia 2019. REFLEXÕES SOBRE O AMOR NA FILOSOFIA DE ARTHUR SCHOPENHAUER. Disponível em: https://dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/21217/1/TCC%20-%20ANA%20CLECIA%20DA%20SILVA.pdf . Acesso em 17/08/2022

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A idealização do amor romântico em “500 dias com ela”

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Sigmund Freud fala sobre o amor narcísico, que consiste em projetar no outro o sujeito ideal, há uma busca de trejeitos semelhante aos seus, ou a inspiração do que deseja ser.

O filme “500 dias com ela” (2009) conta, de forma não linear, a perspectiva do personagem Tom (Joseph Gordon-Levitt) sobre seu romance vivido durante 500 dias, com Summer (Zooey Deschanel), cujo nome, não por acaso, significa “verão” (atenção, alerta de Spoiler). A comédia romântica já começa quebrando paradigmas quando é Tom que fantasia sobre o amor, ele acredita que sua vida irá realmente começar quando encontrar sua cara-metade. Do outro lado temos Summer, desacreditada dos relacionamentos fixos, a quem Tom julga, precipitadamente, ser quem ele sempre procurou. Se seguisse o fluxo dos outros romances clichês, Tom a convenceria do amor verdadeiro e eles viveriam juntos e felizes, mas o filme já alerta: “Esta é a história do garoto que conhece a garota. Mas você deve saber que não é uma história de amor. ”

Com o fim inesperado do relacionamento, Tom relembra a história para procurar pelos primeiros sinais de problemas. Ele cresceu acreditando que nunca seria feliz até que a conheceu, e no momento que se encontram no elevador e Summer diz também gostar de The Smith como ele, Tom joga sobre ela suas expectativas criadas durante toda uma vida e espera que ela corresponda, mesmo enquanto ela fala que eles só teriam algo casual, sem compromisso. “500 dias com ela” é só um recorte da realidade no qual pessoas atribuem a responsabilidade de seus anseios e sentimentos ao outro, e projetam neles suas próprias faltas.

Fonte: encurtador.com.br/ns356

“Só porque uma garota bonita gosta das mesmas coisas bizarras que você não significa que ela é sua alma gêmea” – 500 dias com ela

Mesmo sendo um filme simples, o considero bastante inteligente por nos enganar, porquê sutilmente ele faz o espectador acreditar que a vilã da história é a Summer, por não corresponder a tudo que Tom deseja. Mas, ela foi honesta desde o primeiro momento.

O amor romântico deixa Tom cego para o real relacionamento deles. Ele mente para ela e para si mesmo, ele se molda para o relacionamento e, assim, cede sua própria identidade.

De acordo com o psicanalista e filósofo alemão Erich Fromm, “ser capaz de estar sozinho é a condição para ser capaz de amar”. Usar o amor para apenas fugir da solidão pode acarretar em destruí-lo, também sendo uma forma de fugir de si mesmo, o que se torna patológico por impedir o desenvolvimento pessoal, responsabilizando terceiros sobre sua própria felicidade. No filme, Tom não se apaixona por Summer, ele se apaixona pela ideia de quem ela pode ser, do que ela representa.

Fonte: encurtador.com.br/bmpKQ

“As pessoas não percebem, mas a solidão é subestimada. ” – 500 dias com ela

Sigmund Freud fala sobre o amor narcísico, que consiste em projetar no outro o sujeito ideal, há uma busca de trejeitos semelhante aos seus, ou a inspiração do que deseja ser. Essa projeção é inconsciente e involuntária, passando despercebida para quem vivencia. Assim, Tom constrói um ídolo para si mesmo, espera que o outro corresponda, e se coloca como vítima quando isso não acontece. Antes da desilusão vem a ilusão, as ações das outras pessoas podem ser estímulos para nossos sentimentos, isso não faz com que ele seja responsável pelo que sentimos.

A idealização e procura pelo outro, nada mais é que uma forma inconsciente de se achar e de se completar. Dessa forma, percebe-se a insuficiência dos relacionamentos em garantir a felicidade, sendo que, para conseguir ser feliz em um relacionamento, é necessário aprender a ser feliz sozinho primeiro. O amigo de Tom diz a frase mais sensata do filme para a quebra desse padrão: “Acho que, tecnicamente, a garota dos meus sonhos, provavelmente teria peito avantajado, cabelo diferente, ela provavelmente gostaria de esportes, mas, na verdade, a Robin é melhor que a mulher dos meus sonhos. Ela é real. ”

Fonte: encurtador.com.br/goruA

“ – O que devo fazer?

– Pergunte a ela. ”

Diante do fato de que nada é obvio, por isso a comunicação é a base de um relacionamento saudável (seja qual for o rótulo que esse relacionamento receba), entramos na tão falada responsabilidade afetiva, conceituada basicamente como contar suas intenções através do diálogo. Muito se fala sobre responsabilidade afetiva, pouco se fala que temos que ter primeiro conosco, para depois com o próximo. De certa forma, é mais cômodo falar que foi iludido do que assumir que fez uma interpretação errada das atitudes do outro, enxergando de sua maneira e, com isso, se responsabilizar por suas próprias alegrias e frustações, do contrário, é injusto com o outro e consigo.

Acredito que seja impossível não colocar algum tipo de expectativa em algo (nem que seja mínimo). O que podemos fazer é tomar consciência e responsabilidade das expectativas que criamos. Entender que nosso bem-estar é cuidado nosso. Se libertando dessa escravidão emocional, que é manter a si mesmo sob custódia das ações/sentimentos dos outros, e também o libertar da autoridade que não deve ser dele.

Fonte: encurtador.com.br/bEY67

“ – Não queria ser a namorada de alguém e agora é a esposa de alguém.

– Me surpreendeu também.

– Acho que nunca vou entender. Quer dizer, não faz sentido.

– Só aconteceu.

– É, mas é isso que não entendo. O que aconteceu?

– Eu só acordei um dia e soube. O que eu nunca tive certeza com você. ”

Acredito que a interpretação pessoal de “500 dias” com ela varia muito do momento que cada um está vivendo. Tom pode ser visto como coitadinho em certo ponto, como também um insistente chato em outro. Summer pode ser vista como insensível para uns, e decidida para outros. Todos podemos ser Summer um dia e no outro ser Tom. Nem todo mundo quer a mesma coisa, ás vezes não é intencional, mas como o filme explica: é só a vida acontecendo.

A trama mostra como apenas 500 dias mudaram o futuro de Tom. Mostra que nas histórias reais não há desvio da rota pois é impossível planejar um caminho e jurar que é aquilo que vai acontecer. Que fechar ciclos também fez parte de relacionamentos e é inevitável. Que sua “alma gêmea” pode surgir e ficar apenas 500 dias. Mas que, principalmente, depois de Summer, sempre vem uma nova estação.

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