Os desdobramentos da angústia

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Quando somos destituídos de uma estrutura emocional saudável, ou seja, quando ela é frágil e doente, o que pensamos sobre nós mesmos tem o poder de nos subjugar.

Vamos contextualizar este pensamento para que ele seja melhor compreendido: uma estrutura mental saudável, geralmente gira em torno da maneira como a pessoa comporta-se diante dos acontecimentos da vida e da maneira como ela se adequa de forma que suas aspirações, conhecimentos, ambições, anseios, estejam em sintonia com o bem-estar. Quando o contrário disso acontece, costumamos dizer que o indivíduo carrega certa fragilidade emocional, fazendo com que a pessoa se torne angustiada, e veja o mundo em preto e branco, se torne subjugado aos seus sintomas.

Para não incorrermos em banalidades, é mister que façamos uma visita às teorias existentes, que trarão luz ao presente texto.

Em 1916, Freud diz que o problema da angústia “constitui um ponto no qual convergem os mais diversos e importantes problemas e um enigma cuja solução irá projetar intensa luz sobre toda nossa vida psíquica” (Freud, 1916- 1917/1976, p. 458).

Seria a angústia o ponto central da derivação dos sintomas, se Freud nos trás que ela tem o poder de introjetar esta intensa luz em TODA nossa vida psíquica, não seria errôneo crer nos danos que ela causa à nossa saúde mental.

Sobre este não saber acerca dos estados de angústia, Freud nos elucida que:

Nós assumimos, em outras palavras, que o estado de angústia é a reprodução de alguma experiência que reuniu as condições para um aumento do estímulo como o assinalado e para a descarga por determinadas vias, em virtude do qual também o desprazer da angústia recebeu o seu caráter específico. No caso dos seres humanos, o nascimento oferece uma experiência prototípica desse tipo e, por isso, nos inclinamos a ver no estado de angústia uma reprodução do trauma do nascimento. (Freud, 1926/1975, p. 133)

Fonte: Imagem por wirestock no Freepik

Muitas vezes esta angústia que sentimos vem pintada com fortes cores, fazendo com que tenhamos uma visão equivocada e distorcida de nós mesmos, diz respeito a algo que não conhecemos, não sabemos nomear, fazendo com que tenhamos preconceitos a respeito de nós mesmos, acarretando uma baixa autoestima.

Esta visão preconceituosa é turva e nebulosa e conta muito também da fragilidade emocional em que nos encontramos.

Sobre a autoestima, Freud (1914/1969) descreve que “a autoestima expressa o tamanho do ego […], tudo o que o sujeito possui ou realiza […] ajuda-o a aumentar sua autoestima” (p.115).

Diante destas elucidações que nos traz Freud, o convite aqui hoje, é dirigido para os preconceituosos de si mesmos. Em particular para aquelas pessoas que vivenciam a depressão e outras demandas psicoemocionais incapacitantes (fobias, pânico, fibromialgia, bipolaridade, Burnout, borderline, etc…). Transtornos que acarretam em muita angústia em suas psiquês.

Quando as pessoas não aceitam, negam seus diagnósticos Correm atrás de vários especialistas na intenção de que alguns deles digam que alguma outra patologia orgânica é que provoca os sintomas. Porque de fato, preferem um mal orgânico, a aceitar qualquer quadro que ateste o temor de uma vulnerabilidade emocional e mental. Com este movimento, os indivíduos se colocam em negação e agravava seus sintomas por não procurar ajuda especializada.

O que ocorre nesta negação é que, como consequência dela nos impossibilitamos de empreender ações de mudança diante das realidades que vivenciamos (sintomas) e que são problemáticas.

Sobre esta negação, Freud apresenta o sintoma como “um sinal e um substituto de uma satisfação pulsional que permaneceu em estado latente; [o sintoma] é uma consequência do processo de recalcamento” (Freud, 1926/1980, p. 112). Diante desta realidade que nos impomos, de repente, nos encontramos lá, a ponto de entrar em um colapso ou entorpecidos por medicamentos, a fim de sustentar uma posição distorcida do que é ser forte. É triste perceber que o preconceito que sentimos pela nossa vulnerabilidade, nossas incapacidades, nossos medos, nos distancia da nossa verdade e nos impossibilita de procurar ajuda.

Nascemos, crescemos e morremos, e essa é uma ordem natural da qual se formos pensar, mal precisamos de ajuda para acontecer. Existem crianças que nascem de parto natural na rua, crescem nessas condições e morrem muitas vezes nessas mesmas condições. Nascemos já lutando para sobreviver. Já saímos do ventre de nossa mãe chorando e completamente assustados. O instinto de sobrevivência já é acionado no primeiro suspiro de vida.

Nossas vulnerabilidades nos conectam com a nossa humanidade. Somos humanos. Acione esse seu superpoder. Acione pessoas que possam ajudar a construir sua saúde emocional e mental, a fim de fortalecer suas estruturas, te dando mais e mais capacidade de construir as conquistas que você tanto busca.

Fonte: Imagem por 99paginas no Freepik

REFERÊNCIAS

AGUIAR, Marina Bilig ; CAROPRESO, Fátima (2015). Nat. hum. vol.17 no.1 São Paulo  2015

O conceito de angústia na teoria freudiana inicial. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-24302015000100001. Acesso em 14/08/2022

ANDRADE,  Glória Nunes; MACEDO, Cibele Mariano Vaz . Imagem de si e Autoestima: A Construção da Subjetividade no Grupo Operativo Psicol. pesq. vol.6 no.1 Juiz de Fora jul. 2012. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1982-12472012000100010. Acesso em 14/12/2022

DIAS, Maria das Graças Leite Villela. (2006), O sintoma: de Freud a Lacan

https://doi.org/10.1590/S1413-73722006000200019 .Disponível em: https://www.scielo.br/j/pe/a/mKqnLTRgwYbCCcQGr4GxjWg/?lang=pt. Acesso em 15/08/2022

PISETTA, Maria Angélica Augusto de Mello. (2008).  https://doi.org/10.1590/S1414-98932008000200014 .Considerações sobre as teorias da angústia em Freud. Disponível em:  https://www.scielo.br/j/pcp/a/mgspzjFNV9MhPykRRstnFhz/?lang=pt. Acesso em 14/08/2022

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“Perdi meu corpo” e a angústia de separação

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A angústia que sentimos diante de uma separação, na verdade vem desde o nascimento, é a primeira experiência de perda do objeto amoroso

O longa francês, Perdi meu corpo (J’ai Perdu Mon Corps) conta a história de uma mão decepada que escapa de um laboratório de dissecação.  Com a fuga ela foca em um só objetivo: retornar para o restante de seu corpo e voltar a fazer parte de um organismo completo. Enquanto ela vaga pelos arredores de Paris, se lembra dos tempos de quando era apenas uma jovem mão no corpo de um apaixonado rapaz.

Texto contém spoilers!!

Logo no início do longa podemos ver uma mão ganhando vida, despertando em um laboratório onde aprende a andar com os dedos e como se de imediato, soubesse o que fazer, iniciando sua busca pelo restante do seu corpo. Aos poucos durante seu trajeto ela vai revendo memórias de quando seu dono era criança. Uma sensação de saudosismo de uma época em que fazia parte de um corpo, um ser completo.

O longa se passa em três linhas do tempo, uma em que a mão está, outra antes do acidente e as lembranças do Naoufel da sua infância.

Naoufel, o dono da mão que até então não foi separada de seu corpo, aparenta ser um jovem preso ao passado, onde seus pais ainda estavam vivos. Ele guarda diversas fitas em que gravava variados tipos de sons, desde sua mãe cantando até o som do vento na grama. Por mais que ele não tenha mais gravado sons após a morte de seus pais, Naoufel nunca se desfez das fitas e parece que as ouve com frequência. Parece pairar uma sombra de culpa, pois quando ele ouve a última fita, mostra momentos antes do acidente em que Naoufel quase cai da janela do carro ao tentar gravar o som do vento do lado de fora e nisso o pai é quem o segura. Nesse momento de distração o acidente ocorre.

Dessa forma, o personagem parece ficar preso nesse passado até que conhece a Gabrielle. Parece que a partir disso, algo se movimenta dentro dele, essa energia que provém das pulsões ou instintos e que afeta nosso comportamento e que Freud (1978) define como libido, passa a ser investido para esse novo objeto amoroso que passa a ser uma obsessão. Ele acaba assim, fazendo várias coisas para se aproximar dela.

A mão, dessa forma, pode ser uma representação desse sentimento de angústia que ele sente. Freud (1926) aponta que essa angústia que sentimos diante de uma separação, na verdade vem desde o nascimento, é a primeira experiência de perda do objeto amoroso. Assim, quando entendemos as linhas do tempo, fica claro que a partir do momento em que ele perde a mão, começa sua jornada para seguir em frente.

Da mesma forma sua relação com Gabrielle é essa tentativa de voltar ao estado de simbiose com um objeto amoroso, porém se frustra e acaba em uma briga na festa do amigo. Freud (1926) afirma que existem defesas com o intuito de evitar novas situações traumáticas. Portanto temos de um lado a busca pela fusão com um novo objeto amoroso e do outro uma busca por algo que o fizesse seguir em frente, que no caso seria ressiginificar essas lembranças que o faziam de refém dessa angústia.

FICHA TÉCNICA:

PERDI MEU CORPO

Título original: J’ai Perdu Mon Corps
Direção: Jérémy Clapin
Elenco: Dev Patel (Naoufel), Victoire Du Bois (Gabrielle), Patrick d’Assumção (Gigi);
Ano: 2019
País: França
Gênero: Animação, drama;

REFERÊNCIAS:

FREUD, S. Inibições, sintoma e Ansiedade (1926). In:______. Um estudo auto-biográfico inibições, sintomas e ansiedade a questão da análise leiga e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

FREUD, S. A Teoria da Libido. In: The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud, v. XVIII. Londres: The Hogarth Press e Institute of Psycho-Analysis, reimpresso em 1978.

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