Tá, mas e agora? Sobre se formar em Psicologia durante a pandemia

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Meu nome é Giovanna Gomes, eu tenho 22 anos e já estive em mais lugares do que eu pensei que estaria. Já morei em quatro das cinco regiões do país, e estudei ao todo em treze instituições de ensino (somando o ensino regular com a universidade).

Nada disso me preparou para me transferir para um estado do qual eu nunca tive, em uma faculdade em que eu não conhecia ninguém presencialmente. Mudei-me para cá no segundo semestre de 2020, e estou atualmente no 9º semestre. Quando você estiver lendo isso, talvez eu esteja até formada.

As salas de aula são ocupadas por e-mails, usuários com fotos de anime, fotos deles mesmos, ou até mesmo sem nenhuma foto. No meio de uma pandemia em que não podemos ter contato, o contato que era tão necessário para que eu pudesse me sentir integrada não existiu. Formar grupos é algo que só aumenta a sensação de estranheza. Não sei se a forma de trabalhar e desenvolver as tarefas de cada pessoa funciona, então é quase como uma roleta russa. Não conheço a aparência de grande parte dos alunos, não consigo associar o rosto aos nomes com facilidade, não sei como eles gostam de se expressar, qual a sonoridade da voz de grande parte deles.

Fonte: encurtador.com.br/gCHLS

Vou me formar sem nunca ter pisado na faculdade. Vou ter habilidades, conexões sociais, boas o suficiente para conseguir um emprego após a formação? Algum colega do qual eu me dou bem está pensando em abrir um consultório compartilhado? Não faço ideia. Estou assustada? Com certeza.

Mas a vida é sobre jornada, sobre momentos.

Tive sorte que outros alunos em situações similares não tiveram. Em Junho de 2021 tive a oportunidade de me tornar estagiária no SEPSI – Serviço Escola de Psicologia, e aceitei de todo o coração. As meninas de lá me acolheram, me ensinaram, me abraçaram em toda a minha confusão e medo. É por causa delas que tenho a oportunidade de conhecer parte dos alunos que fazem estágio em ênfase clínico, que estão na mesma jornada que eu.

Os nomes, os usuários, agora têm rosto. Sim, ainda tenho o medo existencial de me graduar, eu acho que ele nunca nos deixa completamente. Mas é maravilhoso saber que não estou sozinha.

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Eu mais Catarina

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Foi incrível como, em questão de dias, o inesperado entrou em cena de forma absurda. O que aparentemente seria apenas uma semana sem ir à universidade virou meses. Com a pandemia e, sobretudo, por seu consequente distanciamento social, vi minha rotina como estagiário de Psicologia transtornada. Na verdade, vi a própria forma de atuar como psicólogo em potencial transtornada.

Após tantas teorias sobre o fenômeno da terapia na clínica, após tanto ouvir sobre as metodologias implicadas por cada teoria, após tantas visões sobre o ser humano e o mundo que o rodeia, eu estava ansioso por entrar de vez nesse fenômeno basilar da Psicologia. Queria sentir o que era sentar-me defronte a um paciente, a uma distância mínima um do outro, e ouvi-lo, e vivermos isso. Mas, no meio do caminho tinha pandemia, uma quarentena, e, para o pasmo geral do futuro psicólogo, o amante do contato entre, do fenômeno que é a interação, o distanciamento social virou regra do dia, dos meses, de um ano. Mas, porque nos adaptamos, aqui estou, defronte a um smartphone, esperando Catarina. O estagiário de psicologia e a máquina. Não é a mesma coisa, óbvio. Chega a ser bizarro. Céus, uma máquina!

 Na semana passada eu soube que minha primeira paciente seria Catarina, que não pôde comparecer no sábado passado ao que seria nosso primeiro encontro mediado por tecnologia. Antes daquele sábado, de segunda à sexta, fantasiei como seria essa Catarina. Negra? Branca? Loira? Alta? Realmente tem razão quem disse que a relação com um novo cliente começa bem antes da primeira sessão. Ah, como nos corroem as suposições! E se…? Será…? Quem sabe…! É… Não! Mas, será possível? Chega! Viva o momento, aqui agora! Viva-o, homem, viva-o!

Fonte: encurtador.com.br/aGQRX

Naquele sábado me arrumei todo. Comi direito para não ter déficit de energia durante o atendimento. Bebi água na medida para, ao contrário de experiência de outrora, não ter a bexiga cheia durante momento tão especial para um estagiário. Eu estava animado. Estava sentado defronte ao smartphone, a essa altura acostumado, embora não plenamente conformado com essa máquina, com essa espécie de pombo-correio… Até que a coordenadora da minha clínica-escola disse que a paciente não poderia participar, por motivo de força maior, mas, estaria presente no próximo sábado.

Este é o próximo sábado, ou melhor, o então próximo sábado é este. A frustração é tamanha, duplicada, porque hoje Catarina também não veio, na verdade, decidiu não mais ter atendimento psicológico por questões de trabalho, o que a impossibilitava de ter o serviço da clínica-escola, ao menos nesse horário. Agora, outro ou outra paciente será agendado para mim. Aí terminou minha tensa e frustrante relação com Catarina (ou será que não? Ainda penso nela?). Essa moça sem rosto, sem cor, sem voz, que preencheu minha mente por dias da espera pelo primeiro encontro. O tempo passa, as horas de estágio gritam no meu ouvido, “me cumpra ou tu não andas”. Confesso, ainda penso em Catarina. Queria saber o que ela traria para mim? Essa pergunta faz sentido? E se não existir nenhum “e se fosse assim?” Ora, talvez isso foi porque era para ser, e ponto final. Não é tão fácil acreditar nisso. Força, Catarina! Que encontres um tempo adequado e alguém a teu dispor!

Atualização: Já sei o nome do meu próximo paciente. Como será esse Calebe?  E se…? Será…? Quem sabe… Chega! Viva o momento, aqui agora! Viva-o, homem, viva-o!

Observação: História verídica. Para preservar a identidade dos envolvidos, foram criados nomes fictícios.

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