Paulo Gustavo e o amor pelo riso

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“Ame na prática, na ação. Amar é ação. Amar é arte” (Paulo Gustavo)

Paulo Gustavo Amaral Monteiro de Barros, 42 anos, foi um ator, comediante, roteirista, produtor e diretor, que invadiu nossas casas com suas diversas expressões de sentimentos e emoções, por meio de seus variados personagens, sendo o mais conhecido, o de Dona Hermínia, um papel que deu destaque ao ator e principalmente ofereceu um diálogo próximo da realidade de quem o assistia.

Iniciou sua carreira no teatro, onde teve a oportunidade de trabalhar em diversas peças, mas o encontro do ator com essa arte foi um verdadeiro presente para todos que o acompanhavam. Seus personagens eram pessoas vivas na vida do seu público, uma identificação surgia e cada vez mais Paulo Gustavo se tornava um vínculo afetivo, um ente querido, uma pessoa íntima, aquele que de alguma forma conhecia um pouquinho do que se passava no cotidiano de cada brasileiro.

Dona Hermínia e seu repertório, lembrando sempre alguém que a gente conhece, com um coração enorme, trazendo lições de respeito e aceitação, algo que refletia a própria vida do comediante. No personagem Valdomiro, o humor esperto, numa linguagem bem brasileira. A Mulher Feia era uma forma de falar ao seu público que a aparência é apenas um detalhe. Aníbal nos trouxe a amizade como algo primoroso e vários outros personagens que partilhavam afeto e naturalidade.

Fonte: encurtador.com.br/lxFNQ

O riso foi o seu combustível e como ele mesmo falava, o riso o preenchia e fazia o enlace entre ele e o seu público. Na sua amorosidade Paulo Gustavo demonstrava a importância de estar nos palcos de teatros pelo Brasil, se alimentando do riso de seu público e principalmente, oferecendo momentos marcados na memória de muitas pessoas.

Costumava trazer para sua arte a figura do seu cotidiano. Nascido e criado em Niterói, ambiente que o ator fazia constantemente uma releitura em seus filmes, mas sempre trazendo a imagem de algo que remetia as suas melhores lembranças e se aproximando ainda mais do seu público, nos permitindo sentir parte do cotidiano daquele que na sua simplicidade,  nos  chamava atenção para a valorização do simples, dos laços, das palavras, mas principalmente das ações, por isso retratou tão bem o seu cotidiano nas telas dos cinemas do Brasil, conquistando recordes de bilheteria, nos preenchendo com seu humor e modificando nossa forma de ver as relações afetivas.

Dona Hermínia invadiu nossas casas e também nossas vidas. Logo que surgia numa tela, mesmo sem falar nada, se expressava de uma forma que a comunicação se estabelecia. Um olhar, um cumprimento, um levantar, um abaixar, qualquer atitude era suficiente para que o diálogo entre dona Hermínia e seu público acontecesse. Em várias de suas entrevistas Paulo Gustavo relatou se sentir mais à vontade quando se apresentava através de seus personagens, por que ali ele conseguia expressar o seu amor pela sua arte e principalmente se alimentar daquilo que verdadeiramente o fazia feliz, o riso vindo do seu público.

Fonte: encurtador.com.br/sDIX0

Apesar do ator ser visivelmente “Hiperativo”, ligado no “220 volts”, tendo na sua trajetória o “Surto” criativo de trazer para a sala de nossas casas o riso, parafraseando os títulos de suas principais peças de teatro, Paulo Gustavo deixa um vazio intenso, uma falta de alguém tão próximo, que intimamente nos conhecia, que adivinhava nossos pensamentos e que o traduzia em palavras para tantas pessoas. O ator falava o que o seu público sentia, por isso a sua passagem por esse plano é tão cheia de amor, algo que ele repetia, declarava e agia.

No dia 04 de maio desse ano, esse ator que tão bravamente lutou pela vida nos deixou, vítima da COVID-19, levando o Brasil aos prantos. A alegria que muitas vezes invadiu nossas casas com seus filmes que nos pregavam sempre uma “peça”, deu lugar a tristeza. Fomos terrivelmente surpreendidos com a notícia de sua morte, algo que parecia ser inacreditável, principalmente por que o riso deu lugar ao choro, por que a presença deu lugar a ausência e agora também à saudade.

O legado de Paulo Gustavo é o amor pela vida, pela arte, pela família, pelas pessoas. Em todo o seu discurso, seja através dos seus personagens, ou mesmo quando estava somente de Paulo Gustavo sempre nos alertava sobre os valores como a caridade, a amizade, o afeto, o respeito, a aceitação, então podemos falar que o recado foi dado, precisa somente ser vivido. Seu talento e carisma estão marcados na história da arte do nosso país, mas principalmente no coração de todos os brasileiros.

Fonte: encurtador.com.br/sIVWZ
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Trumbo: a indústria cinematográfica desconstruída

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Com uma indicação ao OSCAR:

 Ator (Bryan Cranston) 

Banner Série - Oscar 2016

“The blacklist was a time of evil”

 

O homem e o personagem

Dirigido por Jay Roach, com script de John McNamara, com elenco formado por nomes consagrados como Bryan CranstonDiane LaneHelen Mirren, além de nomes de apoio proeminentes: John Goodman, Louis C.K à  Elle Fanning. Trumbo (traduzido no Brasil com o adendo Lista Negra) está fazendo muito sucesso em meio à crítica especializada desde seu lançamento em 2015, conseguindo indicações em prêmios como SAG Awards (prêmio do sindicato dos atores),  Globo de Ouro, Oscar, e muitos outros.

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O filme nos traz um roteiro adaptando uma fase da vida do roteirista Dalton Trumbo – por vezes chamado de Caso Trumbo­ –, um dos mais notáveis de sua geração, escrevendo ou colaborando em obras consagradas do cinema como Roman Holiday (1953), The Brave One (1956), Exodus (1960), Spartacus (1960) e Papillon (1973). Filiado ao Partido Comunista dos Estados Unidos, ele e mais dez roteiristas também comunistas ou simpáticos as ideias do partido são convocados a depor junto à Suprema Corte dos EUA, ficando conhecidos como membros do Blacklist de Hollywood (a lista negra) após serem denunciados por pessoas envolvidas com a indústria cinematográfica americana como o ator John Wayne e a crítica e ex-atriz Hedda Hopper.

Trumbo sofreu consequências mais pesadas que seus aliados, ficando preso por desacato e falta de cooperação às investigações do governo americano. Por conta desta perseguição, muitos de seus filmes foram lançados sem os créditos originais de roteirização, com pseudônimos ou com nomes “de aluguel”, muitos deles arrebatando prêmios (inclusive estatuetas do Oscar), igualmente não creditados ao autor original. A partir destes eventos, Trumbo desenvolve e nos apresenta sua trama, em seus 124 minutos de duração. Em síntese a obra é quase uma alegoria d’O Retrato de Dorian Gray de Oscar Wilde, fazendo a indústria do cinema olhar para seu reflexo autodestrutivo.

Título

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Por se tratar de uma biografia Trumbo conta com o apoio da atuação segura de Bryan Cranston, consagrado por sua intepretação na série Breaking Bad. O ator nos transmite o peso de uma mente genial e criativa, ao mesmo tempo em que por conta de suas escolhas de pensamento, precisa enfrentar todo o mundo que o cercava. E, de igual modo não santifica ou deixa sua adaptação cair em uma versão monodimensional da pessoal que está encarnando, um erro comum neste tipo de filme.

É interessante notar, dentro desse contexto de estilo de obra, que os filmes biográficos, assim como os reboots, estão sendo utilizado como uma via ara a falta (ou crise) de criatividade do Hollywood nos últimos anos, exemplos desta tendência pode ser visto em vários projetos: Uma Mente Brilhante (2001), Coco antes de Chanel (2009), Jobs (2013), Um sonho possível (2009), O Discurso do Rei (2010) e O Jogo da Imitação (2014).

Nesta imersão na vida do personagem título, os ritos de produção de Dalton Trumbo foram muito bem representados no filme, seu gosto em trabalhar numa banheira; a acurácia e ceticismo em analisar o mercado, a indústria cinematográfica, a crítica e público, levando em consideração tais elementos na composição de suas estórias; sua dedicação para com a família, incentivando-os a ter liberdade de pensamento, assim como fez diante de seu julgamento por conspiração, etc.

Para o roteirista não haveria nem deveria existir limites para o labor criativo dos enredos dos filmes, algo sempre visto com mal olhos por produtores e estúdios: “Dalton Trumbo: What the imagination can’t conjure, reality delivers with a shrug.” . Ao fazer esta escolha pela liberdade em seu pensar e modo de trabalhar acompanhamos também o sofrimento da família Trumbo, principalmente pelas interpretações eficientes de Daiane Lane (Cleo Trumbo) e Elle Fanning (Nikola Trumbo).

No período em que esteve rotulado como comunista, e mais precisamente nos seus anos de prisão, Trumbo perdeu um sem números de trabalhos, prestígio e parceiros de ofício, precisando se desfazer de sua casa e contar com a ajuda de amigos e entrando em conflito com seu núcleo familiar. Lane nos passa esta preocupação e aflição, ao ver sua vida ser destruída pela perseguição do governo:

Cleo Trumbo: You have no idea what you could lose.

Dalton Trumbo: Oh, please. My career and the first amendment and the country, am I missing anything?

Cleo Trumbo: Us! You’re losing us! Since prison, you don’t talk or ask. You just snap, bark. I keep waiting for you to start pounding the dinner table with a gavel.

Dalton Trumbo: So in addition to being a pariah out in the world, I also have the supreme joy of battling insurrection in my own home. Cl: Battling insurrection?!

Dalton Trumbo: When these 10 fingers literally clothe and feed and shelter us.

Cleo Trumbo: This isn’t just happening to you. We all hurt.

A situação só começaria a mudar com sua escolha em trabalhar anonimamente, conseguindo assim não apenas retomar sua rotina de escritor como também ajudando seus companheiros de motim contra a indústria cinematográfica – momentos estes mais chocantes e corajosos da projeção. Os próprios amigos temiam as represálias do governo, de modo a enfraquecer o movimento inicial contra as investigações, durante o filme na figura Alan Hird (Louis C. Clark) vemos como a relação até mesmo com seus apoiadores se deteriora: “Alan Hird: You talk like a radical, but you live like a rich guy”.

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 Trumbo é um daqueles filmes feitos na medida certa para as premiações, possui um grande elenco, direção de arte rica e detalhista, roteiro bem estruturado e grandes atuações. No entanto, o longa metragem não está alheio a problemas de escolha em sua produção, em especial dois aspectos: a trilha sonora poderia explorar melhor a riqueza musical do período em que ocorrem os fatos da obra, entre as décadas de 50 e 60, a tentativa de construir uma imersão diegética se mostra deslocada e arrastada, sendo o silêncio melhor aproveitado que a sonoridade; e também em alguns momentos aparentemente faltou mais determinação, ou permissão dos estúdios, para que o filme mostrasse mais do lado obscuro da Guerra Fria nos EUA e as políticas de perseguição do país, assim como ocorreu com a Lista Negra dos cinemas, assim como as alternativas de mercado restantes aos roteiristas, que mesmo marginalizados continuaram a fornecer trabalhos aos estúdios.

Hollywood no divã

Muitas questões postas em discussão em Trumbo são tão atuais com a reinvenção e reificação constante e inevitável no cinema. Um bom exemplo é o papel dos críticos, que nem sempre se pautam em um olhar aberto e analítico, misturando inclinações passionais, muitas vezes formando opiniões sobre grandes obras.

Outro ponto colocado de forma visceral diz respeito à própria produção de roteiros, se a prefixação “indústria” do cinema pode trazer um lado nefasto para si, pois esta característica reside na busca frenética por histórias de baixa ou questionável qualidade para abastecer o ritmo em série da sétima arte, pelo viés dos produtores e realizadores cinematográficos. Dalton Trumbo viveu e contestou estes dois fenômenos, e, felizmente, o filme que o retrata expôs estas situações em sua cinebiografia de maneira sutil e profunda.


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Cena do filme comparada a imagem real do julgamento

Em um ano no qual a Academia passa por uma das suas maiores crises de legitimidade, em meio à falta de diversidade em suas maiores premiações, é interessante observarmos que sua condição de estar próxima de si polêmicas não é dos dias atuais. Após décadas de uma política de manter suas regras engessadas a academia teve rever suas regras, tendo em vista escolhas no mínimo questionáveis como as indicações de Jennifer Lawrence por Joy e Matt Damon por The Martian – assim como em grotescas escolhas já ocorridas em premiações de melhor filme e atriz para Shakespeare Apaixonado (1998) e Conduzindo Miss Daisy (1989) ultrapassando Faça a Coisa Certa (1989) de Spike Lee –, apenas comprovam esta situação, deixando de lado obras e atores claramente esnobados (Beasts of the no Nation, Steve Jobs, O Clã, Os Oito Odiados, A Travessia) por avaliadores que possuem sua análise pautada em um mundo datado, de décadas atrás.

E precisamos lembramos que não podemos julgar o Oscar por si, nem qualquer outro galardão, mas o que está por trás da premiação, que é a indústria do cinema (ocidental diga-se), e o filme Trumbo é uma grata surpresa, por expor isto. A história não é um capricho ou exagero, pois caso fosse não teríamos a reentrega dos óscares de melhor roteiro pra Dalton Trumbo, décadas depois dos eventos da Lista Negra.

Aos mais conservadores ou que optam por não lutar por suas convicções, a história de enfretamento de Dalton Trumbo surge como um caminho a ser visto, pensado e motivado, pois sem se opor à uma forma hegemônica e dominante não haverá mudanças: We can win! I wanna win to change”

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Os roteiros marcados pela lista negra, Trumbo está à esquerda.

REFÊRENCIAS:

TRUMBO. Direção de Jay Roach. Roteiro de John McNamara. ShivHans Pictures. Estados Unidos. 124min. 2015.

RAPOLD, N. ‘Trumbo’ Recalls the Hunters and the Hunted of Hollywood. The New York Times, 2015. Disponível em: <http://www.nytimes.com/2015/11/08/movies/trumbo-recalls-the-hunters-and-the-hunted-of-hollywood.html?_r=0>. Acesso em: 05 de fev. de 2015.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

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TRUMBO: LISTA NEGRA

Direção: Jay Roach
Elenco: Bryan Cranston, Helen Mirren, Diane Lane, Elle Fanning;
País: EUA
Ano: 2015
Classificação: 14

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