BBB19: O homem é bom ou mau?

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“O homem é, naturalmente, bom, a sociedade é que o corrompe”. – Jean-Jacques Rousseau

O Big Brother Brasil 2019 tinha (isto por que alguns participantes já foram eliminados) todas as lenhas para fazer o circo pegar fogo. Conseguiram garimpar diferentes tipos de personalidades. A casa mais vigiada do Brasil foi habitada por pessoas que defendem diferentes tipos de causa, assim como quem se opõe às mesmas. Inicialmente teve uma discussão sobre o racismo, fazendo com que a Polícia investigasse os fatos. Mas logo os participantes se ajustaram e, até o momento atual (com 11 jogadores), vivem em parcimônia no confinamento. No entanto, tal show de compreensão e carisma não tem agradado muito o público, que de modo ferrenho critica a edição, alegando ser a pior temporada da história, já que até hoje não teve nenhum barraco.

As edições anteriores eram minadas por discussões, barracos e confusão. Havendo até expulsão do reality por mau comportamento. Diante de tal cenário o público ia à loucura, e a cada barraco a audiência aumentava. Mas, apesar do engajamento do público, muitos se auto intitulavam juízes da moral, de modo a criticar severamente a maldade de alguns participantes, o que é ambivalente, já que hoje lamentam a ausência da maldade nos participantes. E desde então a direção do programa tem feito de tudo para criar alguma rivalidade no jogo. Já fizeram desde o ´Jogo da Discórdia`, assim como algemaram os participantes um ao outro por meio de sorteio. Mas tudo isto serviu para aproximar os que não eram próximos e fortalecer os que já eram próximos. Diante de tal cenário, vale o questionamento: Seria o homem mau por natureza e/ou a natureza que corrompe o homem?

Fonte: globo.com

Hobbes e Maquiavel tem uma visão negativa em relação à raça humana, já que acreditam que tal raça é egoísta, tende a maldade e é movida pelo medo de perder e/ou de morrer. Logo, vivem em busca do poder, independente do caminho a trilhar, construindo um caráter sombrio sem sequer perceberem. Ainda de acordo com Hobbes, “o homem é mau; o homem é o lobo do homem”. Assim, todos os seres humanos são egoístas e só em estado de forte ameaça e punição é possível que mantenham controle sobre si próprio. Já para Rousseau, o homem nasce bom e a sociedade o prostitui. Logo, as ações humanas são resultado de uma cadeia de relações entre interior e exterior, abarcando cultura, costumes, moral, hereditariedade, experiência, entre outros.

Em relação ao comportamento ambivalente do público (que assiste o BBB19) em cobrar uma moral, e quando se tem, sente falta da discórdia, pode ser, também, explicada pela Psicologia Analítica de Jung, que nos traz a psique humana como uma composição simultânea de luz e sombra.  Sendo a sombra a parte mais obscura da psiquê (o desejo pela discórdia do público que assiste ao programa) e que não há reconhecimento, já que geralmente não é visto com bons olhos pela moral social, e devido ao processo de negação, é dificilmente percebida pela própria pessoa. O não perceber a sombra, não significa que não exista Luz (o público julga a maldade, enquanto se está cheio dela, o que faz sentir falta quando esta se está ausente).

Fonte: instagram

A Luz seria, então, o lado bom. Logo, Jung acredita que o homem é constituído pelo bom (Luz) e pelo mau (Sombra). Geralmente uma sobrepõe a outra, e tal sobreposição se dá através de escolhas pessoais de cada indivíduo.  Ou seja, mesmo o homem estando cheio de maldade, é responsabilidade dele reconhecer e escolher ou não mudar sua forma de agir. Já para Santo Agostinho, o homem já nasce sendo imagem e semelhança do Criador, logo, sua essência é boa e capaz de amar verdadeiramente.

Mas e então, diante do levantamento acima, o homem é bom ou mau? Para Nietzsche, o conceito de bom ou mau depende do significado social de cada comunidade. Desta forma, em sua essência, o homem é objetivamente bom e tampouco mau. Nietzsche compara a vida a uma folha em branco. Em uma folha em branco cada indivíduo pode escrever a história que quiser, mas se a folha for rasgada, amassada e/ou constituída por uma história considerada ruim, a história permanecerá, assim como seus amassos e os cortes.  Perante o que foi exemplificado, eu lhe convido a refletir sobre sua forma de agir. E em relação ao questionamento se o homem é bom ou mau, responda para você mesmo, depois de uma análise de seus atos: você é uma pessoa boa ou má?

Referências

BBB19: Polícia investiga suspeita de racismo e intolerância religiosa. Acessado por <  https://veja.abril.com.br/entretenimento/bbb19-policia-investiga-suspeita-de-racismo-e-intolerancia-religiosa/ > em 22/02/2019.

“BBB19” tem pior estreia da história, mas eleva audiência da faixa. Acessado por < https://natelinha.uol.com.br/televisao/2019/01/16/bbb19-tem-pior-estreia-da-historia-mas-eleva-audiencia-da-faixa-123722.php > em 22/02/2019.

CAMPREGHER, G. e LONGONI,L. A natureza humana do comportamento individual nos primórdios do pensamento econômico: uma comparação entre Hume, Smith e Bentham. Acessado por < http://www.scielo.br/pdf/ecos/v26n1/1982-3533-ecos-26-01-00111.pdf > em 22/02/2019.

G1 PE. Para o filósofo inglês Hobbes, o homem é essencialmente mau. Acessado por < http://g1.globo.com/pernambuco/vestibular-e-educacao/noticia/2013/11/para-o-filosofo-ingles-hobbes-o-homem-e-essencialmente-mau.html > em 22/02/2019.

CLARK, M. A contribuição de Nietzsche para a ética. Acessado por < http://www.scielo.br/pdf/cniet/v38n3/2316-8242-cniet-38-03-181.pdf > em 22/02/2019.

iG São Paulo. “BBB 19″: o que pode ser feito para agitar o reality? https://gente.ig.com.br/bbb/2019-02-14/como-agitar-bbb-19.html > em 22/02/2019.

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Ação e Reação na crise da telenovela “Babilônia”

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O que há em comum entre a física newtoniana e os estudos sobre psicopatologia do psicanalista Wilhelm Reich? Tudo, pelo menos no caso da atual crise de audiência da novela da TV Globo “Babilônia”. A rejeição de telespectadores e grupos evangélicos pregando o boicote à telenovela nas redes sociais (tudo motivado pelo beijo de um casal de idosas lésbicas) tem uma relação direta com a pesada atmosfera política atual alimentada diariamente pela TV Globo através do telejornalismo e teledramaturgia. Lei newtoniana de ação e reação: clima de intolerância e radicalismo político converte-se em conservadorismo moral, sexual e de caráter que atinge em cheio o principal produto da grade da TV Globo – a novela do horário nobre. Além disso, a crise de “Babilônia” guarda paralelos com outra crise global: a da novela “O Dono do Mundo” de 1991, também de Gilberto Braga, em um contexto pré-impeachment de Fenando Collor de Mello.

 

Toda ação resulta numa reação oposta e de igual intensidade. Não há como deixar de lembrar desse princípio clássico da física newtoniana na atual crise que envolve a novela do horário nobre da TV Globo chamada Babilônia. Depois dos 46 pontos que a novela anterior Império marcou na sua última semana, Babilônia despencou para 23 pontos. Portanto, abaixo da novela das 19h e do reality Big Brother Brasil. Isso, no horário mais caro da TV brasileira.

A novela de Gilberto Braga surge nas telas num momento onde se acirra a contradição vivida pela TV Globo: de um lado, nos últimos anos vem assumindo o papel de partido de ferrenha oposição política ao Governo Federal; e do outro, a necessidade comercial de reerguer a audiência em queda com a crescente concorrência da Internet e os novos dispositivos móveis de comunicação.

Apesar da queda vertical da audiência, a Globo vem mantendo o crescimento da receita publicitária graças ao conhecido BV – “Bonificação por Volume”, propina legalizada onde a Globo adianta para as agências as verbas que elas planejam gastar no ano. Isso garante a fidelidade das agências em colocar dinheiro na TV Globo.

 

Silvio Santos: “eu também vejo Netflix”

Mas a Globo sabe que essa estratégia que aplica há décadas está com seus dias contados, como sinalizam diversos acontecimentos: o crescimento de uma mídia disruptora como é a Internet; a declaração de Sílvio Santos de que ele próprio assiste ao Netflix; o fantasma da regulamentação da Lei dos Meios; a entrada do instituto de pesquisa alemão GfK que vai medir a audiência quebrando o monopólio do Ibope; e a recente vitória do SBT na Justiça de sentença de 2003 que obriga o Ibope a revelar a sua “caixa preta” – dados confidenciais da sua metodologia de aferição da audiência.

Paralelo a essas ameaças à sobrevivência comercial, ao mesmo tempo se vê compelida a criar em seus telejornais e até em minisséries como Felizes para Sempre e Questão de Família (peças ficcionais que fizeram apologia à judicialização e achincalhamento niilista da Política,  um clima de guerra e intolerância política contra Governo, PT, bolivarianos, comunistas, Venezuela, o fantasma do Chavismo e contra qualquer um que tente relativizar a atual onda neoconservadora – o golpismo na política com os desejos incontidos pelo Golpe Militar, intervenção de mariners dos EUA no Brasil ou uma espécie de “golpe paraguaio” por meio da possibilidade do Impeachment.

Ação e Reação

Pois essa intervenção política da TV Globo ignora aquele princípio da física clássica newtoniana: tudo volta com igual intensidade – ou num viés mais espírita “aqui se faz, aqui se paga”.

Depois do jornalista César Tralli incitar estudantes ao ataque no SPTV (“temos que infernizar o MEC”) no caso do FIES e a programação esportiva da emissora no domingo das manifestações Anti-Dilma se transformar praticamente numa convocação para os telespectadores saírem às ruas em protesto, vem a volta: o clima de intolerância e acirramento político transforma-se em conservadorismo moral que atinge em cheio o principal produto da grade da TV Globo – a novela do horário nobre.

 

Redes Sociais: rejeição e fundamentalismo justificados pelo clima de intolerância política

Como apontou em diversas oportunidades o psicanalista Wilhelm Reich em livros como Psicologia de Massas do Fascismo, Escuta Zé Ninguém! ou Psicopatologia e Sociologia da Vida Sexual, o conservadorismo político tem uma relação direta e proporcional com a rigidez moral, sexual e de caráter.

No atual atmosfera politicamente pesada que a grande mídia diligentemente vem sustentando, o neoconservadorismo político (“conservador” porque golpista) facilmente se converte em conservadorismo psicossexual – o nostálgico assanhamento de muitos pela volta dos militares corresponde ao recrudescimento da moralidade e a intolerância sobre quaisquer formas de prazer sexual.

O beijo de um casal de idosas lésbicas protagonizado por Fernanda Montenegro (Tereza) e Nathália Timberg (Estela)  fez as redes sociais serem tomadas por mensagens de grupos evangélicos organizando um boicote à novela. “Não tenho dúvida que a Rede Globo é a maior patrocinadora da imoralidade e do homossexualismo no Brasil”, bradou o pastor Silas Malafaia com milhares de “likes” e compartilhamentos no Facebook.

O que mais se vê nas redes sociais são mensagens como “A Globo nos quer fazer engolir esta ditadura gay” – com algumas variantes impublicáveis. Para a cabeça neoconservadora, “ditadura gay” ou “ditadura comunista” são equivalentes, assim como para os norte-americanos na década de 1930, a invasão de marcianos ou de nazistas eram sinônimos: o que levou Nova York ao pânico com a transmissão de rádio do “Guerra dos Mundos” em 1938.

Fernanda Montenegro e Nathália Timberg nas entrevistas apontam para “caça às bruxas” – ironicamente para Timberg que, acompanhado de outros atores de uma novela anterior, apareceu vestida de preto e cara de luto consternada em uma foto nas redes sociais protestando contra o ministro Celso Melo que assegurou a alguns réus no processo do Mensalão a oportunidade de apelação.

Ironicamente, o pequeno gesto da atriz que ajudou a tornar mais densa a atmosfera política, volta-se contra ela mesma na intolerância moral de telespectadores.

 

Nathália Timberg protestando contra as apelações do Mensalão: ação e reação

 

Coincidências com o caso “O Dono do Mundo”

Tudo parece ser irônico no caso da crise de audiência da novela Babilônia. Principalmente o fato que, mais uma vez, a reprise de Carrossel do SBT assombra o horário nobre global – Carrossel saltou em 31% nos números de audiência.

Isso lembra uma outra crise de outra novela de Gilberto Braga: O Dono do Mundo de 1991-1992. Coincidentemente, a novela foi ao ar em um período pré-impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, assim como no momento atual apela-se por um impeachment contra a atual presidenta.

 

Novela “O Dono do Mundo” (1991-92)

Na oportunidade, a questão foi a perda da virgindade da heroína da trama (Márcia, interpretada por Malu Mader) para o vilão da história logo nos primeiros capítulos – Felipe Barreto, vivido por Antônio Fagundes. Braga esperava um apoio do público para uma futura vingança da protagonista, o que não aconteceu. Os telespectadores ficaram escandalizados pela prazerosa entrega da virgindade de Márcia e ficou perdido sem saber, afinal, quem era mocinho ou bandido na trama.

Naquela oportunidade a novela caiu de 42% para 38% – sinal dos tempos, comparado com a crise atual de Babilônia.

Pobres não querem perder a virgindade”, concluiu o colunista de TV do jornal Folha de São Paulo naquele momento. Assim como tenta-se fazer na atual novela Babilônia tornando o logo menos pesado (ao invés do fundo de concreto, agora o nome da novela está sobre um nascer do sol estilizado e abertura mais clara com nova animação), O Dono do Mundo também foi “relançada” com cenários com atmosferas menos lúgubres e o colorido mais em tons pastéis para dar uma atmosfera mais leve e otimista.

De ninfomaníaca fria e vulgar, Márcia tornou-se na trama uma menina frágil e com marido assexuado que, por isso, não resistiu a uma forte sedução. Márcia foi sadicamente punida na trama por maldades comparáveis às novelas da Janete Clair nos anos 1970.

E novamente Carrossel apareceu naquela oportunidade como um fantasma que roubava a audiência: supostamente os telespectadores estavam preferindo o mundo “puro e ingênuo” da professorinha Helena e de seus alunos Cirilo, Maria Joaquina e Jaime ao mundo de mulheres que entregam a virgindade por volúpia como na novela O Dono do Mundo.

O fato é que ao longo da história da teledramaturgia muitos tabus ligados à sexualidade e moral foram desafiados e quebrados – as ardentes cenas com Maitê Proença em Dona Beija (1986) da extinta Rede Manchete ou o primeiro beijo gay no final da novela Amor à Vida (2013-14).

Mas, em momentos de pesado clima político e escalada do neoconservadorismo por obra da própria Rede Globo, o extrato mais conservador da sociedade se sentirá estimulado e justificado a protestar violentamente contra uma trama que combina personagens lésbicas, sexo e prostituição.

Ironicamente a Globo arrisca-se a ter o mesmo destino do intrépido cantor Lobão: depois que tocou fogo e viu o tamanho do incêndio, tentou dizer que não era bem assim (sem milicos ou intervenções dos EUA). A TV Globo começa a sentir as primeiras chamuscadas do incêndio que ela criou.

Por isso a TV Globo parece criar a pior conjuntura possível: compelida a ser partido de oposição tem ao mesmo tempo, de um lado, as tecnologias de convergência roubando nacos da audiência; e do outro, o recrudescimento do conservadorismo moral que se volta contra ela mesma.

(Publicado originalmente em CineGnose)

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