A Autoestima e seu valor

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O ser humano é muito complexo e para ter uma boa qualidade de vida precisa desenvolver alguns aspectos que favorecem muito as relações consigo mesmo com o outro e com o mundo, a exemplo a autoestima.  Pensando nisso o autor Walter Riso em seu livro “Apaixone-se Por Si Mesmo”, escreve sobre os quatro pilares da autoestima o autoconceito, autoimagem, autorreforço e autoeficácia e com isso procura mostrar o quanto isso é importante e precisa ser cultivado pelas pessoas. Aqui será   tratado apenas a discussão de um desses quatros pilares que é o autoconceito.

Inicialmente o autor coloca que o autoconceito se diz daquilo que a pessoa imagina de si mesmo, o conceito que tem de sua própria pessoa e isso refletirá na forma como trata a si mesmo: o que exige de si e como e o que fala consigo.  A pessoa pode se dar estímulo ou se minar, ou ainda se insultar e não perceber nada de positivo na sua forma de se comportar; bem como pensar em metas que não são alcançáveis, ficando frustrados após isso. Somos resultados das nossas próprias escolhas: cada pessoa decide amar-se ou não, nem todas as vezes temos consciência do dano que estamos nos causando.   Além de ter que sobreviver ao meio e à batalha do dia a dia, também é necessário aprender a sobreviver a si mesmo: aquilo visto como inimigo nem todas as vezes está do lado de fora.

Dando continuidade, o autor ao colocar quanto à autocrítica ruim, diz que a autocrítica se torna conveniente e produtiva no momento em que é realizada com cuidado e com objetivo de aprendizagem e crescimento.  No curto prazo pode ser usada para dar surgimento de novas condutas e correção de erros, no entanto se usada de forma indiscriminada e cruelmente pode ocasionar estresse e afeta de forma negativa o autoconceito. Usada de forma inadequada leva a pessoa a pensar mal de si mesmo, independente do seu comportamento.

Fonte: Freepik

O mau hábito   de sempre fazer análises internas, duras e inflexíveis, dar origem a insatisfação consigo mesmo e ainda sensações de insegurança.  As pessoas não aprendem com estratégias em forma de castigo.   Quando se fala em autopunição a questão está no fato do opressor ser a própria pessoa, esta o carregará nas costas como um infortúnio:  buscar a defesa, será como se estivesse fugindo da própria sombra.  Muitas pessoas possuem um sistema de autoavaliação que as fazem sofrer diuturnamente, em todos os momentos e de forma inexplicável, sentem orgulho do sofrimento que geram a si mesmas.

O autor discorre ainda que outra variação da autocrítica prejudicial é a autorrotulação negativa.  Usar em si rótulos que não falam bem de si ou deixar que a demais pessoas o façam buscando com isso encaixar em alguma categoria que gera prejuízo para si.  As classificações sociais (estereótipos) procuram a se referir aos outros   de forma global e não nas suas especificidades, não considerando assim as exceções ou os atenuantes.  O mesmo ocorre quando a pessoa se rotula de forma negativa: mistura a parte com o todo.  Em vez de pronunciar “Eu me comportei como um imbecil” dirá: “Sou um imbecil”.  Esse ataque ao próprio eu e ao que a pessoa é, dar origem a desajustes e alterações de várias formas.  Por outro lado, a autocrítica construtiva   é vista como pontual e nunca alcança o fundo do ser como totalidade.

Outro ponto citado pelo autor é quanto a autoexigência sem piedade.  As pessoas tendem a usar padrões internos na sua autoavaliação que são inalcançáveis. Ou seja, usam de metas e critérios desproporcionais sobre para onde deve conduzir o seu comportamento.  Quanto a autoexigência é feita com racionalidade e bem estruturada, contribui com a progressão psicológica, no entanto quando não se encontra bem calculada, pode interferir seriamente na saúde mental. Os dois extremos são nocivos.  Não devemos negar que momentaneamente necessitamos de uma autoexigência de forma moderada ou em maior nível para sermos competentes como profissionais, a exemplo um cirurgião, no entanto a disfunção acontece quando esses níveis de exigência se tornam inalcançáveis.

Fonte: Freepik

As ideias que devo ser destaque em todas as minhas tarefas e ser melhor a todo custo e que não devo errar são imperativos considerados verdadeiros martírios.  Se a pessoa achar que a felicidade ou a autorrealização estão de forma exclusiva na obtenção de resultados, não demorará muito a perceber o paradoxo em que para se “sentir bem” precisa se “sentir mal”.  O seu bem-estar ocorrer partir de tantas coisas que não diz respeito a sua pessoa que se tornará impossível cuidar das suas próprias conquistas. “A felicidade não é uma estação aonde chegamos, e sim uma maneira de viajar”. Isso se constitui a saúde mental; viajar bem. As pessoas que se tornam obcecadas pelo sucesso, tendo o como valor e ainda o executam com esquemas rígidos, fazem uma viagem mal, mesmo que pretendem mostrar o contrário.  Possivelmente ser feliz não consista em ser melhor em algo, mas simplesmente procurar fazer isso de forma honesta com tranquilidade, com prazer no sucesso.

Quanto ao fator tudo ou nada, o autor coloca que as pessoas muito exigentes consigo mesmas usam de uma forma dicotômica no processo da informação.  Segundo elas a vida é em preta e branco, sem considerar as outras nuances: “tenho sucesso ou sou fracassado”. Essa forma de pensar não está correta, porque não há nada absoluto ou extremo de forma rigorosa. Quando se utiliza essa forma binária para a vida, o vocabulário da pessoa se torna reduzido a nunca, sempre, tudo e nada.  Assim ela se depara com uma realidade bastante diferente da que imagina.  A impossibilidade de considerar trajetos intermediários e o medo de perder ou não alcançar os objetivos fará a pessoa não considerar as aproximações das metas pessoais. As pessoas movidas pelo “tudo ou nada”, não veem as aproximações e nem as sentem, ou simplesmente passam sem percebê-las.   Dirão “estou ou não estou na meta”. Avistarão a árvore, mas não o bosque.

Quanto a mudança não é uma atividade fácil, não somente porque resulta em esforço pessoal, mas pelos valores sociais.  Quando uma pessoa de forma corajosa tem a iniciativa de fazer algo, saindo daquilo que é estabelecido como padrão, surgem as pressões principalmente quando isso não coincide com os valores do grupo de referência.  Quando trocamos o caminho convencional por um mais audacioso e tentamos novos rumos, as pessoas rígidas e afeiçoadas as normas dizem que somos imaturos ou “instáveis”, como se não mudar de direção fosse sinônimo de ser inteligente. Assim não hesite em revê, trocar ou modificar seus objetivos caso forem geradores de sofrimento.  De que outra forma você poderia estar próximo da felicidade?

Por fim, o autor dar algumas sugestões para proteger você do  autoconceito da autopunição, da autocrítica e da autoexigência indiscriminada, como:  procure  ser mais  flexível consigo mesmo e com os outros, ou seja, tente  não ser perfeccionista, não rotule a si nem aos outros, concentre nos matizes,  ouça as pessoas que pensam diferente de você;  reveja sua metas e as possiblidades reais de alcançá-las; não perceba em você só o ruim; não pense mal de si mesmo; ame-se durante o maior tempo possível;  aprenda a perder.  Lembre-se você é um mecanismo especial dentro do universo conhecido, não faça mal a si mesma e nem se insulte. Para chegar ao sucesso não é necessário autopunição.

Fonte: Freepik

REFERÊNCIAS

RISO. W. Rumo a um bom autoconceito.  In: RISO. W. Apaixone-se por si mesmo; o valor imprescindível da autoestima. Tradução de Sandra Martha Dolinsky.  São Paulo: Planeta, 2012. p. 14-24.

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Moonlight: Um Olhar Sobre o Masoquismo

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Concorreu com oito indicações ao OSCAR:

Melhor Filme, Melhor Diretor (Barry Jenkins), Melhor Ator Coadjuvante (Mahershala Ali), Melhor Atriz Coadjuvante (Naomie Harris), Melhor Roteiro Adaptado (Barry Jenkins), Melhor Fotografia (James Laxton), Melhor Edição ( Joi McMillon e Nat Sanders), Melhor Trilha Sonora (Nicholas Britell).

Vencedor nas categorias:

Melhor Filme, Melhor Ator Coadjuvante (Mahershala Ali) e Melhor Roteiro Adaptado (Barry Jenkins).

Banner Série Oscar 2017

Leia Moonlight: sob a luz de Narciso – Parte 1

Chiron é um adolescente da periferia, tímido e acuado, que sofre bullying desde a infância. É filho único de uma mãe viciada em crack que se prostitui para manter o vício. Pela condição da mãe, desde cedo Chiron aprendeu a se virar sozinho (Parte 1).  Ao fugir de um grupo de garotos, é encontrado por Juan, um traficante, que junto com sua namorada Tereza, “adotam” Chiron e começam a dar suporte financeiro e emocional a ele. Mesmo assim, é sua relação com a mãe que definem, realmente, a personalidade do garoto, que chega à adolescência cheio de conflitos, pessoais, familiares e sociais.

O comportamento submisso de Chiron em sua relação com a mãe também se apresenta nas interações sociais. Na escola o bullying continua ferindo-o e, apesar de crescido, ele continua sendo chamado de Little, mas não gosta do apelido. A timidez de Chiron permanece gritante e sua sexualidade, reprimida.

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Em um sonho ele observa Kev, o amigo de infância, transar com uma garota por trás, uma clara alusão ao sexo anal e uma revelação inconsciente de seus desejos homossexuais latentes. O sonho se dá logo após Kev relatar detalhes de uma transa com uma colega dentro da escola.

O desejo implícito de Chiron por Kev é bastante plausível. O amigo é o único que desde a infância lhe dá atenção; sendo bom de briga, tentou ensiná-lo a lutar para se defender dos colegas; também é o único que não o chama mais pelo apelido de infância (Little), mas lhe confere um outro status de grandeza ao chama-lo de Black, algo que intriga Chiron, afinal por que ele lhe coloca apelidos que não conferem com sua representação? Que intimidade é essa que lhe invade a alma sem permissão?

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A baixa autoestima do adolescente continua a isolá-lo de todos e seus conflitos internos se intensificam. É no mar, onde Juan o ensinou a nadar, que ele busca refúgio, sob a luz do luar e a brisa da solidão. Mas é ali também que Kev aparece para tira-lo da água e apresenta-lo ao fogo. A água para Chiron simboliza não apenas o acolhimento de Juan, mas faz alusão ao ventre materno e à ligação simbiótica com a mãe, da qual ele nunca conseguiu se desvencilhar, aquela à cujo desejo ele continua escravo numa eterna tentativa de satisfaze-la para em troca conseguir, em seu olhar de aprovação, reconhecer a si mesmo e experimentar a sensação de pertencer ao mundo.

O fogo a que Kev se refere vai além do baseado com o qual provoca o amigo, também, é sob o efeito deste que eles compartilham suas angústias e se tornam mais íntimos. É ali mesmo que Chiron tem sua primeira experiência sexual, com o amigo.

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Como bem disse Augusto dos Anjos, “a mão que afaga é a mesma que apedreja” [1].

Freud constata: “Nunca estamos tão mal protegidos contra o sofrimento como quando amamos, nunca estamos tão irremediavelmente infelizes como quando perdemos a pessoa amada ou o seu amor.” Acho essas frases são notáveis porque elas dizem claramente o paradoxo incontornável do amor [2].

Ainda embebecido com a nova situação, Chiron é surpreendido quando os valentões da escola provocam Kev, o exibicionista, que topa o desafio de bater em alguém, o alvo: Chiron, que em seu silêncio apanha e se levanta repetidas vezes até que lhe é desferido o golpe final e os colegas o espancam.

O choque pode ter reproduzido em Chiron o trauma do abandono materno, a primeira pessoa que devendo ama-lo o rejeitou, impedindo-o de experimentar a completude. Kev refez o mesmo caminho na mãe, fazendo-o acreditar no amor, trazendo a esperança da completude e, em seguida, e rejeitando-o. Na impossibilidade de significar tamanha dor, pela primeira vez, o garoto reage oferecendo a outra face.

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Durante toda a vida, Chiron se permitiu ser a vítima, ocupando uma posição claramente masoquista diante da vida. A força do trauma faz com que ele reaja, masoquisticamente, mas desta vez com uma dose de sadismo. Fromm [3] afirma que tanto o sadismo como o masoquismo têm sua origem na relação simbiótica entre a mãe grávida e o bebê e, por isso, caminham lado a lado. Nem Hittler escapou à isto.

Hitler reagia primordialmente de maneira sadista para com o povo, mas masoquistamente para com o destino, a história, o “poder mais alto” da natureza. Seu fim — o suicídio em meio à destruição geral — é tão característico quanto o foi seu sonho de sucesso, de dominação total. (Fears of Escape from Freedom, E. Fromm, Londres, Routledge, 1942).

No momento do confronto, o que se vê é Chiron chegando ao limite da dor psíquica experimentada até então em sua posição humilhante, a cada vez que se levanta ele coloca a cara a tapa e se entrega à violência como se quisesse não apenas ver até onde vai, mas buscando o fim. Por outro lado, seu olhar não é mais o mesmo, mas encara o oponente, deixando claro que por sua dor também o fará sofrer.

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“O eu se atormenta a si mesmo, faz mal a si mesmo para saber o que sentirá o Outro atormentado. É ali que Freud utiliza o verbo na sua forma reflexiva: “ atormentar-se a si mesmo”. Compreendemos assim que o nosso terceiro tempo do sadismo propriamente dito comporta dois momentos: o de fazer mal a si mesmo e o de fazer com que o Outro experimente a mesma dor que se sentiu.” (Nasio, 1997) [4].

É por isso que, mesmo diante do pedido de Kev para que se mantenha ao chão, ele se coloca em pé repetidamente, a cada vez que se levanta ele se fortalece. Seu olhar inicial, assustado e evitante, vai se tornando mais seguro, firme, altivo, como quem sabe o que quer, e ele quer com a sua dor provocar a dor do outro, como quem busca colocar um ponto final em sua atitude passiva (masoquista) passando então para uma posição ativa (sádica).

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E, como se ainda faltasse um passo para o limiar da dor, ele ouve da assistente social da escola que ainda é um menino, “se fosse homem teria mais quatro a seu lado”. Finalmente, ele chora, confrontado com toda a sua impotência. Chega ao limite. E Chiron torna-se Black.

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Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

(Versos Íntimos, por Augusto dos Anjos)

REFERÊNCIAS:

[1] ANJOS, Augusto dos. Eu & Outros Poesias. V.1. Rio de Janeiro: Civilização/Itatiaia, 1982, p.117.

[2] MOMBACH, Euremilter Maria. Amor, Narcisismo e dor. Disponível em: <http://www.circulopsicanaliticors.com.br/_files/artigo/11/5632676f33464.pdf>.

[3] FROMM, Erich. A arte de amar. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

[4] NASIO, J.-D. O livro da dor e do amor. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

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MOONLIGHT: SOB A LUZ DO LUAR

Diretor: Barry Jenkins
Elenco: Alex Hibbert, Ashton Sanders, Trevante Rhodes, Naomie Harris, Mahershala Ali
País: EUA
Ano: 2016
Classificação: 14

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