A captura do invisível nas lentes de Márcio Scavone

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 A boa obra de arte é aquela que emociona antes de ser entendida”.
Marcio Scavone

O fotógrafo Márcio Rubens Teixeira Scavone, nascido em São Paulo, no ano de 1952, tem seu nome comumente associado à celebridades, moda e fotografia publicitária. Uso do preto e branco, captura de pequenos gestos e olhares e das banalidades do dia a dia (coisas que passam despercebidas pela maioria) são marcas fortes em sua obra. Scavone começou a fotografar aos 12 anos de idade com a Rolleiflex de seu pai, cujo ele considera seu primeiro mestre na arte de fotografar. Mas ele não parou no amadorismo. Na década de 1970, estudou fotografia em Londres, retornou ao Brasil e abriu um estúdio na capital paulista. Nos anos 1980, se destacou como um dos maiores expoentes na cena da fotografia publicitária brasileira e participou da Associação Brasileira dos Fotógrafos de Publicidade – Abrafoto (Enciclopédia Itaú Cultural, 2017).

Entre os anos de 1982 e 1997 são muitas as peripécias realizadas por Scavone. Ele realiza exposição individual no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp), publica série de fotos de personalidades na revista Vogue, reside em Lisboa e atua no mercado editorial, assina coluna sobre estética e história da fotografia na revista Íris e publica seu primeiro livro, intitulado “Entre a Sombra e a Luz” (Enciclopédia Itaú Cultural, 2017). Segundo Madalena Centro de Estudos da Imagem, Scavone foi descrito na renomada revista Fórum das câmeras Hasselblad na Suécia como “um grand master da técnica, mas alimenta-se de sua sensibilidade diante dos seus retratados para penetrar sob suas peles. ”. O próprio Scavone, em depoimento para o jornal O Estado de São Paulo (2004), enfatiza essa afirmação, ao dizer:

“Sem dúvida. É um jogo do fotógrafo com o fotografado. O melhor retratista é aquele que consegue fazer com que o retratado ache que está no domínio da situação. O comando é dele. Nesse jogo psicológico, você vai criando o seu jeito, até que sua visão como fotógrafo prevaleça. No fim, o retrato pertence aos dois. Porque o fotógrafo é um espelho de quem está sentado à sua frente. É um espelho com memória”.

Não é à toa que Scavone ganha reconhecimento em sua área. De 1994 a 2001, mantém uma seção fixa de retratos na revista Carta Capital, recebe diversos prêmios na área de publicidade, entre eles o Clio Awards e o Leão de Ouro, em Cannes, e, em 2002 e 2004, publica seus livros “Luz Invisível” e “A Cidade Ilustrada”, respectivamente (Enciclopédia Itaú Cultural, 2017). Ao fotografar objetos do cotidiano:

“Sua atenção está voltada para o modo como a luz incide sobre a matéria, pois, além de revelar ou ocultar detalhes, ela é capaz de conferir uma aura (a sensação de que ali se revela algo especial, único e verdadeiro) às situações triviais e nos retratos, cria uma atmosfera de naturalidade simulando flagrantes de momentos íntimos em que (…) o olhar direto encarando a câmera denota a ideia de confiança e cumplicidade entre o fotógrafo e o retratado. Scavone manipula a persona do modelo mostrando-o junto a objetos e cenários que remetem a sua profissão ou, ao contrário, criando situações inusitadas que aludem a sua vida privada”. (Comentário crítico na Enciclopédia Itaú Cultural, 2017).

Algumas de suas obras, em que, com o uso da técnica e de sua sensibilidade, Scavone captura o que foge aos nossos olhos no dia a dia, paralisando a beleza invisível do trivial e de alguns personagens:

Xícara de café – http://zip.net/bftGVS

Austregésilo de Athaydehttp://zip.net/bhtG5c

Banheiro Público – http://zip.net/bhtG5c

Manuelzão, Personagem de Guimarães Rosa – http://zip.net/bctGTy

Fernanda Montenegro – http://zip.net/bjtGTJ

Pelé – http://zip.net/bwtGtg

Mas o que leva Scavone a capturar essas imagens? De acordo com Raffaelli (Scielo, 2002) “na conceituação junguiana, o eu pode ser entendido como um repositório de imagens que se agrupam por significado, oriundas tanto da percepção quanto da memória, formando um complexo de ideias e sentimentos que conferem uma unidade e identidade pragmáticas ao self, em especial nas relações sociais”. A partir disso, depreende-se que tais imagens remetem Scavone à conteúdos mnemônicos, ou seja, a lembranças adquiridas ao longo de sua vida. Essa afirmação torna-se fidedigna em relato do próprio fotógrafo, no seu canal no YouTube, no qual ele fala de suas primeiras referências em fotografia.

Nesse relato, Scavone apresenta um anuário que pertencia ao seu pai e que sempre estava na casa, sendo olhado e admirado por ele de tal maneira que sabe dizer cada foto contida nele. Perceber-se-á que esse anuário em muito influenciou na carreira de Scavone como fotógrafo.

Acho que passei a infância folheando esse anuário e tenho a impressão que isso foi muito informativo para os meus olhos”

A fotografia correndo para mim numa imagem de mulheres”

E olhando esses anuários, comecei a ficar fascinado com o movimento”

Vi que todas as fotos desse livro eu me lembro! ”

Portanto, além da técnica e da sensibilidade, Scavone conta com sua memória como uma forte aliada em seu trabalho, repousando seus resquícios sobre as imagens que constrói e captura.

Referências:

Enciclopédia Itaú Cultural – Marcio Scavone. Atualizado em 23 fev. 2017. Disponível em: https://goo.gl/jpJGNV. Acesso em 28 mar. 17.

Madalena Workshops – Centro de Estudos da Imagem. Marcio Scavone – Fotógrafo. Disponível em: https://goo.gl/WHfsMr. Acesso em 28 mar. 17.

Raffaelli, R. Imagem e self em Plotino e Jung: confluências. Estud. psicol. (Campinas) vol.19 no.1 Campinas Jan./Apr. 2002. Disponível em: https://goo.gl/ucslVP. Acesso em 11 abr. 17.

Scavone, M. Marcio Scavone e suas primeiras referências em Fotografia. YouTube. Publicado em 9 de dez de 2014. Disponível em: https://goo.gl/uQX5Wn. Acesso em 11 abr. 17.

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Bob Wolfenson e seus retratos – Dramaticidade, voyeurismo e cumplicidade

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“A fotografia é antes de tudo meu ofício, o que tecnicamente sei fazer, mas é também um vetor das minhas ideias, minha forma de comunicação com o mundo”. Bob Wolfenson

O primeiro contato com a fotografia surgiu quando ganhou de seu pai, ainda na infância, sua primeira câmera fotográfica. Criado no bairro judaico do Bom Retiro em São Paulo, Bob Wolfenson sonhava em ser jogador de futebol. Nos anos 1970, aos 15 anos de idade, “caiu de paraquedas” no estúdio da Editora Abril, após a morte de seu pai. Os motivos desse início de carreira nem ele sabe explicar, porém, trabalhou com importantes fotógrafos nacionais como Trípoli, Francisco Albuquerque e Antônio Guerreiro.

Bob Wolfenson por Pedro Bonacina

Anos mais tarde, em Nova Iorque, foi assistente no estúdio do fotógrafo de moda norte-americano Bill King, freqüentado por atrizes como Brooke Shields e Elizabeth Taylor. A experiência lhe deu status e abriu portas. A partir daí passou a colaborar com as principais publicações brasileiras voltadas à moda, além das grandes agências de publicidade internacionais.

Essas vivências possibilitaram a Bob aos poucos imprimir sua marca em seus trabalhos. Nessa mesma época, foi considerado pela Funarte como melhor fotógrafo na categoria arte e teve seu trabalho reconhecido pelo Phytoervas Fashion Awards como melhor fotógrafo de moda. Com Jardim da Luz, seu primeiro livro de retratos, e sua respectiva exposição no Museu de Arte de São Paulo, veio a consagração na década de 1990.

Capa do livro Jardim da Luz

“Quando me deu uma câmera ainda na infância, meu pai, um judeu pernambucano de esquerda, traçou, sem saber, o meu destino. Por força desse sincretismo e com a obstinação própria de um homem idealista, tentou me fazer ver o mundo sem preconceitos ou racismo. Este livro de retratos talvez seja a síntese desse legado deixado por meu pai. Ao justapor algumas vezes imagens e pares antagônicos, quis tornar possíveis certas impossibilidades e vice-versa. Esse jogo, aliado ao prazer de fotografar, foi o guia deste trabalho, e a generosidade dos fotografados, a via de realização”.

Outro momento importante em sua carreira aconteceu nesse mesmo período: as fotos da atriz Maitê Proença em comemoração aos 21 anos da Revista Playboy em março de 1996. Apesar de anteriormente ter realizado outros ensaios para a mesma revista, esse trabalho, segundo Bob, foi um foi um marco, que mudou sua vida como fotógrafo de nu, pois foi o primeiro em que teve a possibilidade de desenvolver um trabalho autoral, de se incluir e não somente “cumprir a cartilha”. O fotógrafo respeita o corpo-outro e desnuda poeticamente sem agredir o nosso olhar. Que mulher não sonha em ser despida pelas lentes de Bob?

   

Maitê Proença

“O fotógrafo de nu é como um cirurgião. Aquilo pra mim é um evento corriqueiro, vou tratar com importância, mas é meu trabalho. Para quem vai fazer a cirurgia, é o evento da vida. Então, a diferença emotiva é grande. Eu tô calmo e a mulher, em geral, nervosa. Aquela nudez é para o outro, não é para mim. Sou um instrumento do leitor. Sou uma passagem”.

O apuro estético perceptível e a beleza plástica tornam seus trabalhos singulares. Seja num estúdio fotográfico ou em locações externas, num editorial de moda ou um ensaio de nu, numa publicidade ou nas páginas de um livro, percebe-se sua excelência profissional e sua predileção por sujeitos a objetos.

Gisele Bündchen para campanha da Grendene

Ensaio para a Revista Vogue Noivas

“Tudo o que eu vejo, o que eu faço, os livros que leio, os filmes que assisto, as viagens,
tudo isso acaba de alguma maneira influenciando no meu trabalho.
A minha vida é minha influência e procuro não trabalhar com muitas referências de outros profissionais, apesar de tê-las. Quando você coloca a câmera na frente do seu olho,
de alguma maneira você está dando sua opinião a respeito do que está vendo.
Essa opinião é carregada de toda a influência de sua vida.”

Além da sua versatilidade no campo da publicidade (Itaú, L’oreal, Claro, O Boticário, Riachuelo etc.), nas conceituadas revistas e eventos de moda (Vogue, Elle, Photo, São Paulo Fashion Week), no universo dos retratos (capas de discos, retratos de celebridades), Bob mostra-se multifacetado em outros projetos como livros (Encadernação Dourada, Apreensões, Cinepolis), exposições (Bom Retiro, A caminho do mar, Belvedere), concepção de revistas (55 e S/N) e direção de filmes comerciais.

Paola Oliveira para campanha da L’oreal

                                      

“Não digo que seja fácil nem que me orgulhe de todos os meus trabalhos; porém observo que, quando estou fotografando, minhas inquietações, formação e personalidade estão ali junto comigo, selecionando o modo de olhar, e acho que sou bem singular nesse sentido porque lido com muitos temas diferentes”.

Suas imagens são contundentes e incitam sentimentos múltiplos. Conseguem tocar o espectador muito além das questões comerciais envolvidas em sua execução. Para o fotógrafo alemão Helmut Newton, “uma boa foto de moda deve parecer tudo, menos uma foto de moda”. Bob consegue traduzir essa afirmação com maestria.

Mariana Ximenes para campanha da Arezzo

                                                  

Cléo Pires

Rita Lee

Grazi Massafera para campanha da Lince

Famoso por seus retratos, ele consegue de forma direta, crua e seca ressaltar a singularidade dos seus fotografados. Dramaticidade, voyeurismo e cumplicidade são particularidades do seu estilo, porém “essa proximidade quase cirúrgica, ao contrário do que pensa a maioria, não me autoriza maiores intimidades com os meus fotografados”.

Hermeto Paschoal

Luiza Brunet

Pelé

“Acho que os meus retratos são bem característicos, é onde me reconheço mais.
Se tenho algum estilo, tenho nos retratos”.

Dona Cida, Lider comunitária, Cafundó

“Tentativas de explicações a parte, talvez a única coisa que importe mesmo, seja a intensidade emocional contida nestes breves encontros que são as sessões fotográficas, apesar de minha longa experiência, é isso que me mantém fotógrafo. A boca seca e o ritmo do coração alterado”.

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