Papeis de gênero a partir da música “Geni e o Zepelim”

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O objetivo dessa narrativa é tecer uma análise da música Geni e o Zepelim, do compositor Chico Buarque, sob a perspectiva de papéis sociais, especialmente sobre o gênero. Lane (2006) define identidade social como “conjunto de papéis sociais, que atendem, basicamente, à manutenção das relações sociais representadas no nível psicológico, pelas expectativas e normas que os outros envolvidos esperam que sejam cumpridas”.

A música nos apresenta Geni e o Comandante. Geni, uma mulher muito conhecida e falada na cidade pelos seus comportamentos, Chico Buarque, a descreve em estrofe “…De tudo que é nego torto, do mangue, do cais, do porto, ela já foi namorada, o seu corpo é dos errantes, dos cegos, dos retirantes, é de quem não tem mais nada…”. Do mesmo modo, em estrofe nos apresenta o Comandante, “…forasteiro, o guerreiro tão vistoso, tão temido e poderoso…”. A canção tem como refrão uma expressão no qual será repetida sempre que mencionado o nome de Geni “…Joga pedra na Geni, ela é feita pra apanhar, ela é boa de cuspir, ela dá pra qualquer um, maldita Geni…”.

Nota-se que Geni é hostilizada pela forma como se comporta, nos fazendo refletir quanto a diferença de valores e comportamentos esperados em relação a mulher e ao homem, que apesar de existirem valores indistintos, como: “respeito”, “obediência”, “honestidade”, “trabalho”, existem também valores que estão relacionados apenas ao sexo feminino, como: “submissão”, “delicadeza no trato”, “pureza”, “capacidade de doação”, “prendas domésticas e habilidades manuais” (BIASOLI-ALVES, 2000).

No entanto, o Comandante tratava-se de um homem forte, temido e detentor de poder, ele havia chegado na cidade com a intenção de destruí-la, mas que ao conhecer Geni encantou-se e logo propôs a paz em troca de uma noite com ela. “Ao longo do processo histórico foram naturalizados e consolidados papéis de gênero diferenciados ao homem e à mulher: atribui-se ao homem a força e o poder, e à mulher a submissão e fragilidade” (CARVALHO; FERREIRA; SANTOS, 2010).

Fonte: encurtador.com.br/xDNY6

Dessa forma, comportamentos semelhantes são vistos e julgados socialmente de modo diferente a partir do gênero da pessoa. As mulheres ainda são estereotipadas pelos seus posicionamentos e/ou comportamentos diante da sociedade, por vezes, sendo diminuídas a rótulos pejorativos por se comportarem do mesmo modo que o homem, ou seja, enquanto a mulher é julgada e muitas vezes massacrada por sua liberdade, o homem é exaltado pelo mesmo direito.

Segundo Santos e Izumino (2014), conhecer a violência contra a mulher a partir das teorias de gênero, nos traz a compreensão sobre os tipos de violências existentes nas agressões à mulher e quais as relações de gênero envolvidas nesta problemática.

No Brasil, desde 2006 foi sancionada a Lei Maria da Penha, que através do sistema policial, garante a segurança e acolhimento às mulheres vítimas de violência, onde seus direitos, dignidade e proteção podem ser exercidos sem julgamentos.

A lei também estabelece a definição do que é a violência doméstica e familiar, bem como caracteriza as suas formas: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Além disso, a Lei n. 11.340/2006 cria mecanismos de proteção às vítimas, assumindo que a violência de gênero contra a mulher é uma responsabilidade do Estado brasileiro, e não apenas uma questão familiar (INSTITUTO MARIA DA PENHA, 2018).

Fonte: encurtador.com.br/owOSU

Apesar da criação e garantias da lei, as mulheres ainda são as principais vítimas de violência, de acordo com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), em 2020 foram registradas mais de 105 mil denúncias de violência contra a mulher, demonstrando que embora existam mecanismos de proteção a mulher, a cultura permanece em um sistema patriarcal.

Assim, consequentemente a violência de gênero afeta não só a saúde integral da mulher, mas também de toda a sociedade, considerando que essa se perpetua em um sistema de dominação dos homens em relação às mulheres. “O patriarcalismo compõe a dinâmica social como um todo, estando inclusive inculcado no inconsciente de homens e mulheres individualmente e no coletivo enquanto categorias sociais.” (MORGANTE e NADER, 2014). Neste sentido, comportamentos sob a lógica patriarcal são emitidos mesmo sem intencionalidade e consciência, uma vez que são reproduções da forma como se estruturou e se estrutura a sociedade.

Portanto, existe uma dominação muito bem definida que alimenta o julgamento e a violência, sempre que a mulher não ocupa um papel social determinado ou esperado pela sociedade em que está inserida. Daí a relevância de olhar para os fenômenos sociais sob a perspectiva de gênero e de uma ótica histórica e social, considerando que nesta análise, referiu-se à violência contra a mulher.

Fonte: encurtador.com.br/eloAP

Referências:

BIASOLI-ALVES, Zélia Maria Mendes. (2000). Continuidades e rupturas no papel da mulher brasileira no século XX. Psicologia: Teoria e Pesquisa. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-37722000000300006. Acesso em: 09 de abril. 2021.

BUARQUE, CHICO. Geni e o Zepelim. Philips Records, 1979. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=jWHH4MlyXQQ. Acesso em: 09 de abril. 2021.

Canais registram mais de 105 mil denúncias de violência contra mulher em 2020. Governo do Brasil. 2021. Disponível em: https://www.gov.br/pt-br/noticias/assistencia-social/2021/03/canais-registram-mais-de-105-mil-denuncias-de-violencia-contra-mulher-em-2020. Acesso em: 09 de abril. 2021.

CARVALHO, Carina Suelen de et al. Analisando a Lei Maria da Penha: a violência sexual contra a mulher cometido por seu companheiro. Disponível em: http://www.uel.br/eventos/gpp/pages/arquivos/6.MoaraCia.pdf Acesso em: 09 de abril. 2021.

LANE, S. T. M. (1981). O que é Psicologia Social? São Paulo, SP, Editora Brasiliense.

MORGANTE, M. M. & Nader, M. B.. (2014). O patriarcado nos estudos feministas: um debate teórico. Anais do. XVI Encontro Regional de História da ANPUH. Disponível em: http://encontro2014.rj.anpuh.org/resources/anais/28/1399953465_ARQUIVO_textoANPUH.pdf. Acesso em: 09 de abril. 2021.

SANTOS, Cecília Macdowell; IZUMINO, Wânia Pasinato. Violência contra as Mulheres e violência de Gênero: Notas sobre Estudos Feministas no Brasil. 2005. Disponível em: http://eial.tau.ac.il/index.php/eial/article/view/482. Acesso em: 09 de abril. 2021.

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Chico Buarque: o militante da MPB

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‘Arte de resistência’ é como Hollanda define sua forma de fazer música.

Chico Buarque de Hollanda é uma das vozes mais importantes da música popular brasileira, sendo um dos responsáveis por criar um arcabouço de canções que trouxeram um grito de liberdade contra o período da ditadura militar brasileira, na década de 60.
Falar de Francisco Buarque traz inspiração e desejo de militância, uma vez que sua vida e seu trabalho como cantor e compositor são usados por ele como um instrumento de luta e exposição da verdadeira voz brasileira.

O período da juventude de Chico foi marcado por grande censura aos meios de comunicação, bem como aos artistas, incluindo atores e músicos. Assim, várias peças teatrais e músicas foram proibidas de serem reproduzidas para os brasileiros, por serem consideradas afrontas ao governo ditatorial da época.

Fonte: encurtador.com.br/jrBLQ

Chico é filho do historiador e sociólogo Sérgio Buarque de Hollanda e da pianista Maria Amélia Cesário Alvim, sendo o 4º de sete irmãos. Nascido no ano de 1944, na cidade do Rio de Janeiro, contou com uma educação em sua maioria católica, o que de acordo com ele lhe proporcionou duas experiências: a de ver de perto as barreiras que o catolicismo colocava para a liberdade de expressão, e a oportunidade de conhecer realidades menos favorecidas no realizar de trabalhos comunitários. Para ele, essa segunda experiência foi parte importante no seu processo de reconhecimento da identidade do povo brasileiro daquela época, o que consequentemente teve forte influência no seu trabalho.

Por ter nascido em berço privilegiado, Chico tinha muito bem a possibilidade de não se importar com a luta de classes. Entretanto, ele se importava, e apesar de viver em uma área urbana rica, estava sempre atento ao crescimento da cidade do Rio de Janeiro que era injusto e desfavorável aos pobres, e era também para essas pessoas que ele cantava.

‘Arte de resistência’ é como Hollanda define sua forma de fazer música. E é possível ver esse modelo artístico em todas as suas letras. “Apesar de você”, música definida por ele próprio como uma canção de protesto, traz “Hoje você é quem manda/ Falou, tá falado/ Não tem discussão, não/ A minha gente hoje anda/ Falando de lado/ E olhando pro chão, viu/” , tal trecho era uma referência ao presidente na época, o general Olímpio Mourão Filho.

Fonte: encurtador.com.br/wQSY1

Para Chico, o processo de compor as músicas sempre foi muito prazeroso, sendo um feito indescritível por tamanho contentamento. A música “Cálice”, composta por ele e Milton Nascimento traz, “Pai, afasta de mim esse cálice/ Pai, afasta de mim esse cálice/ Pai, afasta de mim esse cálice/ De vinho tinto de sangue/”, o termo cálice é uma alusão à palavra “cale-se”, que representava a proibição que os brasileiros estavam sofrendo em não poderem exercer sua liberdade de expressão.

Suas críticas ao governo ditatorial da época eram sutis e inteligentes, o que colaborou para que muitas de suas composições conseguissem passar batidas pelos olhares da repressão do governo e chegassem ao público. No entanto, sua performance astuta foi sendo detectada pelos militares, que passaram a ter ouvidos mais apurados às afrontas construídas pelo artista, proibindo muitas das músicas assim que elas eram lançadas aos brasileiros.

É nítido que a grande musa inspiradora de Hollanda no seu ápice do sucesso foi o período negro do golpe de 64 no Brasil, e como o artista que é, ele fez dessa musa cruel resultar canções que trouxeram alegria e esperança ao povo brasileiro, que se encontrava abatido e preocupado com o que seria feito do país continental.

Fonte: encurtador.com.br/tBIX0

Chico sobreviveu ao período da ditadura, claro que não sem marcas, porque qualquer cidadão que tenha sobrevivido a esse período carrega as marcas sombrias da censura em seu coração. Recentemente Chico lançou o álbum “Caravanas” (2017), que tem um foco e inspiração bastante diferente, já que traz o “amor romântico” como centro, o que é comum entre os artistas da MPB atual.

REFERÊNCIAS:

HOMEM, Wagner. Chico Buarque. Disponível em: <http://www.chicobuarque.com.br/>. Acesso em: 05 jan. 2019.

Certas palavras com Chico Buarque (1980). Direção de Mauricio Berú. Rio de Janeiro: Conselho Nacional Para A Cultura e As Artes, 1980. P&B. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=YzZLX8Zprj8>. Acesso em: 05 dez. 2019.

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