Argo: um filme falso para uma missão real

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Com sete indicações ao Oscar:

Filme, Ator Coadjuvante (Alan Arkin), Roteiro Adaptado (Chris Terrio), Edição, Trilha sonora original, Edição de Som, Mixagem de Som

 

O Império Persa, atualmente conhecido como Irã, foi governado por 2500 anos por reis (denominados Xás), com seus costumes e regras tão diferentes do mundo Ocidental. Em 1950, o primeiro ministro (Mohammed Mossadegh) agiu diretamente na imposição de novas leis em torno das políticas que regiam o Petróleo. Mossadegh era um nacionalista e defendia o controle das riquezas petrolíferas por parte do Irã. Assim, a Inglaterra e os Estados Unidos arquitetaram os meios para a instauração de um Golpe de Estado que tirou Mossadegh do poder e instalou o Xá Reza Pahlavi como o novo líder do país.

Enquanto o povo iraniano, em sua maioria, passava fome e sofria retaliações, a família do novo Xá vivia em condições de luxúria e poder. Agregando-se a isso, a crescente insatisfação do povo do Irã com as campanhas que tentavam tornar seu país mais ocidental, estava armado o cenário para a queda de Reza Pahlavi e o retorno do clérigo Aiatolá Khomeini ao poder.

Nesse contexto, está definida a base histórica que resultou, dentre outras coisas, na tomada da embaixada americana por um grupo de iranianos em 1979. Essa é a base na qual foi desenvolvido o tema principal de Argo, o tão premiado filme do diretor/ator Ben Affleck.

De uma forma geral, conforme apresentado em Bostock (2010), a vida em uma comunidade ocorre em vários níveis: o físico, o social, o econômico, o político e o psicológico. Acrescento, ainda, o fator cultural, e relacionando esses diversos níveis talvez seja possível olhar para um determinado povo de forma mais coerente. A obscura sensação que se tem é a de que vivemos em um mundo pequeno demais para manter certa diversidade cultural. Julgar o que é bom ou o que é mau a partir de uma dada cultura pode ser o começo de grandes embates.

“A condição do estado de espírito predominante em qualquer comunidade, em qualquer momento, pode ser denominado de um estado mental coletivo” (BOSTOCK, 2010). É nesse estado mental coletivo, de um povo que vivia acuado em um regime opressivo nas mãos do Xá Reza Pahlavi e depois acreditou se libertar a partir da condução ao poder do  Aiatolá Khomeini, que se dá o estopim da crise e a tomada da embaixada americana em 1979.

Com um grupo de cidadãos americanos (52 pessoas) sendo torturado psicologicamente no Irã, o Governo dos EUA precisava encontrar um meio de ação, ainda que não soubesse qual o caminho menos desfavorável (já que todos pareciam ser ruins). Em meio a essa crise, tem-se a informação de que seis americanos conseguiram fugir e se refugiaram na embaixada canadense.

Em Argo, há uma tentativa de reconstrução fiel dos fatos que foram relevantes para a retirada dessas seis pessoas do Irã, em um momento em que todos os aeroportos do país estavam sendo fortemente vigiados e que havia uma verdadeira caça aos americanos. Em meio a isso, tem-se uma das ideias mais inusitadas usadas pela CIA na consecução de um plano de fuga, proposta por Tony Mendez (interpretado por Ben Affleck), um especialista em “exfiltração”.

 

 

O plano era “simples”: acionar um diretor e um especialista em maquiagem, que tenha trabalhado em um importante filme de SciFi (exemplo, O planeta dos macacos) e espalhar a notícia que estavam produzindo um filme de Ficção Científica em Hollywood  e que precisariam de um cenário árido (como o encontrado no Irã) para ser o planeta de um grupo de extraterrestres. Claro, tal ideia é absurda e se não tivesse acontecido (e funcionado) de fato, possivelmente Argo seria tratado como mais um desses filmes hollywoodianos fantasiosos.

 

Você têm 6 pessoas escondidas em Teerã, uma cidade de 4 milhões de habitantes gritando morte aos americanos o dia inteiro. Quer fazer um filme em uma semana. Quer mentir para Hollywood, uma cidade onde todos vivem da mentira. Então você vai enviar um 007 para um país onde querem a CIA sangrando no cereal do café da manhã e depois vai tirar seis pessoas da cidade mais vigiada do mundo?

 

Ironicamente, em meio a todo o cenário construído para a rota de fuga ter êxito, o herói é HOLLYWOOD. Se não fosse tal premissa, possivelmente Tony Mendez não teria conseguido entrar no Irã com os seis passaportes falsificados para o grupo que estava escondido na embaixada canadense. O grupo que seria identificado, então, como a equipe produtora do filme.

Argo não tenta aprofundar-se nas nuances psicológicas das pessoas que estavam sob o domínio dos iranianos, nem que tipo de contexto histórico desencadeou tal situação. É um filme que mostra como um agente da CIA, com a ajuda de um embaixador do Canadá (país que ganhou os créditos da operação até 1997, quando esta deixou de ser confidencial), conseguiu entrar em Teerã e resgatar as seis pessoas.

Em uma conversa com Tony Mendez, pouco depois desse acontecimento, o diretor da CIA resume numa frase o tipo de trabalho desenvolvido por eles: “Se quiséssemos aplausos, teríamos entrado para o circo”.

Referência:

BOSTOCK, William Walter. The Psychological Preconditions for Collective Violence: Several Case Studies. Journal of Alternative Perspectives in the Social Sciences ( 2010) Vol 2, No 1, 273-297.

 


FICHA TÉCNICA DO FLME

ARGO

Título Original: Argo
Direção: Ben Affleck
Roteiro: Chris Terrio
Elenco Principal: Ben Affleck, Bryan Cranston, John Goodman, Alan Arkin.
Ano: 2012

Alguns prêmios:
BAFTA – Melhor Filme, Diretor, Edição
Golden Globes – Melhor Diretor (Ben Affleck), Melhor Filme – Categoria Drama
Screen Actors Guild Awards – Melhor Elenco

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A Hora Mais Escura: o mal é uma saída necessária

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Com cinco indicações ao Oscar:

Filme, Atriz (Jessica Chastain), Roteiro Original (Mark Boal), Edição, Edição de Som

 

No escuro da tela, ouve-se uma ligação, é a gravação real de um telefonema para a emergência no 11/09/2001. A última frase que ouvimos da pessoa é “estou queimando”.  Muda-se o foco, agora aparece um galpão em algum lugar do Paquistão e o que vemos é uma cena de tortura, um americano falando metodicamente que quer ouvir a verdade, uma pessoa de capuz assistindo a cena e mais dois encapuçados puxando as cordas que prendem os braços do prisioneiro.

Quando Zero Dark Thirty estreou em Dezembro de 2012 nos EUA gerou muita polêmica, em especial, por mostrar cenas de tortura praticadas por integrantes da C.I.A. (A Central de Inteligência Americana). E a impressão que se tem é de que a premissa principal do filme gira em torno do fato de que o Interrogatório Reforçado (ou seja, aquele na qual se usa a tortura como um meio para se chegar a um fim) foi a peça principal na descoberta do esconderijo de Osama Bin Laden e na sua consequente morte.

A minuciosa pesquisa jornalística do roteirista Mark Boal e da diretora Kathryn Bigelow (ambos ganhadores do Oscar em 2010 pelo filme “Guerra ao Terror”) sobre os acontecimentos em torno da “Caçada ao Osama” produziu um filme com uma sequência de fatos tão reais que tem provocado um grande desconforto em alguns membros do Senado e da CIA.

 

 

O filme conta a história a partir do ponto de vista de Maya (uma agente da CIA – um personagem que representa uma composição de algumas figuras reais). Maya muitas vezes é a única figura feminina em cena, mas sua forma, paradoxalmente, passional e lógica de conduzir o caso acabou fazendo com que ela se tornasse a mentora por detrás do quebra cabeças de fatos que conduziram à morte do Bin Laden.  Na primeira cena de tortura que ela acompanhou, o prisioneiro tentou apelar para os seus sentimentos, talvez julgando que uma figura feminina tivesse mais complacência. Mas, de maneira impassível, Maya apenas disse a ele o que o outro agente já havia falado: se não quiser ser torturado, fale a verdade.

As cenas de tortura presenciadas ou conduzidas por Maya são uma ode ao horror: espancamentos, humilhação, privação de sono, confinamento em caixa, afogamento. Para Maya, não há tempo para pensar na natureza de tudo aquilo, ela executa as ações que julga serem relevantes para alcançar seu objetivo: encontrar Osama. Graças à brilhante interpretação de Jessica Chastain, podemos acompanhar através de suas expressões sutis, especialmente do seu olhar, a angústia do personagem, desde sua tentativa de permanecer impassível até sua nítida perda de controle em alguns momentos. Mas, Maya tem que acreditar que a sua complacência perante a dor do outro tem que ser menor que seu objetivo final e ela acredita, foi treinada para isso.

Depois de 12 anos de busca, de muitas mortes (inclusive de amigos da CIA), Maya finalmente consegue comprovar que sua principal pista, um mensageiro da Al-Qaeda, ao contrário do que diziam outros agentes, estava vivo e poderia levá-los ao Bin Laden. Desta forma, ela consegue encontrar provas suficientes para que o alto escalão autorizasse um ataque aéreo surpresa e uma invasão na casa que, em tese, estaria Osama.  Quando, na reunião repleta de homens, o chefe de departamento da CIA pergunta quem é a mulher sentada na parte mais distante da sala, ela mesma responde: “I am the motherfucker that found the place,sir”.

 

 

A reconstrução de toda a operação realizada na casa na qual estava escondido Bin Laden é primorosa.  Enquanto crianças choram, mulheres se desesperam, homens são assassinados, o corpo de uma pessoa envelhecida cai ao chão. Bin Laden muda de status: da figura mais procurada pelo Governo dos EUA passar a ser o corpo inerte no terceiro andar. Então, colocam-no em um saco e levam-no para a sede da CIA no Paquistão.

 

 

E, assim, Maya fica diante daquilo que foi seu objetivo de vida durante 12 anos. Com uma expressão de quem está assustada pelo fechamento de um ciclo, ela se aproxima do corpo do Osama e confirma sua identidade.  Finalmente, a busca chegou ao fim, então ela entra em um avião e ouve-se uma voz: “Deve ser muito importante, tem um avião só para você. Para onde quer ir?”

Ela nada responde. Talvez com a morte do Bin Laden, não haja mais um objetivo, nem um lugar para ir.

 

 

Mais do que uma história sobre as consequências do fundamentalismo, do imperialismo político ou do fanatismo religioso, esse filme mostra como podemos nos acostumar com o mal e aceitá-lo como uma saída necessária em alguns dilemas. Muitas vezes, as categorizações que se formam em torno daquilo que assumimos como justiça, verdade ou moral podem ser responsáveis por criar cruzadas que vão além da nossa possibilidade de discernimento entre o bem e o mal. Talvez porque a maior parte dos dilemas não se encontra em um polo distinto de uma abstrata linha moral, e sim em trânsito entre uma coisa e outra.

 


FICHA TÉCNICA DO FILME

A HORA MAIS ESCURA

Título Original: Zero Dark Thirty
Direção: Kathryn Bigelow
Roteiro: Mark Boal
Elenco Principal: Jessica Chastain, Jason Clarke, Jennifer Ehle, Mark Strong, Kyle Chandler e Reda Kateb.

Alguns prêmios:
AFI Awards – Filme do Ano
Austin Film Critics Association – Melhor Filme
Broadcast Film Critics Association Awards – Melhor Filme, Melhor Atriz (Jessica Chastain), Melhor Edição, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Original
Golden Globes – Melhor performance de uma Atriz em um filme – drama (Jessica Chastain)

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