Palmas para Rita von Hunty

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Rita Von Hunty, a persona drag queem idealizada e executada pelo professor Guilherme Terreri Lima Pereira, atua como arte educadora, colunista da revista Carta Capital, instagramer, youtuber no canal Tempero Drag e apresentadora nos programas de televisão Saia Justa do GNT e Drag-me as a Queen do canal DIRECTV GO. 

Neste sentido, ao se apresentar como palestrante do evento Psicanálise e Cultura – Esperança e Ato promovido pelo curso de psicologia da Universidade Federal do Tocantins e pelo grupo de estudos FALA – percurso de Freud a Lacan, Von Hunty faz questão de indicar o seu lugar de fala, “o lugarzinho que habita” para se diferenciar dos “sabichões da internet” como sendo professora de língua e literatura inglesa, atriz farsante, marxista hoje tem como campo de atuação os estudos de cultura.

 

Nos aspectos físicos, Rita se apresenta com o estereótipo de uma dona de casa americana dos anos 50, com perucas estruturadas, maquiagem marcada, mas delicada, roupas coloridas, porém respeitáveis surge uma senhora de meia-idade que se autodescreve como professora de humanas e faz lembrar a tia de alguém. Mas é preciso dizer que ela é muito mais do que o impacto visual e uma performance. 

Rita é um fenômeno relevante, especialmente no Brasil que carrega os tristes títulos de: ser a 12 anos campeão mundial de crimes contra minorias sexuais e de país que mais mata pessoas LGBTQI+ no mundo; ser o 5º país do mundo em feminicídio e o 4º colocado em casamento infantil de mulheres. 

Rosto de drag queen Rita Von Hunty estampa o Minhocão em SP.

O Tempero Drag, protagonizado por Von Hunty desde 2015, tem quase um milhão de inscritos no youtube. O que por si só já seria um marco relevante em termos de quantidade de seguidores. E que se destaca ainda mais pela peculiaridade dos temas abordados que tratam das questões contemporâneas e cotidianas com extensa fundamentação teórica nos estudos de cultura e nas ciências humanas, e pela assertiva a escolha da arte como forma de educação e difusão de saberes.

No que se refere aos temas tratados por ela, vale destacar o espanto de dizer que centenas de milhares de pessoas estão interessadas nas aulas teóricas e bem referenciadas sobre sociologia, filosofia e literatura nas quais a “professora Rita” traduz com humor e linguagem simples aos leigos da cultura erudita o pensamento de autores da cultura ocidental tais como: Raymond Williams; Adorno; Foucalt ou Frederic James.  

Ainda na tentativa de indicar os inúmeros significantes agregáveis ao fenômeno Rita, é preciso dizer sobre sua posição declaradamente marxista, sua posição na luta pela defesa por direitos humanos para todos, especialmente para os corpos mais vulneráveis e desprotegidos pela biopolítica brasileira, e, por fim seu compromisso várias vezes declarado com as propostas teóricas e técnicas do fazer educação de Paulo Freire considerando história e consciência de classe.

Fonte: YouTube 

 

No que tange à psicologia e à psicanálise, Von Hunty estuda a teoria lacaniana sobre ética, no seminário 7, no qual analisa o texto clássico da tragédia grega de Antígona e a partir dele nos convida a pensar a necessidade de adotarmos uma postura política ativa e de somarmos esforços concretos a uma construção coletiva de uma realidade distinta em termos de direitos humanos.  

Rita se fundamenta na afirmação de que ele, Lacan, não tinha pretensão de ser entendido, pois tudo que existe entre nós é mal-entendido: é o campo possível para nós, justamente para afastar-se da suspensão neurótica e passarmos a uma esperança transformadora. 

Para ela, esperança não é uma coisa que você sente no sofá, é uma coisa que você sente quando você está ligado aos seus por um projeto pelo qual você se lembra que vale a pena lutar.

Fonte: YouTube 

 

A esperança deve, então, ser compreendida como verbo, uma ação que seja de fato combustível para a construção de outro sentido, outra direção, orientada à luta por direitos humanos. Neste sentido, durante a mencionada palestra aos estudantes de psicologia de Palmas-TO, a fala de Rita convida a seguir com Raymond Williams (seu Raimundinho) e Paulo Freire para adotar a na prática profissional a esperança radical, como verbo.

Pois é preciso ter consciência de que as pessoas e os poderes estabelecidos têm necessidade de nos comunicar afetos tristes, de nos persuadir que a vida é dura e pesada e de nos angustiar para desestimular nossas ações de mudança. Nesse momento ser verdadeiramente radical é tornar a esperança mais possível do que os afetos tristes, do que o desespero convincente impresso nas notícias, nas redes sociais e no discurso oficial das instituições.

Fonte: YouTube 

 

A fala de Rita aos estudantes de psicologia da Universidade Federal do Tocantins nos orienta a divulgar qualquer pequena vitória, também. Para fazer face ao acúmulo de estímulos à manutenção da angústia estagnante e de outro modo fazer o sujeito refletir: quais vitórias nos são possíveis agora? Para além da defensiva, para além do esperar. 

Diante deste quadro, fica o convite imperativo à psicologia e à psicanálise, enquanto áreas de estudo e prática da saúde mental capazes de manejar por meio da linguagem (cura pela fala e escuta ativa) sentimentos e imaginação mobilizando afetos distintos da angústia inibidora a serem ativados pelo desejo de cada sujeito de modo a tornar, um a um, a “esperança verbo” mais possível.

Referências.

¹ Dados do Trans Murder Monitoring (“Observatório de Assassinato Trans”) https://exame.com/brasil/pelo-12o-ano-consecutivo-brasil-e-pais-que-mais-mata-transexuais-no-mundo/

² (https://www.youtube.com/watch?v=Slm2ib2j5c0)

Lacan, J. (1997). Seminário 7 – A Ética da psicanálise (1959-60). Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor.

LACAN, Jacques. O seminário. Livro 20. Mais, ainda. Jorge Zahar Editor. Rio de Janeiro, 1985. 

LACAN, Jacques. O seminário. Livro 23. O Sinthoma. Editora Zahar. Brasília, 2017. https://lotuspsicanalise.com.br/biblioteca/Jacques-Lacan-O-seminario-Livro-23-O-sinthoma.pdf 

Miller, J.-A. (1997). Lacan elucidado: Palestras no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.

Sófocles. (2009). A trilogia tebana: Édipo Rei, Édipo em Colono, Antígona /
Sófocles (15a ed.). (M. G. Cury, Trad.). Rio de janeiro: Jorge Zahar Editor.

Vieira, M. A. (2000). Entre desejo e gozo: Freud, Lacan e a ética da
psicanálise. Saúde, sexo e educação. 20(VII), 42-50 Recuperado em 30
setembro, 2015 de http://www.litura.com.br/artigo_repositorio/entre_
desejo_e_gozo___a_etica_da_psicana_1.pdf

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Lugar de toda criança é na escola, sim!

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Não é necessário ter lido Freud para saber que o “primeiro pai” na espécie humana foi um tirano perverso que, por meio da força, mantinha a mulher e a prole sob seu jugo, a fim de satisfazer suas necessidades, inclusive as sexuais. A civilização humana, portanto, só foi possível pelo movimento de libertação de mulheres e filhos do jugo desse pai perverso. Freud afirmou que, num passado mítico, o “primeiro pai” precisou ser morto pelos filhos para que a civilização se desenvolvesse. Desse assassinato, nasce um pacto de irmandade, a primeira lei, por meio da qual todos se comprometeram a nunca mais ocupar o lugar do pai tirânico: a interdição do incesto.

Assim é possível entender que, estruturalmente falando, toda família pode reativar o pai perverso, tirânico e gozador primordial. Por isso, todo esforço civilizatório significa conseguir romper com a família nuclear. A família é a estrutura que possibilita ao ser humano entrar mundo, mas, paradoxalmente, é a mesma que pode condená-lo à servidão, ao abuso ou mesmo à morte (real ou subjetiva). Não por acaso, Freud inventa a sua psicanálise escutando os pacientes denunciarem abusos, traumas e intrigas familiares. Vista sob a ótica freudiana, a família não é um ninho seguro e amoroso que cuida e acolhe, mas, sobretudo, a fonte primeira de nossos traumas e sofrimentos.

Fonte: https://bit.ly/2RGd2lc

É por isso que a romantização da família é um erro. É ingênuo acreditar que ela seja boa em si. A melhor família é aquela que compreende seu componente perverso, e que, por isso, se ocupa em lançar os filhos para fora de si. A família é uma espécie de mal necessário, que precisa ser superada por cada um no seu esforço de maturidade. O pai sempre precisará ser “morto” por cada um e a cada vez, este foi o argumento freudiano ao retomar o Édipo para falar da família nuclear. O Édipo nunca foi uma história bobinha sobre papai, mamãe e filhinho, como se interpreta por aí. Sendo assim, todo discurso que busca romantizar a família ou promover o resgate de um pai ideal – perfeito ou poderoso – segue o caminho contrário do movimento civilizatório, e facilita a perversão. Não por acaso os abusadores mais comuns de mulheres e crianças são os pais, padrastos, tios ou seus substitutos: padres, pastores, gurus ou líderes de qualquer espécie.

Fiz esse preambulo para dizer dos rumos que o atual governo vem anunciando com seu discurso e suas medidas políticas, especialmente no campo da educação. Dentre as palavras de ordem do governo, “em defesa da família”, é um dos carros chefe. Não qualquer família, obviamente, mas a família ideal do patriarcado composta por pai/homem, mãe/mulher e filhos/heteronormativos. Tal família é considerada a fonte de todo o bem e toda a virtuosidade, cabendo a ela a tarefa de cuidar, inclusive, da educação sexual das crianças, ou até mesmo assumir a escolarização das mesmas, por meio do chamado “ensino domiciliar”.

Portanto, contrariando o atual governo, garantir que a escolarização de todas as crianças seja feita fora do núcleo familiar, não é apenas uma forma de democratizar o acesso ao ensino formal, é ainda mais básico: é proteção elementar contra a tendência familiar perversa, é civilizatório, é promotor de saúde mental e de segurança para nossas crianças. A interdição do incesto – lei que funda a civilização – diz basicamente o seguinte: as questões relativas à sexualidade devem ser vivenciadas e aprendidas fora do núcleo familiar. E se compreendemos que sexualidade não é apenas sexo, mas todo laço feito fora das relações incestuosas, compreendemos a importância da escola como lugar social para a criança.

Fonte: https://bit.ly/2WC6JCK

Papai e mamãe são aqueles que apresentam a criança ao mundo, o desejo deles nessa empreitada é importante e fundamental, mas é igualmente importante que tal criança seja endereçada para fora. E se ela não for endereçada (quem trabalha em qualquer política ou instituição que lida com a infância tem notícia de crianças “aprisionadas” em famílias perversas, onde sofrem abusos de todo tipo), é necessário que seja resgatada pela sociedade; trata-se do pacto civilizatório assumido um dia. Papai e mamãe amam suas crianças na mesma medida em que podem subjugá-las, massacrá-las e adoecê-las. Se a família fosse o núcleo de toda a bondade e felicidade que os “defensores da família” tanto pregam, minha profissão (psicóloga/psicanalista) nem existiria.

Lugar de toda criança é na escola, sim!

Não pode haver nenhuma dúvida quanto a isso.

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A Casa dos Espíritos – paixão, vingança e revolução

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“…Nossa memória é frágil,
Uma vida é um tempo muito breve.
Tudo acontece muito rápido que não dá
Tempo de entender… a relação entre os acontecimentos.”
Blanca Trueba

O filme ‘A Casa dos Espíritos’ é um filme produzido a partir do romance da escritora Isabel Allende, lançado em 1982. O drama de Allende conta os conflitos de três gerações de mulheres e se passa durante as mudanças sociais e os desdobramentos políticos no Chile da década de 1920, até a explosão do golpe militar.

A narrativa começa com a infância de Clara que mantém contato com os espíritos e que, ainda criança, prevê a morte da irmã mais velha. Traumatizada, fica muda por vinte anos. A narrativa segue focando nas mulheres que são figuras principais até chegar a Alba, neta de Clara (Meryl Streep). Mesmo as mulheres assumindo papeis importantes na saga dos Trueba, o pai de família Esteban (Jeremy Irons) assume destaque na narrativa até o final da história.

Quando buscamos simbolicamente a linguagem oculta do cinema, sob o prisma da Psicologia, devemos ter noção da importância destes símbolos para o homem e sua psique, já que esses símbolos são tão explorados pelos recursos cinematográficos. O cinema é uma narrativa que cria e recria as instâncias simbólicas existentes no inconsciente coletivo de cada um de nós; como já dito antes, a capacidade de interpretar cada figura simbólica, depende da experiência, da cultura, da consciência crítica, da ideologia de cada espectador.

A linguagem plástica de A Casa do Espíritos, permite explorar os nossos medos inconscientes. Os símbolos ocultos podem não estar só na psicologia dos personagens, mas no próprio estilo narrativo do filme, nos gestos, nas cores, na nossa predisposição, no ambiente.

Clara ainda menina pressente que Esteban será o homem da sua vida, mesmo ele sendo o noivo de Rosa, sua irmã. Na mesma época Clara prevê a morte de Rosa. Traumatizada pelas forças do destino (inconsciente) e atormentada pelo sentimento de culpa se fecha num mundo envolto a fantasias, um mundo onde nem sempre a lógica e a física podiam ser aplicadas. Atormentada por ter desejado o noivo da irmã e por ter “desejado” a sua morte ela mergulha num silêncio por vinte anos.

O mundo no qual Clara vive é o mistério infinito do desconhecido, comparado ao nosso inconsciente. Assim como Clara, o sujeito tem a capacidade de prever situações, ou seja, desvendar os mistérios que o inconsciente guarda, mistérios que por defesa moral, estética e julgadora é ignorado.

A sexualidade humana é algo polimorfo e complexo, resultando de uma estrutura emocional individual, onde fantasias conscientes e inconscientes entram em jogo. Na terminologia freudiana, a luta constante entre o “princípio do prazer” e o “prazer da realidade” se processa bruscamente na personalidade de Ferula. Ela cresceu sem afeto, com pouquíssimo contato com as pessoas, o que a tornou estranha, fria, amarga, sempre escondida atrás de uma “sombra”, ocultando sua verdadeira personalidade. Na personagem de Ferula pode-se identificar os arquétipos “persona e sombra”. Detalhe importante para se entender esse processo; ela sempre se veste de preto, ocultando sua ira, sua revolta, por ter que cuidar da mãe doente (situação qual ela odeia) estando ela condenada a solidão até que a mãe morra (desejo consciente de Ferula). Num desabafo com irmão (Esteban) diz que gostaria de ter nascido homem, para assim, fugir de casa, já que não teria responsabilidades e não ficaria presa à realidade (consciente).

Depois da morte de Rosa, sua noiva, Esteban resolve ir embora para fazer o seu destino. De um lado se identifica pelo exagero, como uma figura ditatorial e agressiva, em contrapartida com a evolução psicológica do personagem no decorrer da tramam nota-se que o próprio se revolta contra essa figura, expressada nos símbolos de autoridade. Esteban compra uma fazenda, o caráter agressivo expressa através de suas ações, impõe com autoritarismo para os camponeses trabalharem para ele em cima de leis que ele mesmo estabelecera na Fazenda. Ele estupra uma camponesa, e não reconhece legalmente o filho que tem com ela. Pela terminologia freudiana, compara-se Esteban ao “ID” – regido pelos impulsos, instintos, preocupado em buscar satisfações imediatas. Já pelas definições de Jung, sob o prisma do arquétipo “Eu”, devido o seu modo de organizar, dar ordem, unificar seus desejos.

Passados vinte anos, Esteban fez da Fazenda Três Marias, uma fazenda rica e produtiva, mesmo explorando os serviços de outrem, se sentia orgulhoso por estar no comando. Sua mãe morre, ele volta. Ferula propõe ser devota ao irmão, cuidando dele. Esteban vê Clara e fica impressionado por sua beleza e passividade e logo pede a mão de Clara em casamento. Após o pedido, Clara volta a falar.

Ferula fica atordoada com a decisão do irmão. Ela sempre teve em Esteban alguém para cultuar, admirar, tendo então um ciúme possessivo do irmão, não aceitando a ideia dele se casar com Clara, por achar ela doente e louca, insinuando ao irmão que ele merece alguém que o ame de verdade. À luz da psicanálise, a motivação profunda de Ferula para com o irmão se relaciona com problemas edipianos (alguns utilizam a denominação “Complexo de Electra”,  a que o próprio Freud prefere o termo “Complexo de Édipo”), ou seja, Ferula se apega ao irmão (figura do pai) por quem sente uma forte atração, de onde surge forte ciúme e hostilidade contra Clara (figura idealizada da mãe), futura mulher de Esteban.

Ferula almoça com Clara – a figura de Clara não é a de uma heroína, mas propõe um modelo extremamente revelador. Clara diz à futura cunhada para não se preocupar que ela irá morar com eles após o casamento, ela a abraça e a beija no rosto – Ferula que nunca foi tocada por ninguém, fica confusa e aliviada quando Clara o faz, por este gesto comunicativo e carinhoso de Clara, aumenta os problemas básicos de Ferula, fazendo-a “sonhar” e construir seus sonhos em sentimentos que produz um profundo impacto ao tocarem as cordas mais sensíveis das profundidades inconscientes da confusa personalidade de sua futura cunhada.

As confusões de Ferula aumenta porque ela se projeta na pessoa de Clara, passando a admirá-la, idealiza-la… vê na cunhada aquilo que gostaria de ser, que gostaria de ter. Nutre, pois, uma paixão doentia por Clara.

Todos esses impulsos provocam fantasias, mas Ferula sofre com o sentimento de culpa, como na cena em que ela confessa com o Padre. Por outro lado, procurando (inconscientemente) livrar-se do terrível “complexo de culpa”, que se torna um verdadeiro perseguidor interno, diante de suas fantasias, torna-se masoquista (compulsão para o sofrimento, que foi erotizado) como na cena em que ela observa as noites de amor entre Esteban e Clara.

O filho bastardo de Esteban, com ódio, retorna à fazenda (personagem secundário, mas de grade importância ao discernimento desse drama), ou seja, o filho bastardo procura ficar sempre por perto, como se fosse os nossos temores, rondando nossa consciência (medos, seriam conteúdos armazenados no nosso inconsciente que insiste em vir a tona, lembrando os nossos erros,  nossas culpas nossas fraquezas). Esteban flagra sua filha Blanca e Pedro (filho do capataz da Fazenda dos Trueba) brincando no rio. Temendo a aproximação entre as crianças ele a coloca num internato.

Não bastasse a sua insegurança em relação à filha, Esteban expulsa Ferula de casa, querendo não ter a irmã entre ele e a esposa.

No seu delírio inconsciente (agressividade) o faz alterar sua percepção da importância que ele dá a sua ideologia, buscando fortalecer a sua personalidade narcisista afim de satisfazer seu Ego ideal.

Blanca (Winona Ryder) termina os estudos e volta para a Fazenda e se (re)aproxima do revolucionário Pedro (Antônio Banderas) tendo com ele um romance.  Pedro (figura de esquerda), utiliza uma linguagem que pode ser um meio de doutrinação, e que por trás dessa linguagem oculta, há uma ideologia política bem definida, despertando em cada espectador (trabalhador) o senso crítico das leis trabalhistas, dos direitos e deveres de cada um. Os seus ideais fomentam a mudança social ou simplesmente quer desenvolver a consciência crítica política dos trabalhadores (figura de opressão).

Pedro enfrenta o autoritarismo de Esteban procurando despertar nos camponeses um idealismo perante seus direitos e deveres.

Nesse clima de revolução, Esteban vê Blanca e Pedro juntos e jura matar o rapaz. Mas, Blanca é segura o bastante para enfrentar o pai em relação ao amor “proibido” com Pedro. Ela sente prazer nesse enfretamento, talvez por achar a figura paterna intransigente e autoritária.

Rebelando-se contra as atitudes do pai, é como se o Ego rígido de Blanca se sobressaísse num conflito constante, conflito esse que amedronta a personalidade.

Voltando à personalidade fria de Esteban, percebe-se simbolicamente que ele representa a figura do geocentrismo – crença de que o homem é o umbigo do universo – Ele perante o seu modo agressor queria ser o centro desse universo (a Faz três Marias, a sua família). No medo de ser ridicularizado, não permite diálogo, pois se admitisse, correria o risco de perder tal posição.

Clara procura estabelecer afinidades entre o sonho e a morte, a culpa e a vida. Na verdade, é o que todo homem busca: um equilíbrio interior perante os medos que amedronta a nossa personalidade. Sua fascinante personalidade não fica só na dimensão do imaginário, mas se aprofunda até os grandes símbolos e chega a uma inquietante meditação filosófica.

Clara vai embora com Blanca, Esteban fica só, atordoado com seus fantasmas interiores. Seu filho bastardo conta o esconderijo de Pedro, Esteban tenta mata-lo, mas Pedro consegue fugir. Blanca está grávida de Pedro. Esteban se candidata a senador, mas é derrotado nas urnas pelo partido de esquerda e socialista, pede desculpas a Clara e pede para conhecer a neta. Diante desses acontecimentos percebe-se a evolução do protagonista.

Pedro revê Blanca e conhece a filha Alba. Clara morre.

Esteban participa da organização do golpe militar que tiraria os militares dos quartéis, porém, no poder, os generais perseguem até Blanca e ela é presa, de modo que Pedro se entregue. Após o golpe militar têm-se sangue, fuga, desgraça, dor, envolvendo todos os membros da família Trueba, bem como todos os cidadãos chilenos.

Nessa fase da trama, Esteban duela consigo mesmo (inconsciente e consciente) para decidir se ajuda Pedro a fugir do país em nome do amor que ele tem pela filha e pela neta. Blanca sofre na prisão, mas o pai consegue livrá-la. Apesar do sofrimento, Blanca e Esteban procuram explicações para as incógnitas do destino (inconsciente), num desejo de voltar as origens para entender o processo dos acontecimentos, retornam à casa (útero).

Esteban morre, Blanca fica só com sua filha Alba pensando no seu passado e na maneira com que sua mãe entendia o verdadeiro sentido da vida.

“Ela sempre falava do amor como um milagre.
Após parar de falar, 
minha mãe viveu num mundo só dela envolta em suas fantasias.
Um mundo onde nem sempre a lógica e a física podiam ser aplicadas,
rodeadas por espíritos do ar, da água e da terra,
tornando desnecessário para ela falar, por vários anos!” 
Blanca Trueba

No final dessa saga dramática, assim como nossas fantasias inconscientes de voltar ao útero, Blanca busca compreender as forças do destino (inconsciente) e busca no regresso um jeito de começar tudo de novo. Ou pelo menos recomeçar…

Tecendo um paralelo com os personagens da trama, dá para perceber e assimilar a tranquilidade serena do mundo de Clara ao nosso inconsciente mergulhado em mistérios… Esteban seria o outro lado, sempre inquieto, intransigente, buscando sempre satisfação aos seus impulsos… Blanca estabelece o equilíbrio, sensata e crítica, capaz de assumir seus erros de maneira lógica, capaz de enfrentar os medos do nosso próprio EU. Ela nunca se deixa abater, esconde sua fragilidade criando barreiras contra nossos próprios temores.

FICHA TÉCNICA DO FILME

A CASA DOS ESPÍRITOS

Título original: The House of the Spirits
Direção e Roteiro: Bille August (a partir do homônimo de Isabel de Allende
Elenco: Jeremy Iron, Meryl Streep, Glenn Close, Winona Ryder, Antonio Banderas;
Países:  DinamarcaAlemanhaPortugalEUA
Ano: 1993
Gênero: Drama, Romance

REFERÊNCIAS:

BAZIN, A. O Cinema – Ensaios. São Paulo: Brasiliense, 1991.

JUNG, C. G.. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

SILVA FILHO, A.C.P. Cinema, Literatura, Psicanálise. São Paulo: EPU, 1998.

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