Musicoterapia e Psicanálise: conceito e aproximações

Compartilhe este conteúdo:

A musicoterapia se respalda no uso científico da música de forma sistemática por um profissional qualificado e de um modo geral, objetiva por meio da música, “participar e interagir com o paciente” em atividades tanto grupais quanto individuais (QUEIROZ, 2013, p. 1535). Por sua importância e eficácia, é interessante realizar o esclarecimento de seu conceito e suas aproximações da abordagem psicológica psicanalítica, amplamente utilizada entre os profissionais clínicos da atualidade.

Ao dialogar sobre os fundamentos epistemológicos da musicoterapia, Ulkowski, Cunha e Pinheiro (2019) revisitam a história dessa prática que está presente na sociedade desde a antiguidade, sendo utilizada para fins terapêuticos. As autoras colocam que uma das principais características que diferem as práticas musicoterápicas realizadas antigamente para as que se fazem presentes nos últimos 50 anos, é a preocupação que atualmente se tem em relação a sua cientificidade, tendo em visto que o uso da música e seus efeitos na antiguidade tinha um cunho mais religioso e filosófico, como por exemplo, sua utilização para espantar maus espíritos em práticas mágicas antigas.

Foi no final do século XVIII e início do século XIX que as primeiras dissertações médicas sobre o uso da música no contexto terapêutico aconteceram, dando início a uma mudança no discurso que embasava sua prática. Percebe-se que a musicoterapia é uma área que desenvolveu-se primeiro pela prática para depois passar pelo processo de fundamentação (ULKOWSKI; CUNHA; PINHEIRO, 2019). Esse processo pode ter culminado no que Cunha (2018) vem chamar de interdisciplinaridade ou a hibridez da construção teórica musicoterapêutica, tendo em vista que essa é uma prática que perpassa diversos saberes e áreas (por exemplo, artes e saúde). Apesar desse pluralismo teórico, a autora fala sobre a necessidade de bases conceituais que “iluminem as interpretações, que levem a metodologias e resultados de estudos, que facilitem as discussões e construções explicativas. São elas que oferecem fundamentos para o entendimento de realidades” (ibid. p. 26).

Fonte: encurtador.com.br/dxyBL

Quando se fala sobre a fundamentação da musicoterapia no Brasil, Ulkowski, Cunha e Pinheiro (2019) relembram as atuações pioneiras na década de 1960 com Cecília Conde, Gabrielly de Souza Silva e Dóris de Carvalho sucedidas pelos primeiros cursos e palestras com enfoque científico em solo brasileiro. Outro importante nome foi a da educadora musical Clotilde Espínola Leinig que implantou a Especialização Lato Sensu em Musicoterapia, na Faculdade de Educação Musical do Paraná, e mostra como conceitos psicanalíticos estiveram presentes na fundamentação da musicoterapia no Brasil, tendo em vista que os livros do médico e psicanalista Rolando Benenzon (responsável pelo Modelo Benenzon de Musicoterapia, hoje conhecido como Terapia Não-Verbal) foram utilizados na implementação do curso.

Todo esse processo colaborou para que a prática da musicoterapia fosse reconhecida como uma atividade clínica regulamentada não somente no Brasil, como em diversos outros países. Formação reconhecida pelo MEC, o musicoterapeuta pode atuar nas áreas da saúde, educação, social/comunitária, entre outros, sempre estabelecendo um plano de cuidado que proporcione a promoção, prevenção e/ou reabilitação da saúde do sujeito, individualmente ou enquanto grupos (UNIÃO BRASILEIRA DAS ASSOCIAÇÕES DE MUSICOTERAPIA, 2018). De acordo com a Federação Mundial de Musicoterapia (1996, p. 4):

Musicoterapia é a utilização da música e/ou seus elementos (som, ritmo, melodia e harmonia) por um musicoterapeuta qualificado, com um cliente ou grupo, num processo para facilitar, e promover a comunicação, relação, aprendizagem, mobilização, expressão, organização e outros objetivos terapêuticos relevantes, no sentido de alcançar necessidades físicas, emocionais, mentais, sociais e cognitivas. A Musicoterapia objetiva desenvolver potenciais e/ou restabelecer funções do indivíduo para que ele/ela possa alcançar uma melhor integração intra e/ou interpessoal e, consequentemente, uma melhor qualidade de vida, pela prevenção, reabilitação ou tratamento.

Fonte: encurtador.com.br/lsx05

Em outras palavras, a musicoterapia pode ser utilizada como um processo de intervenção terapêutica, a partir das experiências sonoras que tocam os sentidos do corpo como um todo. Trata-se de um fenômeno criativo que mobiliza o organismo a agir, por meio de ritmos/melodias e também a comunicar-se de forma não-verbal. Pois, entende-se que muitos indivíduos portadores de deficiência possuem limitações na fala, prejudicando a fluidez da comunicação verbal (SANTOS; ZANINI; ESPERIDIÃO, 2015).

Neste sentido, esses autores revelam que a música é um experimento que pode promover auto reflexão, conscientização e exteriorização de conteúdos inconscientes. Com isso, a relação cliente-terapeuta-música pode co-construir aspectos benéficos no desenvolvimento terapêutico.

Na busca por promover um diálogo entre a musicoterapia e a psicanálise, Ulkowski, Cunha e Pinheiro (2019) refletem sobre a importância de se ter uma teoria na qual a prática musicoterápica pudesse se amparar. Além disso, essas interlocuções ampliam o exercício da psicanálise para outros modos de atuação do terapeuta, como em situações de pessoas que apresentam “doenças regressivas”, por exemplo.

Fonte: encurtador.com.br/atL27

Even Ruud, em sua obra Caminhos da Musicoterapia (1990), apresenta a ideia de que a atividade musical tem sua origem nas primeiras etapas da vida do indivíduo, ainda quando o bebê ainda não consegue discernir os limites entre o eu e a realidade, nos primeiros períodos narcísicos da organização psicológica do ego da criança. Ulkowski, Cunha e Pinheiro (2019), ao resgatar trabalhos como os de Christine Lecourt (2011), expressam a relevância das experiências sonoras até mesmo na vida pré-natal, e como esta influência no desenvolvimento verbal e musical do indivíduo.

Retomando Ruud (1900), a autora discorre sobre como conteúdos do nosso inconsciente, como impulsos e desejos, podem ser transformados em arte, afinal tais conteúdos possuem uma carga libidinal. Tanto a atividade musical criativa quanto a passiva, exercem uma gratificação libidinal no sujeito, se analisado através da teoria da libido. Além disso, ela fala como “os elementos da música tais como ritmo, melodia, harmonia e modos também parece ter um significado psicodinâmico específico” tendo em vista que “a repetição rítmica e ênfase rítmica são meios de descarga; o ritmo estável conduz a um alívio gradativo da tensão sexual” (ibid, p. 37).

A música como destino pulsional de conteúdos inconscientes por meio da sublimação, devido ao fato desta expressão ser mais aceita socialmente, também é um assunto comentado pelas autoras Ulkowski, Cunha e Pinheiro (2019), que falam sobre como a musicoterapia atua como facilitadora desse processo. Além disso, essa prática orientada pela teoria psicanalítica também diz sobre a similaridade entre a música (tal como se apresenta) e o processo primário do sujeito (se refere ao ponto de vista topológico, que seriam os elementos do inconsciente, e ao ponto de vista dinâmico, que se refere ao escoamento da energia psíquica de uma representação para a outra), bem como a escuta transferencial e o seu manejo.

Fonte: encurtador.com.br/rty59

No que se refere aos processos facilitadores da musicoterapia para a expressão de conteúdos, desejos, impulsos inconscientes, Ruud (1990) retoma os trabalhos de Wright e Priestley (1972) para falar sobre como a música pode ser um instrumento para que o indivíduo mergulhe em si mesmo, podendo alcançar o inconsciente e trazer aspectos de si mesmo como sentimentos, memórias, complexos, antes encobertos, para a consciência.  A  autora assinala que: “a música é considerada equivalente ao conteúdo manifesto do sonho e pode ser analisada e compreendida pelas mesmas técnicas que são aplicadas na interpretação do sonho e do chiste” (RUUD, 1990, p. 38). Isso porque tais conteúdos manifestados através da música conseguem burlar a censura da consciência e dar-se com menor resistência (WHEELER, 1981).

As formas de estabelecer essa ponte são infinitas: desde deixar o paciente tocar livremente um instrumento ou escolher uma música. É fato que esse processo de percepção interna, propiciada através da música, o leva ao objetivo maior que é integrar esses elementos, agora conscientizados, em sua psiquê. Trata-se de tornar consciente aquilo que estava fora de alcance, no inconsciente. Elaborar esses elementos e integrá-los. Isso leva o indivíduo a viver de forma mais satisfatória e saudável. E isso porque todo esse processo favorece também a resolução de conflitos, aumento da autoaceitação, trabalha novas técnicas para enfrentar os problemas e fortalece a estrutura do ego do sujeito (RUUD, 1990).

Christine Lecourt (1996), já citada neste artigo, é uma pesquisadora francesa, e em seu trabalho com Lapoujade (1996) discorreu sobre como a musicoterapia contribui também em outros sentidos. Elas descrevem como ela atua na compreensão da experiência musical do indivíduo, verificando possíveis presenças de psicopatologias ligadas ao som, assim como transtornos mentais. Alguns exemplos são a hiperestesia de som, diferentes níveis de surdez, alucinações, entre outros.

Fonte: encurtador.com.br/hvyT4

Outra importante profissional na área fala sobre como a música pode ser usada também na musicoterapeuta, como forma de lidar com impasses na própria prática. Márcia Cirigliano, em A Canção Âncora (2004), declara que em situações de impasse ou impotência com o seu paciente, tendo dificuldades para interagir com ele, o musicoterapeuta pode utilizar uma canção como recurso para se apoiar nela, e a partir dela estabelecer uma interação mais segura com o seu paciente. Isto é, a música não tem funcionalidade apenas para o paciente, mas também para o terapeuta que pode se ancorar nela.

Para Benenzon (2011), a música viabiliza a possibilidade de uma comunicação entre inconscientes (do musicoterapeuta para com o paciente e vice-versa), sem precisar atravessar o pré-consciente e o consciente. É isso o que ele vem chamar de contexto não-verbal. Essa ideia corrobora com a afirmação de Wheeler (1981) sobre o poder da música de burlar as censuras. Assim, para Benenzon (2011), o objetivo principal da musicoterapia é viabilizar canais de comunicação com o paciente.

Desta forma, percebe-se como o trabalho da música está para além de uma simples forma da energia básica e desejos latentes se expressarem. O ego utiliza da música (tendo em vista que é uma atividade iniciada por ele para atingir diversos objetivos) para levar-se a gratificação das necessidades particulares, como defesa contra forças diversas, para realizar funções sintetizadoras e/ou integrativas, e etc (RUUD, 1990). Assim, fica claro como a música tem um papel significativo no desenvolvimento dos seres humanos.

REFERÊNCIAS

BENENZON, Rolando. Musicoterapia: de la teoría a la práctica. 1ª edição. Madrid: Paidós, 2011.

CIRIGLIANO, Márcia. A Canção Âncora. In Revista Brasileira de Musicoterapia. ano IX, n. 7, 2004. Disponível em: http://www.revistademusicoterapia.mus.br/wp-content/uploads/2016/11/5-A-Can%C3%A7%C3%A3o-%C3%82ncora.pdf. Acesso em: 21 de setembro de 2020.

CUNHA, R. Conceituação em musicoterapia: temos fundamentos universais? In Anais do XIX Fórum Paranaense de Musicoterapia e III Simpósio Paranaense de Pesquisa em Musicoterapia. n. 19, p. 25-32, 2018.

LAPOUJADE, Christine; LECOURT, Edith. A Pesquisa Francesa em Musicoterapia. In Revista Brasileira de Musicoterapia. ano I, n. 1, 1996. Disponível em: http://www.revistademusicoterapia.mus.br/wp-content/uploads/2016/12/2-A-Pesquisa-Francesa-em-Musicoterapia.pdf. Acesso em: 21 de setembro de 2020.

QUEIROZ, Isabela Cristina Sousa. O autismo: aspectos gerais e um breve relato de experiência. In: CONGRESSO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 21., 2013, Pirenópolis-­go. Anais […]. João Pesso: Editora da Ufpb, 2013. p. 1530-1541. Disponível em:

ULKOWSKI, Iara Del Padre Iarema; DOS SANTOS CUNHA, Rosemyriam Ribeiro; PINHEIRO, Nadja Nara Barbosa. Da musicoterapia à musicoterapia orientada pela teoria psicanalítica: fundamentos epistemológicos. Revista InCantare, v. 10, n. 1, 2020.

UNIÃO BRASILEIRA DAS ASSOCIAÇÕES DE MUSICOTERAPIA. Definição Brasileira de Musicoterapia. 2018. Disponível em: http://ubammusicoterapia.com.br/definicao-brasileira-de-musicoterapia/. Acesso em: 16 nov. 2020.

UNIÃO BRASILEIRA DAS ASSOCIAÇÕES DE MUSICOTERAPIA. Revista Brasileira de Musicoterapia, p. 4, 1996.

RUUD, Even. Caminhos da Musicoterapia. São Paulo: Summus, 1990.

SANTOS; Elvira Alves dos, ZANINI; Claudia Regina de Oliveira, ESPERIDIÃO; Elizabeth. Cuidando de quem cuida: uma revisão integrativa sobre a musicoterapia como possibilidade terapêutica no cuidado ao cuidador. Revista Música Hodie. V. 15, N.2, P.273. Goiânia, 2015. Disponível em: https://www.revistas.ufg.br/musica/article/download/39740/20296. Acesso em 22 de setembro de 2020.

WHEELER, B. The relationship between music therapy and theories of psychotehrapy. In Music Therapy. v. 1, issue. 1, p. 9-16, 1981. Disponível em: https://academic.oup. com/musictherapy/article/1/1/9/2757052. Acesso em: 22 de setembro de 2020.

 

 

Compartilhe este conteúdo:

Um Senhor Estagiário – Uma visão a partir da Saúde Mental e do Trabalho (Segunda Parte)

Compartilhe este conteúdo:

Depois de aposentado, Ben Whittaker (Robert De Niro) já viúvo, percebe que aposentadoria não era lá um mar de rosas. Entediado com a monotonia de sua vida, resolve “voltar à ativa”, entra como estagiário sênior para uma empresa que gerencia um site de moda. Essa empresa foi fundada e gerida por Jules Ostin (Anne Hathaway), uma jovem, que rapidamente explodiu no mundo na moda e no mercado online.

A empresa tomou proporções que Jules não esperava em tão pouco tempo. Agora ela batalha para o melhor da empresa, o melhor para seus funcionários e para sua vida familiar. Nenhuma dessas batalhas é uma tarefa fácil para essa jovem empreendedora. Filme dirigido por Nancy Meyers. É um filme para crianças, jovens, adultos e idosos, uma comédia que segura a risada do público. Este   trabalho tem como objetivo analisar a empresa de Jules, a partir da visão da saúde mental e do trabalho. Esse texto é a parte dois, ou seja continuação do anterior (parte 01).  A fim de se ser elucidativo foi dividido a temática da Saúde Mental e do Trabalho em oito eixos:

  1. Espaço Físico
  2. Autonomia no Trabalho
  3. Estruturação do Tempo
  4. Pressão e responsabilidades
  5. Reconhecimento
  6. Relacionamentos interpessoais
  7. Lidar e Solucionar Problemas
  8. Bem-Estar dos Trabalhadores

No texto que segue, será explicitado o os quatro últimos aspectos (Reconhecimento, Relacionamentos interpessoais, Lidar e solucionar problemas e Bem-estar dos trabalhadores) do ponto de vista teórico e contrastado com o filme. No trabalho anterior foi apresentado outros quatro primeiros.

RELACIONAMENTO INTERPESSOAL

Cardozo e Silva (2014, p. 25), ressalta que analisando a interação, pode-se perceber que dentro de cada relacionamento interpessoal, efetua-se trocas de sentimentos e experiências e é necessário o empenho de ambas as partes para que esse convívio seja o mais harmonioso possível.

O trabalho é fator primordial na vida de todo ser humano e o relacionamento interpessoal é uma das principais características para o sucesso da organização, visto que uma rede de relacionamentos sadios gera um ambiente satisfatório, contribuindo para o desenvolvimento profissional e pessoal do indivíduo. Sem pessoas, não há produtividade, não existem empresas, ou seja, sempre existirá a relação homem e trabalho (CARDOZO e SILVA, 2014).

Isso é percebido durante a cena em que Ben estabelece um maior vínculo com os estagiários, ajudando-os com dicas sobre relacionamento conjugal e até mesmo chamando um deles para residir em sua casa por algum tempo.Os mesmos autores enfatizam que no mercado de trabalho, a forma como nos relacionamos com as pessoas é um dos fatores mais importantes para manter um bom clima organizacional.

A maneira de ser, pensar e agir influencia diretamente os relacionamentos dentro e fora da empresa. O trabalho requer a convivência com colegas e superiores, requer respeito, confiança e certa liberdade entre meio às relações, para que assim seja necessário conciliar os interesses pessoais com os interesses e objetivos da organização, bem como manter um ambiente de trabalho saudável.

O oposto disso é quando Jules se mostra não tão “participante” nas confraternizações e convivências com equipe, pois ela como uma jovem empresária, cheia de responsabilidades, estava sempre correndo contra o tempo, assim seus relacionamentos com os colaboradores acabam sendo superficiais. Isto é notado na cena em que Jules está andando de bicicleta dentro da empresa e não para pra comemoração de aniversário por causa do “tempo”. Outro momento em que é evidenciado a superficialidade e distanciamento das relações é quando percebe-se o comportamento do motorista em relação à família de Jules. Na cena ele toca a campainha e se distancia para esperar que ela abra a porta.

No entanto, no decorrer do filme ocorre um processo de mudança que dá início quando há aproximação dos colaboradores (eles saem para beber para comemorar grande feito do dia), e há também uma aproximação maior entre Jules e Ben. Ben começa a frequentar sua casa e conhece sua família. Sobre essas interrelações Carvalho (2009, p. 82 apud CARDOZO e SILVA, 2014, p. 25), salienta que “os relacionamentos possuem vida própria e está sempre em processo de mudança. Essas mudanças estão relacionadas ao comportamento e as ligações afetivas, que podem gerar relações brandas […]”.

RECONHECIMENTO

Sendo assim, quando o indivíduo faz algo que acredita ser útil para as pessoas em sociedade e que está contribuindo de certa forma para uma melhoria daqueles que estão sendo afetados, no sentido benéfico do termo.  Logo, essa pessoa quer ser reconhecida. Desse modo, reconhecimento significa ser valorizado por aquilo que faz de melhor, como por exemplo, ganhar um elogio, aplauso ou uma promoção.

No entanto, a insatisfação é dificilmente expressada em palavras. Visto que, apenas percebem quando ela já está instalada como doença. Assim, a falta de reconhecimento, da mesma forma da insatisfação, é um sinal de sofrimento evidenciado. Mas ao mesmo tempo essa falta é muitas vezes identificada como “normal”, com a qual o sujeito se conforma, acostumando-se com o fato de não ser elogiado, de não ter seu trabalho reconhecido. Assim, o sofrimento provocado pela falta de reconhecimento pela falta de reconhecimento é identificado. Mas em seguida é coberto por uma resposta racionalizada “Ah, acontece em todas as empresas mesmo” (VASCONCELOS e FARIA, 2008, p. 6).

Portanto, a empresa que é descrito no filme há reconhecimentos. Porém, reconhecimentos “injustos”. Dado que, funciona para alguns, mas para outros não funciona. Como por exemplo, a pobre Becky que estudou em uma grande universidade e trabalha como secretária, ao buscar reconhecimento de sua chefe, que estava muito ocupada para notar.

É formada e preparada para analisar dados completos, nunca teve a oportunidade de pegá-los, nem trabalhar com eles, o que faz é observar os outros fazerem isso, e se sente cada vez mais infeliz no seu trabalho, pois trabalha muito, em uma rotina caótica (rotina da chefe), tendo que lidar com muitas informações, e resolver situações rápidas em virtude da agenda lotada de Jules, e ainda não faz o que quer e o que gosta. Sempre buscando o tão reconhecimento, mas ninguém vê.

LIDAR/SOLUCIONAR PROBLEMAS

Por outro lado, Ben em tão pouco tempo dentro da empresa, sempre realiza as atividades propostas para ele com êxito, já consegue ganhar um bônus no trabalho e é notável o reconhecimento de sua contribuição e esforço.  No que consiste, os colaboradores da empresa lhe aplaudir e tocar um sino, como era de costume ser feito sempre que alguém colaborasse com algo importante.

No filme é retratado algumas cenas que Ben colabora a identificar e solucionar problemas às vezes pequenos, porém importantes e notório como fatores de risco para adoecimento, como por exemplo, quando ele arruma a mesa que ficava uma grande quantidade de papéis, que acabava incomodando os colaboradores, porém ninguém nunca se disponibilizou antes para arrumar. Ben também esteve disponível e ajudou Jules a esclarecer suas decisões em relação a contratação do novo chefe dela, solucionou o problema do email errado que Jules enviou para sua mãe e ajudou a mesma em suas tarefas de rotina familiar.

No filme mostra Ben sempre muito centrado e paciente, ele sempre buscava uma forma de lidar e solucionar problemas que aparecia na empresa. Isso mostra que Ben com todos os seus anos de trabalho conseguiu adquirir experiência e habilidades. Ressaltando que no filme é visto cenas que de exaustão emocional de Becky, não sabendo como solucionar alguns problemas, assim não deixando de ser um fator prejudicial para a sua saúde mental e interferindo na realização das suas tarefas do trabalho. Sendo assim, a exaustão emocional

 é caracterizada por um sentimento muito forte de tensão emocional que produz uma sensação de esgotamento, de falta de energia e de recursos emocionais próprios para lidar com as rotinas da prática profissional […] (RABIN, FELDMAN e KAPLAN, 1999, apud, ABREU et al, 2002, s/p).

Outro aspecto visível em solucionar problemas é quando Jules tem que tomar uma importante decisão para a empresa, e fica de certa forma pressionada para realizar a mesma, pois ela não queria isso, mas pensando na melhoria da convivência da sua família se viu obrigada decidir isso. Desta forma, com todo esse tumulto de tomada de decisão afetando- se emocionalmente.

BEM ESTAR DOS TRABALHADORES

A preocupação com os ambientes de trabalho e sua influência no processo saúde-doença dos trabalhadores não é recente. Trata-se de uma preocupação frequente, visto que a maior parte do dia se passa no ambiente de trabalho.

A Saúde do Trabalhador é uma área da Saúde Pública que visa intervir nas relações entre o trabalho e a saúde, promovendo e protegendo a saúde dos trabalhadores através das ações de vigilância dos riscos presentes nos ambientes, das condições de trabalho, dos agravos à saúde e da organização e prestação da assistência aos trabalhadores (BRASIL, 2011, s/p apud GRECO e DE MOURA, 2014, p. 4).

É visível o bem-estar que os colaboradores da empresa têm, este deve-se ao espaço físico (confortável e espaçoso), às relações saudáveis entre colegas (não há competitividade), dentre outros fatores. Isto é confirmado à medida em que os colaboradores demonstram satisfação com o trabalho.Uma outra questão que tem sido discutida amplamente no campo da saúde mental do trabalhador e de grande importância, é o trabalho como prioridade, desconsiderando as necessidades fisiológicas como alimentação e as demais vertentes como lazer, família, dentre outros, fator este que reflete na saúde mental, havendo potenciais consequências sobre a saúde.

Jules afirma não dormir, pois preocupa-se com o trabalho que têm a ser feito. Segundo Lima, Assunção e Francisco (2002), o turno fixo noturno é outro elemento que tem sido bastante estudado e associado a distúrbios psíquicos. Estudos afirmam que não há dúvidas de que este é um fator que contribui consideravelmente para o sofrimento psíquico. Sabe-se que, grande parte das pessoas têm suas funções físicas orientadas para atividades diurnas, dedicando a noite ao descanso. Além disso, existem estudos que relacionam períodos prolongados de privação de sono com uma desorganização psíquica, podendo, inclusive, provocar delírios e alucinações.

Os autores supracitados afirmam que um dos principais problemas identificados por esses estudos, refere-se aos ritmos circadianos que se mantêm inalterados, pois, mesmo quando o horário de trabalho é invertido, a vida social continua em movimento: a sociedade e a família permanecem com seu ritmo de atividade inalterado, surgem então os conflitos. As pesquisas revelam que o maior desgaste dos trabalhadores em turnos noturnos consiste no fato de viverem constantemente na contramão da sociedade, o que resulta em um maior desgaste físico e mental.

Este aspecto é visível, quando se trata de Jules. Por ser a chefe, assume uma grande sobrecarga e abstêm-se do lazer, do tempo com a família e de outras atividades fora do ambiente de trabalho. Outro fator consequente dessa sobrecarga demonstrado no filme é o distúrbio do sono apresentado por Jules, caracterizado por Martinez, Lenz e Menna Barreto (2008 apud VIEIRA, 2009) como sonolência, queixas de insônia, qualidade de sono insatisfatória e sono encurtado. Jules sente dificuldade em dormir a noite inteira, por vezes, acorda durante a noite e resolve adiantar o serviço através do uso do computador.

REFERÊNCIAS

ABREU, K.L; STOLL, I; RAMOS, L.S; BAUMGARDT, A; KRISTENSEN, C. K. Estresse ocupacional e Síndrome de Burnout no exercício profissional da psicologia. Brasília: Psicologia: Ciência e Profissão, vol.22, n.2, jun. 2002.Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1414-98932002000200004&script=sci_arttext&tlng=es> . Acesso em: 03 de abril de 2017.

CARDOZO, C. G; SILVA, L. O. S. A importância do relacionamento interpessoal no ambiente de trabalho. Dourados/MS: Interbio. v.8 n.2,  2014.  Disponível em:<http://www.unigran.br/interbio/paginas/ed_anteriores/vol8_num2/arquivos/artigo3.pdf>. Acesso em: 02 de abril de 2017.

GRECO, R; DE MOURA, D. C. A. Condições de Trabalho e a Saúde dos Trabalhadores de Enfermagem. Faculdade de Enfermagem, Universidade Federal de Juiz De Fora, 2014. Disponível em: <http://www.ufjf.br/admenf/files/2015/03/Aula-Condi%C3%A7%C3%B5es-de-trabalho-e-a-sa%C3%BAde-dos-trabalhadores-de_enfermagem-1.pdf> Acessado em: 01 de Abril de 2017.

LIMA, M. E. A; ASSUNÇÃO, Ada A.; FRANCISCO, J. M. S. D. Aprisionado pelos ponteiros de um relógio: o caso de um transtorno mental desencadeado no trabalho. Saúde Mental & Trabalho: leituras, Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

VASCONCELOS, A; FARIA, J. H. Saúde mental no trabalho: contradições e limites. Florianópolis Sept. /Dec. Psicol. Soc, vol.20, no.3, 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822008000300016>. Acesso em: 1 de abril de 2017.

FICHA TÉCNICA DO FILME

UM SENHOR ESTAGIÁRIO

Diretor: Nancy Meyers
Elenco: Robert De Niro, Anne Hathaway, Rene Russo, Andrew Rannells;
País: EUA
Ano: 2015
Classificação: 10

Compartilhe este conteúdo: