“This Is Us”: conteúdos psicológicos da premiada série americana

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A série americana “This Is Us”, de Dan Fogelman, disponível no Brasil pela Amazon Prime Video e preimada com o Emmy de 2017, é um drama adulto melancólico focado, especialmente, nos sintomas psicológicos e nas relações intersubjetivas da família Pearson.

No elenco estão Mandy Moore (Red Band Society), Milo Ventimiglia (Gilmore Girls), Sterling K. Brown (Pantera Negra), Justin Hartley (Revenge), Chrissy Metz (Superação: O Milagre da Fé), Susan Kelechi Watson (Louie), Chris Sullivan (The Knick) e Ron Cephas Jones (Luke Cage).

Os protagonistas são três irmãos de 36 anos, dentre eles dois gêmeos (Keven e Kate) e um adotivo (Randall) nascidos em Pitsburg, na mesma data do aniversário do pai (Jack). Além deles, destacam-se a mãe da família Rebecca, seu segundo marido Miguel, os cônjuges e filhos dos irmãos Pearson: Tobe (marido de Kate); Sophie e Madison (ligadas a Keven) e Beth, Tess, Annie e Deja (esposa e filhas de Randall).

A série apresenta a história da família em épocas diferentes, alternando entre o presente e a infância dos três irmãos. No curso das temporadas, o público assiste o bem-sucedido empresário e pai Randall buscar informações sobre seus pais biológicos, Kate encontrar amor e a autoaceitação enquanto luta contra a obesidade, e Kevin enfrentar o alcoolismo e tentar seguir uma carreira mais significativa para ele.

Em This Is US, os personagens lidam com problemas realistas ligados a temas de família, paternidade, autoimagem, saúde mental e encontrar um propósito na vida de meia-idade. E, ainda, ilustram o casos de sofrimento emocional e os problemas de ordem psicológica decorrentes: de interações familiares, do lugar das pessoas na família, de questões intergeracionais e de conteúdos inicialmente inconscientes aos personagens que depois vão sendo esclarecidos ao longo do ir e vir da série.

Fonte: encurtador.com.br/kmFS5

Como exemplo, tem-se o sofrimento intergeracional causado pelo alcoolismo na família Pearson. Como o uso abusivo de álcool, o pai de Jack torna-se uma pessoa de comportamento grosseiro e violento, o que torna difícil a vida da esposa e dos filhos. Apesar do esforço que faz para adotar comportamento distinto do pai, nas relações familiares, o alcoolismo do pai, negado por Jack, acaba reaparecendo como sintoma de angústia nele mesmo, quando adulto, do irmão dele Nick, que torna-se adicto durante a guerra do Vietnã e do filho Keven que usa compulsivamente bebidas e medicamentos para dor como apoio emocional.

Um outro exemplo interessante das repercussões psicológicas das relações de família, são as constantes brigas entre a mãe (Rebecca) e a filha (Kate), a partir do início da adolescência da garota. Por ter uma relação muito próxima ao pai, Kate disputava com a mãe a atenção dele e, por não conseguir, ser parecida fisicamente com ela projeta sua raiva de modo a fazer o espectador acreditar, por bastante tempo, que era a mãe que não gostava dela. Nesse sentido, vale lembrar que a mesma Rebecca Pearson, enquanto filha, enfrentava grandes dificuldades com a própria mãe, super rígida e controladora e que, por outro lado, também assumia o papel de Kate ao ser sempre superprotegida pelo pai.

Fonte: encurtador.com.br/iluR0

Ainda falando sobre Kate, desde criança a personagem apresenta sinais de compulsão alimentar, tendo seu comportamento repreendido pela mãe e incentivado pelo pai. Ela associava o prazer de comer guloseimas, como sorvete e pudim de banana, aos longos passeios em que tinha toda a atenção do pai para si. Com isso, no futuro como adulta, enfrenta problemas de saúde e dificuldades para engravidar e manter a gestação decorrentes do excesso de peso.

Destaque-se que, Kate só conseguiu iniciar um namoro saudável e conseguiu começar a agir para minimizar os efeitos da compulsão alimentar, quando pôde associar os conteúdos inconscientes que colaboravam para a formação do sintoma: a relação com o pai e a culpa pela morte dele. Jack havia falecido 19 anos antes por parada cardíaca após ter inalado muita fumaça tentando salvar o cachorro da filha num incêndio na casa da família.

A morte de Jack e os diferentes olhares sobre este luto são conteúdo presente em praticamente todos os episódios da série a partir da segunda temporada.

Fonte: encurtador.com.br/ouIX3

Sobre o terceiro filho, Randall, a série oferece conteúdo para diversas análises à luz da psicologia. Inicialmente, é preciso destacar o trauma do menino abandonado ao nascer na porta do Corpo de Bombeiros que passa a vida toda procurando os pais biológicos e tem o bombeiro como grande herói. A devoção pelo “bombeiro” que o resgatou leva Randall a assumir por muitos anos a postura de “salvar” as pessoas de seus problemas.

Além disso, a história de Randall apresenta alguns pontos do sofrimento emocional vivido por pessoas discriminadas por racismo nos Estados Unidos.  Isso porque, ele é uma criança negra criada por pais brancos, numa comunidade majoritariamente branca e de cultura separatista.

A soma de situações tais como ser a única criança negra na escola ou o único negro da família Pearson, o reaparecimento e a morte prematura do seu pai biológico (Willian Hill) colaboraram para deixar o personagem confuso quanto a sua identidade, gerando a necessidade de ele aprender e experiencia mais a cultura afro-americana.

Isso se verifica, também, quando a personagem, deixa a terapia que estava desenvolvendo com êxito alegando que precisava de um analista que fosse negro para que este pudesse compreender determinados aspectos do seu sofrimento.

Fonte: encurtador.com.br/FIOZ6

O tema da adoção é amplamente abordado na série. Desde a experiência inicial com Randall, adotado no hospital no dia do nascimento dos irmãos gêmeos, com função inicial de tamponar a falta do terceiro gêmeo (Kyle) que morreu durante o parto.

Passando por Deja, a garota que foi adotada com 12 anos, vinda de uma família com problemas financeiros e de relacionamento e acumulando várias passagens por lares de curta permanência. A adoção tardia ilustrada na série trazia os episódios de revolta e ataques de raiva por parte da adolescente, que indicaria as dificuldades de lidar com adaptação à nova família e, especialmente, o sofrimento gerado pelo luto da perda de suas expectativas pela idealização da sua família de origem.

Fonte: encurtador.com.br/FHU09

Por fim, na última temporada, é possível acompanhar o esforço dos personagens Tobe e Kate para lidar com a ansiedade de acompanhar a gravidez de uma criança que poderia ser dada a eles em adoção.

Durante todo o percurso da série o olhar atento do espectador interessado em psicologia, verá por várias vezes as histórias de vida dos personagens se cruzarem e apresentarem maneiras distintas de percepção do mesmo fato ou momento de vida. Com esta proposta o público consegue identificar sob os diferentes pontos de vista de cada personagem as dores subjetivas causadas a cada um deles, as quais seguiriam imperceptíveis na visão dos demais.

Outro ponto interessante da série, em termos psicológicos, é que a temporada 5 se passa durante a pandemia. Nela é possível encontrar os personagens usando máscaras, mantendo cuidados de higiene, distanciamento social, lidando com as consequências emocionais do medo e da angústia trazidos pela calamidade da COVID 19.

Fonte: encurtador.com.br/vAH49

Ficha Técnica

Título: This Is Us (Season 2) (Original)

Ano produção: 2017

Dirigido por Glenn Ficarra John Requa Rebecca Asher Regina King

Classificação 14 – Não recomendado para menores de 14 anos

Gênero: Drama

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Família: breve levantamento histórico

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As famílias de hoje nasceram de várias concepções e transformações ao longo da história.

Partindo do conceito popular de que família é quem ama e cuida, vai ao contrário de como era pensado décadas atrás. Em 1916, o Código Civil Brasileiro reconhecia o casamento como a única forma de constituir uma família. Família seria, então, “o grupo constituído pelos cônjuges e pela prole, oriunda do casamento válido, disciplinado pela lei civil” (GOMES, 1999, p. 22). O papel da família sempre foi muito importante na vida de um indivíduo, já que o seio familiar é um importante local em que valores morais e sociais são constituídos. No entanto, é difícil encontrar uma definição para família, já que cada família tem realidades diferentes com sujeitos diferentes, assim como o sentido de família é diferente para cada membro constituinte (SARTI, 2000; SIMIONATO & OLIVEIRA & Oliveira, 2003).

Fonte: encurtador.com.br/cAPW6

Na primeira metade do século XX, eram predominantes as características hierárquicas no seio familiar, havendo uma divisão de trabalho por gênero. Estando o homem na responsabilidade de atuar em contexto externo e a mulher no contexto privado (PRATTA e SANTOS, 2007).  O conceito de família muda de acordo com a época, já sofreu e vem sofrendo muitas modificações, o que resulta em alterações de modelos, funções, valores morais e sociais, e costumes. Neste sentido, na segunda metade do século XX, as funções de papéis específicos de cada gênero passaram a sofrer modificações, que permeiam os dias de hoje. De acordo com Pratta e Santos:

[…] o processo de urbanização e industrialização, o avanço tecnológico, o incremento das demandas de cada fase do ciclo vital, a maior participação da mulher no mercado de trabalho, o aumento no número de separações e divórcios, a diminuição das famílias numerosas, o empobrecimento acelerado, a diminuição das taxas de mortalidade infantil e de natalidade, a elevação do nível de vida da população, as transformações nos modos de vida e nos comportamentos das pessoas, as novas concepções em relação ao casamento, as alterações na dinâmica dos papéis parentais e de gênero.(Pratta e Santos 2007, pp. 248-249)

Engels (1984) explica a origem da família em seu livro “A origem da família da propriedade privada e do Estado”, em que descreve diferentes tipos de família: consangüíneas, punaluanas, sindiásmicas e monogâmicas.

Fonte: encurtador.com.br/pzBMR

A família consanguínea caracteriza o estágio inicial da família, ao qual ainda fazia parte do estado selvagem. Nela a relação sexual entre familiares era comum e necessário para manter a linhagem, apenas pais e filhos não tinham deveres do matrimônio. Nas palavras de Engels (1984, p. 37-39): “irmãos e irmãs, primos e primas, em primeiro, segundo e restantes graus, são todos […] maridos e mulheres uns dos outros. O vínculo de irmão e irmã pressupõe, por si, nesse período, a relação carnal mútua”.

A família punaluana, ainda presente no estado selvagem, caracteriza o segundo estágio da família, no entanto a relação carnal e o matrimônio entre irmãos é banida. Engels (1984) diz que a proibição iniciou entre irmãos uterinos, por parte de mãe, e em seguida a proibição se estendeu aos primos, que antes eram denominados como irmãos colaterais. Em seguida surgiu a denominação de sobrinho/sobrinha, estando presente também, a proibição sexual entre eles. Até então, a descendência era reconhecida por linhagem materna, já que quem dá a luz é a mulher, o que na época era um mecanismo de controle seguro para manter a linhagem.

Fonte: encurtador.com.br/sKPT6

A família sindiásmica se difere dos dois estágios anteriores; neste estágio, que se refere ao estágio da barbárie, ocorreram revoluções humanas, tendo como consequências à propriedade privada, o patriarcado, a produção excedente e a exploração do homem pelo homem. Em relação a proibição de matrimônios, houve a formação de gens, ou seja, ´´um círculo fechado de parentes consanguíneos por linha feminina, que não se podem casar uns com os outros“ (p.44). Embora a poliandria tornou-se proibida, a poligamia continua sendo praticada como um direito de se relacionar. Neste contexto nasce o patriarcado, e a partir do mesmo surge a família monogâmica.

 […] seu triunfo definitivo é um dos sintomas da civilização nascente. Baseia-se no predomínio do homem; sua finalidade expressa é a de procriar filhos cuja paternidade seja indiscutível; e exige-se essa paternidade indiscutível porque os filhos, na qualidade de herdeiros diretos, entrarão, um dia, na posse dos bens de seu pai. A família monogâmica diferencia-se do matrimônio sindiásmico por uma solidez muito maior dos laços conjugais, que já não podem ser rompidos por vontade de qualquer das partes. Agora, como regra, só o homem pode rompê-los e repudiar sua mulher (ENGELS, 1984, p. 66).

Diante do que foi exposto, sabe-se que a família nunca teve apenas um significado comum e determinante. As famílias de hoje nasceram de várias concepções e transformações ao longo da história. O poliamor, hoje discriminado, em outras épocas pode ter sido um modo natural de se relacionar. Hoje a concepção de família é extensa e subjetiva, podendo a todo o momento haver mudanças em sua concepção e papel social. Simionato e Oliveira (2003) diz que a família sobrevive a intensas crises sociais graças a plasticidade que tem em assumir diferentes papeis e se ajustar a diferentes exigências do meio.

Referências:

ENGELS, Friedrich. A origem da Família, do Estado e da propriedade privada. Rio de Janeiro: Bertrand, Brasil, 1997.

SANTANA, Clara Vanessa Maciel de Oliveira e Rocha; NASCIMENTO, Luciana Rodrigues Passos. A família na atualidade: novo conceito de família, novas formações e o papel do IBFAM (Instituto Brasileiro da Família). 2015. 24 f. TCC (Graduação) – Curso de Direito, Universidade Tiradentes, Aracaju, 2015. Disponível em: <http://openrit.grupotiradentes.com/xmlui/bitstream/handle/set/164

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