Ter um corpo padrão para ser aceito?

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É socialmente aceito quando uma pessoa que está com sobrepeso ou não, e se recusa a comer um determinado alimento alegado que está de dieta. O uso indiscriminado de inibidores de apetite, geralmente anfetaminas, também não suscita maiores condenações. No entanto, esses tipos de comportamentos podem ser sinais de alerta de um problema global que atinge cerca de 4,7% da população do Brasil que já apresentaram sinais de transtornos alimentares, de acordo com levantamento da OMS, constando a maior incidência em mulheres jovens de 14 a 18 anos.

Os transtornos alimentares são uma verdadeira “epidemia” que assola as sociedades industrializadas e desenvolvidas, afetando principalmente adolescentes e adultos jovens. Quais são os sintomas dessa epidemia de humor? Geralmente, os pensamentos falhos e insalubres das pessoas com esses distúrbios são caracterizados por uma obsessão pela perfeição física. Na verdade, trata-se de uma “epidemia de culto ao corpo”, multiplicando-se em uma população mórbida preocupada com a estética e influenciada por mudanças psicológicas associadas a padrões corporais. É por isso que a incidência de distúrbios alimentares está aumentando perigosamente e começou a alarmar especialistas da área da saúde.

Fonte: Pixabay

Appolinário (2001) evidencia que a obsessão pela perfeição física se manifesta de muitas maneiras, algumas das quais bem diferentes. Existem distúrbios alimentares mais tradicionais, nomeados anorexia e bulimia. Porém, há outras condições que são estimuladas e desenvolvidas nas chamadas “culturas magras”. As pessoas com a condição, também ficam obcecadas com a forma do corpo e distorcem sua autoimagem a ponto de se sentirem gordas mesmo com 38 kg. O resultado é uma deterioração física e mental progressiva, desde sintomas inicialmente leves, como queda de cabelo, até complicações cardiovasculares, renais e endócrinas que podem ser graves o suficiente para resultar em morte. Excesso de cautela, medo da mudança, alergias e gosto pela ordem também podem ser umas das características de quem tem o transtorno alimentar.

IDA (2007) aponta que vários estudos epidemiológicos têm mostrado um aumento na incidência de alguns transtornos alimentares com o desenvolvimento de padrões de beleza femininos para corpos mais magros, como citado especialmente na anorexia e bulimia nervosa. Anorexia e bulimia parecem ser mais prevalentes nos países ocidentais e significativamente mais comuns entre as mulheres mais jovens, especialmente aquelas pertencentes a essas classes sociais mais altas, o que reforça sua associação com fatores socioculturais, razão pela qual alguns pesquisadores entendem os transtornos alimentares como síndromes estão culturalmente relacionadas. As síndromes relacionadas à cultura são um conjunto de sinais e sintomas limitados a determinadas culturas devido às suas características únicas os quais associada com aspectos biológicos, psicológicos e familiares geram uma preocupação exacerbada com o corpo, um temor descontrolado em engordar juntamente com uma ansiedade específica atrelada a mudança física corporal.

Appolinário (2001) aponta que a alimentação precária, aliadas a uma cultura de perda de peso, podem favorecer o aumento dos transtornos alimentares. E eles se tornaram mais comuns entre as mulheres, talvez por causa de uma cultura de emagrecimento mais forte entre elas. Sentindo uma vontade incontrolável de ser tão magra quanto as “top models” dos comerciais e da mídia presente todos os dias com glamour e sucesso. Mais importante ainda, as mensagens que são transmitidas a todo instante cultuam que ter o corpo magro é ter sucesso, e vivenciar o processo para você alcançá-lo apesar de ser por vezes uma experiência de muitas anulações, te torna uma pessoa esforçada.

Assim o impacto causado pela cultura da magreza torna-se extenso, podendo influenciar na forma que as pessoas se veem, fazendo as acreditar que o seu corpo não é ideal se não estiver dentro dos padrões, causando também um sofrimento psíquico que pode afetar diretamente a sua qualidade de vida. Desse modo, é necessário que seja normalizado o corpo real, com suas particularidades evidenciando que não existe uma perfeição corporal, e muito menos um padrão a ser seguido, até mesmo porque as pessoas são diferentes porque seria diferente com seus corpos.

Referências

OMS. Organização Mundial de Saúde. Relatório Mundial de Saúde. Brasil, 2021.

Appolinário, José Carlos e Claudino, Angélica. Transtornos alimentares. Brazilian Journal of Psychiatry [online]. 2000, v. 22, acessado 16 março 2022, pp. 28-31. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1516-44462000000600008>. Epub 24 Jan 2001. ISSN 1809-452X. https://doi.org/10.1590/S1516-44462000000600008.

IDA, Sheila Weremchuk; SILVA, Rosane Neves da. Transtornos alimentares: uma perspectiva social. Rev. Mal-Estar Subj., Fortaleza ,  v. 7, n. 2, p. 417-432, set.  2007.Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1518-61482007000200010&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 16 mar.  2022.

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BBW: pornografia gorda e o desejo secreto por corpos desviantes

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A demanda pelo consumo de pornografia com pessoas gordas tem crescido nos últimos anos no cenário mundial. O tema pode adentrar na esfera do desconforto, ou mesmo tabu para algumas pessoas, possivelmente pelo entendimento das pessoas gordas como assexuadas e indignas de desejo, em razão da estigmatização da sociedade gordofóbica a qual construímos (JIMENEZ-JIMENEZ, 2020a). O fenômeno do estigma, enquanto o não cumprimento de expectativas do modelo normativo socialmente, provoca a inserção de indivíduos estigmatizados a uma categoria inferior em sua identidade social (GOFFMAN, 1963).

Em nossa sociedade, pessoas gordas maiores são consideradas “obesas” no estatuto biomédico (GONÇALVES; MIRANDA, 2012). Essa transformação da gordura corporal em estatuto epidemiológico provoca, entre outras coisas, discursos vigorosos de combate à existência de pessoas gordas (PAIM; KOVALESKI, 2020; POULAIN, 2013). Em relação recursiva com esse fenômeno, essas pessoas experimentam constantemente a gordofobia, marcada pelo estigmatização social e perda de direitos (por não conseguirem pertencer ou caber em diversos espaços). O corpo gordo passa a fazer parte de uma codificação binária de corpos, sendo associado a feiura, adoecimento e aspectos negativos; enquanto os corpos magros são associados à beleza, saúde e qualidades desejáveis socialmente (JIMENEZ-JIMENEZ, 2020b).

Fonte: Andrei Crismaru

Nesse sentido, a vivência da sexualidade para pessoas gordas está implicada da gordofobia; a solidão e o desprezo tornam-se comuns (PAIM, 2019). Esse fato, poderia indicar fortemente a ausência de desejo sexual por pessoas grandes coletivamente, especialmente mulheres, que sofrem mais repressão em relação ao peso do que homens (WOLF, 2019). No entanto, alguns fatos apontam contradições nesse filtro lógico, em razão da demanda pornográfica por esses corpos.

Em seu balanço anual, o Pornhub, maior site de conteúdos pornográficos mundialmente, constatou cerca de 42 bilhões de acessos em 2019. Entre suas categorias está a BBW (Big Beautiful Women ou Mulheres Bonitas Grandes), com vídeos de mulheres gordas. De acordo com os dados de 2019, a categoria subiu cinco posições no ano e têm se tornado cada vez mais popular. Apenas na Holanda, a procura aumentou em 340% (PORNHUB, 2019).

A esses comportamentos é atribuída uma tentativa de fuga da norma social de repressão da gordura. Esta, parece ser ineficiente em conter o desejo secreto por prazer advindo desses corpos, que escapa do filtro normativo utilizando como recurso a esfera do privado (FIGUEIROA, 2014). O desejo privado, escondido, se dá em razão dessas mulheres não serem vistas como uma boa opção para se relacionar socialmente, em razão do código cultural de obstinação pela magreza; e frequentemente, não são publicamente assumidas (JIMENEZ-JIMENEZ, 2020a).

A evidenciação do caráter transgressor desses filmes se dá também pelas suas características fetichizantes. A exibição da gordura e a ingestão de alimentos ricamente calóricos demonstra o intento em escapar da racionalidade, que apregoa a dissidência desses corpos e a prática da repulsa (FIGUEIROA, 2014). Nesse tipo de conteúdo, o foco do desejo sexual não se centra no prazer fálico, conforme apregoa o padrão patriarcal heteronormativo e falocêntrico, que foca-se na exclusão das diferenças e no prazer masculino (JIMENEZ-JIMENEZ, 2020a), comum na pornografia de objetificação genital (FIGUEIROA, 2014).

 

Fonte: Andrei Crismaru

A fetichização e exotização dos corpos gordos que reforçam sua dissidência, evidenciam a necessidade de extração do erotismo por esse desejo sem o filtro fetichista; por meio da evidenciação de um novo senso erótico, conforme proposto pelas comunidades e movimentos do grupo (FIGUEIROA, 2014). Nesse sentido, as práticas balizadas pelas performances pornográficas falocêntricas patriarcais que permeiam o imaginário sexual atual devem ser negadas (JIMENEZ-JIMENEZ, 2020a).

Essa negação em perpetuar o contrato social heterocentrado marcado pela lógica reprodutiva faz emergir uma contrassexualidade (JIMENEZ-JIMENEZ, 2020a). Essa ideia, surge do entendimento da sexualidade como forma de reprodução disciplinar, que favorece o regime multiplicador de corpos (FOUCAULT, 1999). Para tanto, a criação de contextos genuínos de legitimação desses corpos, exclusivos da sexualidade gorda, apresentam-se como alternativas, práticas contrassexuais.

 

REFERÊNCIAS:

FIGUEIROA, N. L. Pornografia com mulheres gordas: o regime erótico dos corpos dissonantes. Revista Pensata, UNIFESP, v.4. n.1, 2014. Disponível em: <https://bit.ly/36vET0Z>. Acesso em: 11 nov. 2020.

GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Tradução: Mathias Lambert, v. 4. Coletivo Sabotagem, 1963. Disponível em: <encurtador.com.br/dyTV6>. Acesso em: 09 abr. 2020.

GONÇALVES, Shirley Dias; MIRANDA, Luciana Lobo. Biopolítica e confissão: cenas do grupo terapêutico com pacientes obesos. Psicologia & Sociedade, v. 24, n. SPE, p. 94-103, 2012. Disponível em: <https://bit.ly/3e0jGPX>. Acesso em: 11 nov. 2020.

JIMENEZ-JIMENEZ, Maria Luisa. Lute como uma gorda: gordofobia, resistências e ativismos. 2020. 237 f. Tese (Doutorado) – Curso de Programa de Pós-graduação em Estudos de Cultura Contemporânea, Faculdade de Comunicação e Artes, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, 2020b.

JIMENEZ-JIMENEZ, Maria Luisa. Pd Prazeres dissidentes. CSOnline-REVISTA ELETRÔNICA DE CIÊNCIAS SOCIAIS, n. 31, p. 345-361, 2020. Disponível em: <https://bit.ly/2G2gqqE>. Acesso em 11 nov. 2020a.

PAIM, Marina Bastos; KOVALESKI, Douglas Francisco. Análise das diretrizes brasileiras de obesidade: patologização do corpo gordo, abordagem focada na perda de peso e gordofobia. Saúde e Sociedade, v. 29, p. e190227, 2020. Disponível em: <https://bit.ly/35PzTnw>. Acesso em: 11 nov. 2020.

PAIM, Marina Bastos. Os corpos gordos merecem ser vividos. Revista Estudos Feministas, v. 27, n. 1, 2019. Disponível em: < https://bit.ly/32AURpa >. Acesso em: 11 nov.  2020.

PORNHUB. Pornhub Insights. The 2019 Year in Review. 2019. Disponível em: <https://bit.ly/38zr6sE>. Acesso em: 11 nov. 2020.

POULAIN, Jean-Pierre; Sociologia da obesidade. São Paulo: Editora Senac São Paulo; 2013.

WOLF, Naomi. O mito da beleza: como as imagens de beleza são usadas contra mulheres. Tradução Waldéa Barcellos. 6 ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2019.

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O corpo gordo

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Arte: Laryssa Araújo

Nota: Alguns versos foram retirados de comentários na internet. Os comentários se dirigiam a uma notícia sobre o suicídio de uma jovem que sofria bullying devido ao seu peso.

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