Pré-CAOS 2025: afetos e desafios em famílias com pessoas dependentes é pauta em evento promovido pelo Portal (En)Cena

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Na última sexta-feira (01/11), o Portal (En)Cena promoveu a roda de conversa “Laços de Cuidado: Afetos e Desafios em Famílias com Pessoas Dependentes” nas dependências da Ulbra Palmas. O evento reuniu profissionais e acadêmicos para discutir a importância dos vínculos no cuidado de pessoas dependentes, abordando os aspectos emocionais e os desafios envolvidos.

Com a participação especial do enfermeiro e gestor de aprendizagem, James Stefison Sousa e da psicóloga e professora da Ulbra Palmas, Isaura Rossatto, ambos pesquisadores na área do cuidado de pessoas dependentes, integraram uma roda de conversa que trouxe uma rica troca de experiências e perspectivas. Os convidados destacaram a relevância do apoio emocional no contexto familiar e compartilharam vivências e conhecimentos que enriqueceram o debate. Além dos especialistas, compôs a mesa a discente Amanda Mariana, com o seu relato como cuidadora familiar e Lilian Rosa, como mediadora.

O enfermeiro James Stefison destacou que o envelhecimento saudável, ou senescência, é caracterizado pela manutenção da saúde física e mental dos idosos, enquanto o envelhecimento patológico, ou senilidade, exige cuidados específicos devido às limitações de saúde. Com a presença de doenças crônicas e a necessidade de suporte, o papel do cuidador se torna essencial, especialmente quando são familiares que assumem essa responsabilidade. 

Convidado: James Stefison

De acordo com James Stefison, no Brasil, cerca de 91,7% dos cuidadores são familiares, e em sua maioria mulheres, refletindo um padrão cultural onde o cuidado é visto como papel feminino. Ele acrescenta que esses cuidadores enfrentam desafios significativos, incluindo jornadas intensas e condições físicas específicas, como dores crônicas, além de impactos emocionais como isolamento e tristeza, especialmente quando o cuidado é uma demanda constante e pouco compartilhada. 

Em outros países, há políticas de apoio e folgas para cuidadores, mas no Brasil, a ausência de políticas públicas adequadas sobrecarrega os familiares responsáveis. Segundo James Stefison: “a pesquisa indica ainda que o cuidado de idosos envolve uma dimensão afetiva profunda, onde sentimentos de retribuição e amor coexistem com cansaço e, muitas vezes, frustração”. Ele cita o filósofo Leonardo Boff que afirma que: “o cuidado é mais que um ato, ele é uma atitude”, ou seja, ele abrange mais que um momento de atenção, ele representa uma atitude de ocupação, preocupação, responsabilidade e de envolvimento afetivo com o outro.

A discente Amanda Mariana vive a dimensão de ser cuidadora informal de seu pai. Como cuidadora, ela administrou com dedicação e criatividade os cuidados diários que ele requer, desde a organização dos medicamentos e organização dos horários de tomá-los, até o auxílio nas necessidades básicas. Amanda busca dessa forma humanizar o cuidado, recriando rotinas que lembram os hábitos e gostos do pai, como colocar na TV o programa favorito dele, o que traz algum conforto em meio à rotina exaustiva: “Eu não tenho uma palavra que defina o cansaço e o amor que a gente tem por aquele ser que está acamado”, aponta. 

Amanda Mariana, Isaura Rossatto, James Stefison, Erika Santos e Lilian Rosa

Para a acadêmica de Psicologia, Isabella Fernandes, participar da roda de conversa foi uma experiência enriquecedora: “Pude olhar para o cuidado, questionar as influências culturais e suas significações. Foi apresentado a perspectiva do cuidador, perguntas como: quem cuida de quem cuida? A possível romantização desse papel, mas ao mesmo tempo ser um lugar de sofrimento. Foi uma oportunidade incrível e um evento imperdível!”.

Segundo a discente, Nádia Ramos, através da roda de conversa foi possível alinhar pesquisas e trocas de experiências: “Gostei muito, e a contribuição da fala da Amanda veio elucidar a teoria. No nosso curso falamos muito sobre humanizar atendimentos, e a roda de conversas ontem mostrou que a humanização, a dignidade das pessoas, não se resume a um atendimento clínico/hospitalar, mas nas relações humanas mesmo. Pessoas acamadas que dependem de cuidado, muitas vezes são colocadas numa posição passiva que as distanciam do senso de pertencimento de suas vidas, nas falas ficou bem clara a importância da rotina, dos costumes no processo de cuidado, para a pessoa dependente, mas também para os cuidadores”.

O evento faz parte da série de atividades Pré-CAOS, que antecede o Congresso Acadêmico de Saberes em Psicologia – CAOS 2025, previsto para fevereiro do próximo ano. Os eventos Pré-CAOS, programados para o mês de novembro, seguem com o objetivo de explorar os laços familiares em diferentes contextos e seus impactos. A abertura oficial do CAOS 2025 acontecerá no dia 7 de novembro, durante os Diálogos Clínicos, onde os acadêmicos estagiários da Clínica Escola de Psicologia (SEPSI) apresentarão uma discussão de um caso clínico, na visão das diferentes abordagens da psicologia.

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Além das diferenças: a busca pela dignidade no cuidado em “Intocáveis”

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A importância do cuidado humanizado na prática do cuidador formal

Esta é uma resenha crítica do filme Intocáveis (2011), que analisa a profundidade emocional e humana presente na relação entre cuidador e paciente, explorando a trajetória de amizade entre Philippe, um aristocrata tetraplégico, e Driss, seu irreverente cuidador. O texto abaixo vai destacar como o filme transcende as expectativas convencionais do papel do cuidador, mostrando que o verdadeiro cuidado vai além das técnicas médicas, e envolve empatia, humor e o reconhecimento da dignidade e individualidade de quem está sendo cuidado.

Já pensou na complexidade do papel de alguém que diariamente lida com as necessidades mais íntimas e essenciais de outra pessoa? Esse profissional enfrenta uma rotina desafiadora, marcada por tarefas técnicas e, muitas vezes, repetitivas, que vão desde a administração de medicamentos até o auxílio nas atividades básicas de higiene e mobilidade. Todavia, o trabalho de um cuidador formal ou informal vai muito além das obrigações práticas. Ele está constantemente exposto a contextos de vulnerabilidade emocional, tanto do paciente, quanto da família do paciente, e dele próprio. Lidar com o sofrimento, a limitação física, e o peso emocional de ver alguém em uma situação debilitante exige muito mais do que conhecimento técnico – é algo sobre empatia, paciência e, principalmente, a capacidade de enxergar e valorizar a humanidade do outro.

Neste cenário, o filme “Intocáveis” (2011), dirigido por Olivier Nakache e Éric Toledano, se apresenta para nós como uma narrativa envolvente que fala diretamente ao coração. Ele nos apresenta a história real de uma amizade improvável, mas profundamente transformadora, entre Philippe, um aristocrata que ficou tetraplégico após um acidente, e Driss, um jovem da periferia que, ao contrário de qualquer expectativa, se torna seu cuidador.

Philippe, um homem culto e muito rico, encontra-se condicionado a uma cadeira de rodas e à tristeza que veio com a perda de sua autonomia. Afinal de contas, existem muitos mais desafios além da perda dos movimentos de alguém outrora fisicamente capaz, e no contexto de Philippe não é diferente. As demandas emocionais surgem de imediato e evidenciam a nova condição como limitante e desafiadora. Ele se sente desajustado, isolado e desiludido, até que Driss, um ex-presidiário sem qualquer experiência em cuidados de saúde, entra em sua vida. Driss é diferente, desconectado dos padrões e cheio de experiências aos quais moldaram sua forma de se comportar, e com seu jeito irreverente, é o oposto de tudo que Philippe está acostumado. Em dado momento, tantas diferenças soam como um problema – a incompatibilidade do meio é bem expressada diante dos costumes, rotina e hábitos dos dois. Entretanto, esse conjunto de diferenças se torna a base para uma amizade sincera e revitalizante para os dois.

 O que faz de Driss um cuidador especial não é sua habilidade técnica, considerando que ele nem a tinha, mas sua capacidade de enxergar Philippe como um ser humano completo, com desejos, medos e, acima de tudo, um espírito ainda vivo. Este é o papel do cuidador humanizado. Driss não trata Philippe como um doente ou um fardo; ele o trata como um amigo, alguém com quem pode rir, discutir e viver. A abordagem humanizada, cheia de empatia e humor, é o que permite a Philippe redescobrir a alegria de viver, mesmo dentro das limitações que a tetraplegia lhe impõe.

 Uma das cenas mais emblemáticas do filme ocorre quando Driss se recusa a levar Philippe em um carro adaptado, que em muito se parece um carro de carga para pessoas com deficiência. A cena é carregada de simbolismo e revela muito sobre a relação entre os dois personagens. Ao chegar ao veículo, Driss vê o carro de carga que está preparado para transportar Philippe. No entanto, em vez de aceitá-lo como uma solução prática, Driss enfaticamente se recusa a utilizá-lo, argumentando que Philippe merece ser tratado com dignidade e não como um objeto a ser movido de um lugar para outro. Ele decide, então, colocar Philippe em um elegante Maserati, um carro esportivo que, na visão de Driss, corresponde muito mais à personalidade e ao status de Philippe.

                                                                                                                             Fonte: Youtube

Esse momento é carregado de significados por demonstrar a abordagem única e humanizada de Driss. Para ele, Philippe não é apenas um “paciente”, mas um ser humano completo, com desejos e direitos. Driss recusa-se a permitir que Philippe seja definido por sua deficiência ou tratado de forma inferior. Ao colocar Philippe em um carro esportivo, Driss desafia as expectativas convencionais sobre como alguém com uma deficiência deveria ser tratado e insiste em que seu amigo seja visto e tratado como qualquer outra pessoa, com direito a desfrutar dos prazeres da vida, incluindo a experiência de andar em um carro de luxo. A decisão de Driss reflete sua recusa em aceitar a limitação imposta pela sociedade sobre o que uma pessoa com deficiência pode ou não pode fazer. Ele não se contenta em apenas cumprir suas funções como cuidador, ao contrário, busca oferecer a Philippe uma vida rica e digna, plena de experiências significativas. Essa atitude reforça o tema central do filme sobre a importância de ver além das limitações físicas e reconhecer a individualidade e os desejos de cada pessoa.

Ao longo do filme podemos ver ainda Driss desafiando Philippe a se perceber para além de sua condição física. Ele faz piadas, o leva para aventuras e, mais importante, se recusa a sentir pena dele, comportamento percebido por Phillippe como o grande diferencial entre ele e os outros cuidadores. Ao invés de ver apenas as limitações físicas de Philippe, Driss vê o homem que ele realmente é. Essa visão faz toda a diferença no processo de cuidado, por não se tratar apenas de manter o corpo de Philippe saudável, mas de nutrir seu espírito.

“Intocáveis” é uma bela lição sobre a importância do cuidado que vai além do físico. Ele nos lembra que, mais do que qualquer técnica ou formação, o que realmente importa é a conexão humana, a capacidade de tratar o outro com dignidade, respeito e, acima de tudo, amizade. Essa relação entre cuidador e paciente pode ser transformadora para ambos, e o filme nos mostra isso de maneira tocante e genuína.

FICHA TÉCNICA 

INTOCÁVEIS

Título Original: Intouchables (Original)
Direção e Roteiro: Eric Toledano Olivier Nakache


Elenco: François Cluzet; Omar Sy; Alba Gaïa Kraghede Bellugi; Anne Le Ny; Antoine Laurent; Audrey Fleurot; Benjamin Baroche; Caroline Bourg; Christian Ameri; Clotilde Mollet; Cyril Mendy; Dominique Daguier; Dorothée Brière; Emilie Caen; François Bureloup; François Caron; Grégoire Oestermann; Hedi Bouchenafa; Ian Fenelon; Jean François Cayrey; Jérôme Pauwels; Joséphine de Meaux; Marie-Laure Descoureaux; Nicky Marbot; Sylvain Lazard; Thomas Solivéres.

Ano: 2011
Duração: 112 minutos
Classificação: 14 anos

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