Mulher Maravilha: um novo paradigma para a mulher moderna

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O filme Mulher Maravilha se inicia mostrando o mundo das Amazonas, na ilha de Themyscira, e como são criadas para serem guerreiras imbatíveis. Conhecemos a rainha Hipólita e sua pequena filha Diana, que se tornará a heroína da história. A Rainha narra a filha – que deseja se tornar uma guerreira – que as Amazonas foram criadas por Zeus para proteger os humanos contra a ira de Ares (deus da Guerra).

Na Mitologia Grega, as Amazonas eram integrantes de uma sociedade de mulheres guerreiras, que não permitiam a entrada dos homens e nem se casavam. Eram independente e lutavam com os homens que tentavam domina-las. Em algumas versões, elas eram proibidas de ter relações sexuais com os homens e esses eram proibidos de viver na comunidade amazona. Mas em outras versões- para preservar a raça–elas tinham relações sexuais com estrangeiros. Os meninos que nasciam destas relações eram, ou mortos, ou enviados ao pai; as meninas eram criadas pelas mães e treinadas em práticas agrícolas, e nas artes da guerra.

As amazonas aparecem em diversos mitos. Um dos mais famosos é um dos 12 trabalhos de Hércules, onde ele precisa roubar o cinturão da Rainha Hipólita. Nessa jornada, seu amigo Teseu sequestrou a irmã de Hipólita, Antíope, e essa morre em batalha contra suas compatriotas. Em vingança, por tentarem roubar o cinturão de Hipólita e por terem levado Antíope como refém, as Amazonas entram em guerra contra os gregos.

Na Mitologia, Hipólita e Antíope são filhas de Ares com a rainha Amazona Otrera. No filme, as irmãs, estão em guerra contra Ares, ou seja, elas estão em guerra com o Pai, por haverem sido reprimidas e esquecidas em uma ilha (no filme escondida por Zeus). O filme apresenta uma visão diferente da cultura patriarcal em relação ao mal. O mal entrou no mundo pelo masculino, em contraste com a cultura judaico – cristã, onde o mal entrou pela mulher. Essa talvez seja uma reação contrária a unilateralidade do patriarcado.

Contudo, no filme o mal também está presente na humanidade. O ser humano é um mosaico de opostos. Luz e sombra convivem em cada alma, e essa guerra interna é a marca do homem ocidental. A princesa Diana nasceu nessa ilha e foi treinada para ser uma guerreira desde criança. Diana é a grande heroína da história e traz uma imagem de feminino bastante valorizada nos dias atuais: o da mulher guerreira e independente.

As mulheres modernas se identificam com esse papel de guerreira e são treinadas desde novinhas a assumi-lo. Hoje a mulher tem sua carreira, cuida da casa, dos filhos e de si própria e cada vez mais desconfia do amor e do relacionamento. Mas ela também é a heroína, ou seja, ela irá restaurar a situação saudável da Psique (Von Franz, 2005).

O filme apresenta dois mundos bem distintos: o das Amazonas, escondido, matriarcal e com um ódio terrível dos homens e o dos humanos, em guerra e estritamente patriarcal. Diana tem como missão unir esses mundos. As Amazonas eram estritamente matriarcais, adoravam a deusa Ártemis – senhora da natureza e vida selvagem -, cultuavam a terra e eram agrícolas.

Como afirma Neumann (1995), o desenvolvimento da psicologia feminina no patriarcado está em oposição a Grande Mãe. Mas ele não deve levar a violentação da natureza feminina através do masculino, nem o feminino deve perder o contato com o Self feminino. O “aprisionamento no patriarcado” representa uma derrota diante da estabilidade matriarcal feminina, por isso a oposição das forças matriarcais forma uma oposição ao aprisionamento do feminino no patriarcado. Podemos ver a ação dessas forças de oposição nas Amazonas e seu ódio aos homens.

Essa força opositora pode parecer regressiva, mas existe nela um elemento positivo no desenvolvimento feminino. Diana é impulsionada por essa “regressão”. O ódio impulsionado pela sombra feminina leva a heroína a uma ampliação da personalidade. Seu nome vem da deusa romana equivalente a Ártemis. Deusa da Lua e da caça, Diana era uma caçadora vigorosa e indiferente ao amor. Portanto, vemos o desenvolvimento provindo do aspecto feminino do Self em uma ação “regressiva”.

Diana observa um avião das forças armadas caindo na ilha e resgata o capitão Steve Trevor. A ilha logo é invadida pelo grupo de alemães que o perseguia. Conhecendo Steve, Diana coloca em movimento as forças masculinas de sua natureza. Ela sai armada de uma espada com ele e passa a percorrer um caminho que se opõe a Grande Mãe. Com ele, Diana vai colocar em movimento as forças masculinas positivas, para então se apaixonar e abandonar toda a inflação que essas forças provocaram em si.

Diana como um ego ideal, mostra como o ego feminino empresta a força masculina positiva para então sucumbir (do ponto de vista do patriarcado) ao amor, assim como Psiquê no mito “fracassa” movida por amor a Eros. A heroína parte rumo ao encontro com Ares para mata-lo e acabar com a guerra, que está destruindo a humanidade. Nesse embate Diana irá se confrontar com o aspecto paterno terrível.

No processo de desenvolvimento psíquico, o confronto com os aspectos terríveis da uroboros materna e paterna são decisivos para a estruturação da personalidade. Diana usa a espada nesse confronto, ou seja, ela ainda se apropria dos aspectos masculinos da personalidade nesse embate. Mas ela realmente se descobre e atinge a realização ao abrir mão da espada.

Steve se sacrifica pilotando um bombardeiro. Ao presenciar a morte do amado – que se sacrifica pela humanidade – Diana acessa o amor e a compaixão, todos aspectos da coniuctio superior, que na alquimia é o objetivo máximo da opus e do processo de individuação (Edinger, 2006). Com esse confronto e com esse amor ela se descobre deusa e imortal, bem como descobre sua missão. Edinger (2006) comenta que a coniuctio superior, o Si – mesmo une e reconcilia os opostos, com isso o ego humano faz com que o Si – mesmo se manifeste. Mas esse sustentar os opostos equivale a uma paralisia que chega às raias de uma verdadeira crucificação.

Jung (1997) sobre a coniuctio diz:“(…) E uma imagem daquele que ama alguém e seu coração é ferido de amor. Assim Cristo foi ferido na Cruz pelo amor à Igreja. ” Ele cita Santo Agostinho: “Cristo caminha em frente como o esposo ao deixar seu aposento; como o presságio das núpcias, sai para o campo do mundo…chega ao leito nupcial da cruz e lá estabeleceu a união conjugal…e entregou-se em castigo no lugar da esposa…e uniu a si sua mulher por direito eterno. ”

Portanto, em Mulher Maravilha, vemos retratado simbolicamente o desenvolvimento feminino rumo a realização máxima do processo de individuação, que ocorre por meio do amor. Diana suporta o sofrimento em si própria e integra os aspectos positivos e negativos de forças arquetípicas. Ela une Logos e Eros em si e se torna um símbolo que pode espelhar o desenvolvimento da mulher moderna em seu processo de individuação.

REFERÊNCIAS: 

EDINGER, E.F. Anatomia da psique:O simbolismo alquímico na psicoterapia. São Paulo, Cultrix: 2006.

JUNG, C. G. O Desenvolvimento da Personalidade. Ed Vozes. Petrópolis, 1988.

JUNG, C.G. MysteriumConiuctionis. ed.Vozes. Petrópolis: 1997.

NEUMANN, E. Amor e Psique – Uma interpretação psicológica do conto de Apuléio. São Paulo, Cultrix: 1995.

VON FRANZ, M. L. A interpretação dos contos de fada. 5 ed.Paulus. São Paulo: 2005.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

MULHER MARAVILHA

Diretor: Patty Jenkins
Elenco: Gal Gadot, Chris Pine, Connie Nielsen, Robin Wright;
País: EUA
Ano: 2017
Classificação: 12

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Moana: um mar de emoções

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Com duas indicações ao OSCAR:

Melhor animação e Melhor canção original ( Lin-Manuel Miranda, Mark Mancina e Opetaia Foa’i).

Banner Série Oscar 2017

A animação Moana mostra uma heroína que tem sido bem típica nas animações da Disney pelo fato de não terminar com um príncipe e não se casar ao final. Esse tema da princesa sem príncipe tem sido bem comum e vem para agradar as mulheres em seu recente processo de empoderamento. Se por um lado isso reflete a necessidade da mulher atual em buscar e afirmar sua identidade tão reprimida ao longo dos séculos, por outro transformou certos aspectos da personalidade antes valorizados em verdadeiros tabus. Expressar o desejo de se casar ou encontrar o amor é quase uma ofensa para a mulher moderna.

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No entanto, não é esse assunto que quero abordar nesse texto. Algo maior e de importância coletiva surgiu como tema central em Moana, e é sobre isso que pretendo escrever esse texto. Não que a questão da afirmação da personalidade feminina não seja importante, mas o tema que a animação trouxe é de uma importância coletiva para as mulheres e para a sociedade contemporânea. A animação começa contando uma lenda sobre a grande deusa Te Fiti.

A deusa, que havia criado toda a vida na Terra e se tornou uma ilha, teve seu coração – uma pequena pedra pounamu – roubado pelo semideus Maui. Aparentemente a intenção dele era encontrar o monstro de lava Te Ka, porém o monstro faz com que seu anzol mágico e o coração desapareçam no oceano. Por causa do coração roubado, as ilhas que Te Fiti criou foram amaldiçoadas.

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A animação tem como base a mitologia polinésia. O semideus Maui está presente no panteão polinésio e é utilizado na história. É interessante que a Disney tenha se apoiado em uma mitologia e cultura antiga e pouco conhecida pela sociedade ocidental. A cultura polinésia é pautada por uma ligação entre o homem e a natureza muito intensa. Mesmo que a Disney retrate a cultura polinésia de forma simplificada, esse pequeno contato serve como porta de entrada para o conhecimento de uma cultura e mitologia perdidos.

No início da animação vemos o povo da ilha Motuni sendo retratado. Trata-se de uma sociedade tribal, onde as pessoas possuem uma relação de muito respeito com a natureza, pois dependem dela para viver. É intrigante a escolha de um povo tribal, que zela e preza pela natureza e que ao mesmo tempo adora uma Deusa Mãe criadora. Se trata de uma sociedade e cultura oposta a Ocidental patriarcal, que valoriza a exploração dos recursos naturais e prol do desenvolvimento tecnológico, e que se encontra sob o estigma do Deus pai judaico-cristão.

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A animação então, vem trazer uma compensação para a Consciência Coletiva, de forma a tentar o equilíbrio entre essas duas polaridades matriarcal/patriarcal. Conforme Edinger (1993), a sociedade ocidental já não possui um mito viável, que sustente nossa necessidade intrínseca de estarmos imbuídos em um mito. Sem esse mito estruturante, o indivíduo perde a razão de ser. Por essa razão temos hoje uma epidemia de depressão, ansiedade e pânico, nos grandes centros.

Com a carência de mitos nossos valores são substituídos por motivações elementares de poder e prazer, ou então o indivíduo é exposto ao vazio existencial e ao desespero. Por isso, há uma necessidade urgente da descoberta de um mito central. Von Franz (2010) também aponta que em nossa sociedade ocidental judaico cristã, de tradição estritamente patriarcal, não existe imagem arquetípica da mulher. O resultado é que a mulher, o feminino, o matriarcal e a anima são negligenciados e incompreendidos. Com isso as mulheres se tornaram incertas com o que é ser feminina, não sabem o que são nem o que poderiam ser.

Atualmente, para as mentes mais reflexivas essa atitude unilateral não faz mais sentido e vem trazendo mais malefícios do que benefícios. Uma nova revisão dos valores se faz necessária. Cada dia mais crescem os movimentos de defesa da natureza. A consciência ecológica cresce cada dia mais, bem como os questionamentos e a importância do que é a essência feminina. A Deusa Te Fiti na animação é a grande Deusa da natureza e a criadora de tudo. Ela possui a capacidade de gerar a vida em torno dela. É a responsável pelo crescimento das plantas de todos os tamanhos e pode manipular o terreno ao redor de seu corpo. Com o coração dela, ela pode criar outras ilhas repletas de flora e fauna e afetar esses elementos de longe.

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A Deusa Te Fiti não está no panteão polinésio, mas parece ser uma representante de Gaia, a deusa grega primordial da Terra. Podemos observar, então, características de uma sociedade matriarcal. Diante desse contexto não há nenhuma novidade no fato de Moana ser a nova líder do povo. As sociedades matriarcais valorizavam o cultivo da terra e os alimentos por ela proporcionados. Os povos agrícolas vivam em um estado de fusão com a natureza, como sendo integrantes desse todo. Havia, nesses povos, a predominância da terra e da vegetação. E a terra e a natureza, como fontes de fertilidade e alimento, bem como de morte e também como aquela que devora os filhos.

A Deusa para esses povos era a fonte de fertilidade e o masculino era sempre subserviente dela. Eles não acreditavam e não sabiam que o homem tinha participação na reprodução. Sua função era só romper o hímem para a passagem da criança (Harding, 2007). Além disso, era incumbência da mulher cuidar dos assuntos relativos ao suprimento de alimento, exceto a caça e abatimento de presas. Elas colhiam frutas, ervas, raízes e as preparavam para comer. Plantar, cultivar e colher eram tarefas femininas essencialmente. Acreditava-se que a mulher fazia com que as coisas frutificassem e crescessem devido a sua capacidade de gerar crianças e de ter seus ciclos hormonais em relação direta com a Lua – fonte de fertilidade. Com isso, o feminino sempre foi visto mais próximo a natureza e aos processos corporais.

Ao desenvolvermos então o aspecto patriarcal da psique coletiva, perdemos a ligação com o corpo e consequentemente com a natureza. Nos separamos dela e passamos a enxerga-la como fonte de exploração para o ego humano. Privilegiamos o mental e deixamos o emocional e instintivo de lado. Hoje sentimos novamente essa necessidade de nos reaproximarmos desse lado matriarcal. Urgentemente precisamos encontrar um equilíbrio entre essas duas forças. Vemos esse apelo emocional na animação, que resgata e traz à tona esse nosso lado esquecido.

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Moana é então escolhida pelo mar para a jornada de resgate do coração de Te Fiti. O mar para a psicologia analítica simboliza o útero de onde surge toda vida. Deuses do mar como Posídon são considerados deuses ctônicos e estão ligados a Grande Mãe e aos aspectos da natureza de doador de vida e alimento e destruidor da vida. O fato de termos a Deusa como centro vital da animação e o de ser uma garota escolhida para essa jornada chama bastante a atenção. A tendência de uma divindade encarnar em um filho não é algo desconhecido e revelou-se no cristianismo. A encarnação de Deus no Cristo foi vivida como uma experiência religiosa coletiva de enorme alcance (Von Franz). Mas a tendência da antiga deusa – mãe de encarnar em uma filha ainda não se realizou. Assim a imagem do feminino em sua totalidade ainda não alcançou o humano e a consciência, temos apenas vestígios disso.

O culto a Deusa foi reprimido com o advento do Cristianismo. Isso aconteceu em partes, pois a força de um arquétipo é muito forte, e ocorreu a reaparição da deusa na Virgem Maria, com a subsequente devoção. Contudo essa imagem feminina veio para a nós com sérias restrições. A imagem feminina precisou ser retratada purificada de sua sombra e de forma que agradasse o patriarcado. A sombra da Deusa então, ainda não fez sua reaparição em nossa sociedade. Contudo, essa reaparição parece ser uma necessidade emocional muito forte e algo iminente de ocorrer.

Vemos algumas animações que trazem heroínas que representam “filhas” de deusas antigas. Em Valente vemos uma representante da deusa Artemis em Merida, em Mulan a heroína pode ser considerada uma representante de Atena, a deusa da guerra. Moana também pode se encaixar nessa categoria. Ela representa a jornada da heroína escolhida para humanizar esses aspectos sombrios da antiga Deusa e assim deixando viável a assimilação desses conteúdos para a consciência. Vemos na animação que o coração da deusa é roubado e ela se vinga se transformando no monstro Te Ka, retirando toda a vida e alimentação.

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Esse tema da vingança da deusa é recorrente nos mitos antigos. Demeter outra deusa da fertilidade, se vingou com a esterilidade da terra ao ter sua filha roubada e sequestrada. Hera era a rainha da vingança. Afrodite se vingava quando deixava de ser adorada ou quando alguma humana lhe suplantava em beleza. Atena e Ártemis também possuem episódios de vingança. A vingança feminina é um dos aspectos da Deusa feminino que está ausente da consciência. As mulheres conhecem esse sentimento muito bem, mas não o aceitam e por isso lidam mal com ele. Pois se prega a benevolência feminina.

Para finalizar é importante falar sobre Maui. Maui na mitologia polinésia é um Herói trapaceiro, conhecido por suas aventuras extravagantes e sobrenaturais. Sua lenda diz que ele era um humano nativo das ilhas do Havaí. Sua mãe, o achava fraco ao nascer e preferiu afogá-lo. Maui, porém, sobreviveu às ondas, foi salvo pelo Sol e tornou-se um homem extremamente forte, sem medo em seu coração, um semi-deus. Em uma de suas aventuras, ele vai ao submundo atrás da deusa da morte para conseguir a imortalidade, mas é morto por ela. Diz-se que por causa dessa transgressão a humanidade perdeu a imortalidade. Outra aventura de Maui é o furto do fogo e a posterior entrega para os seres humanos que passaram a utilizar a madeira para fazer fogo.

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Na animação isso se repete de uma forma diferente. Ele rouba o coração de Te Fiti para entregar aos humanos. Na lenda como no filme e ele é uma espécie de Prometeu que rouba algo para a humanidade e é posteriormente punido. Maui simboliza a exploração da natureza em prol do desenvolvimento da humanidade. Pretendemos nos igualar aos deuses para sermos imortais, exploramos a natureza em busca de remédios e imortalidade, mas com isso somos punidos cada vez mais por ela. A natureza vem cobrar seu preço e sua vingança. Sua relação com Moana se desenvolve em uma amizade profunda e duradoura. Algo que se perdeu nas relações aqui é resgatado na relação de Moana e Maui – a amorosidade. A relação entre eles se constrói no conhecimento das fraquezas e virtudes um do outro.

Maui e Moana estabelecem um equilíbrio harmônico e desprovido de competição entre masculino e feminino que precisamos encontrar. A amorosidade, característica do feminino precisa ser resgatada em todas as relações. O amor fraterno ou o romântico se constrói com isso e somente após as projeções serem retiradas. Mas é necessária paciência nesse processo. Não sabemos amar, pensamos que amamos, só saberemos quando aprendermos a construir isso na amorosidade.

REFERÊNCIAS:

EDINGER, E. F. A Criação da Consciência. O mito de Jung para o homem moderno. São Paulo: Cultrix, 1993.

HARDING, E. M. Os Mistérios da Mulher. 4 ed. São Paulo: Paulus, 2007.

NEUMANN, E.História da Origem da Consciência. 10 ed. Cultrix. São Paulo: 1995.

VON FRANZ, M. L. O feminino nos contos de fada. Vozes. São Paulo: 2010.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

cartaz

MOANA

Diretor: Ron Clements e John Musker
Elenco (vozes): 
Auli’i Cravalho, Dwayne Johnson, Rachel House, Temuera Morrison
País: EUA
Ano: 2016
Classificação: Livre

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Iemanjá: rainha das águas

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Iemanjá é um Orixá muito querido e venerado no Brasil Iemanjá. Seu nome deriva de Yèyé omo ejá, que significa “Mãe cujos filhos são peixe”.

Ela é o orixá dos Egbá, uma nação iorubá estabelecida outrora na região entre Ifé e Ibadan, onde existe ainda o rio Yemojá.

É considerada a mãe de quase todos os Orixás Iorubanos, enquanto a maternidade dos Orixás Daomeanos é atribuída a Nanã. Iemanjá seria a filha de Olokun, deus (em Benim) ou deusa (em Ifé) do mar. No Brasil ela é considerada a rainha do mar, mas, entre os iorubas ela seria a princesa.

Ela costuma ser representada com o aspecto de uma matrona, com seios volumosos, sendo símbolo de maternidade fecunda e nutritiva. Também costuma ser representada sob a forma latinizada de uma sereia, com longos cabelos soltos ao vento.

O sábado é o dia da semana que lhe é consagrado, juntamente com outras divindades femininas, e costuma ser saudada com gritos de “Odò Ìyá!!!” (“Mãe do rio”).

Iemanjá costuma ser sincretizada com Nossa Senhora da Imaculada Conceição, festejada no dia 08 de dezembro, e também com a Nossa Senhora das Candeias, festejada no dia 02 de fevereiro, dia em que é realizada uma festa das mais populares do ano, atraindo à praia do Rio Vermelho uma multidão imensa de fiéis e de admiradores de Mãe das Águas, que costumam entregar as suas oferendas á grande mãe das águas.

Mas o culto de Iemanjá é mais intenso durante a última noite do ano, quando centenas de milhares de adeptos vão, cerca de meia-noite, acender velas ao longo das praias e jogar flores e presentes no mar. São seguidores não apenas do candomblé, mas da umbanda e de outras denominações espiritualistas.

Algo interessante, apontada por Verger, em Orixás, é que nessas festas Iemanjá é representada como uma espécie de fada, com a pele cor de alabastro, vestida numa longa túnica, bem ampla, de musselina branca com uma longa cauda enfeitada de estrelas douradas; surgindo das águas, com seus longos cabelos pretos esvoaçando ao vento, coroada com um diadema feito de pérola, tendo no alto uma estrela-do-mar. Rosas brancas e estrelas douradas, desprendidas de sua cauda, flutuam suavemente no marulho das ondas. Ela aparece magra e esbelta, com pequenos seios e o corpo imponentemente encurvado. Uma imagem bem distante da Iemanjá “matrona de seios volumosos”.

Pois Iemanjá foi relacionada a Nossa Senhora, se tornando, então, artificialmente mais importante que as outras divindades femininas, e artificialmente se tornou uma figura unilateral. Mas sobre isso falarei com mais detalhes posteriormente.

Sua popularidade, principalmente entre os brasileiros, povo carente e explorado, se deve ao seu caráter de tolerância e aceitação. As lágrimas são salgadas assim como as águas do mar. E Iemanjá em várias lendas chorou por seus filhos, transformando suas lágrimas em mar.

Iemanjá está associada à maternidade, mas não da mesma forma que Oxum, outra Iabá da maternidade.

Oxum preside a gestação, é a senhora do útero, ovários e liquido amniótico. Iemanjá é personificação da maternidade austera, mas protetora. Ela é a mãe que educa nos lembrando o papel que cada um exerce dentro do núcleo familiar.

Ela é o sentimento de amor entre os entes familiares, ela dá o sentido às uniões por laços consanguíneos. Iemanjá é mais uma face da manifestação do arquétipo da Grande Mãe.

Como símbolo da maternidade e dona das riquezas do mar, ela alimenta seus filhos, com peixes. Em sua face benéfica representa o arquétipo da doadora da vida aquática, detendo toda vida primordial. Em seu aspecto sombrio é aquela que recolhe seus filhos de volta aos seus braços com a morte, embalando-os em suas ondas. Lembrando que o mar além fonte de vida e riqueza, também é um grande cemitério.

O mar, fonte de vida biológica, simboliza o inconsciente, a fonte de vida psíquica. E Iemanjá e as ondas do mar representam os movimentos de progressão e regressão da psique.

O movimento de progressão da libido resulta da necessidade vital de adaptação ao meio. É caracterizado pela extroversão, pelo envolvimento com o objeto e pelo livre fluxo de energia. São as ondas do mar indo em direção a praia e se espalhando na areia.

O movimento de regressão ocorre quando as possibilidades de que dispõe o indivíduo (dentro de suas peculiaridades, dentro de seu tipo psicológico) não são capazes de corresponder a essas exigências ou os obstáculos que se levantam no seu caminho são demasiado fortes, a energia se detém. Acumula-se, fica estagnada e acaba recuando. A marcha retrograda da libido terá por efeito a reativação de conteúdos do mundo interior. Serão reanimados materiais excluídos do consciente, inibidos no inconsciente, por serem perturbadores dos esforços de adaptação ao mundo exterior (Silveira, 1992). São as ondas em seu movimento de volta ao mar.

A regressão é comumente representada em mitos onde o herói é engolido por uma baleia, ou outro animal marinho e fica vagando durante um bom tempo para depois realizar seus feitos. Na regressão o ego retorna a mãe, em um incesto simbólico, de cunho não erótico. Ele é derivado da saudade do acalento do ventre materno, daquele paraíso urobórico.

Esses movimentos são incessantes em nossa vida, e extremamente necessários. O mundo externo, com suas demandas, pode ser muito cruel, por essa razão buscamos constantemente uma pausa, um descanso no oásis proporcionado pelos braços da Grande Mãe. Assim podemos recarregar nossas baterias.

O grande perigo disso reside em querermos ficar eternamente em seus braços e não conseguirmos realizar nosso potencial de individualidade no mundo, nos tornando eternamente dependentes e infantis.

 

Iemanjá, então, representa os poderes do inconsciente, extremamente sedutor e perigoso. Lembrando que as sereias estão ligadas a Iemanjá e representam um arquétipo extremamente perigoso, onde vários heróis sucumbiram aos seus encantos e ficaram presos na indiferenciação.

O ego deve lutar para não se perder nesse paraíso urobórico e compreender que a regressão e progressão da libido é uma dinâmica constante. A estagnação leva a indiferenciação. Retornar ao inconsciente de tempos em tempos pode ser perigoso, mas se o ego aprende quando é hora de voltar a se espalhar pelo mundo, pode adquirir as riquezas do inconsciente e do mundo mágico de Iemanjá.

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Hécate – a deusa ctônica

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O nome Hécate em grego significa aquela que “fere à vontade”, que “age como lhe apraz”. Hécate não possui um mito próprio, ela é mais conhecida por seus atributos. Sendo uma deusa descendente dos titãs é independente do Olimpo.

Ela é uma deusa misteriosa, que na época pré-olimpica possuía atributos benéficos como dispensadora de bens e favores, concessora de prosperidade material, dispensadora do dom da eloquência em assembleias, da vitória nas batalhas e nos jogos e da abundância de peixes aos pescadores. Faz prosperar o rebanho ou o aniquila, a seu bel-prazer (Brandão, 1986).

 

Entretanto com o advento do patriarcado houve uma modificação em suas características que passaram a ser vistas de forma negativa. Hécate passou a presidir a magia e os encantamentos, a bruxaria, o conhecimento de ervas e plantas venenosas, a necromancia e a feitiçaria. Passou a presidir as encruzilhadas, local consagrado a feitiçaria.

 

Ilustração: Hekate – Maximilian Pirner, 1901.

 

Costuma ser representada segurando duas tochas, ou uma chave. Não raro suas estátuas representam-na sob a forma de mulher com três corpos e três cabeças. Aparece sempre seguida de éguas, lobas e cadelas.

Dessa forma Hécate foi associada a figuras mitológicas da bruxaria por excelência: Eetes, Circe e Medéia. Sendo tardiamente colocada como mãe de Circe e tia de Medéia. Hécate, assim como Perséfone, é uma deusa dos mortos. Mas enquanto Perséfone preside o encaminhamento das almas ao Hades, Hécate preside a aparição dos fantasmas dos mortos e sua comunicação.

Deusa ctônica (ligada ao mundo subterrâneo) e lunar preside a germinação e o parto, protege a navegação e também concede a eloquência e a vitória. Já seu lado sombrio é infernal, presidindo os horrores noturnos, os fantasmas, os espectros e monstros apavorantes.

 

 

Como deusa das encruzilhadas, Hécate simboliza as escolhas de caminhos que por vezes devemos tomar em nossas vidas. E essa decisão pode ser infernal e trazer fantasmas e espectros de nosso inconsciente à tona.

Apesar de posteriormente Artemis assumir a fase de lua crescente, a aparência tríplice de Hécate mostra que ela representa as três fases da lua: crescente, minguante e nova. A fase cheia é representada por Selene.

A lua mostra os domínios do nosso inconsciente, aquilo que não conseguimos enxergar, ou que vemos de forma deturpada. Sua luz difusa não nos deixa enxergar com clareza, mostrando apenas sombras. Por essa razão é que em nosso inconsciente se agitam monstros, espectros e fantasmas, simplesmente porque nos são desconhecidos e nos trazem uma sensação de incerteza.

 

 

De um lado, então ela simboliza o inferno vivo do psiquismo, mas de outro uma imensa reserva de energias que se devem ordenar por meio da objetividade e da paciência.

Ela é o feminino primordial, o caos e as potencialidades todas misturadas, por essa razão sua forma tríplice também representa os três níveis simbolizados pelo céu, terra e mundo subterrâneo. Dependendo de nossa escolha diante de uma encruzilhada, não tomamos apenas um caminho horizontal, mas também um caminho vertical rumo a um desses níveis.

 

Na busca de nossa própria identidade é necessário antes passar pelo caos, pela noite escura da alma, pois nesse estado o ego aprende a esperar para que novas potencialidades se manifestem. É um momento cheio de conflitos, de ansiedades e de confusões. Mas que precede um novo nascimento e que nos mostra que nossa vida permanece eternamente fértil e eternamente incompleta.

 

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Zeus – O Senhor do Olimpo

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Zeus é a divindade suprema dos gregos. Seu nome significa: “o deus luminoso do céu”. Pai da maioria dos deuses, era o grande regente do Olimpo a quem todos os deuses respeitavam. Senhor dos raios e de tudo que se refere à atmosfera. Seu representante romano é Júpiter e eu representante africano é Xangô.

A estátua de Zeus em Olímpia foi construída no século V a.C. por Fídias, em homenagem ao rei dos deuses gregos — Zeus.

Zeus é filho de Cronos e Réia, sendo o filho mais novo de seus irmãos. É comumente retratado como marido da deusa Hera, tendo como ela incontáveis desavenças devido as suas traições.

Jupiter and Juno – Frans Christoph, data desconhecida.

Devido as suas inúmeras aventuras eróticas foi pai de vários deuses como: Ares, Hermes, Dioniso, Apolo, Artemis, Atena e Perséfone. Foi também pai de vários heróis e semideuses como: Heracles, Perseu, Helena, Minos e também das Musas.

Para compreendermos o mito e o arquétipo de Zeus é importante compreendermos seu pai Cronos.

Cronos teve seis filhos com Reia: Héstia, Demeter, Hera, Hades, Posseidon e Zeus, mas temendo ser destronado por um de seus filhos, assim como seu pai Urano foi, passou a engoli-los. E infelizmente se converte em tirano ainda pior que seu pai.

Quando Zeus estava prestes a nascer, sua mãe Reia procurou Gaia e concebeu um plano para salvá-lo, para que Cronos fosse punido por suas ações contra Urano e seus próprios filhos. Reia deu à luz a Zeus na ilha de Creta, e entregou a Cronos uma pedra enrolada em roupas de bebê, que ele prontamente engoliu.

Zeus foi escondido por Gaia nas profundezas de um antro inacessível, nos flancos do monte Egéon. Lá ele foi amamentado pela cabra Amaltéia, que ao morrer foi transformada em uma constelação por Zeus.

Atingida a idade adulta, Zeus tendo-se aconselhado com Métis, a Prudência, que lhe deu uma droga à qual levou Cronos a vomitar os filhos que havia engolido. Apoiando-se nos irmãos e irmãs, devolvidos à luz, Zeus, para se apossar do governo do mundo, iniciou um duro combate contra o pai e seus tios, os Titãs.

De acordo com esse mito vemos que o deus dos raios e dos trovões se preparou desde a infância para assumir o governo do mundo. Pois conforme Brandão (1986):

“Zeus veio ao mundo na matriarcal ilha de Creta e, de imediato, foi levado por Géia para um antro profundo e inacessível. Trata-se, claro está, em primeiro lugar, de uma encenação mítico-ritual cretense, centrada no Menino divino, que se torna filho e amante de uma Grande Deusa. Depois, seu esconderijo temporário numa gruta e o culto minóico de Zeus Idaîos, celebrado numa caverna do monte Ida, têm características muito nítidas de uma iniciação nos Mistérios.”

Sabemos pelos mitos e contos de fadas que o rei é um representante direto do Self, um princípio divino na consciência coletiva e que deve ser renovado constantemente. Isso ocorre quando as qualidades positivas da consciência, como a continuidade, perdem o contato com a corrente irracional da vida e tendem a tornar-se mecânicas. Por essa razão pode-se dizer que esse símbolo tem necessidade de renovação constante, de compreensão e contato, pois, de outro modo, corre o perigo de se tornar uma fórmula morta — um sistema e uma doutrina esvaziados de seu significado e tornar-se uma fórmula puramente exterior (Von Franz, 2005).

Cronos e Urano eram pais devoradores e castradores. Tudo o que simbolizava nova vida era por eles removido. Cronos como filho não conseguiu se livrar dessa maldição familiar e perpetuou-a em sua atitude.

Zeus então representa uma renovação na ideia e concepção da paternidade. Ele quebra uma maldição e acaba sendo o representante de ideais espirituais mais elevados.

Após a batalha contra os Titãs, Zeus dividiu o mundo com seus irmãos mais velhos: Zeus ficou com o céu e o ar, Posseidon com as águas e Hades com o mundo dos mortos (o mundo inferior). A antiga Terra, Gaia, não podia ser dividida, e, portanto ficou para os três, de acordo com suas habilidades – o que explica porque Posseidon era o “sacudidor da terra” (o deus dos terremotos), e Hades ficava com os humanos que morreram.

É digno de nota que Zeus não dividiu nada com suas irmãs mulheres e ainda se apossa da Terra, Gaia, simbolizando o início do patriarcado com suas leis, normas e princípios espirituais. Tanto que Hera sua esposa, que antes era uma Grande Mãe não possuía o mesmo poder que o marido, sendo renegada a função de esposa.

Suas inúmeras conquistas amorosas mostram que Zeus era um deus da fertilidade, fruto de sua iniciação dentro do interior da Terra.

Além disso, ele é o deus dos fenômenos atmosféricos, o qual é responsável por derramar as chuvas, por isso que dele depende a fecundidade da terra. Essas uniões de Zeus refletem claramente a união de um deus dos fenômenos celestes, com divindades telúricas, da Terra. Simbolizando a união do racional com o irracional, caos e ordem, consciente e inconsciente.

Podemos afirmar então que Zeus é o arquétipo do chefe de família patriarcal. Representando a luz da consciência, enquanto deus do relâmpago, e do espírito e da inteligência racional. Ele simboliza a cólera celeste, a punição, o castigo caso a autoridade seja ultrajada. É a fonte de justiça, da lei e das normas.

Mas como todo arquétipo, esse também possui seu lado sombrio. O temor de que sua autocracia, sua dignidade e seus direitos não fossem devidamente acatados e respeitados tornaram Zeus extremamente sensível e sujeito a explosões coléricas, não raro calculadas (Brandão, 1986).

Portanto esse arquétipo simboliza também o sentimento de inferioridade intelectual e moral que pode transforma o individuo em um ser autoritário e hipócrita. Mas também simboliza nossas aspirações mais elevadas, nosso código de ética interno, nossa autoridade interna e nossa capacidade de criação de nova vida.

Referências:

BRANDÃO, J. S. – Mitologia Grega – vol I. Petrópolis: Vozes 1986.

SHAMAN-BURKE, J. & GREENE, L. – O Tarô Mitológico. 27 edição. São Paulo: Arx. 2003.

VON FRANZ, M. L. A interpretação dos contos de fada. 5 ed. Paulus. São Paulo: 2005.

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Apolo e a sombra da distância emocional

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Apolo nasceu em um dia sete. Sete é, pois, o número de Apolo. Filho de Leto e Zeus e irmão gêmeo de Artemis. Ao nascer ganhou de seu pai Zeus um arco e flecha de ouro e uma lira.

Conhecido pelos romanos também como Apolo ou Febo (brilhante, reluzente).

Apolo de Belvedere, autor desconhecido, com restaurações de Giovanni Montorsoli. Vaticano.

Apolo é um deus solar, mas Em suas origens, estava indubitavelmente ligado à simbologia lunar. Brandão (1986) cita que no primeiro canto da Ilíada Apolo era um deus vingativo:

“O Senhor Arqueiro, o toxóforo; o que porta um arco de prata, o argirótoxo. Violento e vingativo, o Apolo pós-homérico vai progressivamente reunindo elementos diversos, de origem nórdica, asiática, egéia e sobretudo helênica e, sob este último aspecto, conseguiu suplantar por completo a Hélio, o “Sol” propriamente dito.”

Pelo fato de possuir muitas influências se tornou um deus complexo, possuindo inúmeras funções. Apolo possui na Mitologia mais de duzentos atributos.

É um deus agrário protetor dos campos com seus rebanhos e pastores. Ele também é o deus da cura, sendo um médico infalível. Representa as expiações relativas aos homicídios, mostrando ser também é um purificador da alma. Incentivava e defendia pessoalmente aqueles cujos atos violentos estivessem de acordo com suas normas, como foi o caso de Orestes, que assassinou a própria mãe Clitemnestra.

Deus do oráculo de Delfos era um fiel interprete da vontade de Zeus. Senhor da poesia, da música e do canto, era o senhor das Musas.

Apolo e as Ninfas, de François Girardon (1666-73 a.C.).

Mas além de tudo era um deus da luz, vencedor das forças ctônicas (foi ele quem matou a serpente Piton e assumiu o oráculo de Delfos).

Apolo era belo e teve inúmeros amores, mas o Deus da beleza masculina costuma ser um fracasso nessa área. Seus amores geralmente terminam de trágica.

Isso porque Apolo em uma de suas lendas costumava zombar de Eros, pois julgava que o arco e a flecha eram atributos seus, e que certamente considerava que as flechas do filho de Afrodite não passavam de brincadeira. Acontece que Eros possuía na aljava a flecha que inspira amor e a que provoca aversão. Para se vingar do filho de Zeus, feriu-lhe o coração com a flecha do amor e a ninfa Dafne com a da repulsa e indiferença. Foi assim que, apesar da beleza de Apolo, a ninfa não lhe correspondeu aos desejos, mas, ao revés, fugiu para as montanhas. O deus a perseguiu e, quando viu que ia ser alcançada por ele, pediu a seu pai Peneu que a metamorfoseasse e ela se transformou em loureiro, a árvore predileta de Apolo.

Apolo y Dafne, de Bernini. (1622-1625).

Em seu templo em Delfos há inscritos seus dois mais famosos preceitos: “Conhece-te a ti mesmo” e “Nada em excesso”. A planta sagrada e os cisnes são a ele consagrados, como também o corvo, o urubu, a serpente e o lobo.

Apolo, juntamente com Hermes, são os filhos preferidos de Zeus, isso significa que os dois deuses se sentem a vontade nos domínios do pai, ou seja, Apolo é um Deus do patriarcado.

Como Deus do patriarcado ele favorece o logos, o pensar antes de sentir e reagir, a objetividade e a racionalidade. Ele é aquele que busca o equilibro entre os desejos no sentido de uma espiritualização deles em prol do desenvolvimento da consciência.

Como arqueiro, Apolo representa aquele que busca atingir um alvo, um centro interior. Como foi dito em Artemis acertar um alvo, ou atingir uma meta requer uma intuição e inteligência instintiva, que não vem da mente racional.

E é justamente por isso que Apolo necessita de Artemis uma deusa matriarcal. Os irmãos mostram que para se atingir um alvo e para iniciar o processo de individuação é necessário que feminino e masculino ajam juntos e que se busque esse equilíbrio entre as duas forças. Ela é a intuição lunar e ele a luz da consciência.

O tema do casal de irmãos é muito comum em mitos e em contos. Temos por exemplo o conto de fadas João e Maria onde os irmãos devem se unir para enfrentar um perigo e resolver uma situação difícil e nebulosa.

O casal de gêmeos geralmente configuram uma contradição não resolvida, um conflito entre os opostos feminino e masculino, mas dessa tensão é que surge a força criadora que soluciona o problema e traz a consciência.

Apolo é um defensor da lei e da ordem, mesmo na música vemos que ele busca o equilíbrio e que as emoções devem ser moderadas. Ele se opõe ao caos do matriarcado. De certa forma a lei e a ordem são importantes para que possamos colocar em ordem nossas emoções caóticas e vermos a situação com mais distancia e esse é o lado positivo desse arquétipo.

O lado sombrio disso se encontra nas características escuras do deus. Apesar de ser um deus puro, higienizador e defensor da moderação, ele apresenta rompantes de vingança que beiram a crueldade.

A sombra desse arquétipo se encontra na distância emocional, devido a falta Eros, de quem Apolo tanto zombou. E isso causa uma incapacidade de intimidade e arrogância em suas capacidades intelectuais. Apolo gera uma inflação no ego devido a sua ilusória perfeição, o que conseqüentemente leva a rejeição no campo do amor.

Apolo e Hércules disputando a trípode, pintura em vaso do Pintor de Taleides, c. 520 a.C.

Uma forma de amenizar isso se encontra em seu irmão sombrio Dioniso.

Dioniso representa o caos, o desmembramento e os instintos. É um deus com essência feminina, pois foi criado entre as mulheres. Dioniso é um deus da musica também, mas esse faz amor com a música enquanto Apolo busca a técnica e a perfeição.

Apolo deu espaço a Dioniso em Delfos, onde revezava com ele metade do ano. Isso mostra que esse arquétipo pode gerar um aumento de consciência devido a sua capacidade solar, mas deve sempre ser equilibrado pela luz da lua representado por Artemis ou pelos instintos, intensidade emocional e prazer simbolizados por Dioniso.

 

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Hera – A grande mãe

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Hera é a grande deusa da Mitologia Grega. A rainha dos deuses é irmã e esposa de Zeus. Em Roma é conhecida como Juno. Preside o casamento e a fidelidade conjugal.

O nome Hera significaria a Protetora, a Guardiã. É uma deusa solene, e comumente retratada com o pólos (uma coroa usada por várias deusas).

Sua ave favorita é o pavão por possuir muitos olhos como os quais podem vigiar o esposo. O lírio, símbolo da pureza e a romã, símbolo da fecundidade também lhe eram consagrados. A vaca também lhe está associada, sendo um símbolo da Grande Mãe, mas no caso de Hera, daquela que derrama o leite dos céus, da via-láctea.

Junto com Zeus, ela exerce uma ação poderosa sobre os fenômenos celestes. Hera pode desencadear tempestades e comandar os astros que adornam a abóbada celeste. O casal celeste controla o sol e a chuva que promovem a fecundação da terra.

Hera é uma deusa cretense, sendo uma transposição da grande Mãe. Como grande Mãe teve um culto especial na Lacônia, Arcádia e Beócia em seu aspecto de fecundidade. Mas posteriormente ela foi convertida em deusa do casamento.

Geralmente retratada como ciumenta, agressiva e vingativa. Vive se vingando das traições do marido, perseguindo as amantes e os filhos do adultério. Uma de suas vítimas foi Heracles (Hércules) a qual impôs os célebres 12 trabalhos.

Conforme Brandão (1986), Hera é a esposa rabugenta de Zeus. A deusa que nunca sorriu! Penetrando nos desígnios do marido, vive a fazer-lhe exigências e irrita-se profundamente quando não atendida com presteza. Para ela os fins sempre justificam os meios. Para atingi-los usa de todos os estratagemas a seu alcance: alia-se a outros deuses, bajula, ameaça, mente.

Mas apesar da mitologia grega enfatizar a humilhação e a índole vingativa de Hera, ela era por contraste grandemente honrada e venerada. A despeito da infidelidade de Zeus, a relação dos dois nunca foi muito normal. A raiva e a vingança pontuam sua relação em outros aspectos, mostrando que elas se originam de outro motivo.

Certa vez, como narra o mito de Narciso, Hera discutia com o marido para saber quem conseguia usufruir de maior prazer no amor, se o homem ou a mulher. Como não conseguissem chegar a uma conclusão, porque Zeus dizia ser a mulher a favorecida, enquanto Hera achava que era o homem, resolveram consultar Tirésias, que tivera sucessivamente a experiência dos dois sexos. Este respondeu que o prazer da mulher estava na proporção de dez para um relativamente ao do homem. Furiosa com a verdade, Hera prontamente o cegou (Brandão, 1986).

Dificilmente podemos citar uma história mítica onde Hera não tenha uma participação mais ou menos importante.

Podemos citar como seus principais mitos (Wikipédia, 2014):

  • Seu casamento com Zeus: e a sedução feita pelo deus sob a forma de um pássaro cuco;
  • O nascimento de Hefesto: que ela teria gerado sozinha e lançado do céu, porque ele era aleijado;
  • Sua perseguição aos consortes de Zeus: especialmente Leto, Semele e Alkmene;
  • Sua perseguição aos filhos bastardos de Zeus, como Herácles;
  • A punição de Ixion que foi acorrentado a uma roda de fogo por tentar violar a deusa;
  • A assistência aos Argonautas em sua busca pelo velo de ouro, sendo o líder Jasão um de seus heróis favoritos;
  • O julgamento de Paris, no qual ela concorreu com Afrodite e Atena, para o prêmio da maçã de ouro;
  • A Guerra de Tróia, em que ela favoreceu os gregos;

Hera é uma deusa obstinada e com uma disposição a brigas, que às vezes fazia seu próprio marido tremer. Tanto que um dos poucos filhos que ambos tiveram foi Ares, o deus da guerra. Simbolizando os conflitos conjugais do casal, mas também a discórdia e a rixa entre o patriarcado e o matriarcado que havia perdido a sua força.

Essa disposição para a briga já fez com que Zeus batesse várias vezes nela. Hera geralmente cede diante da raiva do marido, mas recorre à astúcia e intrigas para atingir seus objetivos. Hera é a deusa que apresenta qualidades e defeitos de forma mais marcante em todo panteão grego.

Ela se consolidou como deusa do casamento na época em que as regras, normas e leis do patriarcado entravam em vigência e nesse caso eles necessitavam de um representante da monogamia. O que é muito estranho para uma deusa representante da Grande Mãe ser eleita de forma a simbolizar uma lei, já que o matriarcado é justamente pontuado pela falta de regras e pela sensualidade e fecundidade.

Hera pode ser considerada uma deusa ferida, em sua feminilidade. Pois como uma poderosa deusa da fecundidade e que precedeu Zeus em veneração, ela assume um papel secundário que lhe foi dado a lado do marido com o advento do patriarcado. Zeus é o macho fecundador e ela apenas a sua consorte. Seus aspectos de fecundidade foram relegados suprimidos.

Como vimos na discussão da sexualidade masculina e feminina entre o casal celeste, Hera passou assumir um requisito patriarcal para organização da instituição familiar, a fidelidade. Enquanto que Zeus, inquestionavelmente pai e soberano dos deuses é uma expressão exuberante do fertilizador, que é a característica essencial da sensualidade matriarcal (Byington, xx).

Entretanto ela ainda carrega consigo traços matriarcais, como o famoso “olho por olho, dente por dente”. E enquanto feminino desprezado e humilhado ela então passa a perseguir e se vingar justamente das mulheres isentado seu esposo do adultério. É como se ela quisesse dizer: “Já que sou humilhada você também será!”. No plano pessoal vemos Hera em muitas mulheres que em nome da instituição do casamento suporta agressões e infidelidade. Anulando seus desejos em prol da imagem de esposa perfeita.

O arquétipo de Hera proporciona capacidade de estabelecer elo, de ser leal e fiel, de suportar e passar pelas dificuldades com companheiro (Bolen, xx). Em termos psicológicos ela simboliza um amadurecimento da psique onde homens e mulheres assumem um compromisso de lealdade com seus processos psíquicos e suportam as provações em nome de algo maior, que não se sabe explicar nem nomear. Esse compromisso pode ser projetado no outro, entretanto, é um compromisso consigo mesmo.

O casamento é uma forma de se chegar à totalidade e iniciar o processo de individuação e Hera representa a fidelidade ao inconsciente e ao próprio processo de individuação. Seu amor é um amor amadurecido, em oposição ao amor erótico e passional de Afrodite, e por isso Hera tinha nessa deusa sua maior rival.

Ela representa o amor onde a fase da paixão acaba e as projeções começam a serem retiradas e passamos a ver o cônjuge como ele é, sem os idealismos do animus ou da anima. E nesse momento, em que vemos o outro como ele é, podemos nos sentir traídos, pois aquele homem ou mulher com quem nos casamos não é mais o mesmo. Na verdade vemos a pessoa sem as máscaras e nossas ilusões caem trazendo uma carga de sofrimento. Mas é nessa hora que a personalidade pode dar um salto de desenvolvimento com a assimilação das qualidades que projetávamos em outro.

O arquétipo de Hera é poderosíssimo e extremamente realizador. É um símbolo da coniunctio, operação alquímica onde ocorre o casamento sagrado com nossa contraparte interior (animus ou anima). Entretanto é um dos mais destrutivos em seu aspecto negativo. Por essa razão, Hera era adorada e ao mesmo tempo desprezada.

Hera e Zeus formam um par de opostos em nossa psique, nossas necessidades de união e compromisso e nossas necessidades de transgressão as normas e fecundidade que gera um processo criativo. Ficar preso demais as regras e leis pode ser estagnador e nocivo, e ficar preso à pura sensualidade não traz desenvolvimento psíquico, nem amadurecimento. Por isso Hera e Zeus representam duas forças colossais com as quais a humanidade tenta se entender a séculos. E a busca do equilíbrio entre elas é algo que demanda muita energia e trabalho.

Quando o arquétipo de Hera é constelado, sabe-se que há uma busca de comprometimento da psique, uma união sagrada ocorrerá em breve, mas que trará também o estigma da traição e da transgressão que poderá gerar frutos se ambas forem compreendidas e reverenciadas.

 

 

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Ares e o arquétipo da força física

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Ares na mitologia grega era o deus da guerra, da ação imediata e da força física masculina. Único filho de Zeus e Hera foi rejeitado pelo pai, uma vez que este não se agradava dos modos agressivos do filho.

É um deus impulsivo, belicoso e extremamente emocional. Em Roma era chamado de Marte, sendo além de Deus da guerra, da agricultura. Todavia, como os romanos eram um povo belicoso, o deus Marte era tido em alta conta, enquanto que os gregos não o respeitavam nem o honravam (com exceção de Esparta).

Atena, sua irmã, também era uma deusa da guerra, entretanto, Atena era de guerra estratégica, enquanto Ares tende mais a violência da guerra, à força bruta e à sede de sangue.

Uma curiosidade em seu mito é que Hera, sua mãe escolheu Príapo para ser tutor de Ares. Príapo treinou o Deus para ser primeiro um perfeito dançarino para depois treiná-lo para ser guerreiro (Bolen, 2005).

Ares teve muitos filhos e consorte, mas seu caso mais conhecido foi com Afrodite. Com ela teve um caso extraconjugal (Afrodite era casada com Hefesto).

Impressionada pelo vigor do jovem guerreiro, Afrodite se entrega aos encantos de Ares. Hefesto, com a ajuda de Hélios (o deus Sol), descobriu o adultério e planejou sua vingança. Em segredo forjou uma rede muito fina, quase invisível, porém muito forte que não podia ser destruída, e pendurou-a sobre o leito.

Quando Ares e Afrodite adormeceram, Hefesto soltou a rede sobre ambos e chamou todos os deuses para testemunhar o adultério.

Os dois tiveram como filhos Deimos (pânico) e Phobos (medo). Tempos depois tiveram uma filha Harmonia (que foi posteriormente mulher de Cadmo, rei de Tebas) estabelecendo uma ligação equilibrada entre o amor e a paixão violenta.

Ares também participou da guerra de Tróia, estando ao lado dos troianos assim como Afrodite,Artemis e Apolo.

A imagem arquetípica de Ares corresponde à força física, representando os instintos guiados pela vontade que não medem consequências. Corresponde também àcompetição e às reações intensas e apaixonadas (lembrando que ele foi amante da deusa do amor).

Ele está presente todas as vezes que reagimos emocionalmente de forma brutal e intensa. Ele é emoção a flor da pele. Por várias vezes defendeu seus filhos e filhas e os vingou. Sendo, portanto, o arquétipo daquele que entra em uma luta pelos que lhe são caros.

Símbolo da raiva, da ira, da indignação, mas também da coragem para a luta necessária e para a sobrevivência. Ares simboliza o contato com os sentimentos fortes e com o corpo (vide que ele era um dançarino também), coisas rejeitadas pela razão vigente no patriarcado.

Por isso Zeus, símbolo máximo do patriarcado o desprezava. Para os gregos o pensamento e a racionalidade eram de suma importância e reações emocionais não eram vistas com bons olhos. Ainda hoje um homem que dança é visto de forma pejorativa, mas o interessante é que Ares contradiz essa imagem, pois se trata do Deus mais viril do Olimpo.

Mas as forças instintivas, que fazem com que corpo e emoção ajam juntos não devem ser desprezadas. Ares é o nosso lado espontâneo que gosta de se expressar de forma física.

A dança pode ser uma forma de lidar com essa força interior que age dentro de nós. Basta lembra que nas antigas culturas tribais os guerreiros dançavam antes de entrarem na luta. A dança então pode ser considerada uma forma sublimada da guerra.

Entretanto, como aponta Bolen (2005), o arquétipo de deus grego sedento por sangue evoluiu para o arquétipo de Marte romano. Nessa transição ele se tornou o protetor e defensor da comunidade. Se tornando aquele que luta pela segurança e pelos direitos dos outros. Ou seja, um grande líder.

 

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Poseidon – o arquétipo incoercível das fortes emoções

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Na mitologia grega, Posídon também conhecido como Possêidon, assumiu o estatuto de deus supremo do mar, assim como Netunoromano.

Possivelmente tem origem etrusca como Nethuns. Também era conhecido como o deus dos terremotos. Os símbolos associados a ele com mais freqüência são o tridente e o golfinho.

A origem de Posídon é cretense, como atesta seu papel no mito do Minotauro. Na civilização minóica era o deus supremo, senhor do raio, atributo de Zeus no panteão grego, daí o acordo da divisão de poderes entre eles, cabendo o mar ao antigo rei dos deuses minóicos.

Um dos filhos de Cronos e Reia, foi regurgitado pelo pai Cronos juntamente com seus irmãos Héstia, Deméter, Hera, Zeus e Hades.

Após Zeus destronar o pai Cronos, houve uma divisão dos reinos entre ele e os irmãos Hades e Posidon. Hades herdou o reino dos mortos, Zeus os céus e Posidon o fundo dos mares. Portanto Posidon tem caráter de rei. Ele reina em seu império líquido, à maneira de um “Zeus marinho”, tendo por cetro e por arma o tridente, que os poetas dizem ser tão terrível quanto o raio.

Tinha como representantes o cavalo e o touro, simbolizando instintos, a sexualidade e a fertilidade, uma vez que todas as investidas sexuais dele geraram filhos. Mas, enquanto os filhos de Zeus eram heróis benfeitores da humanidade, os filhos de Posídon, em sua maioria, eram gigantes terríveis e violentos.

Ele teve vários amores e foi casado com Anfitrite, com quem teve o gigante Tritão, a qual assim como Zeus, a traia constantemente. Entretanto, enquanto Zeus se disfarçava para seduzir suas conquistas, Posidon usava de força e estuprava as deusas e mortais com quem se relacionou.

Posídon representa o arquétipo da vingança e do ressentimento (vide sua perseguição de dez anos contra Odisseu). Ele é implacável quando contrariado, onde ele mostra sua face destrutiva e regressiva.

Deus dos mares, dos navegantes e dos maremotos. Pode ser considerado o representante do inconsciente, vasto, misterioso e imprevisível.

Para compreender melhor o caráter do Deus, basta atentar para o mar, seu símbolo. O mar pode simplesmente de uma hora para outra passar de um momento calmo, de tranqüilidade para um momento turbulento como fortes ondas. Basta observar quando ocorrem Tsunamis, que são ondas gigantes causadas por abalos sísmicos submarinos. Elas são imprevisíveis e ocorrem de uma hora para outra.

Posidon é também o arquétipo das fortes emoções, possuindo a capacidade de penetrar no reino do inconsciente onde se localizam os nossos afetos mais profundos e aterrorizantes.

A lenda do Minotauro ilustra bem isso. Após assumir o trono de Creta, Minos passou a combater seus irmãos pelo direito de governar a ilha. Rogou então a Posidonpedindo que lhe enviasse um touro branco como a neve, como um sinal de aprovação ao seu reinado. Uma vez com o touro, Minos deveria sacrificá-lo em homenagem ao deus, porém decidiu mantê-lo devido a sua imensa beleza. Como forma de punir Minos, a deusa Afrodite fez com que Pasífae, mulher de Minos, se apaixonasse perdidamente pelo touro vindo do mar o Touro Cretense. Pasífae pediu então ao artesão Dédalo que lhe construísse uma vaca de madeira na qual ela pudesse se esconder no interior, de modo à copular com o touro branco. O filho deste cruzamento foi o monstruoso Minotauro.

Parsífae cuidou dele durante sua infância, porém eventualmente ele cresceu e se tornou feroz; sendo fruto de uma união não-natural, entre homem e animal selvagem, ele não tinha qualquer fonte natural de alimento, e precisava devorar homens para sobreviver. Minos, após aconselhar-se com o oráculo em Delfos, pediu a Dédalo que lhe construísse um gigantesco labirinto para abrigar a criatura, localizado próximo ao palácio do próprio Minos, em Cnossos. O Monitauro foi posteriormente morto pelo herói Teseu.

Mais uma vez aqui vemos o caráter vingativo e rancoroso do Deus. Entretanto, o que chama a atenção é que Possêidonrepresenta, por meio do touro e do Minotauroainstintividade mais crua e mais escondida no ser humano. Aquela que não ousamos nomear, nem falar e que escondemos em nossos labirintos.

No Tarot Mitológico, de Liz Greene e Juliet Shaman-Burke, a lâmina A Torre, é representada pelo labirinto do Minotauro e um Posseidon irado destruindo-a. Sobre ela vale a pena destacar o seguinte comentário.

“A Torre partida pelo deus retrata a destruição de antigos padrões. Ela é a única estrutura construída pelo homem presente nos Arcanos Maiores, e exatamente por isso representa as estruturas tanto internas como externas que construímos para servirem de defesa contra a vida e como esconderijo para os aspectos negativos e menos agradáveis de nossa personalidade.

De um modo geral, a Torre é a imagem das fachadas socialmente aceitáveis que adaptamos para esconder nossa fera interior. Ela é a estrutura dos falsos valores ou daqueles já superados, daquela postura diante da vida que não se origina do ser como um todo, mas que vestimos como a roupa de um determinado personagem de uma peça, apenas para impressionar a platéia. A Torre também representa as estruturas que construímos no mundo externo para completar o nosso eu incompleto.”

Ao longo de nossa vida construímos fachadas socialmente aceitas e acabamos por reprimir nossas emoções mais fortes e instintos animalescos. Mas essas emoções e instintos contidos no inconsciente ganham força e podem explodir e se voltar contra nós.

Quando esse arquétipo é ativado em nossa psique, pode trazer a tona afetos reprimidos inundando a consciência e tomando o ego. As emoções, representadas pelo mar de Posseidon podem ser destrutivas, mas também podem trazer a tona sentimentos profundos reprimidos para que possam ser trabalhados à luz da consciência, expandindo nossa visão sobre nós mesmos e nos tornando mais humildes e humanos.

Portanto no reino de Posidon não há somente ódio e fúria, mas existe também, assim como o fundo dos oceanos, uma beleza insondável e uma riqueza desconhecida.

Os símbolos a eles associados: o Tridente, o Cavalo e o Touro mostram sua sexualidade desenfreada e também sua fertilidade. O Tridente é um símbolo fálico triplo que conforme Bolen (xxx) indicava a sua função como par da deusa tripla.

Portanto, Posidon precisa fecundar. Ainda segundo Bolen (xxx), Posidon é o marido da terra, sendo a umidade propicia à vida, necessária para que a terra seja fértil.

Mas também se pode observar em Posidon um caráter regressivo ainda preso a mãe. Falta-lhe a objetividade masculina, presentes em outros deuses como Zeus, Hermes e Apolo, para lhe trazer o equilíbrio.

Essa sexualidade indiscriminada é mais comum em homens, mas encontramos algumas mulheres sem nenhum controle de seus apetites. E enquanto a sexualidade está indiscriminada a nova vida gerada se apresentará de forma monstruosa.

Um dos caminhos para a discriminação desse aspecto sexual e fecundador de Posidon está no mito de Medusa. Posidon estuprou Medusa, no santuário de Atena. Esta puniu a jovem transformando-a em uma Gorgona, cujo olhar petrificava quem ousasse encará-la. Medusa viveu em uma caverna até ser decapitada por Perseu. Após sua morte, dela saiu o cavalo alado Pegasus.

O mito mostra que a libido indiscriminada pode se transformar. O Pégasus é diferente do cavalo comum, ele é símbolo da inteligência, espiritualidade e capacidade criativa. Além disso, Medusa era uma mortal que foi fecundada por Posidon e dele herdou suas características vingativas e rancorosas.

Portanto, nossos aspectos monstruosos como a vingança, o rancor, o ódioe as emoções descontroladas que por vezes irrompem do inconsciente mais profundo, devem morrer. E devem morrer pelas mãos da lógica e da objetividade, representadas pela espada de Perseu. Não de forma a reprimi-las, mas de forma a passar por um sacrifício. O sacrifício de nossos aspectos infantis e regressivos, aquele nosso lado que não aceita ser contrariado. Somente assim o instinto de Posidon, pode se colocar a serviço da inteligência e da criatividade mais elevada.

 

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