A intertextualidade e o Dialogismo nas canções de Caetano Veloso

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À referência implícita ou explícita de um texto a outros textos, dá-se o nome de intertextualidade (KOCH, 2008). Um texto é a voz que dialoga com outros textos, mas também funciona como eco das vozes de seu tempo, da história de um grupo social, de seus valores, suas crenças, preconceitos, medos e esperanças e isso não poderia ser mais claro do que nas canções de Caetano Veloso. Segundo suas próprias palavras: “As minhas letras são todas autobiográficas. Até as que não são, são” (VELOSO, 2003, p. 09).

As relações transtextuais evidenciam que o texto literário não se esgota em si mesmo: plurariza seu espaço nos paratextos; multiplica-se em interfaces; projeta-se em outros textos; perpetua-se na crítica; estabelece tipologias; repete-se em alusões, plágios, paródias, paráfrases e citações.

A intertextualidade, confirmada na literatura pelos temas retomados, eternizando e dando novas feições aos mitos e às emoções humanas, comprova que os textos se completam e se inter-relacionam.

Pode-se dizer que a intertextualidade ocorre na mídia com muita frequência e entre textos de diferentes signos linguísticos, textos verbais e não-verbais.

Nas canções afastadas de sua melodia, as palavras ganham em materialidade e se mostram das mais diversas maneiras: versos econômicos aparecem ao lado de longas estruturas narrativas, construções experimentais convivem com formas tradicionais, simplicidade extrema  mistura-se à sofisticação formal.

É indiscutível que o leitor deve ter um conhecimento de mundo (memória discursiva) amplo ao ler as canções de Caetano. Se isso não for possível, deve haver interesse em ampliar seus conhecimentos pesquisando, quando ocorrerem dúvidas sobre o sentido de frases dentro do contexto das canções, para que sua interpretação seja satisfatória.

Quando falamos em intertextualidade, devemos pensar também em dialogismo que é o que constrói o texto “vivo”. É a relação que existe entre os falantes envolvidos no discurso das canções. Um texto só existe, se for contado ou lido por alguém, e esse alguém tem o poder de transformar o texto em outro texto, isto é, o texto com interferência de conhecimentos prévios de receptor já não é mais o texto original, pois foi “povoado” pelo conhecimento de mundo desse receptor.

Observe os trechos da canção de Caetano Veloso “José” do disco homônimo de 1987, pela gravadora Polygram, a intertextualidade explícita é feita com o texto bíblico “José, vendido pelos irmãos” (Gn 37, 2 – 36), há também uma intertextualidade implícita com o poema de Carlos Drummond de Andrade “José” do livro “Sentimento do mundo” (1940), cujo interlocutor passa por uma agonia semelhante à de seus homônimos da Bíblia e de Caetano.

Veja:

“Estou no fundo do poço
Meu grito
Lixa o céu seco
O tempo espicha mais ouço
O eco”

Nos versos anteriores, o compositor utiliza a primeira pessoa do singular através dos verbos “Estou/ Meu/ ouço”,em seguida os versos são dirigidos ao seu interlocutor, então aparece o dialogismo:

“Qual será o Egito que responde
E se esconde no futuro?”

Outro fato que evidencia a intertextualidade com o texto bíblico é a citação de um sinal dizendo que terá muita tristeza no Egito.

“E o sinal que vejo é esse
De um fado certo
Enquanto espero
Só comigo e mal comigo
No umbigo do deserto”

O “fado certo” refere-se à sua prisão (destino) na narrativa bíblica, por não querer deitar-se com a mulher do Faraó que, ao ser rejeitada,  cria uma mentira, dizendo ao Faraó que José havia tentado violentá-la.

A intertextualidade implícita com o poema “ José” de Drummond é vista justamente na agonia de um José que pode ser qualquer ser humano que se vê em uma situação sem saída. Drummond trabalha com dialogismo em todo seu poema perguntando a seu interlocutor: “E agora José?”

Portanto, a intertextualidade transcende o tempo e existe a partir do momento em que o leitor tem maior ou menor memória discursiva. O tema central do desespero é superado pela esperança, pelo “Egito” (futuro) que cada um de nós poderá vir a ter.

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