Doença Mental e Personalidade – o ser diante da patologia ou a patologia inerente ao sujeito

Compartilhe este conteúdo:

Michel Foucault, atendendo a encomenda realizada por Louis Althusser (1918-1990), filósofo francês de vertente marxista, realizou uma pesquisa que resultou na primeira edição de um livro que foi denominado “Doença Mental e Personalidade”, em que mostrou que o homem se considerava racional caso fosse aceito pela sociedade e inscrito na normalidade socialmente aceita, além de tecer crítica ao psicologismo das categorias do adoecer e afirmar ser necessário contextualizar essas categorias, observando o homem em suas condições sociais e reais de vida, caso tenha como finalidade a desalienação do homem (KATZ, 2000).

Em sua segunda edição, o livro foi denominado “Doença Mental e Psicologia”, e Foucault conclui, após dar-se conta de que incidia no que criticava na primeira edição que eram as diferenças que se davam em relação aos concretos culturais, que a questão não era somente a questão de pensar as diferenças culturais, mas o estabelecimento dos fundamentos que permitem o surgimento da norma que regula os comportamentos, não se restringindo somente à analise da organização psicológica e existencial das personalidades, mas buscando analisar também os mecanismos que permitiriam o surgimento e a emergência da constituição científica das psicologias e dos destinos de tais personalidades.

Segundo Katz (2000), isso se dava em decorrência de que, ao mesmo tempo, estes produtos psíquicos se apresentavam, enquanto multiplicidade e diferença, em todos os grupos e também nos indivíduos assujeitados, o que implicaria não estar a questão vinculada àquela concretude que ele previa quando falava das condições sociais enquanto organizadoras da psicologia dos sujeitos, sendo necessário, mas a analise concomitante dos mecanismos de emergência desta constituição.

Depressão, Van Goh (1890)

Aqui pode-se afirmar que Foucault passa da simples avaliação da cura das doenças mentais para aprofundar a questão indo participar da discussão da fundamentação da loucura, de sua história, que posteriormente dará um novo contorno com o lançamento de sua História da Loucura.

Começando Doença Mental e Psicologia, Foucault já se lança a pergunta sob que condições se pode falar de doença no domínio psicológico? Quais os limites em que se tocam a patologia mental e a patologia orgânica?

E encontra um inapropriado uso do conceito de doença e patologia de sentido organicista para cotejar os adoecimentos, as patologias mentais que terminam por não ser condizentes com uma realidade. Principalmente quando o autor verifica o contingente de “patologias” que foram sendo incluídas no domínio da doença que antes ainda permitiam “o convívio social”.

Dessa forma a constituição pura e simples de uma sintomatologia correlacional entre um tipo de doença e alguma manifestação mórbida e uma nosografia em que demonstra a evolução da doença, e descrição em termos de alternância de sintomas em geral não correspondem sempre à possibilidade de classificação e sofrem de pré-conceitos que estão localizados exatamente no seu estatuto epistemológico, que tem por base postulados sobre a natureza da doença.

Uma delas se vincula com a visão de que a doença é uma essência, que possui índices, signos e sintomas descritores; e uma compreensão naturalista com nosografia unicista e unívoca, ainda que apresente variantes.

Dessa forma se poderia utilizar do mesmo estatuto epistemológico para seu estudo das doenças independentemente destas serem orgânicas e fisiológicas ou mentais e psicológicas, que consideraria a unidade humana e sua totalidade psicossomática.

Vejamos o que o próprio Foucault vai dizer: “Entre estas duas formas de patologia, não há então unidade real, mas somente, e por intermediário destes dois postulados, um paralelismo abstrato. Ora o problema da unidade humana e da totalidade psicossomática permanece inteiramente aberto”.

Dessa forma, ele afirmará que a noção de uma totalidade orgânica e psicológica ficará completamente comprometida por considerar a doença como uma realidade independente e uma entidade específica, vez que compreende a doença como inerente ao processo vital, não se impondo como uma realidade autônoma, mas parte do devir do indivíduo doente.

Assim, para o campo da patologia mental, ele advoga que “quanto mais se encara como um todo a unidade do ser humano, mais se dissipa a realidade de uma doença que seria unidade especifica; e também mais se impõe, para substituir a análise das formas naturais da doença, a descrição do indivíduo reagindo a sua situação de modo patológico”.

Foucault irá, então, buscar demonstrar sua concepção de que para as patologias mentais exigem métodos de análise diferentes das patologias orgânicas, indo contra a ideia ainda hegemônica de uma teoria organicista, considerando a visão de que a concretude de uma patologia unitária e essencial, logo ontológica, só pode existir na ordem do mito, não sendo possível a utilização de tal pré-conceito sobre a doença enquanto uma das condições epistemológicas da psicopatologia.

Aponta ainda sua lente o autor para a questão já em discussão por Canguilhem sobre o normal e o patológico, fazendo afirmações sobre a progressiva assimilação de que os quadros clínicos não são coleções de fatos anormais, mas constituídos em parte pelos mecanismos normais e reações de adaptação de um organismo funcionando segundo a sua norma particular, como respostas sistêmicas, como seriam os casos das doenças autoimunes. Ao mesmo tempo ele contrapõe-se a Canguilhem, que termina por considerar ainda incipiente, por manter uma consideração muito organicista sobre a patologia, não se aplicando completamente às patologias mentais.

Esse contraponto é lançado tendo em vista considerar Foucault que a ideia de solidariedade orgânica permitiria distinguir e unir dano mórbido e resposta adaptada, ao passo que em psicopatologia o exame da personalidade antecede a análises que pudessem permitir tal procedimento de distinção e união entre dano e resposta.

Foucault ainda demonstra que em psicopatologia não se tem como proceder como na visão organicista que consegue separar, na prática médica, o sujeito da coletividade, ressaltando sua individualidade. Em patologias mentais, a realidade do doente não pode e não se tem como ser separada das práticas do meio a seu respeito, apontando as relações de internamento e tutela impostas ao alienado (doente mental), sendo a dialética das relações do indivíduo e seu meio bastante diferentes em estilo em fisiologia patológica e psicologia patológica.

Tratar sobre dimensões psicológicas da doença para o autor impõe-lhe discutir que na realidade o adoecimento não se restringe ao déficit de determinadas funções, mas no déficit de determinadas funções e acentuação de outras ou outros fatores que passam a se destacar, demonstrando haver não somente fatos negativos, mas fenômenos positivos do adoecimento em termos psicológicos, onde o autor faz criticas à psicologização que imperava naqueles tempos em muitos meios que se permitiam somente uma visão negativa e organicista da doença mental.

Para Foucault o adoecimento faz exagerar os fenômenos mais estáveis e suprimir aqueles que aparecem mais lábeis, suprimindo as funções complexas, instáveis e voluntárias e exaltando as funções simples, estáveis e automáticas, funcionando de uma maneira que se torna peculiar ao sujeito adoecido, que não retorna a fases anteriores de seu desenvolvimento, mas implementa formas de agir peculiares que possuem características inerentes a todo o desenvolvimento do sujeito e não como perda da sua capacidade pura e simples, mas como solução de mediação entre o sujeito complexo (sua individualidade na complexa estrutura social em que vive e convive ou da qual é retirado) e a realidade com a qual lida em sua existência adoecida, o que nos permite ver que não ontológica sua doença, mas existencial e fenomenológica.

Para esse fato diz Foucault:

Não se trata de invalidar as análises da regressão patológica, mas é preciso somente libertá-las dos mitos dos quais nem Janet nem Freud souberam decantá-las. Seria inútil, sem dúvida, dizer, numa perspectiva explicativa, que o homem, adoecendo, volta a ser uma criança: mas do ponto de vista descritivo, é exato dizer que o doente manifesta, na sua personalidade mórbida, condutas segmentarias, análogas as de uma idade anterior ou de uma outra cultura; a doença descobre e privilegia condutas normalmente integradas. A regressão só deve então ser entendida como um dos aspectos descritivos da doença (…) a análise da evolução situava a doença como uma virtualidade; a história individual permite encará-la como um fato do devir psicológico. Mas é preciso agora compreendê-la na sua necessidade existencial.

A loucura enquanto fato cultural termina por ser uma questão que permeia a futura discussão realizada por Foucault quanto à história da loucura, que foi sendo incrementada em termos nosológicos e nosográficos, mas e com o intuito de retirar do convívio aqueles que não fossem produtivos ou que demonstrassem diferenças em relação à norma e ao considerado comum, crescendo exponencialmente o número de entes nosográficos que eram utilizados para classificar os sujeitos e buscar sua descrição, internamento e alienação do convívio, docilizando sujeitos que até tempos anteriores eram permitidos ao convívio.

Dessa forma o autor denota suas ideias já neste ensaio primevo em que perfaz dados sobre a loucura, seu desenvolvimento histórico, cultural, político (com o indícios de sua biopolítica do poder) indicando que talvez fosse necessário um dia “tentar fazer um estudo da loucura como estrutura global, da loucura liberada e desalienada, restituída de certo modo à sua linguagem de origem”.

Não podemos deixar de apontar que Foucault demonstra em suas análises nesta obra ainda de sua juventude acadêmica pontos fundamentais para uma psicopatologia fundamental, que não seja pura e simplesmente nosológica, nosográfica, e centrada na caracterização pura e simples ou mesmo de uma psicologização das compreensões humanas; que considera o desenvolvimento complexo e fenomenológico do sujeito e suas relações de encontro com uma realidade que lhe é  única e que deve ser considerada para sua avaliação e proposta de tratamento.

Ele aborda questões epistemológicas fundamentais para que construamos uma psicopatologia menos vinculada a índices, signos e sintomas, mas que seja fundamentada no estudo de um funcionamento particular do sujeito em processos patológicos que não são, por assim dizer, mas representam processos de adoecimento e que suas características serão sempre próprias e singulares.

 

Compartilhe este conteúdo:

Manicomialidade versus Organização popular revolucionária: uma batalha sangrenta!

Compartilhe este conteúdo:

Eu não costumo falar muito sobre lutas em meus escritos, não sou do tipo que curte muito o MMA, sei do Anderson Silva por causa do clipe da Marisa Monte, mas hoje eu decidi encarar o clima de coluna de esportes, e vou falar um pouco sobre essa que promete ser uma grande luta. Vou falar um pouco sobre cada uma das lutadoras, e depois comento sobre o que nos aguarda neste grande combate.

Manicomialidade

Ela é uma verdadeira máquina de guerra! Uma espécie de Golias, cruel e sanguinolenta, gosta de esmagar as cabeças de suas adversárias e de seus adversários. Sozinho, ninguém pode contra ela, a cabeça de um ser humano cabe em sua mão, e ela gosta de socá-las contra o chão como se fosse um coco, cujo recheio só se alcança depois de quebrá-lo. O seu modus-operandi é muito simples: classificar as pessoas como anormais, graças à diversidade de seu modo de funcionamento, e nomear essa anormalidade como “doença mental”. A partir disso, domina-se o corpo da pessoa “doente” sob o argumento de que este controle é necessário para a cura, e também sob o de que uma pessoa mentalmente doente não tem condições de definir seu próprio destino. Com isso, este corpo se torna fonte de lucros, pelas mais diversas vias, que vão desde a comercialização de remédios em grande escala, até o recolhimento de fortunas através de manicômios lotados e desumanos. A manicomialidade é uma forma de fazer dinheiro sobre preconceito, e nada tem a ver com saúde. Também é uma forma excelente de calar vozes destoantes, e não é à toa que o reitor Rodas, da Universidade de São Paulo, buscou firmar convênio com clínica particular para atender à comunidade universitária que esteja sofrendo de transtornos mentais e vício em drogas. A manicomialidade facilmente esmaga a cabeça de quaisquer estudantes, docentes e técnico-administrativos que ousem serem vozes destoantes dentro do império uspiano, não é difícil argumentar que um manifestante é um doente mental e, portanto, deve ser, para seu próprio bem, compulsoriamente internado.

Na lógica individualista de sociedade em que vivemos, e ainda mais com as dificuldades que as famílias vivem para atender financeiramente aos desejos que lhes são provocados todo dia pela publicidade, não é de se espantar que as famílias queiram se livrar das doenças, e que se internem os doentes mentais. Mas nem sempre é assim, muitas internações são tentativas de cuidar da saúde do paciente. A manicomialidade faz parte de uma lógica maior de saúde, em que a causa da doença é BIO-médica, ou no máximo, biopsicossocial (onde o social é apenas mais um dos vários fatores genéricos e abstratos), uma lógica em que um lado é paciente, e o outro lado é agente da saúde do paciente. Lógica em que, de preferência, o médico é o agente e os demais profissionais de saúde devem auxiliá-lo em sua missão superior de cura. Nessa lógica, uma pessoa doente é paciente, é passiva, não tem voz sobre o destino de seu próprio corpo, de seu próprio tratamento, quem manda é o profissional de saúde, em especial o médico. A manicomialidade, não por acaso, ficou identificada com a psiquiatria, e existe uma psiquiatria conservadora, que de fato é manicomial.

O seu nome vem justamente dos já citados manicômios, que são casas de horror, feitas para trancafiar os loucos, cujos corpos estão inadequados ao mercado de trabalho, e transformá-los em dinheiro de alguma forma, ou calá-los quando suas vocês são inconvenientes. Com o tempo o manicômio começou a inventar que era um hospital, e claro que o nome dele tinha que reivindicar a autoridade de uma especialidade médica, aí ele virou “hospital psiquiátrico”. Ganhou uma inimiga chamada Luta Antimanicomial, que às vezes dorme no ponto e luta contra os manicômios, como se a queda das paredes de um manicômio fosse derrotar a manicomialidade. A manicomialidade é um valor social, é um sentimento que é colocado no peito de cada um de nós desde o nascimento, convencendo a uns de que devem temer ou controlar os loucos e drogados (ou temer e controlar ao mesmo tempo!), e convencendo a outros de que são inferiores por ser loucos ou drogados, e que como doentes mentais que são, devem se deixar controlar, abrir mão da posse de seus corpos. Quando a Luta Antimanicomial está esperta, ela enfrenta a Manicomialidade, e não se restringe apenas ao nível da desconstrução civil (luta contra os manicômios, contra os prédios, contra as paredes). A Luta Antimanicomial quer que os manicômios acabem, que sejam substituídos por “serviços substitutivos”, formas de atendimento à saúde das pessoas que, de fato cuidem da saúde, sem aprisionar. Mas é preciso lutar para que fora dos muros dos manicômios, seja nos serviços substitutivos, seja na cidade e na sociedade, não haja manicomialidade.

É uma grande luta, e a Manicomialidade não tem facilidade em esmagar a cabeça da Luta Antimanicomial, mas ela tenta. E com a cooptação de militâncias antimanicomiais por parte do governo petista (considerando que o PT outrora já foi um partido que combateu a manicomialidade, e que hoje no poder finge jogar dos dois lados pra conseguir favorecer os interesses econômicos dos empresários da psiquiatria conservadora, das comunidades terapêuticas e do proibicionismo), a Luta Antimanicomial às vezes se acomoda na “luta de gabinete”, nos enfrentamentos meramente burocráticos e institucionais, que uma vez ou outra até incomodam à Manicomialidade, mas no geral a fazem rir.

E é justamente pra ajudar a Luta Antimanicomial, minha grande amiga, minha grande companheira, minha grande amada, nesta sua luta sangrenta, que eu apresento uma parceira que pode ser a arma de guerra à altura, que a Luta Antimanicomial precisa pra derrotar a Manicomialidade!

Organização Popular Revolucionária

Se a Burocratização da Luta Antimanicomial é a Kriptonita que a enfraquece, o seu antídoto está aqui: os ricos dizem que ela é feia, que ela é baderna, que ela é uma monstra, mas ela é na verdade uma linda guerreira, quase uma Xena das causas sociais. É difícil entender de onde vem tanto poder, mesmo porque existem muitas sósias dela por aí, que lhe tiram todo o crédito! Mas quem já a viu lutando fala que não tem nada igual no mundo das lutas, e eu acho que só ela pode trazer a vitória para o nosso time, para o time da Luta Antimanicomial. Vamos entender o mecanismo das suas estratégias de luta:

A Organização Popular Revolucionária é, em primeiro lugar, uma organização, e isso é um resgate do que a Luta Antimanicomial já tem em si, durante toda a sua história. É gente se organizando pra desorganizar a manicomialidade, porque um preconceito que mantém interesses economico-políticos tão poderosos só pode ser derrotado se as pessoas se juntam, se suas diferentes experiências de vida são analisadas de maneira organizada, e se as forças de cada pessoa são organizadamente unidas, pra terem o poder de enfrentar a esmagadora de cabeças.

Em segundo lugar, ela é popular. Porque a manicomialidade atinge gente de todas as classes sociais, mas é muito mais fácil resolver os problemas dela quando você tem dinheiro. O problema é que a grande maioria das pessoas que a manicomialidade quer decapitar, são pobres, vivem em periferias, não têm condição de pagar pela assistência que lhes é negada, e mesmo as pessoas ricas cujas cabeças a manicomialidade aperta, ela aperta mais não esmaga… Se não ficou claro, a Manicomialidade é amiga dos ricos, e os ajuda a ficar ainda mais ricos, então sua inimiga precisa ser popular. A organização popular é aquela que ajuda às pessoas que a ordem vigente desorganiza, e que é feita por essas pessoas. A ordem capitalista quer o povo desorganizado, então se o povo encontra formas de se organizar, pode começar a ter forças para enfrentar essa ordem. Se a ordem capitalista é manicomial, se essa ordem faz com que vários indivíduos sofram nos seus cotidianos as exclusões e os problemas causados pela manicomialidade, a Luta Antimanicomial precisa dialogar com cada uma dessas experiências, traduzir suas contradições pra que todos esses indivíduos falem a mesma língua, e se reconheçam como um só e mesmo grupo, como uma só e mesma voz, que se reconheçam como povo, que pode lutar contra os interesses manicomiais elitistas, e por interesses antimanicomiais populares. No cotidiano dos bairros, das comunidades, das famílias e ruas, dos lares, no cotidiano dos serviços de saúde, dos CAPS, das residências terapêuticas, das escolas e praças, as diversas experiências populares vão se unificando e se organizando, a partir das diferenças e das igualdades, para lutar pelo direito de ser diferente, sem ser calado, trancafiado, excluído, desumanizado. Precisa ser uma organização popular, por entender que algo unifica os loucos e drogados com suas famílias, com os profissionais de saúde mental e com os estudantes que também se apaixonam por esta luta: o que nos unifica é a luta contra o caráter elitista da manicomialidade, que coloca acima do povo os interesses econômicos e de poder.

E diante disso, nossa guerreira é, em terceiro lugar, revolucionária. Ela é revolucionária em seu horizonte, em sua perspectiva, porque é impossível que a Luta Antimanicomial faça uma revolução dentro da saúde mental, sem que se acabe com o capitalismo. E é justamente por isso que a Luta Antimanicomial deve ser revolucionária, e não meramente reformista. Explico-me: a manicomialidade é uma peça do quebra-cabeça capitalista que não pode ser substituída por uma peça antimanicomial, o próprio sistema tratará de fazer a nova peça funcionar dentro da lógica maior do sistema. Não tem como acabar com a máquina capitalista quebrando uma ou outra de suas engrenagens, é preciso romper de uma vez com o sistema. Lutas reformistas são inevitáveis, quando acompanhadas da luta por revolução e pelo fim do capitalismo, mas enquanto a Luta Antimanicomial priorizar uma “sociedade sem manicômios” que seja um capitalismo reformado, um capitalismo sem manicômios, o capitalismo continuará rindo da cara da Luta Antimanicomial, assim como o noivo que promete o casamento para a noiva ingênua, dizendo que ama pra levá-la pra cama. Quando a Luta Antimanicomial aceita o funcionamento burocrático, e se restringe a disputar por dentro do estado o fim dos manicômios e da manicomialidade, está agindo como se a virgindade fosse uma moeda de troca, ou algo do tipo. Acredite, Luta Antimanicomial, o Capitalismo não te ama, ele só quer te comer. A organização popular da Luta Antimanicomial PRECISA ser revolucionária, para que ela possa fazer frente a esse sistema de exploração e exclusão em que vivemos.

Com isso, quero dizer que as contradições individuais, do cotidiano de cada pessoa que a Manicomialidade tortura, tem a ver com um só e mesmo sistema, e que esse sistema e essa tortura só podem cair se cada uma dessas pessoas se juntarem, se debaterem os problemas de seus bairros, se lutarem por democracia na gestão do SUS, por mais verba para os serviços públicos de saúde, pela criação de mais serviços substitutivos, mais vagas e leitos com atendimento digno, melhores salários e condições de trabalho para os profissionais de saúde, formação de qualidade nas universidades, voltada para o pensamento crítico e não para a aceitação passiva, por escuta séria à vos dos usuários nos serviços de saúde, para que eles não sejam mais pacientes, e sim agentes de seu atendimento, por espaços de trabalho e estudo para os ditos loucos e drogados, por assistência farmacêutica digna, sem a influência das empresas oportunistas dos remédios, por legalização das drogas (não para incentivar mais uso, mas para que os usuários não se sintam criminosos, e possam buscar atendimento nos serviços de saúde, quando necessário), pelo fim do lucro sobre a venda das drogas lícitas e ilícitas (desde a maconha e o crack até o cigarro, a cerveja e os remédios, já que tudo isso pode ser produzido por empresas estatais, sem lucro e sem publicidade, sem incentivo ao consumo, para atender aos usuários, e com a verba da venda revertida para custear o atendimento no SUS), por espaços de lazer e de cultura nas comunidades, para que as pessoas adoeçam menos da mente, e para que a loucura e o uso de drogas sejam cada vez menos problemas, e cada vez mais características e escolhas de cidadãs e cidadãos livres, em uma sociedade sem manicômios e sem exploração.

São muitas as bandeiras de luta, e a luta também precisa ser muita, mas ou a gente sai dos gabinetes e da burocracia e faz a Luta Antimanicomial ser uma Organização Popular Revolucionária, ou continuaremos caminhando para a barbárie que esmaga as nossas cabeças, através da Manicomialidade, do Racismo, da Homofobia, do Machismo e de tantos outros braços e tentáculos desse grande inimigo que se chama Capital!

Toda luta antimanicomial deve ser anticapitalisma e toda luta anticapitalista deve ser antimanicomial! Quem é que vem conosco pra essa luta?


Nota: Texto originalmente publicado em: http://artificiosocialista.blogspot.com.br/2012/12/manicomialidade-versus-organizacao.html

Compartilhe este conteúdo:

Brasil: um país de “psicohipocondríacos”

Compartilhe este conteúdo:

Estamos vivendo uma época muito boa para a psicologia, onde a popularização das profissões psi estão em alta. Já não se tem mais tanto estigma em relação a profissão. Não enxergam mais como loucos aqueles que fazem terapia e a profissão deixou de ser elitizada, fazendo com que as massas possam ter acesso à ela.

Porém, em relação a isso, algo deve ser visto com preocupação. A popularização das profissões psi também trouxeram uma popularização das doenças mentais. Vejo com extrema preocupação o grande número de “doentes” mentais ou psicológicos.

Com frequência temos ouvido algo como:

“Tomo 2mg de Clonazepam (Rivotril)  e você?”

“O médico passou 2mg, mas estou tomando 4mg. Mas estou tomando também 10mg de Metilfenidato (Ritalina) “

“Rivotris” e “Ritalinas” surgem de bolsas, mochilas, armários e caixinhas de remédio com uma força cada vez maior. Dividem espaço com dipironas e Dorflex em nossas farmacinhas dentro de casa e são distribuídos aos parentes como se fossem água.

Fazer uso desses fármacos tem gerado uma condição de status.

“Eu tomo Rivotril e você não.”

Em 2010 o Brasil consumiu 2,1 toneladas de Clonazepam, a droga da paz já é a segunda droga mais consumida, perdendo apenas para o anticoncepcional Microvlar (Super Interessante – Julho 2010).

Esse grande consumo do benzodiazepínico é muito facilitado devido ao baixo preço do fármaco e a facilidade com que as receitas do tarja preta são conseguidas.

Creio que a popularização das profissões psi seja muito benéfica. Porém devemos tomar muito cuidado com o que isso pode acarretar. Não podemos passar de um país que teme e sataniza as doenças mentais e as profissões psi, para um que os idolatra e diviniza.

Estamos nos transformando em um país “psicohipocondríaco”. E pessoas que antes não tinham nenhum problema com isso, lotarão nossas clínicas devido essa forma de histeria coletiva que tem nos assolado.


Nota: Texto originalmente publicado em http://psicologia-ro.blogspot.com.br/2012/08/brasil-um-pais-de-psicohipocondriacos.html

Compartilhe este conteúdo: