Um Senhor Estagiário – Uma visão a partir da Saúde Mental e do Trabalho (Segunda Parte)

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Depois de aposentado, Ben Whittaker (Robert De Niro) já viúvo, percebe que aposentadoria não era lá um mar de rosas. Entediado com a monotonia de sua vida, resolve “voltar à ativa”, entra como estagiário sênior para uma empresa que gerencia um site de moda. Essa empresa foi fundada e gerida por Jules Ostin (Anne Hathaway), uma jovem, que rapidamente explodiu no mundo na moda e no mercado online.

A empresa tomou proporções que Jules não esperava em tão pouco tempo. Agora ela batalha para o melhor da empresa, o melhor para seus funcionários e para sua vida familiar. Nenhuma dessas batalhas é uma tarefa fácil para essa jovem empreendedora. Filme dirigido por Nancy Meyers. É um filme para crianças, jovens, adultos e idosos, uma comédia que segura a risada do público. Este   trabalho tem como objetivo analisar a empresa de Jules, a partir da visão da saúde mental e do trabalho. Esse texto é a parte dois, ou seja continuação do anterior (parte 01).  A fim de se ser elucidativo foi dividido a temática da Saúde Mental e do Trabalho em oito eixos:

  1. Espaço Físico
  2. Autonomia no Trabalho
  3. Estruturação do Tempo
  4. Pressão e responsabilidades
  5. Reconhecimento
  6. Relacionamentos interpessoais
  7. Lidar e Solucionar Problemas
  8. Bem-Estar dos Trabalhadores

No texto que segue, será explicitado o os quatro últimos aspectos (Reconhecimento, Relacionamentos interpessoais, Lidar e solucionar problemas e Bem-estar dos trabalhadores) do ponto de vista teórico e contrastado com o filme. No trabalho anterior foi apresentado outros quatro primeiros.

RELACIONAMENTO INTERPESSOAL

Cardozo e Silva (2014, p. 25), ressalta que analisando a interação, pode-se perceber que dentro de cada relacionamento interpessoal, efetua-se trocas de sentimentos e experiências e é necessário o empenho de ambas as partes para que esse convívio seja o mais harmonioso possível.

O trabalho é fator primordial na vida de todo ser humano e o relacionamento interpessoal é uma das principais características para o sucesso da organização, visto que uma rede de relacionamentos sadios gera um ambiente satisfatório, contribuindo para o desenvolvimento profissional e pessoal do indivíduo. Sem pessoas, não há produtividade, não existem empresas, ou seja, sempre existirá a relação homem e trabalho (CARDOZO e SILVA, 2014).

Isso é percebido durante a cena em que Ben estabelece um maior vínculo com os estagiários, ajudando-os com dicas sobre relacionamento conjugal e até mesmo chamando um deles para residir em sua casa por algum tempo.Os mesmos autores enfatizam que no mercado de trabalho, a forma como nos relacionamos com as pessoas é um dos fatores mais importantes para manter um bom clima organizacional.

A maneira de ser, pensar e agir influencia diretamente os relacionamentos dentro e fora da empresa. O trabalho requer a convivência com colegas e superiores, requer respeito, confiança e certa liberdade entre meio às relações, para que assim seja necessário conciliar os interesses pessoais com os interesses e objetivos da organização, bem como manter um ambiente de trabalho saudável.

O oposto disso é quando Jules se mostra não tão “participante” nas confraternizações e convivências com equipe, pois ela como uma jovem empresária, cheia de responsabilidades, estava sempre correndo contra o tempo, assim seus relacionamentos com os colaboradores acabam sendo superficiais. Isto é notado na cena em que Jules está andando de bicicleta dentro da empresa e não para pra comemoração de aniversário por causa do “tempo”. Outro momento em que é evidenciado a superficialidade e distanciamento das relações é quando percebe-se o comportamento do motorista em relação à família de Jules. Na cena ele toca a campainha e se distancia para esperar que ela abra a porta.

No entanto, no decorrer do filme ocorre um processo de mudança que dá início quando há aproximação dos colaboradores (eles saem para beber para comemorar grande feito do dia), e há também uma aproximação maior entre Jules e Ben. Ben começa a frequentar sua casa e conhece sua família. Sobre essas interrelações Carvalho (2009, p. 82 apud CARDOZO e SILVA, 2014, p. 25), salienta que “os relacionamentos possuem vida própria e está sempre em processo de mudança. Essas mudanças estão relacionadas ao comportamento e as ligações afetivas, que podem gerar relações brandas […]”.

RECONHECIMENTO

Sendo assim, quando o indivíduo faz algo que acredita ser útil para as pessoas em sociedade e que está contribuindo de certa forma para uma melhoria daqueles que estão sendo afetados, no sentido benéfico do termo.  Logo, essa pessoa quer ser reconhecida. Desse modo, reconhecimento significa ser valorizado por aquilo que faz de melhor, como por exemplo, ganhar um elogio, aplauso ou uma promoção.

No entanto, a insatisfação é dificilmente expressada em palavras. Visto que, apenas percebem quando ela já está instalada como doença. Assim, a falta de reconhecimento, da mesma forma da insatisfação, é um sinal de sofrimento evidenciado. Mas ao mesmo tempo essa falta é muitas vezes identificada como “normal”, com a qual o sujeito se conforma, acostumando-se com o fato de não ser elogiado, de não ter seu trabalho reconhecido. Assim, o sofrimento provocado pela falta de reconhecimento pela falta de reconhecimento é identificado. Mas em seguida é coberto por uma resposta racionalizada “Ah, acontece em todas as empresas mesmo” (VASCONCELOS e FARIA, 2008, p. 6).

Portanto, a empresa que é descrito no filme há reconhecimentos. Porém, reconhecimentos “injustos”. Dado que, funciona para alguns, mas para outros não funciona. Como por exemplo, a pobre Becky que estudou em uma grande universidade e trabalha como secretária, ao buscar reconhecimento de sua chefe, que estava muito ocupada para notar.

É formada e preparada para analisar dados completos, nunca teve a oportunidade de pegá-los, nem trabalhar com eles, o que faz é observar os outros fazerem isso, e se sente cada vez mais infeliz no seu trabalho, pois trabalha muito, em uma rotina caótica (rotina da chefe), tendo que lidar com muitas informações, e resolver situações rápidas em virtude da agenda lotada de Jules, e ainda não faz o que quer e o que gosta. Sempre buscando o tão reconhecimento, mas ninguém vê.

LIDAR/SOLUCIONAR PROBLEMAS

Por outro lado, Ben em tão pouco tempo dentro da empresa, sempre realiza as atividades propostas para ele com êxito, já consegue ganhar um bônus no trabalho e é notável o reconhecimento de sua contribuição e esforço.  No que consiste, os colaboradores da empresa lhe aplaudir e tocar um sino, como era de costume ser feito sempre que alguém colaborasse com algo importante.

No filme é retratado algumas cenas que Ben colabora a identificar e solucionar problemas às vezes pequenos, porém importantes e notório como fatores de risco para adoecimento, como por exemplo, quando ele arruma a mesa que ficava uma grande quantidade de papéis, que acabava incomodando os colaboradores, porém ninguém nunca se disponibilizou antes para arrumar. Ben também esteve disponível e ajudou Jules a esclarecer suas decisões em relação a contratação do novo chefe dela, solucionou o problema do email errado que Jules enviou para sua mãe e ajudou a mesma em suas tarefas de rotina familiar.

No filme mostra Ben sempre muito centrado e paciente, ele sempre buscava uma forma de lidar e solucionar problemas que aparecia na empresa. Isso mostra que Ben com todos os seus anos de trabalho conseguiu adquirir experiência e habilidades. Ressaltando que no filme é visto cenas que de exaustão emocional de Becky, não sabendo como solucionar alguns problemas, assim não deixando de ser um fator prejudicial para a sua saúde mental e interferindo na realização das suas tarefas do trabalho. Sendo assim, a exaustão emocional

 é caracterizada por um sentimento muito forte de tensão emocional que produz uma sensação de esgotamento, de falta de energia e de recursos emocionais próprios para lidar com as rotinas da prática profissional […] (RABIN, FELDMAN e KAPLAN, 1999, apud, ABREU et al, 2002, s/p).

Outro aspecto visível em solucionar problemas é quando Jules tem que tomar uma importante decisão para a empresa, e fica de certa forma pressionada para realizar a mesma, pois ela não queria isso, mas pensando na melhoria da convivência da sua família se viu obrigada decidir isso. Desta forma, com todo esse tumulto de tomada de decisão afetando- se emocionalmente.

BEM ESTAR DOS TRABALHADORES

A preocupação com os ambientes de trabalho e sua influência no processo saúde-doença dos trabalhadores não é recente. Trata-se de uma preocupação frequente, visto que a maior parte do dia se passa no ambiente de trabalho.

A Saúde do Trabalhador é uma área da Saúde Pública que visa intervir nas relações entre o trabalho e a saúde, promovendo e protegendo a saúde dos trabalhadores através das ações de vigilância dos riscos presentes nos ambientes, das condições de trabalho, dos agravos à saúde e da organização e prestação da assistência aos trabalhadores (BRASIL, 2011, s/p apud GRECO e DE MOURA, 2014, p. 4).

É visível o bem-estar que os colaboradores da empresa têm, este deve-se ao espaço físico (confortável e espaçoso), às relações saudáveis entre colegas (não há competitividade), dentre outros fatores. Isto é confirmado à medida em que os colaboradores demonstram satisfação com o trabalho.Uma outra questão que tem sido discutida amplamente no campo da saúde mental do trabalhador e de grande importância, é o trabalho como prioridade, desconsiderando as necessidades fisiológicas como alimentação e as demais vertentes como lazer, família, dentre outros, fator este que reflete na saúde mental, havendo potenciais consequências sobre a saúde.

Jules afirma não dormir, pois preocupa-se com o trabalho que têm a ser feito. Segundo Lima, Assunção e Francisco (2002), o turno fixo noturno é outro elemento que tem sido bastante estudado e associado a distúrbios psíquicos. Estudos afirmam que não há dúvidas de que este é um fator que contribui consideravelmente para o sofrimento psíquico. Sabe-se que, grande parte das pessoas têm suas funções físicas orientadas para atividades diurnas, dedicando a noite ao descanso. Além disso, existem estudos que relacionam períodos prolongados de privação de sono com uma desorganização psíquica, podendo, inclusive, provocar delírios e alucinações.

Os autores supracitados afirmam que um dos principais problemas identificados por esses estudos, refere-se aos ritmos circadianos que se mantêm inalterados, pois, mesmo quando o horário de trabalho é invertido, a vida social continua em movimento: a sociedade e a família permanecem com seu ritmo de atividade inalterado, surgem então os conflitos. As pesquisas revelam que o maior desgaste dos trabalhadores em turnos noturnos consiste no fato de viverem constantemente na contramão da sociedade, o que resulta em um maior desgaste físico e mental.

Este aspecto é visível, quando se trata de Jules. Por ser a chefe, assume uma grande sobrecarga e abstêm-se do lazer, do tempo com a família e de outras atividades fora do ambiente de trabalho. Outro fator consequente dessa sobrecarga demonstrado no filme é o distúrbio do sono apresentado por Jules, caracterizado por Martinez, Lenz e Menna Barreto (2008 apud VIEIRA, 2009) como sonolência, queixas de insônia, qualidade de sono insatisfatória e sono encurtado. Jules sente dificuldade em dormir a noite inteira, por vezes, acorda durante a noite e resolve adiantar o serviço através do uso do computador.

REFERÊNCIAS

ABREU, K.L; STOLL, I; RAMOS, L.S; BAUMGARDT, A; KRISTENSEN, C. K. Estresse ocupacional e Síndrome de Burnout no exercício profissional da psicologia. Brasília: Psicologia: Ciência e Profissão, vol.22, n.2, jun. 2002.Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1414-98932002000200004&script=sci_arttext&tlng=es> . Acesso em: 03 de abril de 2017.

CARDOZO, C. G; SILVA, L. O. S. A importância do relacionamento interpessoal no ambiente de trabalho. Dourados/MS: Interbio. v.8 n.2,  2014.  Disponível em:<http://www.unigran.br/interbio/paginas/ed_anteriores/vol8_num2/arquivos/artigo3.pdf>. Acesso em: 02 de abril de 2017.

GRECO, R; DE MOURA, D. C. A. Condições de Trabalho e a Saúde dos Trabalhadores de Enfermagem. Faculdade de Enfermagem, Universidade Federal de Juiz De Fora, 2014. Disponível em: <http://www.ufjf.br/admenf/files/2015/03/Aula-Condi%C3%A7%C3%B5es-de-trabalho-e-a-sa%C3%BAde-dos-trabalhadores-de_enfermagem-1.pdf> Acessado em: 01 de Abril de 2017.

LIMA, M. E. A; ASSUNÇÃO, Ada A.; FRANCISCO, J. M. S. D. Aprisionado pelos ponteiros de um relógio: o caso de um transtorno mental desencadeado no trabalho. Saúde Mental & Trabalho: leituras, Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

VASCONCELOS, A; FARIA, J. H. Saúde mental no trabalho: contradições e limites. Florianópolis Sept. /Dec. Psicol. Soc, vol.20, no.3, 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822008000300016>. Acesso em: 1 de abril de 2017.

FICHA TÉCNICA DO FILME

UM SENHOR ESTAGIÁRIO

Diretor: Nancy Meyers
Elenco: Robert De Niro, Anne Hathaway, Rene Russo, Andrew Rannells;
País: EUA
Ano: 2015
Classificação: 10

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Um Senhor Estagiário – Uma visão a partir da Saúde Mental e do Trabalho

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O filme “um senhor estagiário”, dirigido por Nancy Meyers, estrelado por Anne Hathaway (Jules) e Robert De Niro (Ben), trabalha temáticas como, comunicação, tecnologia, criatividade, mulher no mercado de trabalho, gerações, liderança, empreendedorismo e relacionamento de uma forma cômica, romântica e cativante.Um filme leve, carismático, reflexivo e divertido, que sem dúvida agradará da juventude à senescência. Jules, uma jovem que com um start up que rapidamente explodiu na internet, agora é dona de uma empresa, que está crescendo a um ritmo inimaginável.

Além de atrair atenção dos consumidores, atraiu também investidores. Porém, lidar com o crescimento dessa empresa, ser mãe de família e manter um casamento, não é tarefa fácil para essa jovem, carismática, moderna, atraente e gestora. Em paralelo com essa história, aparece o personagem Ben, com 70 anos, viúvo e já se entediando com a vida, a fim de sair do tédio e vazio que sente, busca voltar à ativa se candidatando para ser estagiário nessa empresa. Ben havia sido administrador de uma empresa de lista telefônicas por 40 anos, com vasto conhecimento e experiência na bagagem, passa então a trabalhar como estagiário diretamente com Jules.

Este trabalho tem como objetivo analisar, a partir da teoria, os aspectos relacionados à Saúde Mental e do Trabalho presentes no filme. A fim de se ser elucidativo foi dividido a temática da Saúde Mental e do Trabalho em oito eixos:

  1. Espaço Físico
  2. Autonomia no Trabalho
  3. Estruturação do Tempo
  4. Pressão e responsabilidades
  5. Reconhecimento
  6. Relacionamentos interpessoais
  7. Lidar e Solucionar Problemas
  8. Bem-Estar dos Trabalhadores

No texto que segue, será explicitado o os quatro primeiros aspecto (Espaço Físico, Autonomia no Trabalho, Estruturação do Tempo e Pressão e Responsabilidades) do ponto de vista teórico e contrastado com o filme. No trabalho seguinte será apresentado outros quatro restantes.

ESPAÇO FÍSICO

Em 2010 a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou a cartilha “ambientes de trabalho favoráveis: um modelo para ação”, no qual postula aspectos fundamentais para a promoção da saúde do trabalhador. Ao se tratar do espaço físico, a OMS diz que

o ambiente físico de trabalho se refere à estrutura, ar, maquinário, móveis, produtos, substâncias químicas, materiais e processos de produção no local de trabalho. Estes fatores podem afetar a segurança e saúde física dos trabalhadores, bem como sua saúde mental e seu bem-estar (OMS, 2010, p.09).

 A começar a análise da saúde mental dos trabalhadores da empresa principal do filme, o site de moda, pontua-se o espaço físico. Apesar de ser um site de moda, vendas e divulgação, a empresa se concretiza em uma antiga fábrica de listas telefônica, o lugar é amplo, bem iluminado. As mesas e pessoas estão dispostas lado a lado, aspecto este que privilegia as relações e a comunicação na empresa. A empresa disponibiliza ainda para seus funcionários um espaço de descanso com massagista, ressaltando a importância do trabalho tranquilo, produtivo e saudável.

O filme é romantizado e com teor cômico, logo vê-se no local de trabalho um espaço ideal, porém, existe aspectos que podem ser considerados como fatores de risco para o adoecimento dos trabalhadores. Listando tais fatores, tem-se a início uma poluição sonora, que a longo prazo é um aspecto a se considerar para desencadear estresse dos trabalhadores. Ficou explícito ainda a falta de um lugar para colocar materiais inutilizados, que resultou na “mesa da bagunça” tão incômoda para Jules, gestora da empresa. Apesar do local amplo, nem todos se privilegiaram com isso, exemplo claro de Becky, secretária de Jules que desfrutava de um pequeno espaço.

AUTONOMIA DO TRABALHO

Segundo Cecílio (1999), as questões ligadas ao poder e ao controle estão inevitavelmente presentes na vida das organizações. Amitai Etzioni afirma que o êxito de uma organização depende, em grande parte, de sua capacidade para manter o controle dos participantes (1989). Ainda para o mesmo autor, raramente as organizações podem confiar que a maioria dos participantes interiorize suas obrigações e, sem outros incentivos, cumpra voluntariamente seus compromissos. Desta forma, subentende-se que o poder e o conflito são partes das organizações.

Neste âmbito, nota-se que a presença exacerbada do poder e autoritarismo nas organizações configuram um ambiente altamente estressor, e a longo prazo, adoecedor. A ideia de autonomia remete, numa primeira aproximação, a um plano macro, como visão de projeto de sociedade, autonomia da sociedade entendida como poder latente e possibilidade real que a sociedade possui de governar e organizar a si mesma (MOTTA, 1981 apud CECÍLIO, 1999). É visível a autonomia dos trabalhadores da empresa de Jules, uma vez que estes são cientes de seus deveres e o exercem sem que haja cobranças.

A autonomia existente nessa organização possibilita um ambiente harmônico e contribui para que, à longo prazo, não haja um adoecimento dos colaboradores. O filme contrasta essa perspectiva, uma vez que aborda a autonomia dos colaboradores, com liberdade de criação dos conteúdos da revista, embora, seja necessária a aprovação final de Jules. Esta liberdade promove aos trabalhadores o sentimento de pertencimento à organização, numa função colaborativa.

ESTRUTURAÇÃO DO TEMPO

Nos dias atuais a estruturação do tempo no mercado de trabalho tem sido cada vez mais intensa, devido à busca pela maior produtividade, competitividade, para isso o trabalhador deve trabalhar cada vez mais e acaba “correndo contra o tempo”. Visto que isso, não é bom para a sua saúde mental, pois afeta a qualidade de vida desses indivíduos. Sendo assim, Barreto (2009, p. 5) afirma que

a nova forma de organizar e administrar o trabalho, alterou a relação tempo-espaço, pois os trabalhadores vivem-e-fazem seu trabalho em fluxo continuo, sem tempo para desenvolver vínculos afetivos, para pensar ou descansar. Até mesmo as necessidades biológicas, devem ser consentidas. É uma vida-viva-vivida limitada, disciplinada e intensificada pela fragmentação do processo e especialização das tarefas, pelo uso integral do tempo e ativação do ritmo sob rígida disciplina hierarquizada do corpo que produz.

Dessa forma, pode ser percebido em cenas do filme em que Jules tem várias responsabilidades e todo o seu tempo dedicado ao trabalho, assim não tendo tempo para ficar com a família. E tudo isso refletia na sua secretaria Becky, pois ela tinha que seguir o ritmo da mesma, marcar as reuniões de Jules de cinco minutos para não perder tempo, assim tendo que passar do seu horário de trabalho para cumprir as demandas de Jules. Tais aspectos é adoecedor para duas, pois Jules com elevado número de afazeres passava pouco com a família , afetando a suas relações sociais e interpessoais e Becky sentia-se pressionada em correr contra para não decepcionar Jules.

Em paralelo, temos o personagem Ben, que por ser um senhor com anos de experiência de trabalho, não deixava que o trabalho o adoecesse, e a correria de Jules o afetasse, pelo contrário ele agia de uma forma calma, pacífica e tentava transmitir isso para todos que estava a seu redor. Desse modo Mendes (1995, s/p) ressalta que

o trabalho pode ser considerado como o lugar de satisfação sublimatória, quando o trabalhador transfere sua energia pulsional, que inicialmente é dirigida para as figuras parentais com objetivo de satisfação imediata, para as relações sociais com satisfação mais altruísta.

PRESSÃO E RESPONSABILIDADES

Assim Ben se sentia satisfeito com o trabalho, ele não deixa que o estresse permaneça, sempre buscava formas de relaxar e esse seu equilíbrio psicológico acaba passando para cada um da empresa, até mesmo Jules, e não afetava a sua saúde mental. Mendes (2009), diz que a saúde mental não é a ausência de transtornos, obter essa saúde é uma forma de desenvolver uma existência com uma sensação não apenas portador dela, mas também criador de valores e instaurador de normas vitais.

O equilíbrio seria o resultado de uma regulação que requer estratégias defensivas especiais, elaboradas pelos próprios trabalhadores; porém, a normalidade conquistada e conservada pela força é trespassada pelo sofrimento (DEJOURS, 1994, apud, RODRIGUES et al, 2006.). Assim tendo uma qualidade de vida dentro do que se diz normal e não sofrimento e não adoece por causa do trabalho.

Nos dias que correm, pode-se perceber a frequente pressão por produtividade crescente, em um ambiente extremamente competitivo, na qual os indivíduos enfrentam, sem se importarem com a qualidade de vida desses sujeitos. Isto é, com a saúde mental deles. Visto que, o estresse está cada vez mais preocupante no âmbito mundial. Uma vez que, é uma das principais causas para ocorrência de doenças. Dessa forma, causando sobrecarga, exaustão e pressão devido ao trabalho.

Sendo assim, Costa (2010, p. 2) afirma que

o estresse está intimamente relacionado com a carga mental associada normalmente ao trabalho e é causado por um desajuste entre um indivíduo e o trabalho, pelos diferentes papéis que o indivíduo, tem de desempenhar e pela falta de encontro sobre a vida e sobre o trabalho […]. O termo Stress muitas vezes é utilizado para descrever os sintomas produzidos pelo organismo com resposta à tensão provocada pelas pressões e situações que as pessoas enfrentam.

Dessa forma, pode ser observado na cena, no qual, Jules uma jovem empresária, que agora tem muitos funcionários, um sonho tornado realidade, e muita responsabilidade, expectativa e pressões para suas decisões. A empresa estava funcionando a partir de um sistema centralizador do poder, que todas as decisões deviam passar por ela. Somado isso a sua rotina exaustiva, a jovem empreendedora apresenta alguns comportamentos obsessivos, entre eles o de manter o ambiente sempre organizado, caso não estivesse, apresentava estresse e descontração e o de sempre piscar os olhos, quando alguém conversava com ela . Jules estava distanciando da sua família, e mantendo
dedicação total na empresa, fato que colabora para o adoecimento mental.

Concomitante, temos a personagem Becky, secretária de Jules, que tinha atribuições diárias em excesso. Pois, trabalhava horas a mais do seu expediente com intuito de terminar todas as atividades que foram estabelecidas, para não ocorre reclamações posteriormente. Assim, se sente pressionada e sobrecarregada, acarretando desanimo e tristeza devido à grande quantidade de trabalhos para realizar. Deste modo, a situação de Becky, é configurada como um trabalho adoecedor, ela dorme pouco, alta cobrança e infelicidade pelo cargo inferior que ocupa. Garcia e Silva (2014, p. 26) ressaltam que

no mercado de trabalho, a forma como nos relacionamos com as pessoas é um dos fatores mais importantes para manter um bom clima organizacional. A maneira de ser, pensar e agir influencia diretamente os relacionamentos nas empresas. O trabalho requer a convivência com colegas e superiores, onde é necessário conciliar os interesses pessoais com os interesses e objetivos da organização.

Assim esses mesmos autores, declaram que pode-se considerar o sentido do trabalho em várias dimensões e sentidos diferentes para cada indivíduo e apontar sentimentos e afetos envolvidos dos trabalhadores, tais como o amor, a amizade, o respeito. Assim, aumentando a motivação dos envolvidos, facilita o alcance dos resultados da empresa, além de intensificar o crescimento pessoal e profissional dos trabalhadores. Visto que, o relacionamento interpessoal é uma ferramenta essencial para obter sucesso dentro das empresas é algo primordial nas relações humanas (GARCIA e SILVA, 2014).

No filme, a realidade descrita acima é retratada quando um jovem funcionário ajudou o Ben a ligar o notebook, uma vez que ele era novo no emprego e também não se dava bem com tecnologias. Depois, em outra, Jules estava enviando algumas mensagens pelo seu laptop, e sem perceber enviou uma mensagem por engano para sua mãe, na qual descrevia uma personalidade errônea da mesma.

Então, Jules comunicou a Ben, e o mesmo chamou seus outros colegas, posto que tiveram uma ótima ideia. O qual seria invadir a casa da mãe de Jules, abrir o notebook e apagar a mensagem antes que a mãe dela chegasse em casa. Porém, houve um contratempo, porque o alarme disparou e eles saíram todos correndo para o carro que haviam ido e foram embora. Ainda bem que conseguiram apagar o recado. Jules então, ficou feliz pelo trabalho em equipe que tiveram.

REFERÊNCIAS:

BARRETO, M. Saúde mental e trabalho: a necessidade da “escuta” e olhar atentos. São Paulo: Caderno Brasileiro Saúde Mental, vol.1, n. 1, 2009.

CECÍLIO, L C. O. Autonomia versus controle dos trabalhadores: a gestão do poder no hospital. Ciência & Saúde Coletiva, v. 4, n. 2, p. 315-329, 1999.

COSTA, P. C.. Gestão do Stress Ocupacional. 2010.  Disponível em: <https://pt.slideshare.net/RafaCunegundes/gesto-do-estresse>. Acesso em: 1 de abril de 2017.

MENDES, A. M. B. Aspectos psicodinâmicos da relação homem-trabalho: as contribuições de C. Dejours. Brasília: Psicologia: Ciência e Profissão, vol.15, 1995. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98931995000100009>. Acesso em: 02 de abril de 2017.

OMS – ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Ambientes de trabalho saudáveis: Um modelo para ação. Brasília: SESI/DN, 2010. 26 p. Disponível em: <http://www.who.int/occupational_health/ambientes_de_trabalho.pdf>. Acesso em: 02 abr. 2017.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

UM SENHOR ESTAGIÁRIO

Diretor: Nancy Meyers
Elenco: Robert De Niro, Anne Hathaway, Rene Russo, Andrew Rannells;
País: EUA
Ano: 2015
Classificação: 10

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Procura pelo personagem do Papai Noel estimula artista em Palmas

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“Trabalhar com o Natal é minha convicção cultural, a sinceridade das crianças é que mexe com meus sentimentos”

O que o artista Daniel Bezerra não esperava, era que o personagem Papai Noel fizesse tanto sucesso no Natal de 2015.  Entrevistas em canais de comunicação do Estado e a procura para contratação dos serviços do “bom velhinho”, ampliou a visão empreendedora do produtor cultural para a participação do personagem em festas particulares e eventos natalinos no Tocantins.

Daniel Bezerra começou a trabalhar com produções e projetos natalinos na década de 90, em Juazeiro do Norte-CE, parceria com o produtor e fotógrafo Jessé Costa (in memorian).

Sempre acreditando na cultura natalina como também uma forma de impacto econômico, desde o ano de 2010 no Tocantins, Daniel Bezerra promove o Papai Noel como ícone principal em parceria com shoppings da capital para fortalecer o espírito natalino.

“Trabalhar com o Natal é minha convicção cultural, a sinceridade das crianças é que mexe com meus sentimentos. Depois de anos percebi por meio dos projetos uma boa oportunidade para formar parcerias e ganhar uma renda extra”, frisou Daniel.

Em 2015 o artista cearense resolveu ampliar os projetos e protagonizou junto à Agência de Turismo da capital um ousado trabalho cultural, com cenários inusitados e com uma super produção rica em detalhes. Tudo isso virou encanto para os visitantes do projeto instalado no Parque Cesamar.

Também entrou em parceria na Campanha “Natal Presente” que pretende doar mais de 7 mil brinquedos para crianças carentes e que é promovido pela TV Anhanguera. “São parcerias que valorizam a interpretação do Papai Noel”, ressaltou Daniel Bezerra.

Trabalhar melhor o planejamento e associar o Papai Noel ao artista Daniel Bezerra é uma das metas para os próximos anos. “Eu tinha restrição na relação do personagem com meu nome, hoje, vejo que isso é importante para atrair novos projetos e parcerias”, revelou o artista.

Histórico
Daniel Bezerra é natural de Juazeiro do Norte no Ceará – produtor cultural, artista e fotógrafo, mudou-se para Palmas no ano de 2006. Com mais de 20 anos de experiência em fotografia, procura sempre atingir um balanço agradável entre luz e direção em suas imagens, enfatizando as formas humanas com informações.  Também é colaborador de vários meios de comunicação, como jornais, revistas, sites e empresas de propaganda e marketing no Tocantins.

Daniel Bezerra
Contato: (63)8403-7999/063 8108-7404
E-mail: dbzfotos@gmail.com
foto: T1  Notícias

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Em Palmas, diretora do Facebook exorta força do empreendedorismo

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A diretora de empreendedorismo do Facebook para a América Latina, Camila Fusco, esteve em Palmas  – TO para participar da Fenepalmas 2015. A convite da Acipa – Associação Comercial e Industrial de Palmas -, Fusco ministrou uma palestra sobre protagonismo empreendedor e, ao lado de uma equipe – que mantém stand de atendimento até sábado – procurou dissolver as dúvidas sobre o uso da rede social e a aplicação da mesma na geração de negócios e/ou serviços. Esta é a primeira vez que o Facebook vem a um evento no Tocantins.

Foto: Arquivo Pessoal

Ao (En)Cena, Camila Fusco comentou que o  empreendedorismo – em todas as suas matizes –, além de gerar riquezas, é um importante fomentador da cidadania, uma vez que incentiva o auto-aperfeiçoamento, o senso de pertencimento e, acima de tudo, contribui para que as engrenagens financeiras se ampliem, fazendo com que mais e mais pessoas se beneficiem. “Neste movimento, é extremamente importante a ação e engajamento de jovens e universitários. A ideia de que empreender é para poucos não passa de um mito. O nosso país é um exemplo de ações empreendedoras. E hoje há uma gama de opções no Facebook que, se usadas adequadamente, podem potencializar os mais variados tipos de negócios/serviços, em diferentes áreas, formatos e portes”, destaca, ao acrescentar que, na rede social, há uma verdadeira democratização e inclusão por meio dos diversos pacotes oferecidos, que variam de acordo com as condições do empresário/empreendedor.

Especificamente sobre o curso de Psicologia no contexto das redes sociais, assim como já ocorre nos Estados Unidos e outros países centrais, o destaque é para a complementação profissional – no âmbito da Psicologia Organizacional –, com enfoque nas oportunidades geradas pelas redes e, também, o destaque à identificação e captação de mão de obra qualificada tendo a tecnologia como uma aliada. Há, portanto, uma ampliação do sentido atribuído ao empreendedorismo. Muito mais que a geração de negócios, entender como funciona a “engrenagem” das redes sociais – e o Facebook, hoje, é a principal delas – dá aos profissionais um capital intelectual extra para atuar nos mais diversos setores. “Nosso objetivo, nas visitas às feiras espalhadas pelo Brasil, é mostrar a potencialidade contida na rede. Afinal, o Facebook é a principal vitrine para pequenas empresas no Brasil, com mais de 94 milhões de pessoas conectadas”, complementa Fusco.

Mais números

Outro detalhe importante sobre o Facebook é que, hoje, ele tem se caracterizado como um importante gerador de empregos e renda para as pequenas e médias empresas brasileiras. De acordo com a Deloitte, 231 mil empregos foram criados e 10 bilhões de dólares foram injetados na economia nacional entre 2013 e 2014. São três milhões de páginas de pequenas empresas usando o Facebook, o que representa um aumento de 50% em relação ao ano passado, com 2,7 mil páginas criadas por dia no último ano.

Para os profissionais liberais de qualquer área, outra informação importante é que o Facebook se tornou, ao longo dos últimos anos, um imenso agregador de conteúdo. Sobre este assunto, o último relatório divulgado pela Parse.ly, agência que monitora e pesquisa o tráfego de várias empresas de mídia, aponta que a rede social é a maior fonte de visitas para os principais sites de notícias, ficando na frente inclusive do Google.

Fenepalmas

A Fenepalmas é uma realização da Associação Comercial e Industrial de Palmas (Acipa). Nesta quarta à noite, durante a abertura do evento, dentre as autoridades presentes esteve o governador Marcelo Miranda, o prefeito de Palmas, Carlos Amastha, além de presidentes de entidades parceiras e secretários municipais e estaduais. Todas as autoridades realizaram visita aos estandes.

Para o governador do Tocantins, Marcelo Miranda, a Fenepalmas é a expressão da força e da capacidade dos empresários. “É muito bom, é motivo de muito orgulho, constatar o progresso, a inovação e a competitividade das nossas empresas. E a Acipa exerce um papel preponderante para o sucesso dessa categoria, que muito contribui para o fortalecimento da nossa economia”, pontuou o governador. (Com informações da TecnoBlog, da ascom/Facebook e ascom/Acipa)

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Tomorrowland: utopia, empreendedorismo e crença na redenção tecnocientífica

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“A vida só pode ser compreendida, olhando-se para trás; mas só pode ser vivida, olhando-se para frente” Soren Kierkegaard


Dirigido por Brad Bird, a ficção “Tomorrowland – Um Lugar Onde Nada é Impossível” (2015) conta a estória de Casey Newton (Britt Robertson), uma adolescente com enorme curiosidade pela ciência e que num fatídico dia encontra uma pequena peça que permite que se transporte automaticamente para uma realidade paralela, criada por Frank Walker (George Clooney), um ex-garoto prodígio que hoje está desiludido. No longa, eles embarcam, com a ajuda de uma robô, numa missão repleta de perigos para finalmente desvendar os segredos do enigmático local, “em algum lugar no tempo e no espaço conhecido como ‘Tomorrowland’”.

A produção de Walt Disney é uma homenagem ao fundador (homônimo) da bilionária franquia de entretenimento dos EUA, considerado um dos ícones do empreendedorismo e que, como tal, conseguiu manter um grande senso de propósito durante toda a sua vida, uma confiança inabalável no futuro, além de uma disposição para os processos criativos e, claro, uma enorme esperança na redenção da humanidade através do avanço tecnocientífico. Estes são “ingredientes”, inclusive, que já começavam a povoar o imaginário da América antes mesmo das duas grandes guerras mundiais, e que desembocou no que hoje se convencionou chamar de “via empreendedora”. O estímulo, manutenção e perpetuação (de tais estados de “compreensão” do mundo) são alguns dos desafios de líderes e profissionais de toda ordem, notadamente os de Recursos Humanos, como psicólogos, por exemplo.

A produção “perdeu” o time e, em certa medida, como percebeu o público, levou muito tempo (duas horas de filme) para contar pouca coisa. Além disso, o longa também pode causar estranheza de parte do expectador brasileiro, que, dentre outras coisas, associa a dinâmica empreendedora com o discurso religioso.

Numa referência a Weber, conforme lembram Mauricio C. Serafim e Simone Ghisi Feuerschütte, no artigo “Movido pelo transcendente: a religiosidade como estímulo ao ‘espírito empreendedor’”, este “desconforto” surge porque as estruturas religiosas se apropriam do discurso empreendedor (ou seria o contrário?), pela racionalidade instrumental, notadamente nas esferas da legitimação da busca de oportunidades, da perseverança, do desafio constante, do “agir com coragem, não ser acomodado e ter iniciativa” (SERAFIM; FEUERSCHÜTTE – 2014).]

Há no Brasil, no entanto, uma visão paradoxal em relação ao empreendedorismo (defendido por uns, através do liberalismo, e atacado por aqueles que defendem um estado intervencionista). O resultado é que apesar de o país de ser uma das nações com forte cultura empreendedora, ainda é um dos locais mais difíceis para ter/manter o próprio negócio, como constata o Ranking Global do Empreendedorismo, lançado no final de 2014, ao apontar que entre 130 países analisados, o gigante sul americano está na 100ª colocação, atrás de nações como Ruanda, República Dominicana e, pasmem, Irã, dentre outros.

Por tudo isso, pode-se entender o porquê, a priori, a linguagem simbólica (ou mesmo explícita) de “Tomorrowland – Um Lugar Onde Nada é Impossível” causa uma reação de antagonismo no público, compelido por estruturas comparativas conflitantes.

Passada esta primeira – e necessária – análise, parte-se para a forte mensagem utópica contida no filme. E por utopia não nos apeguemos à clássica definição que se refere ao “que não está em nenhum lugar (topos)”, ou no sentido de sociedade perfeita em todos os níveis, logo, inalcançável. A abordagem está mais para “a possibilidade de uma utopia concreta”, onde há, sim, “espaço para novas alternativas”, mas mantendo-se o “lastro no mundo”.

De acordo com o filósofo Rogério Baptistella, em referência a Ernest Bloch (1885-1977), “parece que a utopia é algo histórico e intrínseco ao ser humano. Logo, não pode ser algo infundado, irrefletido, mas encontra o seu fundamento no fato de o homem constituir-se em ser inacabado, aberto”. Negar esta dinâmica, portanto, seria uma negação da própria vida. Não por menos, em “Tomorrowland” parte dos projetos que um dia já foram utópicos (ou inalcançáveis, na visão comum), atualmente estão incorporados (naturalizados) no cotidiano.

Desta forma, “ter sonhos” é parte indispensável para uma sociedade que quer ser referência na geração de conhecimento de ponta. A América conhece bem este pré-requisito. O próprio presidente Barack Obama, em recente discurso para jovens empreendedores, reforçou o apoio do estado à via empreendedora. Fez isso, presume-se, porque representa um projeto de nação que reconhece o homem como alguém que, “em seu trabalho e por meio dele, é constantemente remodelado, […] está constantemente à frente, topando os limites que já não são mais limites”. Assim, “tomando consciência deles, ele [o homem] os ultrapassa” (BAPTISTELLA, apud BLOCH, 2005).

Numa análise mais detalhada, há pontos de contato entre formas de utopias e certo aspecto de “transcendência” (como busca de completude/complementaridade); há também aproximações com o messianismo e sua visão de esperança, destemor e “avanço constante” (sem levar em conta, claro, a abordagem milenarista).


No mais, “Tomorrowland – Um Lugar Onde Nada é Impossível” evidencia uma profunda crença numa redenção humana através dos aspectos tecnocientíficos. Teóricos da Escola de Kyoto, contudo, já denunciaram os perigos de tal abordagem, por considerarem que, no percurso, se negligenciam as dinâmicas imanentes do mundo (e o caráter contingente da vida). A princípio, como “efeito colateral” de uma sociedade que confia demasiadamente na ciência está, dentre outras coisas, a falta de capacidade de introspecção e de delineação do que seja, de fato, algo que possa ser considerado genuinamente humano. [Este humano] passa a ser visto não como um fim em si,  confundindo-se então com a própria técnica (que é, essencialmente, instrumentalizada).

Para este tema, vale recorrer à filosofia de C.S. Lewis, que não era contra a ciência, deixe-se claro. Ele julgava [a ciência] profundamente importante e de especial impacto na vida das pessoas. No entanto, combatia o cientificismo, que é “a ideologia segundo a qual só a ciência é fonte válida de conhecimento, e que acaba transformando a ciência inclusive na fonte da moralidade”. Isso fica claro em “Tomorrowland”, quando um dos personagens rechaça a possibilidade de mudanças estruturais através da religião ou da política, deixando implícita a superioridade da ciência sobre as demais abordagens. Vale ressaltar, no entanto, que não se deve confundir cientificismo com positivismo, tema que merece um artigo à parte.


Por fim, como disse C. S. Peirce, “um homem deve ser definitivamente maluco para negar que a ciência fez muitas descobertas verdadeiras”. No entanto, a ciência “não é de modo algum algo perfeitamente bom. Ao contrário, como todos os empreendimentos humanos, é inexoravelmente falível e imperfeita. No máximo, seu progresso é irregular, desigual e imprevisível” (HAACK, 2012, pág. 4).

Essa reverência aos aspectos tecnocientíficos, que salta aos olhos em “Tomorrowland”, incorre no problema de se apropriar de um discurso “excessivamente entusiástico, [e de obter] uma incapacidade de reconhecer ou admitir sua falibilidade, suas limitações”. Sobre isso, nas palavras de C.S. Lewis, para que a humanidade não se “desumanize”, é necessário evitar cair nos extremos (seja do secularismo, seja do fundacionismo).

Desta forma, torna-se indispensável o uso da equidade de que fala Heidegger, para quem “ao ver nossa vida apenas em termos dos projetos nos quais estamos envolvidos, perdemos uma dimensão mais essencial da existência”. Para viver de forma autêntica, portanto, além de projetar-se para o futuro (numa utopia que gera os lastros para o progresso, com a ajuda da ciência) é necessário manter conexões com elementos essenciais da existência. E estas conexões parecem estar além dos sonhos ou das técnicas.

FICHA TÉCNICA

TOMORROWLAND – UM LUGAR ONDE NADA É IMPOSSÍVEL


Título Original: Tomorrowland
Ano de Lançamento: 2015
Gênero: Ficção
País de Origem: EUA / Espanha
Duração: 130 minutos
Direção: Brad Bird
Estúdio/Distrib.: Disney
Idade Indicativa: 10 anos

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