Knulp – O viajante – Hermann Hesse

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Knulp é um personagem criado por Hermann Hesse. Hesse foi um poeta e romancista alemão, nascido em 02 de julho de 1877, que conviveu com artistas alemães do final do século XIX que provocaram alterações no campo das artes, da política e dos costumes alemães. Conviveu com os principais artistas expressionistas. O Expressionismo foi um movimento cultural alemão do início do século XX, que durou de 1905 à década de 30, até a ascensão do nazismo. Dentre os seus representantes listam-se:

Egon Schiele, na pintura, com o seu quadro “O abraço”, de 1917;

Franz Kafka, na literatura, autor dos livros “O processo” e “A metamorfose”;

Alban Berg, na música.

Para Neto (1998), “o ideário expressionista está em sintonia com as sensações de desconforto e ansiedade, com estados de tensão, com a ’alma torturada.’” (p. 119). Como exemplo podemos pensar no desconforto vivido pelo personagem Gregor Samsa, do conto “A metamorfose”, de Franz Kafka, quando se transforma e vive em forma de um inseto. Mas isso serve apenas para exemplificar a dinâmica cultural em que viveu Hesse, sem querer dizer que o pessimismo dos expressionistas o tenha pegado também pelas escritas. Não. Pelo menos em Knulp, não.

Hesse nasceu em Calw, uma pequena cidade alemã. Escrevia desde jovem e em sua educação deparou-se com a cultura oriental que o influenciou na escrita. Foi rebelde com sua família, crítico da burguesia. De acordo com Mariano Torres (autor da orelha do livro traduzido do alemão para o português), Hesse era um homem de espírito inquieto que largou a escola e foi trabalhar como aprendiz de relojoeiro. Depois disso, foi trabalhar numa livraria. Aos 26, resolveu dedicar-se apenas à escrita, depois do sucesso de sua primeira novela chamada “Peter Camenzind”, de 1903.

Foi um viajante ligado ora à terra, ora ao mar. Lutou contra a IGM, enlouqueceu, tratou-se com psicanálise e dedicou-se à pintura também como forma de tratamento, como conta Antônio Gonçalves Filho em artigo pelo jornal O Estado de São Paulo (disponível em – http://m.estadao.com.br/noticias/arteelazer,museu-de-berna-expoe-150-obras-do-escritor,914606.htm). Filho ainda conta sobre a exposição de 150 obras em aquarela feitas por Hesse. A foto abaixo mostra um de seus quadros:

Antônio Gonçalves Filho comenta que Hermann Hesse aproveitava todos os pedaços de papel disponíveis para desenhar como mostram as “centenas de cartões natalinos de prisioneiros de guerra dos quais esteve encarregado. No verso desses, Hermann Hesse desenhou esboços de paisagens e estudos de perspectiva”.

Knulp é um viajante que não tem posses. Vive de cidade em cidade no interior da Alemanha e é sempre bem recebido pelas pessoas que ele conhece. Relaciona-se de maneira simples e profunda com as pessoas. Sua hermética profundidade o torna herói, aquele ser prodigioso, raramente visto, como se viajasse numa carruagem de fogo que só se deixava ser vista quando muito longe. Sua inabalável serenidade o faz louco, pois tem as ideias diferentes de todos os outros que o rodeia e, talvez até por isso, fosse tão respeitado e adorado. Possui uma liberdade com relação ao sofrimento que parece, a ele próprio, um alienígena.Suas histórias, mentiras e versos o fazem escritor de palavras ao ar, nas rodas movidas a mosto, a desapego e a sorrisos de meninas que lhe ficavam à volta suspirando sussurrosas. Sua maior preocupação foi quando achou que a solidão que sentiu no momento da morte, a mesma que sentiu durante toda a sua vida, fosse desespero, como ele mesmo diz em sua conversa com Deus.

– Aconteceu naquela ocasião – persistia Knulp sempre – naquela ocasião em que eu tinha quatorze anos e a Franziska me abandonou. Então ainda poderia ter feito tudo de mim. Aí alguma coisa arrebentou-se em mim ou foi posta a perder, e a partir de então não prestei mesmo mais… AH, o êrro foi unicamente não me teres deixado morrer com quatorze anos! Minha vida teria sido tão bela e plena como uma maça madura. (p.125)

E Deus lhe disse que era ingrato, pois Knulp pôde bem saltar pelos campos floridos e sorrir com as raparigas nas rodas de dança. Diz ainda que Knulp fez mal a um seu amor, mas que, por fim, andarilho havia de ser para espalhar o riso de criança. E deus lhe diz:

– Vê para que fazer-te diferente do que és? Em meu nome perambulaste e levaste, sem cessar, às pessoas sedentárias, um pouco de anseio por liberdade. Em meu nome fizeste tolices e deixaste que zombassem de ti; eu próprio fui zombado em ti e és um pedaço de mim e não experimentaste nem sofreste o que eu não tenha provado contigo. (p.129)

E, como numa alquimia elaborada, a sombra do desespero transformou-se na luz da liberdade. Knulp é uma ode à esperança, à amizade, à liberdade e ao caráter rústico da vida, de todos nós que somos como plantas criadas soltas, como pedras, pois sem acabamento e como os animais, na simplicidade. Algumas pessoas invejavam a vida de Knulp. Certa feita, o alfaiate Schlotterbeck,lamentava sobre a vida dura de alfaiate com cinco filhos para cuidar. Knulp, querendo dizer boas palavras ao amigo, fala:

– Olha-me! Tu me invejas e pensas: sua vida é fácil, nada de família e nenhuma preocupação! Mas não é assim. Eu tenho um filho, um gurizinho de dois anos que foi adotado por pessoas estranhas, pois não conheciam o pai e a mãe morreu no parto. Não precisas saber onde fica a cidade; mas eu sei, e quando chego lá, volteio a casa e me posto na cerca à espera. Quando tenho a sorte de ver o molequinho não ouso dar-lhe a mão nem beijá-lo; no máximo me animo a assobiar de passagem. Sim, assim é, e agora adeus, e fica feliz por teres filhos! (Hesse, 1971)

No breve resumo que faz sobre Hesse, Mariano Torres deixa a questão do quanto Knulp pode ser um livro autobiográfico.A medida da “projeção” de Hesse em Knulp é incerta, mas não se pode negar que a “projeção” de Hesse sobre o personagem, no sentido de lhe dar profundidade na serenidade e na sabedoria, é impecável.  Vejo em Knulp um homem de intensidade solitária, das com que se vive como herói, ou como louco ou como escritor. E Knulp era herói, louco e escritor, assim como Hermann Hesse.

Referências:

Hesse, Hermann. Knulp. Traduzido do alemão por Eglê Malheiros pela Editora Civilização Brasileira S.A., Rio de Janeiro, 1971.

Neto, Henrique Duarte. O expressionismo na poesia de Augusto dos Anjos. Publicado no Anuário de literatura como publicação de Curso de Pós-Graduação em Letras, Literatura Brasileira e Teoria Literária, ISSN 1414-5235, N°6, pags. 117 – 130, 1998. Disponível em:http://150.162.1.115/index.php/literatura/article/viewFile/5206/4798 Acesso em 21 de janeiro de 2013.

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Angústia e desespero existencial: O Grito de Edvard Munch

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“Passeava com dois amigos ao pôr do sol quando
o céu ficou de súbito vermelho-sangue.
Eu parei, exausto, e inclinei-me sobre a vedação.
Havia sangue e línguas de fogo
sobre o azul-escuro do fiorde e sobre a cidade.
Os meus amigos continuaram,
mas eu fiquei ali a tremer de ansiedade
e senti o grito infinito da Natureza.”

Edvard Munch

Vampire, 1895. Óleo sobre tela, 91 x 109 cm

Tristezas, obsessões e frustrações pessoais ganham formas e cores, em angustiantes representações, nas telas do pintor norueguês Edvard Munch (1863 – 1944). Sua obra abriu caminhos para o desenvolvimento do Expressionismo, movimento artístico concentrado na Alemanha entre os anos de 1905 e 1930, que é conhecido como a arte do instinto. No Expressionismo, a subjetividade ganha contornos dramáticos nas pinceladas, os sentimentos ganham nova plasticidade. O amor, o medo, a solidão, o abandono, entre outros flagelos da humanidade são (re)signifcados sob a estética da dor e dão a noção exata de que, nesse movimento, os valores emocionais se sobrepõe aos intelectuais.

As telas de Munch eram o espaço para manifestação de suas dores, de suas emoções. Era a sua forma de se comunicar com o mundo. O artista buscou transmitir com a sua arte suas mazelas psicológicas que aparecem em cores vibrantes, fundidas ou separadas. Próprio do Expressionismo, as técnicas e os materiais utilizados: pasta grossa, áspera, cores fortes, o movimento do pincel num vai e vem violento provoca “explosões” onde o patético, o trágico e o sombrio se desvelam criando uma atmosfera de vitalidade, de dor, de realidade. O seu modo de pintar era pessoal, intenso… Apaixonado.

A perturbação mental marcou a vida do artista. No início da década de 1890, Laura, sua irmã, foi diagnosticada uma doença bipolar, sendo internada num asilo psiquiátrico. Na mesma época, Munch esteve internado por dois meses em um hospital da França para “tratamento nervoso”. Chegou a ser diagnosticado como portador de grave neurastenia. As telas do artista são reflexos de seus traumas e relações mal resolvidas: presenciou aos 5 anos a morte da mãe e de uma irmã, que morreram de tuberculose; teve uma relação conflituosa com o pai, que rompeu quando decidiu se dedicar à pintura; se envolveu com uma mulher casada que só lhe trouxe mágoa e desespero.

A criança doente, 1885-86. Óleo sobre tela. 119,5 x 118,5 cm.

O Grito, de 1893, é uma das obras mais importante do movimento expressionista. Ele expressou o seu inferno interior e o mal-estar que a loucura representava em seu cotidiano. O quadro representa uma pessoa num momento de profunda angústia e desespero existencial. O cenário de fundo é a doca de Oslofjord, em Oslo, ao pôr do sol.

O Grito, 1893, óleo sobre tela, 91 x 73 cm

A tela apresenta uma figura humana com linhas sinuosas, que nos dá a dimensão exata do desespero de um sujeito que se contorce sob o efeito de sua dor, de suas emoções. As linhas sinuosas também estão presentes no céu, na água. A linha diagonal da ponte direciona o olhar do espectador para a boca da figura que se abre num grito perturbador. A sensação é de querer extravasar a nossa dor junto com esse sujeito que sofre, que sente, que se desespera. Gritamos com ele.

O que espantou os críticos alemães do fim do século XIX foi que o pintor norueguês não pintava o que via, mas “exprimia o que atormentava sua alma”.  O próprio Munch revelou que pintava os traços e as cores que afetavam o seu olhar interior. Ele pintava de memória sem nada acrescentar, sem os pormenores que já não via à sua frente. Talvez seja essa a razão da simplicidade das suas telas, do seu óbvio vazio. Ele pintava as impressões da sua infância, trazia as cores de um dia esquecido.

Edvard Munch não foi reconhecido na França como um grande pintor. Na verdade, era considerado, inclusive pelos demais artistas, resultado de uma arte alemã de má qualidade. Como não foi aceito no berço impressionista, Munch retornou para a Noruega. Lá também não foi bem recebido. Decidiu ir para a Alemanha, em 1901. Lá suas obras tiveram um impacto positivo e, em Berlim, ele preparou a famosa série “O Friso da Vida”, definida por ele como “um poema de vida, amor e morte.”

Dança da Vida, da série O Friso da Vida

Dança da Vida, da série O Friso da Vida

Em 1908 sofreu uma depressão nervosa e foi para Copenhague, capital da Dinamarca. No ano seguinte, retornou à Noruega, onde residiu até morrer, em 1944. Tempos depois, alguns críticos compreenderam a originalidade de sua obra que estava, sobretudo, construída na experiência psicológica.

É fato que pouco compreendemos das suas pinturas, mas muito sentimos.

Saiba mais:

http://www.edvardmunch.org/

http://www.infoescola.com/biografias/edward-munch/

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