“O Cérebro de Hugo” é uma ponte que transpassa um rio torrencial, atulhado de espirais astutas, como a insipiência e o preconceito. Todavia, aquele que é capaz de chegar à outra borda, compreenderá que eles, do mesmo modo que nós, aspiram, unicamente, serem aceitos, respeitados e amados.
Sob a direção de Sophie Révill, “O Cérebro de Hugo”, originalmente “Le Cerveau D’Hugo” é um documentário ficcional produzido na França em 2012 que traz uma série de depoimentos de pessoas autistas (com Transtorno do Espectro Autista – TEA) acerca dos múltiplos obstáculos vividos, do processo de diagnóstico e seu convívio com familiares, bem como sobre as principais intervenções realizadas por psiquiatras pesquisadores da área, como Leo Kanner, Hans Asperger, Bruno Bettelheim, Margaret Bauman e Thomas Kemper. O longa também discorre e põe em destaque a história de um personagem fictício chamado Hugo.
Hugo era um menino que possuía a Síndrome de Asperger, também conhecida e apresentada como autismo de alto funcionamento (Nível 1). Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-5 (APA, 2014), esse é um transtorno no qual os sinais tornam-se mais evidentes e acentuados na primeira infância, prolongando-se por toda a vida do sujeito (SILVA; GAIATO; REVELES, 2012). O TEA caracteriza-se por déficits perseverantes na comunicabilidade e interação social em numerosos cenários, como também pela existência de padrões limitados e recorrentes de comportamento, interesses ou atividades, cuja etiologia estaria ligada à fatores genéticos e biológicos, sendo assim, presente desde o nascimento e não desenvolvida ao longo da vida, conforme apresentado no filme.
Fonte: https://bit.ly/38RmJas
Muitos dos indivíduos com o Transtorno do Espectro Autista também podem apresentar algum tipo de comprometimento intelectual e/ou da linguagem, déficits motores (marcha atípica, falta de coordenação), redução ou ausência de contato visual, estereotipias ou movimentos repetitivos, assim como o uso de objetos e fala de forma repetitiva.
Segundo o DSM-5 (APA, 2014), o TEA apresenta três níveis de gravidade, que são distinguidos a partir da obtenção de dados e observação clínicos, conforme a exigência de apoio que o indivíduo necessita. São eles:
Nível 1 – Exigindo Apoio: dificuldade para iniciar interações sociais, bem como interesse reduzido por estas (comunicação social); dificuldade em trocar de atividades; planejamento e organização disfuncionais (comportamentos restritos e repetitivos);
Nível 2 – Exigindo Apoio Substancial: limitação em dar início a interações sociais, déficits graves na comunicação verbal e não verbal, apresentando prejuízos sociais aparentes mesmo na presença de apoio (comunicação social); presença de comportamentos restritos e repetitivos, inflexibilidade, sofrimento em lidar com a mudança, como também, em mudar o foco ou as ações (comportamentos restritos e repetitivos);
Nível 3 – Exigindo Apoio Muito Substancial: déficits e prejuízos graves nas capacidades de comunicação social verbal e não verbal, vasta limitação em dar início a interações sociais e retorno ínfimo a estas (comunicação social); inflexibilidade, extrema dificuldade em lidar com a mudança, ocorrência de grandes prejuízos no funcionamento do sujeito na sociedade em decorrência de comportamentos restritos e repetitivos, grande dificuldade para mudar o foco ou as ações (comportamentos restritos e repetitivos).
Fonte: encurtador.com.br/pHV15
Logo ao nascer, a mãe de Hugo (Elisa) percebeu que o filho apresentava certas características que o distinguia das demais crianças. Além de não interagir com seus pais e mostrar-se indiferente em relação aos cuidados de sua mãe, Hugo chorava excessivamente e nada o consolava. Quando mais velho, exibia comportamentos “estranhos”, como alinhar incansavelmente determinados objetos; correr de um lado ao outro sem parar e balançar as mãos (comportamentos repetitivos e estereotipados); comportamentos autolesivos e ataques de fúria; ausência de contato visual; rejeição ao contato físico; interesse restrito a uma atividade e assunto; desordem frente a erros e exposição; sensibilidade auditiva e dificuldades em relacionar-se com outras crianças e em comunicar-se com outrem, pronunciando as primeiras palavras após os seis anos de idade.
Devido ao seu comportamento “imaturo”, diversos profissionais acreditavam que Hugo possuía retardo mental severo, o qual, atualmente, é compreendido como Deficiência Intelectual (DI), e abarca déficits em capacidades mentais genéricas (raciocínio, planejamento, pensamento abstrato, aprendizagem, solução de problemas, entre outros) e funcionais, tanto adaptativos quanto intelectuais, nas habilidades conceituais, sociais e práticas. Estes déficits originam perdas no funcionamento adaptativo do indivíduo e limitam o desempenho esperado em atividades cotidianas, como por exemplo, a comunicação, afetando também a participação social e independência em copiosas esferas, tais como escola, trabalho, casa e sociedade (APA, 2014).
Fonte: encurtador.com.br/pHV15
Apesar de determinadas características do TEA serem semelhantes a certos aspectos da DI, como a dificuldade na área de comunicação, e a última poder ser uma comorbidade do transtorno (APA, 2014), ao longo do tempo, percebeu-se que o diagnóstico dado à Hugo poderia estar incorreto. Descobriu-se que ele tinha “um traço cognitivo raro caracterizado pela capacidade de identificar a altura de qualquer nota musical sem referência externa” (GERMANO et al., 2013, p. 1), designado ouvido absoluto, o qual lhe conferia uma grande aptidão para a música. A paixão de Hugo se tornou o piano e mesmo com inúmeras dificuldades, sua dedicação fez com que se destacasse, principalmente na idade adulta.
O documentário, muito além de retratar os critérios diagnósticos do Transtorno do Espectro Autista, a trajetória de Hugo e seu progresso na vida e na música e, as histórias de outras pessoas com TEA, evidencia o percurso dos tratamentos e intervenções psicológicas, destacando os principais psiquiatras que estudaram e desenvolveram metodologias a fim de minimizar o transtorno e, dia após dia, afastar o indivíduo de sua “prisão interior”.
Ainda, traz críticas a respeito dos métodos de ensino, os quais denegavam crianças atípicas em função de sua forma singular de aprender; e sobre a importância de uma avaliação minuciosa para um diagnóstico correto, uma vez que esse processo implica consequências na vida dos familiares e envolvem questões emocionais, reajustes no orçamento para melhor cuidar dessa criança e readaptação às novas condições.
O documentário traz à tona a realidade do cotidiano de Hugo e outros autistas, os impasses em viver como crianças/adultos típicos, em relacionar-se com familiares e estranhos, viverem em sociedade, em serem admitidos em um emprego e como são menosprezados e, tantas vezes, considerados deficientes intelectuais, quando de fato, podem ser grandes prodígios. Outrossim, também enfatiza o afinco de todos àqueles que os estimam para que sejam capazes de construírem laços afetivos e perscrutarem suas competências intelectuais e artísticas.
“O Cérebro de Hugo” é uma ponte que transpassa um rio torrencial, atulhado de espirais astutas, como a insipiência e o preconceito. Todavia, aquele que é capaz de chegar à outra borda, compreenderá que eles, do mesmo modo que nós, aspiram, unicamente, serem aceitos, respeitados e amados.
FICHA TÉCNICA:
O CÉREBRO DE HUGO
Título original: Le Cerveau D’Hugo Direção: Sophie Révill Elenco: Thomas Coumans, Guillaume Briat, Thierry Godard, Jennifer Decker; Ano: 2012 País: França Gênero: Documentário ficcional.
REFERÊNCIAS:
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION et al. DSM-5: Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Artmed Editora, 2014.
GERMANO, N. D. G. et al. Categorização de ouvido absoluto em estudantes de música de nível universitário das cidades de São Paulo e Brasília. Anais do IX Simpósio de cognição e artes musicais, p. 21-32, 2013.
O CÉREBRO DE HUGO. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=PKhS4WlG234> Acesso em: 02 jul. 2020.
SILVA, A. B.; GAIATO, M. B.; REVELES L. T. Mundo singular: Entenda o Autismo. Rio de Janeiro: Editora Fontana, 2012.
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“Loucos de amor” e a relação entre pessoas do espectro autista
O filme Loucos de Amor (Mozart and the Whale) é baseado na história verídica de Jerry e Mary Newport, narrada num artigo do Los Angeles Times em 1995. O filme reconta a história a partir dos personagens Donald e Isabelle, dois adultos jovens com Síndrome de Asperger, atualmente denominada como Transtornos do Espectro do Autismo (TEA) (APA,2014). Donald trabalha como taxista e é excelente com números, sendo capaz de resolver operações matemáticas complexas sem necessitar de qualquer auxílio; já Isabelle é uma cabeleireira que se destaca por sua aparência nos locais onde frequenta e ambos apresentam grande afeto por animais.
É possível observar que Donald apresenta um padrão de comportamento: ele não faz contato visual com outras pessoas e faz contas matemáticas constantemente, com números com os quais se depara ao longo do dia. Logo no início do filme Donald se envolve em um acidente, batendo o táxi no qual trabalha em outro carro. Donald então abandona o táxi e segue para o grupo de autoajuda, que ele criou, para pessoas com autismo e é neste grupo que ele conhece Isabelle, que relata que desde criança entende o que é dito por outras pessoas a sua volta de forma literal. Donald também conta a sua história e diz que cresceu em uma bela casa e que quando tinha 02 anos seus pais perceberam que ele era diferente, não sendo ele a criança normal que todos os pais desejam.
Fonte: https://bit.ly/3iYCgKn
A partir dos encontros no grupo, Donald e Isabelle se engajam em um relacionamento, que é confuso para Donald, que não sabe bem os passos que deve seguir, pois ele sempre cumpriu sua rotina específica e de certa forma solitária, não sabendo quais atitudes tomar diante de mudanças, como em um momento em que Isabelle resolve fazer uma surpresa para Donald, organizando e limpando o seu apartamento, além de redecorar algumas coisas que para ela eram consideradas lixo, mas para ele eram coisas de seu interesse específico. Aquele era o seu apartamento, seu modo de organização e, o principal, aquelas coisas eram relevantes para ele. Tudo isso faz com que Donald reaja com agressividade, pois a mudança o afeta, e ele só se acalma depois de um tempo, calculando e fazendo movimentos estereotipados com as mãos e se balançando, em pé, como se estivesse em uma gangorra. Para Isabelle o relacionamento parece uma aventura e ela sempre está muito entusiasmada, mas para os dois é um campo inexplorado.
Os protagonistas decidem ir morar juntos em uma casa alugada junto com os animais de estimação de ambos. Existe uma tentativa de compreensão, por parte dos dois, neste período em que vivem juntos. Donald deixa que Isabelle pinte as paredes de acordo com o que ela expressa em suas obras de arte, enquanto Isabelle não organiza as “bagunças” que Donald deixa pela casa. Apesar destas tentativas, ambos não conseguem ficar juntos e acabam se desentendendo, pois Donald pede para que Isabelle aja de forma “normal” durante a visita de seu chefe a casa deles e Isabelle fica ofendida com isso, discutindo com Donald, pois para ela não existe a possibilidade de pessoas autistas agirem de forma normal, pois eles não são “normais”.
Ambos sofrem muito com a falta do outro e, quando se entendem novamente, Isabelle pede para que ambos sejam apenas amigos, pois é tudo o que ela tem para oferecer. Mas Donald não consegue entender isso e acaba pedindo Isabelle em casamento, ao que ela reage mal, tentando cometer suicídio. A tentativa de suicídio não é bem sucedida e Isabelle recebe alta do hospital e sua terapeuta pede para que Donald não ligue nem a procure mais. Donald sofre muito com isso e tenta de todas as formas resistir à tentação de ligar para a amada, mas acaba encontrando-a no seu local de trabalho. Dessa forma, vai atrás dela para que possam se entender e para que possa lhe explicar o motivo pelo qual não ligou mais, após o que aconteceu.
Fonte: https://bit.ly/2CtPhe8
No final Donald e Isabelle resolvem ficar juntos, mas sem promessas de como será o futuro, pois não há como prever como se adaptarão às mudanças que a vida de casado irá exigir, porém o que se sabe é que ambos desejam permanecer um na companhia do outro como marido e mulher e o filme é encerrado com Isabelle celebrando juntamente com Donald e os demais integrantes do grupo de ajuda para autistas, a família que eles se tornaram.
A 5ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM- 5) (APA, 2014) expõe que a pessoa com TEA, apesar de uma aparência física que não indica déficits, se caracteriza pela inabilidade de desenvolver relacionamentos com pessoas, pelo atraso na aquisição da linguagem, no uso não comunicativo da linguagem após seu desenvolvimento, pela tendência à repetição da fala do outro, ecolalia, por uso reverso de pronomes, por movimentos repetitivos e estereotipados, na insistência obsessiva na manutenção da rotina rígida e um padrão restrito de interesses peculiares, pela falta de imaginação, pela boa memória mecânica.
Ficou notório na observação dos comportamentos dos protagonistas do filme déficits na reciprocidade socioemocional, dificuldades de estabelecer uma conversa típica, compartilhamento reduzido de interesses e dificuldades para iniciar ou responder interações sociais. Foi possível observar, ainda, déficits nos comportamentos comunicativos não-verbais usados para interação social, dificuldade no contato visual e linguagem corporal, dificuldade na compreensão e uso de gestos.
Fonte: https://bit.ly/2ZZE9xy
Desde criança, pessoas com autismo indicam menor frequência de habilidades sociais, comprometimento acentuado na interação social e comunicação, bem como um repertório restrito de comportamentos, atividades e interesses. O autismo tende a implicar sérios prejuízos na aprendizagem de habilidades sociais, influenciando outras áreas do desenvolvimento da criança (FREITAS; DEL PRETTE, 2013), desta maneira é importante que pessoas do espectro autista façam terapia e desenvolvam habilidades sociais.
De acordo com Silva, Del Prette e Del Prette (2013), as habilidades sociais são comportamentos que acontecem nas interações sociais e facilitam relacionamentos saudáveis, como por exemplo identificar emoções, expressar empatia e fazer amizades. Estas colaboram no processo de socialização, uma vez que favorecem o desenvolvimento e o ajustamento na sociedade, assim como integram recursos que facilitam a convivência.
Ainda de acordo com Freitas e Del Prette (2013), o Treinamento de Habilidades Sociais (THS) é essencial devido as associações positivas descobertas entre um repertório elaborado nessa área e diversos indicadores de funcionamento adaptativo, como por exemplo relações satisfatórias com pares e adultos, status social positivo no grupo e menor frequência de problemas de comportamentos.
Os Treinos de Habilidades Sociais devem ser realizados de acordo com a necessidade de cada pessoa, pois as intervenções com pessoas autistas devem levar em consideração as possibilidades de cada indivíduo. A pessoa autista que vai a terapia tem maior probabilidade de encontrar uma intervenção com uma etapa inicial que levante uma linha de base (descrevendo o repertório comportamental inicial), com uma avaliação funcional dos déficits e excessos comportamentais observados, sendo selecionadas metas para a intervenção e se fazendo análise de tarefas dessas habilidades específicas selecionadas, de forma a ser possível acompanhar progressos (DUARTE; SILVA; VELLOSO, 2018).
FICHA TÉCNICA:
LOUCOS DE AMOR
Título original: Mozart and the Whale Direção:Petter Naess Elenco: Josh Hartnett, Radha Mitchell, Gary Cole, Sheila Kelley; Ano: 2005 País: EUA Gênero: Drama; Romance.
REFERÊNCIAS:
ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA (APA). Manual diagnóstico e estatístico de transtorno mental: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. 948 p. Tradução de: Maria Inês Corrêa Nascimento et al.
DUARTE, Cintia Perez; SILVA, Luciana Coltri e; VELLOSO, Renata de Lima. Estratégias da análise do comportamento aplicada para pessoas com transtornos do espectro do autismo. São Paulo: Memnon Edições Científicas, 2018.
FREITAS, Lucas Cordeiro; DEL PRETTE, Zilda Aparecida Pereira. Habilidades Sociais De Crianças Com Diferentes Necessidades Educacionais Especiais: Avaliações e Implicações Para Intervenção. Avances en Psicología Latinoamericana, v. 31, n. 2, p. 344–362, 2013.
SILVA, Ana Paula Casagrande; DEL PRETTE, Almir; DEL PRETTE, Zilda Aparecida Pereira. Brincando e aprendendo habilidades sociais. [S.l: s.n.], 2013.
Quando se quer entender as causas que levam a pessoa a cometer suicídio, é necessário analisar o estado emocional em que o indivíduo se encontrava antes de praticar tal ato. Ao analisar a pessoa, conseguimos identificar alguns aspectos que podem ter levado ao suicídio como: a solidão, a baixa autoestima e a não aceitação nos padrões da sociedade. A maioria desses aspectos é silencioso – nos quais serão abordados com mais ênfase ao longo do trabalho, juntamente com outros fatores que desencadeiam o suicídio. Quem está em volta só percebe quando tem um contato próximo com a vítima. O silêncio só ocorre no meio externo, internamente a pessoa está com pensamentos constantes e doentios, que muitas vezes levam a fazer o ato.
Segundo Émile Durkheim (1897, p. 360): “A tristeza não é inerente às coisas; ela não nos vem do mundo e pelo simples fato de o pensarmos. Ela é o produto de nosso próprio pensamento. Somos nós que a criamos integralmente, mas para isso é preciso que nosso pensamento seja anormal.” A solidão é um dos males que tem feito muitas pessoas desistirem de viver. A falta do afeto, dos amigos e da própria família leva muitos a tirarem suas vidas, para se livrarem do isolamento de alguma forma. Estas pessoas muitas vezes não estão só, elas podem estar rodeadas de amigos e parentes, entretanto, mesmo assim se sentem só e isoladas interiormente. Esse afastamento, sistematicamente nem notado, causa um estado de profunda tristeza, pois a pessoa só consegue enxergar seu estado de miséria. Durkheim explica esse estado de isolamento no seu livro O Suicídio (1897, p.358):
Quando, portanto, a consciência se individualiza além de um certo ponto, quando se separa muito radicalmente dos outros seres, homens ou coisas, ela já não se comunica com as próprias fontes em que normalmente deveriam se alimentar e não tem nada a mais que possa se aplicar. Produzindo o vazio em torno dela, produziu o vazio em si mesma e nada mais lhe resta sobre o que refletir a não ser sua própria miséria.
A solidão faz com que a pessoa viva um vazio intenso, além disso, ela ainda sofre com os padrões da sociedade, que muitas vezes são inalcançáveis, gerando nela uma baixa autoestima. Os indivíduos vivem fundamentados em diversos padrões, muitas vezes nem percebidos, a maioria da população não consegue seguir essas exigências, mas por causa da grande influência da mídia, a maioria acredita ser essencial buscar viver guiado por esses aspectos, nos quais as guiam de uma forma sutil. Essas exigências, que são muitas vezes não são alcançadas, provocam nas pessoas um sentimento de fracasso, gerando consequentemente uma baixa autoestima.
Fonte: http://zip.net/bntLwL
Como afirma Durkheim (1897, p. 322): “[…] Mas então suas próprias exigências tornam impossível satisfazê-las. As ambições superexcitadas vão sempre além dos resultados obtidos, sejam eles quais forem, pois elas não são advertidas de que não devem avançar mais. Nada as contenta, portanto, e toda essa agitação alimenta a si mesma, perpetuamente, sem conseguir saciar-se […]”.
Em toda e qualquer idade se vê o sofrimento por causa disso, porque para a maioria das pessoas o sentir-se bem significa ser aceito na comunidade, e a não aceitação gera um mal-estar. Qual seria a forma para diminuir a solidão, e estabilizar a autoestima das pessoas, sendo que a maioria sofre de alguma forma com esses aspectos, uns mais e outros menos? A resposta seria: O afeto. Porque através dele o indivíduo consegue se sentir acolhido, mais amparado, amado e aceito, gerando assim laços fortes que ajudam a diminuir esse mal estar que leva ao suicídio.
A importância da Sociedade na Minimização do Suicídio
É fácil notar que o ser humano não nasceu para viver isolado. Buscamos constantemente, até mesmo inconscientemente, nos sentir pertencentes a algum meio. Segundo o livro Amor e Sobrevivência de Dean Ornish, estar integrado a um meio íntimo e amoroso é fundamental para a nossa sobrevivência, pois por um lado pode evitar um ato suicida e por outro pode fortalecer nossa saúde física e psicológica.
Fonte: http://zip.net/bdtLZf
A sociedade em si tem um papel importantíssimo na minimização do suicídio. Por exemplo, umas das pesquisas mais importantes sobre o suicídio foi realizada pelo sociólogo Durkheim, no qual fala que a decisão de tirar a própria vida, sempre teria um fundamento social: “[…] a pesquisa de Durkheim o levou a concluir que o principal fator que afetava o índice de suicídios era o grau de interação social dos grupos. Verificou que o nível de integração de um indivíduo a um grupo determinava a maior ou menor probabilidade de esse indivíduo cometer suicídio” (ORNISH, 1998, p. 31).
Ou seja, quando as pessoas se sentem amadas e aceitas por um grupo, elas têm menos chances de cometer suicídio, apesar desse não ser o único fator. Logo, pesquisas exibidas no livro Amor e Sobrevivência de Dean Ornish, M.D, comparam pessoas que têm pouco ou nenhum envolvimento com a família, grupo de amizade sólido, até mesmo envolvimento em comunidades ou seitas religiosas, enfim, a sociedade em si, com pessoas que têm muito envolvimento com o corpo social e perceberam que os indivíduos que continham muita interação eram os mais saudáveis psicologicamente e fisicamente mesmo que estes se preocupassem menos com a saúde do que aqueles que tinham pouco envolvimento, mas praticavam exercícios físicos.
Portanto, podemos perceber que ter uma boa relação com o meio no qual estamos inseridos, implica diretamente na saúde física e psicológica e se o nosso físico e psicológico estão fortalecidos é mais difícil adquirir um quadro depressivo no qual no futuro poderia desencadear no suicídio. Concluindo, uma boa relação afetiva com o âmbito social pode evitar um impulso kamikaze.
Fonte: http://zip.net/bltKZK
Porém, se a anulação à sociedade pode gerar um mal-estar, a socialização demasiada também pode causar o mesmo efeito. Segundo o sociólogo Émile Durkheim no seu livro O Suicídio, quando o indivíduo está totalmente integrado à sociedade ele poderia tirar a própria vida em benefício de alguém ou de alguma crença, como, por exemplo, os mártires da igreja católica. Para esse tipo de suicídio Durkheim deu o nome de altruísta, no qual também definiu suas características: detém o sentimento de dever cumprido, entusiasmo místico e coragem tranquila. Eis os dois lados da sociedade e sua influência sobre o ato do suicídio e como o a importância do afeto como minimizador do atentado à própria vida.
A Importância da Família do Afeto
Uma base familiar sólida, com vínculo afetivo é de extrema importância para o desenvolvimento saudável do psíquico/emocional. Quando a criança não possui, ou seja, não recebe esta referência, a tendência de se tornar um adulto inseguro, carente e dependente de uma ligação afetiva, faz que com que ela crie vínculos superficiais, a fim de se defender de futuras decepções. Outro ponto relevante é a forma como o adulto trata a criança, os gestos, às expressões sobre como ela é, isso, se concretiza, podendo assim analisar sua personalidade. Esse cuidado é fundamental, pois o comportamento na infância repercutirá na vida adulta desse ser. Assim como diz Dean Ornish: ‘’[…] os pais são geralmente a fonte mais importante de amor, apoio social e intimidade em nossa vida’’ (ORNISH, 1998, p. 45).
Fonte: http://zip.net/bttL9B
Em se tratando da adolescência onde essa fase é cheia de conflitos, transformações biológicas, psicológicas e sociais, a família deve estar totalmente atenta, a fim de lidar com as inseguranças desse adolescente que se vê cheio de cobranças diante as tantas mudanças. De acordo com Dean Ornish: ‘’[…] o apoio emocional pode proporcionar uma sensação de finalidade, significado e de pertencer ao mundo que vive. Onde se encontra o importante papel da família.’’ (ORNISH, 1998, p. 35).
A fase adulta é onde a busca da realização profissional, formação da família, a chegada dos filhos e a independência financeira traz importantes responsabilidades, o que muda completamente a vida do ser humano, onde a maturidade emocional deve estar em perfeita harmonia. Ou seja, ‘’[…] se sua experiência familiar foi repleta de amor e carinho, você tem maior probabilidade de ser aberto em seus relacionamentos atuais’’ (ORNISH, 1998, p. 45).
Enfim, a família pode ajudar o depressivo, buscando ter um relacionamento íntimo e recíproco, ou seja, lhe dando carinho, respeito, proporcionando incentivos, permitir que o deprimido dialogue a respeito da vontade de tirar a própria vida e principalmente ser empático e responder com amor a essa conversa, ao ponto da pessoa se sentir acolhida, segura e amada. Não existem dúvidas de que a família deve buscar conhecimento sobre o assunto, se preparar, para então ajudar e dar o apoio necessário, porém, mais que isso é preciso estar atento ao comportamento do parente, estar disposto a se envolver e incentivar o deprimido para que o mesmo não abandone o tratamento. Outro fator relevante é buscar ajuda em grupos de apoio, onde todos abordarão sobre o mesmo assunto, no qual irá contribuir para o entendimento da depressão.
Fonte: http://zip.net/bbtLlw
Por fim, ‘’ […] depende de vários fatores, principalmente da forma como cada um de nós enfrenta o problema, o nível de informação de que dispomos (nós familiares e amigos) para lidar com ele, e as redes de assistência disponíveis’’ (TRIGUEIRO, 2000, p. 70). O fato é que varias hipóteses podem ser levantadas, porém nenhuma delas se pode generalizar, visto que cada ser humano tem suas particularidades quando o assunto é suicídio, e o mais importante não subestimar e nem menosprezar as atitudes suicida e o comportamento desse familiar.
A Solidão
A vida solitária passa a ser um problema quando causa sofrimento na pessoa, e esta começa a se isolar da sociedade entrando, em um quadro depressivo, pois, ela carrega consigo uma sensação de desesperança e incapacidade de sentir prazer e vontade, ou seja, nada vale a pena, nem mesmo a vida. ‘’Sou eu que preciso de ajuda ou o mundo se tornou mesmo um lugar estranho, sem graça?’’ (TRIGUEIRO, 2000, p.63).
Fonte: http://zip.net/bttL9C
Como visto no tópico sobre a importância da sociedade; estar totalmente ou parcialmente afastado da comunidade pode gerar um mal-estar na saúde e no psicológico das pessoas. Pesquisas expostas no livro Amor e Sobrevivência de Dean Ornish mostram claramente este argumento à respeito da saúde: ‘’Por exemplo, há mais de quarenta anos, observou-se que os índices mais altos de tuberculose são registrados em pessoas isoladas, com pouco apoio social, mesmo quando moram em bairros ricos’’(ORNISH, 1998, p. 38). Se o isolamento causa este tipo de doença física na pessoa, pode-se imaginar o que se causa no psicológico também. Por este motivo que é tão fácil uma pessoa apartada da sociedade, por vontade própria, cometer suicídio. O que se sabe é que depressão não tratada leva o indivíduo ao suicídio, pois quem sofre com esta doença acha que se matando irá acabar também como o seu sofrimento.
O apoio familiar é de suma importância, ao ponto de ser um bom ouvinte sem julgar sem querer dar conselhos ou opiniões, buscar conhecer esse sofrimento, levar em consideração tudo que se ouve, estar disponível a ajudar fazendo a ver o quão importante ela e sem fazer comparações, buscar ver a situação do ponto de vista que causa tanto sofrimento. ‘’Também reconhecida como transtorno do humor, a depressão se manifesta de diferentes maneiras ou graus de intensidade. Se imaginarmos uma alma de ferro que se desgasta de dor e enferrujam com a depressão leve, então a depressão severa e o assustador colapso de uma estrutura inteira” (TRIGUEIRO, 2000, p. 71).
Fonte: http://zip.net/bltKZL
O ser humano tem a necessidade de se sentir pertencente a algum grupo e necessita ver na sua vida alguma razão para a sua existência, isso faz com que nós experimentamos o bem estar. A solidão se agrava quando o indivíduo não tem essa perspectiva de que é importante e de que sua vida tem algum valor para a sociedade em geral, como afirma Émile Durkheim:
[…] é necessário que, não apenas de quando em quando, mas a cada instante de sua vida, o indivíduo possa perceber que o que ele faz tem um objetivo. Para que sua existência não lhe pareça vã, é preciso que ele a veja de modo constante, servir a um fim que lhe diga respeito imediatamente. Mas isso só é possível desde que um meio social mais simples e menos extenso o envolva de mais perto e ofereça um fim mais próximo à sua atividade (DURKHEIM, 2000, p. 489).
A solidão pode ser vivida mesmo a pessoa estando no meio da multidão, por isso o afeto desde a infância é algo extremamente necessário, a família precisa dar apoio desde as primeiras horas de vida até a velhice, para assim evitar futuros problemas emocionais que na maioria acarretam suicídio.
O Egoísmo
A primeira vez que um ser humano se juntou ao outro foi a partir da necessidade de procriação, e com isso o número da população foi crescendo aos poucos, tudo era feito em conjunto desde caçar, se alimentar, se proteger, entre outros aspectos que fizeram que a raça humana se perpetuasse. A sociedade aos poucos foi mudando e sempre que havia união entre as pessoas algo mudava no mundo.
Aquele velho ditado que diz que a união faz a força realmente tem muito sentido, desde revoluções a terríveis guerras, mesmo sendo algo tão destrutivo. Mas algo está mudando na vida das pessoas, uma peça chave está mudando todo conceito de unidade: o egoísmo. Na pós-modernidade o tempo acelerado tem feito as pessoas focarem mais em si, formando assim uma sociedade mais egoísta. Como exibido no livro Amor e Sobrevivência de Dean Ornish, a atenção, o amor, a dedicação muda muita coisa, podendo prevenir doenças e até mesmo o suicídio, que é o principal foco desse trabalho.
Fonte: http://zip.net/bgtLp6
O egoísmo tem mudado muitos aspectos pelo mundo, no qual altera inúmeras realidades, como diminuição do numero de natalidade, maiores casos de depressão, doenças cardíacas, aumentou os casos de suicídio, e a realidade de cada lugar do mundo mesmo que por muitas vezes sendo diferente, tem a mesma consequência. Quando o nós saiu de cena e entrou apenas o eu, é perceptível a mudança em um contexto geral. A individualidade, ou seja, não conseguem interagir mais socialmente, não interagindo com a família, amigos, entre outros grupos sociais existentes, não sentem mais aceitos no mundo, e surgem pensamentos melancólicos, como ninguém me aceita, ninguém gosta de mim, ninguém me entende, entre outros pensamentos negativos que vão deixando a pessoa cada vez mais pra baixo, chegando ao extremo de tirar própria vida.
Considerações Finais
O que fazer para mudar isso, como acabar com egoísmo e o suicídio, como perceber que uma pessoa precisa ser amada e aceita pela sociedade e pela família sem direcionar essa resposta levando a culpa para o governo ou para órgãos responsáveis? Não tirando de lado alguns erros causados pelos mesmos, mas a principal mudança precisa partir do eu para chegar ao nós. Se tirássemos as vendas dos olhos, seria bem possível ver que matamos pessoas, não diretamente, mas moralmente, por conta de agressões verbais, nas quais podem causar inúmeros problemas.
O amor seria uma forma de curar o mundo, pois o amor teria que começar principalmente no indivíduo, que seria o amor próprio, e depois ir para um todo, se assim fosse, os índices de suicídio diminuiriam de uma boa parte, pois nem tudo é causado por um único agente, como foi exposto neste trabalho, tem vários casos e fatores nos quais são muito subjetivas as causalidades que levam uma pessoa a tirar a própria vida. Entretanto, se tivesse união de verdade entre as pessoas, não seria por falta de amor que as pessoas morreriam no mundo.
Fonte: http://zip.net/bptL4K
Vale apena pensar se o que eu faço contribui apenas pra mim, ou pode ajudar uma pessoa, como dizia Newton em uma de suas leis tudo que fazemos tem uma consequência, então vale apena investir em coisas que ajudem a todos, às vezes conseguimos aquilo que queremos ajudando o outro, e muitas vezes mesmo querendo receber um abraço, dando um abraço em quem precisa mais de você é que se recebe a recompensa. “A percepção do amor… pode vir a ser um preventivo central biopsicossocial-espiritual, reduzindo o impacto negativo dos agentes estressantes e patogênicos e reforçando a função imunológica e a cura” (ORNISH, 1998, p. 40).
Nota: Ensaio elaborado como parte das atividades da disciplina de Filosofia do curso de Psicologia do Ceulp/Ulbra, sob supervisão do prof. Sonielson Sousa.
REFERÊNCIAS:
DURKHEIM, Émile. O suicídio: estudo de sociologia. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 513 p., il.
MENDES, André Trigueiro. Viver é a melhor opção. 3. ed. São Bernardo do Campo, SP: Correio Fraterno, 2017. 190 p., il.
ORNISH, Dean. Amor & sobrevivência: a base científica para o poder curativo da intimidade. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. 263 p., il.