Quando o luto bateu em minha porta, fiquei sem chão

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No dia 10 de agosto de 2022, quando acordei senti uma sensação terrível, pois havia sonhado que eu estava em uma moto e descia uma ladeira, caindo em uma cratera, e um amigo tentou ajudar-me, mas ele caia em um abismo e gritava para que os filhos dele não o vissem morrendo.  Acordei com uma sensação temerosa, muito medo. Havia programado uma faxina em casa, para ficar tudo limpo e organizado, e assim foi feito, tudo em seu devido lugar. À tarde levamos as crianças para a escola, fui para o meu estágio, fiz um atendimento, e após enviei uma mensagem a esse amigo. Ao buscar meus filhos na escola, aquele sentimento de angústia aumentava, não sentia muita graça em nada, só vontade de chorar. Fomos a uma lanchonete, falei com meu esposo que gostaria de ir à Paraíso ver meus pais, ele disse vai, o carro já está abastecido. 

Pensei por um instante em irmos, mas veio o medo e a angústia do sonho novamente. Resolvi ir para casa mesmo, com o coração apertado, deitei em uma rede na varanda de casa, pedi lanche, pois eu não estava com ânimo para fazer um jantar. Fiz uma chamada de vídeo para meus pais, lembro-me de cada detalhe, eles estavam no quarto, papai aferindo a pressão da minha mãe, pois ela não estava sentindo-se bem, vivia uma fase muito crítica do tratamento em busca da cura de um câncer. 

Ao finalizar aquela chamada, me veio um alívio em poder ter visto os amores da minha vida juntos, lutando incansavelmente nesta batalha. Meu esposo e meus filhos decidiram assistir a um filme e eu resolvi subir para tomar um banho e deitar-me.  Era 22h35 quando vi meu telefone chamar, era meu irmão. Atendi como sempre, “Oi meu irmão!”. Ele disse: “Márcio está em casa?”. Respondi: “Sim”. 

“Venham para cá, o pai passou mal e caiu no banheiro”. Eu desci as escadas correndo senti como se estivesse descendo uma ladeira de moto. Quando perguntei ao meu esposo, “me explica, meu pai partiu?” Ele disse “sim, seu pai faleceu”. 

Eu senti a sensação como se estivesse caindo em uma cratera, não senti meus pés, o desespero bateu em minha porta e entrou em minha casa, nada fazia sentido para mim, a casa lavada, tudo organizado fisicamente, mas dentro de mim entrou um furacão destruindo tudo. O sentimento que posso descrever foi saudade desde o primeiro momento que soube da partida do meu pai, doía dentro da minha alma, nada poderia me trazer um consolo naquele momento. Comecei a viver intensamente as fases do luto. 

Primeiramente eu não acreditei e fui negando essa terrível notícia até chegarmos à Paraíso na casa dos meus pais. Ainda era tudo incerto, sentimento misto de desespero, angústia, pavor, medo, choro, e o pior deles que era uma saudade imensa de poder pedir uma benção e beijar a sua mão.  Retiraram o corpo do meu pai, fui olhar todas as suas coisas, escolher roupas para vesti-lo, guardar seus pertences no devido lugar, pois ele era imensamente organizado. Tentei entender o porquê eu não obedeci meu coração e fui conforme havia falado com meu esposo. Como poderia finalizar uma chamada de vídeo e imediatamente receber a triste notícia da morte do meu pai? Como uma pessoa que era meu amigo, pai, conselheiro, provedor, forte, entrou em um banheiro e teve uma morte súbita? Eram muitas perguntas sem nenhuma resposta. 

Na madrugada do dia 11 de agosto, o pior dia da minha vida, ver meu guerreiro dentro de uma urna, eu já não sentia meus pés pisarem em terra firme, eu ainda flutuava em uma queda contínua. Deixar o seu corpo em um cemitério e retornar para casa foi devastador, uma dor indescritível. E então, chegando à casa mesmo sem entender muitas coisas, percebi que eu estava vivenciando um processo de luto, o qual milhares de pessoas vivenciam. 

Através de algumas postagens descrevem as fases do luto como: Negação, Raiva, Barganha, Decepção e a Aceitação. Mas na verdade não vivemos o luto em sequência lógica e nem todos sentem a dor na mesma intensidade e no mesmo período de tempo. O luto é de forma singular, ele é único, e não devemos tentar superá-lo, mas vivê-lo é o melhor caminho a seguir. Entendendo que não existe uma ordem nas fases, pois o luto não é linear, mas sim labiríntico. Nesse labirinto, devemos procurar um melhor caminho a seguir. Se não estamos conseguindo suportar essa tamanha dor, precisamos de ajuda da rede de apoio como familiares, amigos, o lado espiritual e profissional.

Há dias que estou melhor, outros pior, mas entendo que a minha maior dor é a saudade de não poder viver tudo que vivi um dia com o meu pai. Na minha caminhada não busco metas impossíveis, mas acordo todas as manhãs com o sentimento que a palavra luto trás no verbo “lutar”. Com esse sentimento que vivo, buscando dias melhores, guardando em meu coração o pai herói que sempre tive – José de Jesus Alves Barros, meu amor para sempre. Hoje compreendo que meu pai por ter sido sempre meu protetor, jamais gostaria que eu estivesse presente no momento de sua partida.

Fonte: encurtador.com.br/hiKN3

 

Acadêmica: Ellen Risia Moraes Alves

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Beleza Oculta: amor, tempo e morte

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O filme Beleza Oculta do diretor David Frankel, estreou no Brasil no ano de 2017, e sua história traz uma reflexão profunda questões que são fundamentais para a vida humana tais como: vida, amor e tempo.

O filme narra a estória de Howard, personagem de Will Smith, um profissional que exerce função de líder de motivacional para seus funcionários em sua empresa de publicidade. Uma das cenas iniciais do filme, Howard verbaliza a seguinte “ansiamos pelo amor, gostaríamos de ter mais tempo, e tememos a morte”.

Após a cena inicial, o filme mostra Horward em um momento de vida totalmente diferente, demonstrando-se desconectado da realidade que vive, aparentando uma certa desordem, tanto em relação ao profissional quanto pessoal, devido a perda de sua filha (Olívia) com 6 anos em consequência de uma doença rara.

A trama traz também outros personagens além de Howard, os 3 (três) amigos e sócios da agência de publicidade Claire (Kate Winslet), Simon (Michael Peña) e Whit (Edward Norton) que passam por dificuldades financeiras, em consequência da gestão de Howard após a perda da filha. O enredo conta ainda com Madeline (Naomi Harris) a ex-esposa de Howart, todos os personagens possuem uma singularidade com relação as questões do amor, tempo e morte.

Fonte: encurtador.com.br/lnEL3

Certamente amor, tempo e morte são os temas que permeiam o enredo do filme, tais abstrações são destacadas no filme como sendo as que conectam todos os seres humanos. Cabe aqui destacar o tema da morte que enquanto finitude está presente na morte de Olivia, na possibilidade de morte de Simon em decorrência da doença que o acometia, é presente ainda na possibilidade de falência da empresa de Howart, a morte está presente ainda na finitude da carreira da atriz que sonhava estrelar um grande papel e não conseguia mais visualizar esta oportunidade com o passar dos anos de sua vida.

A morte que faz com que Howard e Madelaine fiquem imersos a grande sofrimento em consequência da perda da filha (Olivia), no entanto, cada um deste vivencia o acontecimento de maneira singular, a mãe (Madeline) buscar participar de eventos com outras pessoas que passam por momentos de perdas, e esta consegue falar sobre sua perda, o pai (Howard) por sua vez, encara com o fechamento para o mundo. Diante dessa cena retratada no filme, infere-se que “a disposição intima corresponde, pois, a complexo funcional tão definido quanto a disposição externa” (STEIN, p. 119). Ainda de acordo com o autor citado, da mesma forma que “se nota a falta de uma disposição intima típica nos casos em quem os processos interiores são negligenciados, também uma disposição típica externa faz falta nos que constantemente ignoram o objeto exterior, as realidades dos fatos”.

Fonte: encurtador.com.br/lnEL3

Aos poucos e com a ajuda da ex-esposa Howard consegue falar sobre sua perda, mas segundo ele, ainda é difícil falar sobre o que passou. Assim como é difícil participar de grupos de apoio, pois ele simplesmente não quer verbalizar sua grande perda. É emocionante as falas do personagem. E quanto mais os amigos, a esposa, Amor, Tempo e Morte, se ocupavam e interagiam com ele, Howard pôde deixar seu estado de solidão e apatia para trás. Ele passou a frequentar o grupo terapêutico, interagir novamente com Madeline, expressar seus sentimentos reprimidos por Amor, Tempo e Morte, lidar com as responsabilidades de seu trabalho. E tudo isso permitiu-lhe atravessar os estágios do luto, encontrando uma nova forma de viver mais conectado ao mundo, contemplando a Beleza Oculta.

O filme “beleza oculta”, é uma obra riquíssima em detalhes que pode ser analisada de diversas perspectivas, pois aborda questões da vida humana que são tidas como centrais em diversas ciências, principalmente a filosofia que tem profunda influência nas demais ciências incluindo a psicologia.

Ficha técnica

Data de lançamento: 26 de janeiro de 2017

Duração: 1h 37min

Gênero: Drama

Direção: David Frankel

Roteiro Allan Loeb

Elenco: Will Smith, Edward Norton, Keira Knightley, Michael Peña, Naomie Harris, Jacob Latimore, Kate Winslet, Helen Mirren.

REFERÊNCIAS

BELEZA OCULTA.  Direção de David Frankel. País: Estados Unidos da America: Distribuição: Netflix, 2016. 1 DVD (1h 34min.).

STEIN, M. Jung – O mapa da alma. São Paulo: Cultrix, 2006.

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Dificuldades existenciais no contexto pandêmico

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Os pesos ocultos da quarentena estão por vezes presos nas realidades de sofrimento, não divulgadas, não levadas em consideração, não fomentadas a partir do incentivo da fala de quem tem sofrido, independente dos pesos ou medidas que esse sentimento tem, em cada subjetividade. Os impactos visíveis ou invisíveis, nossas relações interpessoais, íntimas, estão em constante mudança, e este momento totalmente desafiador, nos joga na posição de necessidade da capacidade da resolução de problemas, ou, a paralisia das nossas faculdades antes normalmente executadas.

A relação cotidiana mudou, e por consequência nossos aspectos relacionais também experimentam neste fenômeno, necessidade de atualização, sendo este termo, longe de ser interpretado como juízo de valor (bom ou ruim), mas é a forma com que o sujeito se insere, ou se expressa, em um movimento orgânico e dinâmico, mas não unilateral, pois se diversifica a partir de uma estrutura psíquica individual e também coletiva, na busca dificultosa da homeostase.

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Posso talvez afirmar que cada um se insere da maneira que cabe, em suas possibilidades e angústias, alguns, o medo do incerto, da possibilidade da incapacidade de retornar a uma realidade antes vivenciada; outros, na precisão de estar sempre, e em constante produção; se Freud estivesse aqui diria que este é nosso sintoma? Seria nossa resistência para não ter contato com o desprazer? Estaríamos tomados pela estrutura egóica? Sabe-se lá se Skinner em um momento como esse, talvez fizesse paralelo sobre estes comportamentos, e diria que é fuga e esquiva, em uma tentativa de reduzir ou eliminar os estímulos aversivos.

Eu mesma, estou tentando pôr panos frios em meus sofrimentos, mas seria muito tolo da minha parte dizer que não estou constantemente lidando com o sofrer, e com a vida que me pressiona a uma glorificação de processos criativos para o sofrimento, as produções, afinal, estamos todos confinados, qual seria então minha desculpa? Nós avançamos no tempo, mas as questões não biológicas, estão constantemente sendo negligenciadas no processo de adoecimento, o que me faz pensar que não avançamos tanto assim.

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Talvez o leitor esperasse que eu me embasasse em apenas uma teoria, enquanto eu misturava sistêmica, psicanálise, análise do comportamento, e agora, Gestalt e psicologia profunda; quem sabe eu só não esteja buscando incessantemente a quintessência, a pedra filosofal, a individuação, e uma possiblidade de me tornar um sujeito autêntico? Me disponho a deixar parte de mim aqui, e ser… não é sobre pontos finais, ao menos para mim, na maior parte do tempo é sobre interrogações, buscando estar aqui e agora, mas tendo também de resgatar lembranças no fundo do inconsciente, que vez ou outra sussurram ou gritam ao meu ouvido, pedindo atenção, para que eu volte novamente a dar atenção aos meus processos.

Eu enquanto acadêmica me sinto confusa diante de tantas formas de ver o mundo, e enfrentando eu mesma, ao mesmo tempo, para entender quem sou eu no mundo, e o que farei com estes sofrimentos latentes ou abafados pelas implicações sociais. Bem, o contexto não tem sido favorável, na verdade, não sei se algum dia foi, mas me força a crescer. Tive que lidar com o medo da perda de pessoas extremamente próximas, tive de ver o sofrimento de quem passa por uma doença nova, de grande enfermo, observar sobre meus olhos alguém que teve experiência de muito tormento, o que me fez recordar de Jung, e as experiências de “quase morte”, as imagens arquetípicas do self se manifestando.

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Mais que nunca, estamos sofrendo, e precisamos dizer, para que não seja tão solitário este sentir. Se eu refletisse nas fases do luto de Elizabeth Kubler-Ross, não conseguiria dizer com precisão em qual fase estou, mas felizmente não é necessária tal linearidade. De raiva a depressão, e talvez eu tenha conseguido chegar em parte, na gloriosa, mas não estável, aceitação… afinal, já entendo que preciso sofrer, e dar voz ao que não consigo dizer. E eu sinto muito por tudo que eu jamais diria neste relato, de tão vasto, vívido, e por ser tão confuso, nem sei como diria. Que sorte a minha seria ser analisanda… por mais doloroso que seja, é difícil fugir do que também sou eu, está comigo, mesmo que eu negue.

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