“Rio, Negro” – presença e contribuição da população negra na formação do Rio de Janeiro

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ASSISTA AO TRAILER: https://www.youtube.com/watch?v=P3RSPKLCuwQ

O filme, apresentado pela Casa Fluminense, traz imagens históricas e depoimentos de intelectuais como Haroldo Costa, Luiz Antonio Simas, Mãe Meninazinha de Oxum, Tainá de Paula e Leandro Vieira

Entre a segunda metade do século XIX e o início do século XX, o Rio de Janeiro foi o epicentro da chegada de mais de 2 milhões de pessoas negras escravizadas no Brasil. O documentário “Rio, Negro”, da Quiprocó Filmes, distribuído pela Pipa Pictures, aborda e demarca – por meio de entrevistas com grandes personalidades e intelectuais cariocas, além de imagens históricas – os processos sociais, políticos e as profundas transformações ocorridas naquele período no Rio devido à presença e à influência de pessoas negras de origem africana.

Trazendo uma perspectiva afrocentrada sobre a formação da cidade, o documentário revela o protagonismo individual e coletivo da população negra, bem como a perseguição institucional que culmina na transferência da capital para Brasília também como uma estratégia de apagamento desta população. “Rio, Negro” apresenta argumentos históricos inéditos que articulam o ideário racista que molda nossas relações sociais, a mudança da capitalidade nacional e os efeitos políticos decorrentes desse processo sobre o Rio de Janeiro.

Com roteiro e direção de Fernando Sousa e Gabriel Barbosa, o longa conta com depoimentos de importantes ativistas do movimento negro, artistas, arquitetos e outros pensadores da cidade, tais como o ator Haroldo Costa, o escritor Luiz Antonio Simas, a vereadora Tainá de Paula, o carnavalesco Leandro Vieira, o ritmista Eryck Quirino, a atriz Juliana França, a ialorixá Mãe Meninazinha de Oxum, a historiadora Ynaê Lopes, os pesquisadores Christian Lynch, Nielson Bezerra e Eduardo Possidonio, entre outros.

Luís Antônio Simas
Foto: Elisângela Leite

Financiado pela Casa Fluminense, organização carioca que constrói coletivamente políticas e ações para a Região Metropolitana do Rio de Janeiro e que, pela primeira vez, decidiu investir num filme, entendendo a relevância de contar essa história sob o olhar da população negra, “Rio, Negro” vem evidenciar os capoeiristas, sambistas, tias baianas, malandros, barqueiros e diversos outros personagens que forjaram o Rio e seus movimentos culturais, sociais, religiosos e de saberes. 

Mãe Meninazinha de Oxum
Foto: Elisângela Leite

“Em Rio, Negro, o período de transição entre a monarquia e a república é tratado como um momento crucial para a vida social e política da cidade. Foi também quando a população urbana pobre e preta se consolidou, se organizou e foi amplamente acossada pelo Estado. O filme vem pensar a cidade a partir da presença e contribuição dessa população, responsável pelo nosso modo de ser, nossa linguagem falada e corporal, nossas crenças, entre tantas outras características marcantes presentes no nosso cotidiano”, diz o diretor e roteirista Fernando Sousa.

Oprimida  pelas instituições, a população negra oriunda de diferentes países da África era maioria naquele período. Assim, o Rio de Janeiro reunia negros alforriados, negros que ainda chegavam, seus descendentes, e por consequência, todas as práticas culturais, especialmente as práticas africanas herdadas, desenvolvidas e consolidadas ao longo do tempo, como o samba e o carnaval, fundamentais para o restabelecimento dos laços comunitários e para a construção de novas tecnologias e conhecimentos. 

Ao mesmo tempo em que reconstitui essa contribuição, o doc mostra o movimento institucional de “embranquecer” e “civilizar” a cidade por meio da assimilação de modelos urbanísticos e arquitetônicos das metrópoles europeias, sobretudo os de Paris, em detrimento das influências africana e lusitana. Veremos, por exemplo, que a eliminação de cortiços, da região portuária da Pequena África e do morro do Castelo dos espaços urbanos fazem parte desta estratégia.

Apesar de recontar essa história, marcada por muita dor, o diretor e roteirista Gabriel Barbosa enfatiza que “Rio, Negro” traz uma perspectiva diferente:

“É fundamental criar novas narrativas e inverter esse olhar do suplício e do açoite que é constantemente associado à história da população negra. Em ‘Rio, Negro’ invertemos essa lógica, abordando outros olhares como a sofisticação estética e a contribuição destas pessoas em campos como a arte, a ciência, a gastronomia, a linguagem”, diz.

Filme mostra que transferência da capital para Brasília também foi estratégia racista e de apagamento da população negra

O marco narrativo de “Rio, Negro” culmina com a transferência da capital do país para o Centro-Oeste, na década de 1960, com a construção de Brasília. A transferência da capital já era prevista na Constituição de 1891 para trazer modernização e uma suposta segurança e estabilidade política na sede do poder. 

A mudança, de fato, só veio a ocorrer em 1960, deixando o Rio de Janeiro sem qualquer projeto ou política pública direcionada às pessoas que dependiam do movimento da capital, especialmente as pessoas negras, constantemente excluídas dos processos de tomada de decisão. O documentário também expõe os argumentos racistas que deram base à transferência.

“No processo de pesquisa, nos debruçamos sobre este ponto e chegamos a uma série de registros e documentos que expõem argumentos racistas. Há documentos, sobretudo da Missão Cruls, que foi a primeira expedição à região central do Brasil realizada no final do século XIX com o objetivo de preparar a transferência, além de registros do livro “Quando Mudam as Capitais”, escrito por José Osvaldo de Meira Penna, um dos principais ideólogos de Juscelino Kubitschek, que citam justificativas racistas para embasar e legitimar a transferência da capital”, afirma Fernando Sousa.

Casa Fluminense: em iniciativa inédita, organização apresenta “Rio, Negro” por acreditar na importância e na urgência de se contar esta história

Trazendo uma perspectiva afrocentrada sobre a formação da cidade, “Rio, Negro” é a primeira produção cinematográfica de longa-metragem apresentada pela Casa Fluminense, organização da sociedade civil criada em 2013 para fomentar e criar ações efetivas voltadas à promoção de igualdade, ao aprofundamento democrático e ao desenvolvimento sustentável do Rio de Janeiro. 

Helena Theodoro
Foto: Elisângela Leite

Para Henrique Silveira, co-fundador da Casa Fluminense, o filme, sendo um produto cultural, possui essa capacidade de sensibilizar e dialogar com as pessoas, ampliando o alcance e o impacto da mensagem:

“O racismo estrutural organiza a memória oficial a partir de uma perspectiva branca, ocultando as lutas da população negra por justiça, a sua história e seus protagonistas. Por isso a Lei 10.639, que determina o ensino da história da África e dos negros no Brasil, é tão importante. Com o filme queremos apresentar a história do Rio de Janeiro a partir da perspectiva negra, revelando que o projeto da República para essa população sempre foi a exclusão, criminalização, violência e embranquecimento. Por outro lado, foi nas brechas dessa sociedade racista que a população negra marcou profundamente a sociedade brasileira com sua arte, cultura e humanidade”, explica. 

Prestes a completar 10 anos de intenso trabalho, a Casa Fluminense vê o projeto também como uma forma de despertar o pensamento crítico para novas reflexões sobre o passado para, consequentemente, entendermos o presente e o futuro da cidade, bem como a influência da população negra nesses cenários.

“Ao longo dos seus 10 anos, a Casa Fluminense enegreceu a sua equipe executiva, seu Conselho de Governança e o seu programa. Esta foi uma mudança estratégica, pois só é possível construir uma agenda de justiça social se compreendermos o peso do racismo estrutural na reprodução das desigualdades em nossa sociedade. Com essa premissa, o filme joga luz sobre a contribuição dos negros para a formação social do Rio de Janeiro no início do século XX e a mudança da capital federal para Brasília em 1960. São dois fatos históricos fundamentais para compreender os desafios contemporâneos do Rio de Janeiro, como violência urbana e desenvolvimento socioeconômico. Entendemos os movimentos e coletivos negros conquistaram espaço no debate público para a questão racial esperamos que o filme possa contribuir nas pautas de justiça, memória e reparação”, afirma Larissa Amorim, coordenadora executiva da Casa.

Sinopse:

Rio, Negro é um documentário que apresenta um olhar possível para a história do Rio de Janeiro, assentado na presença e contribuição da população negra de origem africana na formação da cidade. A partir de entrevistas e amplo material de arquivo, a narrativa busca desvelar como a população negra forjou trajetórias individuais e laços comunitários em uma cidade-diáspora marcada pelas disputas em torno do projeto “civilizatório” das elites brancas. Rio, Negro confere centralidade a esse debate, articulando o ideário racista, a transferência da capital para Brasília e suas consequências político-institucionais para o Rio de Janeiro.

Tainá de Paula
Foto: Elisângela Leite

 

FICHA TÉCNICA:

Direção e Roteiro | Fernando Sousa & Gabriel Barbosa

Assistentes de Direção | Daila Ferreira & Laura Aguiar

Produção Executiva | Fernando Sousa

Produtores Associados | Henrique Silveira & Wania Sant’Anna

Pesquisa de conteúdo | Alessandra Schimite, Fernando Sousa & Gabriel Barbosa 

Pesquisa e licenciamento de arquivo | Alessandra Schimite

Direção de Fotografia | Laís Dantas

1º Assistente de Câmera | Renan Herison

2º Assistente de Câmera/Logger | Júlia Camargo

Operadores de Câmera | Laís Dantas e Renan Herison 

Vídeo Assist  | Albert Ribeiro

Operador de movimento | Edvaldo Neto

Gaffers | Tainã Miranda & Jon Thomaz

Direção de áudio | Vilson Almeida 

Técnico de som direto | Antonio Carlos V. Da Silva (DMC)

Direção de Produção | Luana Fraga

Assistente de Produção | Felipe Dutra

Fotografia Still | Elisângela Leite 

Direção de arte | Caroline Meirelles

Assistente de Direção de Arte | Patrícia Fuentes

Contra-regra | David Cabelinho

Figurino | Greice Simpatia e Espaço Afro Obìnrin Odara

Costureira bandeira Okê Arô | Aurora Galonete Rodrigues

Produtora de Transporte | Ana Acioli

Produtora de Transporte Assistente | Ana Clara da Silva

Seguranças Alcyr Lauduger e Marco Porto  

Motoristas | Eliacibes Torezani Alcântara de Oliveira, Rodrigo Busquet Valentino da Costa e Rosinaldo Nascimento dos Santos

Coordenação de Pós-Produção | Felipe Bretas – Multiphocus

Produção de Pós-Produção | Dora Motta

Montagem e edição | Eduardo Braz, Gabriel Barbosa, edt. e Thomaz Tarre, edt.

Videografismo | Bragga

Colorista | Renan Castelo Branco

Edição e mixagem de som | Thiago Santos

Trilha sonora original | Muato

Música de abertura | A Voz do Morro, Zé Ketti

Catering | Boteco do Seu França

Assessoria de imprensa | Mario Camelo

Cartaz | Antônio Gonzaga

Controller | Zélia Balbina

Assessoria Jurídica | Daniel Law

 

Elenco | em ordem de aparição

Juliana França, Átila Bee, Álvaro Pereira Nascimento, Ynaê Lopes dos Santos, Eduardo Possidonio, Carlos Eugênio, Nielson Bezerra, Christian Lynch, Mãe Meninazinha de Oxum, Antonio Edmilson, Luiz Antonio Simas, Tainá de Paula, Eryck Quirino, Haroldo Costa, Vinícius Natal , Leandro Vieira, Helena Theodoro , Mauro Osório , Henrique Silveira

 

Sobre a Quiprocó Filmes:

A Quiprocó Filmes é uma produtora audiovisual independente, sediada no Rio de Janeiro, que busca provocar mudanças através de um olhar inquieto. Criamos imagens atentas às histórias, emoções e afetos, a partir de diferentes vozes, transformando a maneira que as pessoas vêem suas próprias vidas e os diferentes elementos da nossa cultura. Criamos conteúdo para Cinema, TV e streaming. Produzimos conteúdo publicitário e institucional para organizações e empresas. Realizamos oficinas audiovisuais em parceria com instituições da sociedade civil.

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Vimeo: https://vimeo.com/quiprocofilmes 

 

Assessoria de Imprensa:


Mario Camelo

Prisma Colab

mario@prismacolab.com.br 

+55 21 99992.3644

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O Auto da Compadecida: um paralelo acerca da realidade no Brasil

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Difícil um brasileiro não conhecer essa maravilhosa obra cinematográfica, carregada de cultura, saberes, emoção e várias críticas sociais, que demonstram muito a realidade do Nordeste e também do Brasil, que conta com uma das características mais marcantes do país, a comédia que envolve toda uma trama e se faz interessante do começo ao fim da obra.

O Auto da Compadecida é um filme dirigido por Guel Arraes e é baseado na obra de Ariano Suassuna, oriundo de sua peça teatral de mesmo nome. Sua obra começa em 1955 sendo escrita e posteriormente adaptada para a televisão em 1999 como minissérie e para o cinema em 2000, tendo uma duração de 1 hora e 44 minutos, com versão estendida de 2 horas e 38 minutos.

O enredo do filme se passa na época do cangaço brasileiro, nos arredores da cidade de Taperoá no sertão da Paraíba, onde os protagonistas Chicó (Selton Mello) e João Grilo (Matheus Nachtergaele) mostram as dificuldades de um cenário de pobreza e miséria, sendo os mesmos obrigados a arrumarem serviços que pagam pouco e que em sua maioria são exploratórios.

Fonte: encurtador.com.br/dCQSV

No filme podemos verificar que Chicó e João Grilo vivem então em extrema pobreza, sendo assim com os impactos citados nas condições de vida e estão constantemente em busca de satisfação das necessidades de alimentação, como por exemplo na cena em que João Grilo e Chicó trocam seus pratos de comida ruim pelo bife da cadelinha de seus patrões Seu Eurico (Diogo Vilela) e dona Dora (Denise Fraga), que são donos de uma padaria, os quais nas palavras de João Grilo não deram nem um copo d’água quando ele esteve doente e acamado por três dias.

Dantas, Oliveira e Yamamoto (2010) nos trazem que a condição de pobreza está relacionada aqueles que não tem renda suficiente para o mantimento de roupas, alimentos, despesas pessoais, educação, habitação entre outros. Enquanto que aqueles abaixo da linha de pobreza são considerados indigentes, que vivem em busca da satisfação de necessidades vitais, como alimentação por exemplo.

Segundo Silveira (2020) com base nos dados do IBGE (2019) a atualidade brasileira conta com 13,5 milhões de pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza. O dados apontam ainda que um em cada quatro brasileiros sobreviveram com menos de 436,00 R$ por mês no ano de 2019. Estes dados em 2020 podem ter tido uma redução por conta do auxílio emergencial em decorrência da Pandemia.

Fonte: encurtador.com.br/SVZ47

Ao relacionar tal situação, podemos falar acerca do atual cenário brasileiro, que ainda possui mão de obra de forma exploratória, ou comumente chamado de trabalho escravo, com péssimas condições. Acerca disso Sakamoto (2005, p. 11) explica que:

O sistema que garante a manutenção do trabalho escravo no Brasil contemporâneo é ancorado em duas vertentes: de um lado, a impunidade de crimes contra direitos humanos fundamentais aproveitando-se da vulnerabilidade de milhares de brasileiros que, para garantir sua sobrevivência, deixam-se enganar por promessas fraudulentas em busca de um trabalho decente. De outro, a ganância de empregadores, que exploram essa mão-de-obra, com a intermediação de “gatos” e capangas.

No Brasil há também um forte índice de violência e de pobreza, que se mostram como um fator de risco, pois, geralmente trazem um déficit na educação das comunidades pobres, altos índices de evasão escolar, condições de trabalho exploratórios e situações que levam muitos à criminalidade, bem como situações de conflitos nas favelas que muitas vezes envolvem pessoas inocentes. Nesse contexto, Borges e Alencar (2015) nos revelam que os processos de democratização não se mostram satisfatórios para mudar o quadro de violência arraigada historicamente em que injustiças sociais e violações de direitos humanos sempre foram frequentes, sendo assim a ausência do Estado culmina em mais crescimento da exclusão social e da pobreza, a partir daí Dornelles (2006, p.220) completa que:

Assim, na prática a democracia, para uma grande maioria da população brasileira, restringe-se ao ritual das eleições. Uma pratica onde a democracia é limitada e se restringe à formalidade institucional de um Estado de Direito que pune, controla e violenta as classes subalternas, os setores em situação de precariedade, excluídas dos benefícios e dos direitos efetivos de uma sociedade moderna.

Fonte: encurtador.com.br/owSV6

Vemos na trama um dos personagens que em decorrência das consequências da violência torna-se o cangaceiro Severino de Aracajú (Marco Nanini), que aos oito anos de idade teve os pais brutalmente assassinados por militares e presenciou toda a cena, tal evento traumático levou Severino a se tornar um grande criminoso no filme demonstrando sua turbulência psíquica, onde o mesmo realizava atrocidades e fazia também duras críticas ao povo da cidade, que não lhe deu comida e nem esmola, destratando-o fortemente enquanto disfarçava-se de andarilho pela cidade.

Dentre as críticas feitas, vale ressaltar também a corrupção envolvendo dinheiro e poder, nesse aspecto praticamente todos os personagens se envolvem, como por exemplo a relação do Padre João (Rogério Cardoso) e do Bispo (Lima Duarte) que se mostram mais em prol dos ricos do que dos pobres, e que conseguem realizar certos favores em troca de dinheiro. Dentre as cenas, uma demonstra João Grilo e Chicó indo pedir que o padre João “benza” a cadela (de dona Dora) que estaria doente, o mesmo se recusa a benzer pautado em normas religiosas e então João Grilo começa a dizer em alto e bom tom que a cadela seria do Major Antônio Moraes (Paulo Goulart), um rico fazendeiro da região, após isso o padre aceita fazer tal ação por achar que a cadelinha seria do Major, porém antes do padre realizar a benção, o animal morre, e o mesmo se recusa a fazer um enterro, sugerido pela dona, em latim, mas o faz após João Grilo criar uma história em que a cadelinha teria deixado um testamento para a igreja deixando uma quantia em dinheiro (Dez contos de Réis) que logo depois é aceito também por parte do Bispo.

Fonte: encurtador.com.br/gAMY9

Apesar de ser um assunto delicado, vemos constantemente corrupções no país, não só políticas como comumente aparecem nos jornais, mas também de autoridades religiosas. Um fator que também chama atenção e que acontece bastante são as alianças entre igrejas e candidatos/políticos, sendo assim há uma grande influência social ligada à igreja relacionada com as decisões democráticas. Dentro dessa perspectiva De Souza e Simioni (2017, p.468) fomentam tal relação da seguinte forma:

Essa apropriação de preleção política por grupos religiosos é bastante alarmante, já que eles não apenas selecionam o discurso estatal e apoiam candidatos, mas, muitas vezes, participam diretamente na legitimação democrática, ancorando seus discursos, abertamente, no código religioso, sendo espantoso o número de cadeiras ocupadas pela bancada religiosa, além da sua atuação em processos judiciais importantes.

O filme traz bastante essa relação social de controle, tanto da igreja, como das figuras importantes sobre os menos afortunados, sendo o impacto maior voltado àqueles com menos condições. Por outro lado, também mostra a religiosidade de forma vantajosa em algumas cenas, como por exemplo, na cena em que João Grilo se diz um portador da mensagem de Padre Cícero (Considerado santo católico por muitos fiéis), pedindo que o Capitão Severino de Aracajú, que é grande devoto, não faça mal às pessoas de Taperoá e cancele o ataque à cidade por pedido do “Padim padre Cícero”.

Fonte: encurtador.com.br/lmH24

 

No filme também se fala no aspecto religioso, no qual podemos interpretar como um fator de proteção, quando a Compadecida (Fernanda Montenegro), diz que o pobre passa por muitas dificuldades e em específico na seca do Nordeste oram pedindo por chuva como forma de contornar o sofrimento. Sabemos aqui que a religiosidade tem também influências positivas, principalmente em relação a enfrentamentos de doenças e sofrimentos psíquicos (como fator estruturante da psique), sendo assim pode contribuir na geração de pertencimento, vínculo e bem-estar aos que costumam frequentar espaços religiosos (FARIA E SEIDL, 2006).

Vale ressaltar aqui também a presença de uma figura religiosa, o Cristo (Maurício Gonçalves), de cor negra, onde comumente a figura de Jesus é retratada em obras como alguém de olhos claros e pele branca, e aqui ao aparecer gera até mesmo comentários racistas por parte do Protagonista João Grilo ao dizer: “O senhor pode não ter a cor das melhores, mas fala bem que faz gosto” e também em outra cena ao final, onde João discorda que o personagem poderia ser cristo disfarçado de mendigo e diz “Jesus Pretinho daquele jeito?”.

Fonte: encurtador.com.br/mGS29

Ao falar então de preconceito racial, vale citar um estudo realizado por Turra (1995) onde a mesma revela que os brasileiros sabem que há racismo no Brasil, porém em sua grande maioria negam ter preconceito racial, mas demonstram racismo de diversas formas, ao pronunciar ou concordar com enunciados preconceituosos ou ao admitir comportamentos de conteúdo racista em relação a negros.

O filme é carregado de muitas críticas, mas traz tudo com um humor ímpar que faz o espectador dar muitas risadas, mas que também é capaz de trazer muitas emoções e reflexões do nosso cenário Brasileiro, que necessita muito das ações promovidas pela psicologia, mas também de efetividade em quesito de amparo e cumprimento das pautas governamentais destinadas às pessoas que vivem de forma precária, que necessitam muito de necessidades básicas. São importantes também as reflexões acerca do valores éticos e desconstrução de valores negativos que se formaram ao longo dos séculos como racismo e formas de preconceito no país.

Em resumo o filme traz um reflexo de preconceitos, situações de exploração, estigmas, mas também nos mostra muitos aspectos enriquecedores acerca de aspectos da realidade no Nordeste do país e características desse povo, suas crenças e sua alegria, sendo o filme aclamado com vários prêmios e críticas positivas tanto de profissionais da área como do público geral deixando ainda o gosto de “quero mais”.

FICHA TÉCNICA 

Fonte: encurtador.com.br/ctDV2

Título: O Auto da Compadecida
Direção: Guel Arraes
Elenco:  Matheus Nachtergale, Selton Mello, Rogério Cardoso, Lima Duarte 
Ano: 2000
País: Brasil
Gênero: Comédia, Drama

REFERÊNCIAS

BORGES, Luciana Souza; DE ALENCAR, Heloisa Moulin. VIOLÊNCIAS NO CENÁRIO BRASILEIRO: FATORES DE RISCO DOS ADOLESCENTES PERANTE UMA REALIDADE CONTEMPORÂNEA. Revista brasileira de crescimento e desenvolvimento Humano, v. 25, n. 2, 2015.

DANTAS, Candida Maria Bezerra; OLIVEIRA, Isabel Fernandes de; YAMAMOTO, Oswaldo Hajime. Psicologia e pobreza no Brasil: produção de conhecimento e atuação do psicólogo. Psicologia & Sociedade, v. 22, n. 1, p. 104-111, 2010.

DE SOUZA, Ana Paula Lemes; SIMIONI, Rafael Lazzarotto. O Congresso Nacional entre o “mýthos” e o “lógos”: religião e corrupção sistêmica no cenário político brasileiro. Anamorphosis: Revista Internacional de Direito e Literatura, v. 3, n. 2, p. 465-487, 2017.

DORNELLES, João Ricardo W. O desafio da violência, a questão democrática e os direitos humanos no Brasil. Revista Direito, Estado e Sociedade, n. 29, 2006.

FARIA, Juliana Bernardes de; SEIDL, Eliane Maria Fleury. Religiosidade, enfrentamento e bem-estar subjetivo em pessoas vivendo com HIV/AIDS. Psicologia em estudo, v. 11, n. 1, p. 155-164, 2006.

O AUTO da Compadecida. Direção de Guel Arraes. Brasil: Globo Filmes, 2000. 1 DVD (104 min.)

SILVEIRA, Daniel. Extrema pobreza se manteve estável em 2019, enquanto a pobreza teve ligeira queda no Brasil, aponta IBGE. G1.Globo.com, rio de Janeiro, 12, novembro de 2020. ECONOMIA. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/11/12/extrema-pobreza-se-manteve-estavel-em-2019-enquanto-a-pobreza-teve-ligeira-queda-no-brasil-aponta-ibge.ghtml>. Acesso em: 20, novembro de 2020.

SAKAMOTO, Leonardo. Trabalho escravo no Brasil do século XXI. Brasília: Organização Internacional do Trabalho, 2006.

TURRA, Cleusa; VENTURI, Gustavo. Racismo cordial. São Paulo: Ática, 1995.

 

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Anjo do Sol: exploração de menores

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O abuso sexual pode estar mais perto que você imagina.

Anjos do Sol, lançado em 2002, dirigido por Rudi Lagemann, é uma produção brasileira sobre a exploração sexual e comercial de crianças e adolescentes. O filme recebeu no 34º Festival de Gramado, em 2006, o troféu de melhor ator para Antonio Calloni. A obra é notável por tratar de uma situação que se perpetua há séculos.

É narrada a história de Maria, uma criança de 12 anos, de família pobre do interior do Maranhão, que foi vendida pela família a um recrutador de prostitutas, imaginando que sua filha estaria indo morar em um local melhor pois não tinham conhecimento que o homem em questão estaria recrutando e enviando para um prostíbulo localizada em uma cidade na floresta amazônica.

Maria se encontra em processo de desenvolvimento cognitivo, sendo este fundamental para a formação da identidade, formação de vínculos afetivos e de percepção do mundo. Embarcar forçadamente nessa contextualização pode representar um grave fator de risco para sua vida, uma vez que a violência pode provocar transtornos psicopatológicos e comprometer o seu desempenho pessoal e relacional ao longo do ciclo de vida.

Fonte: encurtador.com.br/amoXZ

Maria e outras meninas foram levadas para um local chamado Casa Vermelha, na cidade da Amazônia, onde são exploradas sexualmente e após serem abusadas pelos homens dos carimbos, decidem fugir desse local, sendo que uma das meninas foi parar nesse local por ter sofrido abuso sexual do padrasto e a mãe não ter acreditado nela, permitindo que o recrutador de prostitutas a levasse.

Isso traz a reflexão sobre os locais de ocorrência dos crimes que são diversos, contudo a maioria acontece nos próprios lares e na maioria das vezes os agressores são aqueles que deveriam cuidar e proteger, acontecendo distorção dos papéis sociais em que as partes envolvidas, as quais possivelmente aplicam a tortura física e emocional, deveriam prevalecer a ternura e os cuidados imprescindíveis a fim de garantir a boa saúde e desenvolvimento saudável da criança.

Na fuga, elas são apanhadas e forçadas a voltar aos prostíbulo e, como penalidade, uma das meninas é arrastada até a morte pelo dono do local, usando  sua morte para passar  a mensagem para as outras meninas de que não compensa fugir da exploração sexual, pois além dele capturá-las, ele poderia acabar com todos os projetos e sonhos que elas poderiam ter.

Além da ficção, a realidade de muitas famílias e meninas, não apenas do Brasil, é retratada, no que se refere ao abuso e exploração infantil. O fato de ser um assunto velado faz com que crianças não saibam ao certo o que vivenciaram, como lidar com isso e, consequentemente, como se expressar.

Fonte: encurtador.com.br/auDH1

Conforme Merlo e Adesse (2005), o abuso sexual é caracterizado por quebra de vínculo na qual o responsável utiliza da autoridade, usando a vítima para o seu prazer sexual sem a autorização da vítima, forçando-a ou induzindo-a a uma prática sexual com ou sem violência para o próprio prazer. A violência contra crianças e adolescentes é um acontecimento complexo e real que abrange aspectos sociais, jurídicos, médicos, educacionais e psicológicos. A violência é vista como um problema de saúde pública devido a sua alta prevalência na infância e adolescência (WILLIAMS e HABIGZANG, 2014).

Atualmente, existe a  rede de proteção diante de casos maus tratos infantis. Muitos hospitais de referência e postos de saúde possuem setores específicos para lidar com situações de suspeitas e que faz a notificação obrigatória ao Conselho Tutelar, podendo também comunicar o Ministério Público, que faz a comunicação ao Juizado da Vara da Infância e Juventude.

Além disso, existem órgãos da rede de proteção e assistência à criança e adolescente  que são: (CAPS) Centro de Referência Especializado de Assistência Social; Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS); Comissão de combate aos  maus-tratos contra criança e adolescente; Programa Sentinela; Delegacia da Criança e do Adolescente, Defensoria, Conselho Tutelar, juizado da Vara da Infância e Juventude entre outros.

FICHA TÉCNICA 

ANJOS DO SOL

Direção:  Rudi “Foguinho” Lagemann.
Roteiro:  Rudi “Foguinho” Lagemann.
Elenco:  Antonio Calloni, Vera Holtz, Chico Diaz, Roberta Santiago, Otávio Augusto, Mary Sheyla, Darlene Glória (no papel da cafetina Vera), Bianca Comparato e a estreante Fernanda Carvalho.
Ano: 2006

Referência:

GABEL, Marceline. Crianças vítimas de abuso sexual. São Paulo: Summus, 1997.

MERLO, Cecilia de; ADESSE, Leila. Violência Sexual no Brasil: perspectivas e desafios. Brasília: Ipas (Brasil), 2005

 WILLIAMS, Lúcia C. Albuquerque; HABIGZANG, Luísa Fernanda. Crianças e Adolescentes Vítimas de Violência. Curitiba: Juruá, 2014.

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