My Shy Boss: chefes também podem ser introvertidos?

Compartilhe este conteúdo:

“Por que você observa secretamente as pessoas por trás? Por que nunca está na frente delas? É porque você não consegue? Achei que você desprezasse as pessoas. Será que talvez você… tenha medo delas?” (Chae Ro Woon).

Não é de hoje que as pessoas introvertidas sofrem por não poderem ou não conseguirem expressar seus sentimentos ou pensamentos, mas o que seria uma pessoa com essas características? São pessoas que se comportam de maneira mais restrita, não se manifestam tanto quanto outras, geralmente são mais calmas, quietas e não gostam de falar sobre seus sentimentos. Também gostam de fazer auto análises, dando ênfase a seus sentimentos e pensamentos diante de situações vividas, mas muitas vezes preferem não manifestar o que se passa na sua cabeça.

Até certo ponto isso pode não ser nenhum problema, mas quando tais comportamentos e pensamentos começam a trazer conflitos para as pessoas, pode-se dizer que elas podem desenvolver o transtorno de ansiedade chamado de fobia social. No DSM-IV-TR (APA, 2002), é expressado que a fobia social se caracteriza por um medo acentuado e persistente de uma ou mais situações sociais ou de desempenho. As pessoas com sintomas de fobia social podem ter receio de agir e que isso possa trazer humilhação, constrangimento ou sentimentos de frustração, e a exposição a um contexto social aversivo pode provocar respostas ansiogênicas intensas, sendo capaz de gerar um ataque de pânico. Assim indivíduos com tais características evitam estas situações ou as suportam com intenso sofrimento.

Para D’El Rey e Pacini (2006), a fobia social se expressa de modo significativa interferindo nas rotinas de trabalho, acadêmicas e sociais e/ou sofrimento acentuado por ter a fobia. O medo social na grande maioria das vezes está associado às situações de desempenho, como falar em público, as interações sociais do dia-a-dia, como ir a uma festa, uma entrevista de emprego, etc (FURMARK, ET AL., 2000; STEIN, TORGRUD, WALKER, 2000). As pessoas diagnosticadas como fóbicas sociais apresentam uma hipersensibilidade a críticas, mantêm uma avaliação negativa a respeito de si mesma, sentimentos de inferioridade, e apresentam grande dificuldade em serem assertivas (LAMBERG, 1998; STOPA, CLARK, 1993).

Fonte: encurtador.com.br/kBST1

O Dorama Coreano “My Shy Boss” retrata a história de Eun Hwan Gi, o CEO de uma grande empresa de relações públicas na Coreia do Sul. Ele é um rapaz muito inteligente, consegue ter boas ideias em seu ramo, porém ele não consegue falar em público, todas suas propostas são executadas por seu melhor amigo, que também cuida das comunicações com imprensa e com todos os funcionários. Assim, Eun Hwan fica apenas nos bastidores, observando tudo o que acontece nas sombras. Ao contrário de nosso chefe tímido, temos a personagem Chae Ro Woon, uma mulher muito extrovertida, animada e bastante comunicativa, seu sonho é ser uma grande atriz, mas um evento desencadeado na empresa de Eun Hwan faz com que ela mude seus planos e comece a trabalhar lá.

Os dois não se conhecem pessoalmente, mas ambos têm uma conexão como um fato traumatizante, Eun Hwan se aproxima primeiro de Chae Ro por culpa e acompanha seus passos mesmo distante, ele tenta falar com ela em diversas ocasiões, mas sua timidez e seu medo lhe coíbem. Já ela tenta se aproximar para desvendar a identidade de um suposto chefe que maltrata os funcionários, no entanto eis um desafio: Como se aproximar de alguém pouco acessível, que foge de tudo e de todos?

Aos poucos todos na empresa começam a conhecer o chefe tímido, é proposto pelo presidente dela que uma nova equipe seja montada a “Silent Monster” (uma referência a forma como os funcionários chamavam o chefe) e que o CEO enfim possa enfrentar seus medos. Ao se deparar com os desafios de fazer esse novo grupo dar certo, Eun Hwan enfrenta seus medo e traumas do passado, começa a deixar seus funcionários se aproximarem dele, além de deixar que seus pensamentos e sentimentos sejam expressados para o mundo exterior.

Fonte: encurtador.com.br/mtDU9

Modelos mais antigos de explicação da fobia social se focalizaram no condicionamento clássico e postularam que uma experiência traumática, como um embaraço momentâneo em uma situação social, poderia ser responsável pelo início da fobia (ÖST, HUGDAHL, 1981). No drama é visto que o personagem principal sempre era inibido por seu pai, que esperava mais de seu herdeiro e em um episódio na faculdade quando ele queria se declarar para uma garota, ela levou uma grande plateia, para ele aquilo era para “humilha-lo e rejeita-lo”, o que o levou a fugir de situações sociais que exigissem demonstração de afeto.

O preconceito acerca das pessoas é algo ainda a ser enfrentado, especulações, falatórios magoam e impedem com que os indivíduos se abram para o mundo, que eles possam se expressar de modo genuíno e sem julgamentos. Nesse dorama é possível perceber o desenvolvimento dos personagens, eles aos poucos começam a ressignificar questões passadas, que antes não havia entendimentos. Chae Ro como todos na obra tinha uma visão deturpada de seu chefe, chegando a pensar que uma pessoa assim não deveria liderar e ainda mais se importar com seus funcionários e com a empresa.

No fim, eles se permitem conhecer um ao outro sem preconceito, os dois se aproximam e desvendam a verdade sobre o passado. Um drama divertido, com comédia, romance, fofo, muito fofo e que trata questões complicadas como suicídio e depressão. Do qual os personagens são convidados a repensarem suas vidas, a forma como tem lidado com ela e se abrindo a novas oportunidades de relacionamentos com os outros e com eles mesmos.

FICHA TÉCNICA

Fonte: encurtador.com.br/pAU58

Título original: My shy boss
Direção: Song Hyun Wook
Duração: 960 minutos, 16 episódios
Classificação: 16 anos
Ano: 2017
País: Coreia do Sul
Gênero: Comédia, Drama, Romance
Onde assistir: Netflix

Referências

APA. DSM-IV-TR: manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. , 4ª ed. rev .Porto Alegre: Artmed. 2002.

D’ EL REY, G. J. F; PACINI, C. A. Terapia cognitivo-comportamental da fobia social: modelos e técnicas. Psicol. estud. vol.11 no.2 Maringá May/Aug. 2006.

FURMARK, T. et al. Social phobia subtypes in the general population revealed by cluster analysis. Psychological Medicine, 30(6), 1335-1344. 2000.

LAMBERG, L. Social phobia: Not just another name for shyness. Journal of American Medical Academy, 280(8), 685-686. 1998.

ÖST, L. G.; HUGDAHL, K. Acquisition of phobias and anxiety responses patterns in clinical patients. Behaviour Research and Therapy, 16(3), 439-447. 1981.

STEIN, M. B.; TORGRUD, L. J.; WALKER, J. R. Social phobia symptoms, subtypes and severity. Archives of General Psychiatry, 57(9), 1046-1052. 2000.

STOPA, L.; CLARK, D. M. Cognitive process in social phobia. Behaviour Research and Therapy, 31(2), 255-267. 1993

Compartilhe este conteúdo:

A fobia social revela a farsa da nossa identidade

Compartilhe este conteúdo:
A Psicologia e o senso-comum usam a expressão ‘identidade’ para se referir à nossa personalidade sem se darem conta do tanto que essa expressão é verdadeira e adequada. Nosso eu é de fato uma identidade, mas não uma identidade consigo mesmo. Nosso eu estabelece sua identidade com o mundo. Quem somos nós? Não é possível responder essa pergunta a não ser fazendo referência ao mundo, seus objetos e a outras pessoas. Somos o filho de alguém, o morador de algum lugar, o torcedor do time tal, que exerce essa profissão qual, tem essas qualidades e aqueles defeitos. O sujeito só se define pelos seus objetos. Ou seja, na prática, definimos nosso eu por aquilo que temos, por aquilo que fazemos, pelas nossas relações com outras pessoas, com lugares ou situações… Jamais definimos nosso eu por aquilo que somos. Pois, na verdade, o eu não é nada, além disso, tudo… O eu é justamente a identidade com tudo isso. Mas, se por um lado o eu é a identidade com tudo isso, por outro ele precisa ser diferente de tudo isso. O eu não pode ser simplesmente idêntico ao mundo. Para ser no mundo e viver nele, ele precisa se distinguir dele. Assim, o eu que vive e se relaciona no mundo é consciente de ser diferente desse mesmo mundo, e sua identidade com ele permanece inconsciente.

A identidade inconsciente do eu com o mundo significa que o mundo, e principalmente as pessoas com que o eu se relaciona, existe na essência daquilo que o eu é. Se no fundo de nossa alma nós somos idênticos às pessoas com que nos relacionamos, isso significa que não temos segredos para elas, que não podemos esconder nada delas… Existimos em situação de completa abertura e igualdade com elas. Em outras palavras, o ‘olhar do outro’ existe dentro de nós, e ele conhece e enxerga perfeitamente o que realmente somos. E qual é a verdade que esse olhar do outro enxerga? Ele enxerga justamente nossa diferença com o mundo do qual deveríamos ser idênticos. Apesar de sermos idênticos ao mundo no fundo de nossa alma, na vida vivida somos diferentes dele, e esse olhar do outro que existe dentro de nós enxerga claramente isso e nos critica por isso! Consequentemente, nossa vida no mundo consiste num esforço (consciente ou inconsciente) de enganar o olhar desse outro interior e de passar aos outros reais que existem no exterior a imagem de que somos idênticos a eles; de que pensamos igual a eles, gostamos das mesmas coisas que eles, fazemos parte das mesmas tribos que eles. Mesmo quando nos revoltamos ou rebelamos também estamos atuando nessa farsa. O adolescente só se revolta depois de fracassar repetidamente nas suas tentativas de simular sua identidade com o mundo. E ele vê na revolta um meio de modificar o mundo para tornar mais fácil a simulação da identidade com ele.

Se me permitem exagerar um pouco, direi que nossa vida é um grande teatrinho, uma grande encenação. Vivemos tentando passar ao mundo uma imagem que difere daquilo que somos. As coisas dão certo se acreditamos que ao enganar os olhares das pessoas reais que existem no mundo estamos conseguindo enganar o olhar do outro que existe em nosso interior. Entretanto, quando o olhar do outro interior se reflete no olhar do outro que está à nossa frente, não conseguimos disfarçar o embaraço. A situação mais típica é o falar em público. Frente à presença esmagadora de dezenas e até centenas de olhares exteriores, o olhar do outro interior também adquire presença esmagadora em nós e esmaga nossa farsa! Mas, às vezes basta a presença de uma única pessoa. E até mesmo a ausência de qualquer pessoa real pode bastar para que o olhar do outro interior se torne mais real que a ausência real exterior!

Quando o olhar do outro interior resiste às nossas tentativas de enganá-lo, sentimos como se estivéssemos sendo pegos em flagrante. Não sabemos mais como nos comportar, ficamos sem reação, abobadados. Nossa farsa está sendo ameaçada. No entanto, essa farsa é exatamente aquilo que nós somos, e a ameaça à farsa é uma ameaça ao nosso próprio ser. Há aqueles que experimentam apenas uma leve vergonha, e até fazem piada com o caso. Mas, há aqueles que experimentam grandes doses de ansiedade, e até o pânico. E tudo isso porque levamos a farsa a sério. Se nosso eu é uma farsa, a melhor opção é reconhecê-la e aceitá-la como farsa. É justamente nosso esforço de querer dar à farsa ares de legitimidade que nos torna presas fáceis das críticas do olhar do outro interior.

Compartilhe este conteúdo: