A polêmica da Ariel negra

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A representatividade da população negra no cinema se faz importante, pois fica claro que uma minoria atua em papeis de destaque

O racismo é algo presente no mundo todo, e dessa forma o cinema acaba reproduzindo essas estruturas da sociedade e isso se apresenta nos papeis que muitas atrizes/atores desempenham. Com pouca pesquisa na internet é possível encontrar diversos depoimentos de quem sofreu esse tipo de preconceito, dentre outros. Pessoas que por seu tom de pele são desqualificadas para determinados papeis, onde o personagem deve seguir uma determinada aparência. Onde algumas vezes não existe a real necessidade como no caso da Ariel e assim um racismo mascarado acaba se apresentando.

Da mesma forma, existe uma polêmica por trás da escolha da atriz Halle Bailey que viverá o papel da pequena sereia em um live-action da Disney. A história original do escritor dinamarquês Hans Christian Andersen, não possui descrição de como é a aparência da Ariel, dentre outros detalhes que são adaptações para a animação.

Fonte: encurtador.com.br/howLN

O termo whitewashing é utilizado quando substitui (especialmente na indústria cinematográfica) personagens fictícios ou históricos, de etnia estrangeira, por atores de cor branca. O que pode ser visto em vários filmes como, por exemplo: Deuses do Egito, A grande muralha, Death Note, Príncipe da Pérsia, Aladdin e podemos citar as versões da população egípcia nas novelas da Record, dentre muitos outros casos.

Assim, a escolha de uma atriz negra para desempenhar um papel que originalmente foi adaptado na animação como uma branca e ruiva foi colocado em questão. Porém o que nos aproxima da história é o seu conteúdo e não a aparência dos personagens. O diretor Rob Marshall em um comunicado para a revista Variety disse: “Após uma longa busca, está abundantemente claro que Halle possui a rara combinação de espírito, coração, juventude, inocência e substância – além de uma gloriosa voz para canto – todas qualidades intrínsecas necessárias para interpretar este papel icônico”.

Fonte: encurtador.com.br/gwBFI

Neste sentido, a Disney já vem inovando na forma como apresenta suas princesas, que já não são aquelas donzelas em perigo em que o herói aparece para salvá-las. Podemos ver essas mudanças em Frozen e Moana que foi um sucesso de bilheteria, onde os obstáculos que aparecem nos filmes são resolvidos com elas como protagonistas. Então se percebe que a ideia de mulher de hoje em dia é outra, além de fortes e suficientes elas podem pertencer a uma variedade de etnias.

Dessa forma, a representatividade da população negra no cinema se faz importante, pois poucos ainda atuam em papeis de destaque. Assim como em 2018 com o filme Pantera Negra onde a Marvel buscou valorizar os negros e que teve uma grande repercussão. No Brasil, quando o filme estreou, líderes de comunidades negras levaram para os cinemas crianças que se sentiram representadas pelos personagens.

Portanto a representatividade no cinema tem um papel importante, pois se cria uma forma de identificação entre a pessoa que assiste fazendo com que ela se sinta representada. Além de ter relevância para a conscientização sobre o contexto em que pessoas negras estão inseridas, seja no cinema ou na vida real, podendo levar a um pensamento de uma sociedade mais justa e que possa existir uma maior tolerância com as diferenças.

Referências

KROLL, Justin. Disney’s Live-Action ‘Little Mermaid’ Casts Halle Bailey as Ariel. Disponível em: <https://variety.com/2019/film/news/little-mermaid-halle-bailey-chloe-x-halle-1203234294/>. Acesso em: 15 jun. 2019.

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Anna e Elsa: tempestades de gelo, descobertas e diferenças

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“Minha força está na solidão.
Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem de grandes
ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite.”

Clarice Lispector

As princesas da Disney são definidas a partir de uma série de códigos ideológicos e estéticos. Esses códigos são necessários para a criação de uma identidade que tenha potencial para configurar um perfil que mereça ser amado, copiado e seguido. Com isso, pode-se estabelecer toda uma cultura em torno dos pares de opostos: bem e mal, beleza e horror, amor e ódio, perdão e vingança.

A heroína Disney é reconhecida quando ela fica em uma varanda com os cabelos ao vento, quando canta na floresta, ou quando ela deseja ter aquilo que está além do seu alcance. Embora os detalhes tenham sido atualizados, revisados e reformulados em conformidade com a ideologia contemporânea, a essência da fórmula das princesas da Disney manteve-se intacta. Como Walt Disney disse uma vez: nós sempre vamos torcer pela “Cinderela e seu Príncipe”.[1]

Mas, será que essa fórmula manteve-se realmente intacta? Já houve uma tentativa de “globalização” das princesas ao mostrá-las em diferentes etnias, cores ou classes sociais. Mas ainda persistia a ideia de que a figura do príncipe era necessária para formar “o conto de fadas” ideal. Até que o paradigma do “viveram felizes para sempre com um príncipe” foi quebrado emMerida, a princesa ruiva e rebelde. Em Frozen, novas nuances são apresentadas nessa fórmula. Tais nuances trazem à tona diferentes aspectos da personalidade das princesas.

O filme Frozen é “levemente” baseado em uma história do dinamarquês Hans Christian Andersen, “A Rainha da Neve”, publicada pela primeira vez em 1845. Nessa história, um anão do mal cria um espelho encantado capaz de transformar (para pior) as pessoas que o mirassem. Mas, um dia, o espelho é quebrado e seus estilhaços se espalham pelo mundo, disseminando ainda mais seu poder de destruição. Se um estilhaço do espelho atingisse o coração de alguém, essa pessoa se tornaria fria. Se atingisse os olhos, ela só enxergaria o pior nos outros.

O aspecto do conto de Andersen que foi usado como inspiração tem relação com a metáfora do gelo. Mas, em Frozen, o mal e o horror não vêm apenas do frio e da neve, mas do preconceito e do medo diante do “diferente”.

Frozen nos apresenta a história de duas irmãs, Anna e Elsa. A mais velha (Elsa) nasceu com um dom especial, é capaz de criar gelo e neve. Sem compreender o dom que possui, usa-o na maior parte do tempo para provocar os risos da irmã mais nova. Mas, um dia, o gelo que fez da Elsa uma criança “diferente” quase provocou a morte de sua irmã, o que resultou na decisão dos pais de separá-las e, de certa forma, esconder Elsa (e seus dons incompreensíveis) do resto do mundo.

Pouco tempo depois, as meninas ficaram órfãs. Elsa permaneceu presa em seu quarto, separada da irmã, tentando assimilar que tipo de monstro carregava consigo que tornava-a um perigo para os outros. Os pais das meninas, na tentativa de fazer um bem a ambas, foram os responsáveis por criar as maiores barreiras à felicidade das filhas. Não entender algo é totalmente compreensível, temer o desconhecido também o é. Mas o grande problema é quando se faz disso um fardo e uma dor para o outro, sendo que a causa, muitas vezes, reside em seu próprio medo, na sua incapacidade em lidar com o diferente, com aquilo que saiu dos padrões que convencionalmente compõe o conceito de “normalidade”.

“Medo e preconceito. O medo do diferente é o pai do preconceito, que por sua vez abre feridas na alma. Porém nos ensinaram que temos de ser iguais, inclusão geral. Então, para não sermos diferentes, portanto objetos de suspeita ou rejeição clara, mentimos uma igualdade impossível. Melhor seria entender, cultivar e afirmar nossas diferenças – não como fator de ódio, mas de um espaço de crescimento natural de todos para um melhor convívio.” [2]

Elsa e Anna foram vítimas (ainda que de maneiras distintas) desse estranho medo do diferente. E o isolamento no qual viviam contribuiu para o sentido que elas erigiram em torno das coisas e das poucas pessoas que estavam próximas.  “A solidão produz uma hipersensibilidade a estímulos mínimos e uma tendência para interpretar erroneamente ou exagerar a intenção dos outros, considerando as pessoas hostis ou afetuosas em demasia” [3]. Assim, enquanto Anna se transformou em uma sonhadora à espera do amor de um príncipe e de uma vida repleta por todas as diversões que lhes foram negadas na infância, Elsa permaneceu presa à ideia de que precisava controlar o mal que carregava consigo, logo tinha que neutralizar parte do que era.

A cada momento, a figura de um príncipe altivo e destemido que fazia parte dos sonhos de Anna parecia se afastar ou tornar-se incongruente com a sua realidade. Na festa de coroação de Elsa, quando finalmente as irmãs se encontram novamente, vemos que toda a afobação da Anna por encontrar o “amor de sua vida” na verdade parecia ser mais uma fantasia criada para suportar a solidão. As irmãs que antes eram tão cúmplices, agora pareciam temer uma a outra. Mas, havia algo no encontro que mostrava que o abismo não era assim tão profundo, alguns traumas não têm força suficiente para destruir a essência das relações, apenas modifica-as em certos aspectos.

Anna tem características mais similares às últimas princesas Disney. É nítida a sua semelhança com a Rapunzel. Ela é engraçada, sonhadora, inteligente e, principalmente, faz uma linha “gente como a gente”, acorda desgrenhada e com baba num canto da boca. Na mesma velocidade que Anna pensou estar apaixonada por um príncipe numa espécie de “amor à primeira vista”, logo entendeu nas entrelinhas que aquilo era uma causa secundária em seu caminho. Seu objetivo era encontrar a irmã, aproximar-se dela, entender a diferença tão profunda que as afastava e que dava ao reino aquele aspecto desolador e frio. 

“Seja a boa garota que você sempre teve que ser.
Oculte, não sinta.”

Depois que ocorre o descontrole emocional de Elsa e seus poderes vem à tona trazendo um inverno profundo em todo o reino, tem-se o início do momento que, de fato, diferencia essa princesa de todas as outras das histórias Disney. Mais do que dilemas sobre príncipes, madrastas e reinos, a complexidade que existe em torno da personalidade de Elsa encontra-se nas questões éticas e nas relações de significados e sentidos que a constituem, ou seja, é no seu mundo interior que ocorre a transformação. Elsa deseja o mal do reino e, por isso, o pune com um inverno avassalador? Cansou de ser “a boa garota”, de ser controlada, de ter que se esconder para não perturbar a paz dos outros (esses outros que são tão diferentes dela) e resolveu criar seu código de conduta em seu próprio universo?

“E os medos que uma vez me controlaram
não podem mais me alcançar”

Até então, as princesas Disney, modernas ou tradicionais, aventureiras ou dóceis, engraçadas ou inventivas, ainda não tinham atravessado a ilusória linha entre o bem e o mal. Elsa, como todos nós, tem o mal e o bem nela. Para as pessoas do reino, é uma aberração. Para seus pais, era uma incógnita e, em alguns aspectos, um problema. Para sua irmã, a melhor lembrança de alegria na infância. Para si mesma, talvez fosse apenas uma mulher cansada de uma existência nas sombras.  Elsa não “precisava” de uma transformação, esse não é o verbo correto, na verdade, tudo nela “exigia” isso. Nessa história, não cabia a figura da madrasta má, da bruxa disfarçada de boa velhinha. Elsa carregava em si um pouco desses e de outros arquétipos, assim podia ser a feiticeira temida ou a princesa encantada.

“É tempo de ver o que posso fazer
Para testar os limites e progredir
Sem certo, sem errado, sem regras para mim
Estou livre!”

Com o musical “Let it Go!”, acompanhamos a transformação de Elsa. O momento em que ela aceita sua magia é uma forma de aceitação de quem ela é de fato. E isso provoca uma mudança inclusive visual. As roupas mais pudicas da jovem rainha de um reino que a trata como uma aberração deram lugar às roupas sensuais da “Rainha do Gelo”. Se o mundo não a aceitou, ela resolveu criar seu próprio mundo e nele é soberana.  Com um vestido esvoaçante, cabelo de comercial de shampoo, pernas de fora, jeito e atitude de diva, eis que nasce a primeira Princesa Disney Sensual. E o mundo não acabou.

Em seu reino de isolamento, que é comum em vítimas de preconceito, Elsa pensou ter encontrado o esconderijo ideal. Mas assim como a “boa menina” do início tenha sido apenas uma máscara que outras pessoas lhe colaram à face, a diva da solidão também era um disfarce que ela construiu para sobreviver. Esses disfarces funcionam como artifícios emocionais que erigimos na esperança de sobrevivermos às tempestades que se formam em nosso universo particular. Sair do seu reino de gelo era voltar a um mundo em que a vulnerabilidade, a insegurança e o medo se fariam presentes. Mas não há relação humana isenta desses conceitos.

Na história de Anna e Elsa também é apresentado, ao final, que o ato de amor, longe de ser somente uma viagem narcisista à procura de um reflexo, de um “semelhante”, pode ser um ato de altruísmo, de doação. É esse amor que transforma as irmãs e, com elas, todo o reino.

Referências:

Filme – Ficha Técnica:

Título: Frozen – Uma Aventura Congelante

Direção: Chris Buck, Jennifer Lee

Roteiro: Chris Buck, Jennifer Lee, Shane Morris

Gênero: Animação

Ano: 2013

Artigos e Sites:

[1] http://wildhunt.org/2013/12/disneys-frozen-a-tale-of-two-princesses.html#sthash.BbC6NyKi.dpuf

[2] LUFT, Lya. Múltipla escolha / Lya Luft. – Rio de Janeiro: Record, 2010. 189p.

[3] PERLMAN, D., & PEPLAU, L.A. (1981). Toward a social psychology of loneliness. In S. Duck & R. Gilmour (Eds.), Personal relationships 3: Personal relationships in disorder (pp. 31-55). London: Academic Press. [Reprinted in B. Earn & S. Towson (Eds.), Readings in social psychology. Peterborough, Canada: Broadview Press].

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