O Sol é Para Todos

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O único livro publicado por Harper Lee, O Sol é Para Todos, é uma obra prima da literatura clássica. O cenário é ambientado nos Estados Unidos na época da Grande Depressão, nos anos de 1930. O foco do livro se dá pelo caso de estupro em que um negro, Tom Robinson, é culpado, mesmo sendo inocente. O pai da protagonista, Jean Louise, mais chamada de Scout, o Sr. Atticus, um renomado advogado, encarrega-se da defesa desse cidadão, o que desencadeia enorme alvoroço na sociedade local. Tudo ocorre nas terras do Alabama, numa área chamada Maycomb onde predominava a perpetuação de linhagens de famílias proprietárias de terras de algodão, muito comum no Sul do país.

Fonte: goo.gl/RVXsCv

Scout mora com seu pai, seu irmão mais velho Jem e a governanta da casa Calpurnia, que é negra e fiel servidora da família, por ser de longa data àquela linhagem. Na primeira parte do livro, a história se desenrola pela descrição das travessuras do trio formado por Jem, Scout e Dill, amigo deles. Eles nutrem grande curiosidade pelo seu vizinho misterioso que mal sai de casa, Boo Radley. As aventuras deles é regada pelo mistério em descobrir o que há na casa dele e o que faz para manter o contato com a vizinhança, e isso perdurou por todo o verão.

Ao decorrer da narrativa, a protagonista imprime seu olhar infantil e ingênuo da realidade e muita das vezes questiona os adultos ao seu redor sobre questões de injustiça social ou de valores sociais e morais, que ela é obrigada a aceitar de modo inquestionável. Isso é visto nitidamente quando sua tia Alexandra se muda para sua casa, a fim de lhe ensinar maneiras e comportamentos de uma menina ou moça. É repreendida pela tia por brincar de areia e lama com Dill e seu irmão, por responde-la rispidamente e por indagar questões que eram incomum a sua faixa etária.

Isso denuncia as limitações e restrições que eram impostas sobre a mulher naquela época.

Fonte: goo.gl/6xPkPJ

Desde a primeira parte do livro, a segregação racial e o preconceito impiedoso sofrido pelos negros é algo evidente e cruel. A grande maioria dos serviços braçais e manuais eram encarregados por “gente de cor”, como domésticas, carteiros, coletores de algodão, entre outros. Além disso, a discriminação era algo aceito socialmente, mesmo sendo absurdo algumas atitudes.

Na segunda parte do livro, o racismo é notório, já que o foco agora era descrever o caso de estupro e o julgamento pela defesa do seu pai. A intenção do povo era somente uma: linchamento. Isso deixa claro que o preconceito racial era algo voraz nos Estados Unidos. Mesmo com a evolução tecnológica, industrial e científica, o desenvolvimento de valores humanitários, racionais e prudentes ocorre de maneira muito lenta e gradual. Já naquela época, a segregação racial era algo a ser extinto e evitado de todas as formas, pois já havia a criação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, além do documento que oficializava a liberdade de expressão dessa parcela social, que é a Abolição da Escravatura.

Ambos os documentos são inválidos quando se vê em pleno século XX o racismo tão potente quanto na escravidão. A cor era o que diferenciava entre ser humano e ser irracional. Evidentemente os negros eram considerados raça inferior, sem explicação plausível. Infelizmente ainda hoje esse é um tema recorrente em noticiários por estar presente e ativo mundialmente.

Fonte: goo.gl/NfoJQs

O racismo atual é maquiado por cotas em universidades, por negros serem a maioria em presídios e favelas e por serem a minoria em cargos de alto escalão, como no Supremo Tribunal Federal. Mesmo no Brasil, com uma extensa variedade de raças, etnias e cores, tal realidade de preconceito ainda é frequente no cotidiano de afrodescendentes. O que resta é ir à luta e pregar a conscientização por meio de políticas públicas, propagandas publicitárias, e até mesmo através do teatro do oprimido. Esse último recurso utilizaria o público em si para encenar uma trama entre dois atores sobre dado assunto, no caso, o racismo. Esse mecanismo causaria de fato a visão da vítima e a sensação de se passar por ela, pelo menos por alguns instantes.

Desde o começo Scout consegue cativar o leitor com seu jeito ingênuo e impetuoso de observar e julgar o mundo. Não se conforma com padrões vigentes, e seu pai tenta buscar amadurecer a parte “humana” de seus filhos, de forma honesta e íntegra. Em suma, tal obra literária é essencial para avaliar o poder da coerção social e seus efeitos devastadores. Também é relevante para traçar valores outrora vigentes na sociedade, ou seja, é uma obra com ricas informações para a história. Certamente deve ser uma leitura obrigatória em instituições de ensino pela capacidade da autora em ser altruísta com o preconceito sofrido pelos negros. Esse sentimento de compaixão é facilitado pela sua idade, o que corrobora para impregnar o leitor com uma visão mais justa e fraternal.

Harper Lee consegue se adaptar no vocabulário a vários tipos de personagens totalmente diferentes, que vai desde a pessoas letradas e de altos cargos, a domésticas e lixeiros. Essa capacidade mostra a experiência que a autora teve em vida com várias classes sociais. A capacidade de se colocar no lugar do acusado inocentemente é singular, pois é como se o leitor estivesse sendo o Tom Robinson. Esse é mais um ponto a se considerar na importância da leitura desse livro, e como pode ser impactante na consciência das pessoas.

Ficha Técnica
O sol é para todos

Fonte: goo.gl/bW9pkC

Autor: Harper Lee
Ano: 1960
Páginas: 364
Gênero: Drama/ Mistério

 

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Olga: sob o olhar da Psicologia Social

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O filme brasileiro Olga (2004), de Jayme Monjardim, retrata bem a resistência que os indivíduos provocadores de transformações podem enfrentar. Aborda especificamente a história de Olga Benário (Camila Morgado) e da trajetória política que vivenciou junto a Luís Carlos Prestes (Caco Ciocler). Recebeu prêmios como de melhor atriz e melhor diretor.

Olga, ativista comunista, nasceu em uma família judia alemã no dia 12 de fevereiro de 1908. Filha de uma dama de alta sociedade de Munique, seguiu o exemplo do pai, que se dedicava às causas trabalhistas como advogado social democrata, atuando na defesa dos operários que foram atingidos pela crise de 1929 (A Grande Depressão).

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A convicção contrária à da progenitora nos remete ao fenômeno da consciência de si.

Apenas quando formos capazes de, partindo de um questionamento deste tipo, encontrar as razões históricas da nossa sociedade e do nosso grupo social que explicam por que agimos hoje da forma como o fazemos é que estaremos desenvolvendo a consciência de nós mesmos (LANE, 2006, p. 17, 18).

Numa reunião com adeptos à causa, Olga brada: “Movimento fascista [1] está se alastrando, temos que fazer tudo para enfrentá-lo. Lutar por um mundo sem injustiças, sem miséria. E sem guerras! Viva a revolução!!!”

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Neste momento, fica claro que a identidade social de Benário já está desenvolvida. Para Lane (2006) é na pluralidade de papeis desempenhados nas relações de grupo que ela é estabelecida.

Deixou de ser um, entre muitos da espécie humana e passaram a ser pessoas com características próprias no confronto como outras pessoas – eles têm suas identidades sociais que os diferenciam dos outros (LANE, 2006, p. 14)

Olga recebe uma carta de Manuilski, convidando-a para uma revolução na América Latina. Acreditavam que em breve o mundo todo seria comunista. Então, foi encarregada de ir ao Brasil e cuidar da segurança pessoal de Prestes, que há pouco havia se engajado com a Coluna [2]. Aqui, torna-se perceptível a consciência de si que alcança o social, podendo, dessa forma, se tornar agente de transformação (LANE, 2006).

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Assim como Benário, Prestes também foi ensinado a lutar contra as injustiças. Debaixo de uma perspectiva mais comportamental, sabemos que a determinação do que é ou não reforçador vem a partir da história do grupo do indivíduo. Ou seja, Luís foi estimulado, a partir de seu contexto ambiental, a não ser passivo, não se calar diante de questões políticas e sociais (LANE, 2006).

Frases ditas por Olga como: “nunca tive tempo para essas coisas”, se referindo a ir à praia, cortejar etc e “O nosso sonho de felicidade é mudar o mundo”, além do comportamento diante de Carlos de entender a existência de sentimentos que poderiam impedir o trabalho efetivo na missão asseguram sua compreensão de que o homem pode sim “se tornar agente da história, ou seja, como ele pode transformar a sociedade em que vive” (LANE, 2006, p. 4).

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Prestes, numa outra reunião, leu o emblemático manifesto [3] que levou Getúlio Vargas a, amparado pela legislação (da Lei de Segurança Nacional), tornar ilegal o movimento, “garantindo a ordem”. O intuito era o de acabar com a Revolução Comunista.

Logo após, a ALN continua com suas atividades, apesar da atuação clandestina. [4] Noutras palavras, tem-se o início da Intentona Comunista.  Além disso, sabiam que, sem o apoio do exército, seria impossível estender a revolta para o resto do país. A possibilidade de o Governo iniciar uma forte repressão como resposta ao movimento levou-os à intensificação das atividades.

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Prestes, o líder bradou: “Nós nunca estivemos tão próximos da revolução! Vamos mudar esse país, mudar a história!”. Todavia, Vargas estabeleceu o 3° regimento, levando à derrota da revolta, que não foi expressiva, uma vez que o povo não se mobilizou, nem a aeronáutica, marinha e exército. No entanto, como já testificado por Silvia Lane (2006, p. 18),

este processo (o de viabilizar mudanças sociais) não é simples, pois os grupos e os papeis que os definem são cristalizados e mantidos por instituições que, pelo seu próprio caráter, estão bem aparelhadas para anular ou amenizar os questionamentos e ações de grupos, em nome da “preservação social”.

Pouco tempo depois os mais engajados foram presos, e Olga, deportada para a Alemanha [4] descobre que está esperando um filho. Depois do parto, fica com a filha durante 14 meses. E menina é entregue à avó paterna, enquanto sua mãe é enviada ao Campo de Concentração. E, Prestes, fica por 9 (nove) anos na prisão.

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Logo, o objetivo de Olga Benário não foi alcançado, uma vez que a representação de mundo dominante seguia uma linha nazi-fascista [7]. Porém, o legado de convicção, de perseverança na luta pelo fim da desigualdade social e o engajamento pela concretização de um mundo melhor foram de grande valia e até hoje fonte de pesquisas e inspiração.

REFERÊNCIAS:

LANESilvia T. Maurer. O que é psicologia social. São Paulo: Brasiliense, 2006.

[1] Tende ao autoritarismo exacerbado ou ao controle de ditadura.

[2] PRIBERAM, Dicionário da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013. Disponível em:<https://www.priberam.pt/dlpo/fascismo>. Acesso em: 08/03/2017.

[3]Movimento político-militar brasileiro que visava mudança na República Velha (1924-1927) Disponível em:<http://acervo.oglobo.globo.com/fatos-historicos/coluna-prestes-prega-reformas-politicas-sociais-em-11-estados-brasileiros-1-9265523>. Acesso em: 07/03/2017.

[4] “A luta que se trava no Brasil é entre os libertadores de um país, de um lado e de outro, os traidores a serviço do imperialismo das grandes potências! Abaixo o fascismo! Abaixo Vargas! Por um governo popular nacional e revolucionário! Todo o poder à ALN! Pela justiça social e o fim da miséria! ”

[5] Por considerarem que há falta de liberdade no país, criaram a ALN (Aliança Nacional Libertadora), após o PCB (Partido Comunista do Brasil) ser considerado ilegal.

[6] Período de Segunda Guerra, envolvida pelo regime nazista (cabe rememorar que a mesma é judia).

[7] Governo de Mussolini e Hitler, na Itália e Alemanha, respectivamente. Características como totalitarismo, controle da propaganda e anticomunismo estão presentes em ambos. Disponível em: <http://www.historiadigital.org/curiosidades/10-ideologias-do-nazi-fascismo/>. Acesso em: 07/03/2017.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

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OLGA

Diretor: Jayme Monjardim
Elenco: Camila Morgado, Caco Ciocler, Eliane Giardini, José Dumont
Ano: 2004
País: Brasil
Classificação: 14

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