A Intervenção por meio dos Grupos Operativos a partir da teoria de Pichon-Rivière

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Na década de 1940 Enrique Pichon-Rivière elaborou a teoria dos grupos operativos que se caracteriza por um conjunto restrito de pessoas que estão ligadas entre si no tempo e espaço, articuladas por sua recíproca representação interna, que se apresenta, de forma explícita ou implícita, a uma tarefa que constitui a sua finalidade. Ou seja, sob essa perspectiva o grupo operativo consiste em uma técnica que tem por objetivo o aprendizado e mudança centrada na compreensão, bem como na execução de uma tarefa específica.

Pichon-Rivière (1988) possibilitou se pensar mudanças nas relações a partir dos processos grupais, através de uma intervenção sistematizada, com o foco na aprendizagem, por meio de técnicas integrativas.

Para Zimerman (2000), os fenômenos grupais se apresentam da mesma forma em diferentes grupos, o que variam são as respostas às perguntas realizadas, sendo essa a condição que irá determinar a finalidade, e, portanto, a modalidade presente em cada grupo.

Bastos (2010) acrescenta que a aprendizagem voltada para os processos grupais, possibilita uma nova “elaboração de conhecimento, de integração e de questionamentos acerca de si e dos outros” (p. 1). Para a autora, entendemos a partir da relação com as pessoas ao nosso redor, bem como com o meio ao qual estamos inseridos. A aprendizagem é resultante de um processo contínuo, no qual comunicação e interação são componentes indispensáveis.

Gayotto (1992), com base na teoria pichoniana, destaca que os grupos operativos devem estar pautados na promoção de um espaço dialético entre os seus membros, considerando para o seu desenvolvimento, imprescindível a presença de duas figuras: o coordenador e o observador.

O coordenador tem a função de facilitar a comunicação, direcionar as questões a serem trabalhadas, realizar articulações entre os conteúdos e sua aplicabilidade, conduzindo os processos grupais dentro de um contexto de respeito as opiniões, que possibilitem o crescimento do grupo. Já o observador ocupa um papel de parceria, no registro das atividades e ajuda também no processo de condução (GAYOTTO, 1992).

Fonte: encurtador.com.br/ioELR

Pichon-Rivière, sem dúvida foi um importante colaborador da psicologia grupal, através da sua teoria a respeito de grupos operativos, pois trouxe para esses espaços aspectos importantes na mudança das relações, onde integração e comunicação correspondem ao próprio processo dialético de existir um grupo, já que aprender por meio de uma ação coletiva, possibilita novos vínculos e o estabelecimento de novas relações (BASTOS, 2010).

Na teoria pichoniana a explicitação a reflexão acontece na relação entre os grupos operativos, como consequência, transformações podem acontecer na prática voltada para um determinado público. O teórico aborda o grupo operativo, como um instrumento primordial de tarefa e investigação, onde “estrutura e função de um grupo qualquer, seja qual for seu campo de atuação são dadas pelo interjogo de mecanismos de assunção e atribuição de papéis” (PICHON-RIVIÈRE, 2005, p.173).  

Segundo Pichon-Revière (2005), a técnica do grupo operativo, como já foi citado, deve contar com a presença de um coordenador, que tem a função de contribuir para que os membros possam pensar, ao qual pode se configurar pelas ansiedades básicas, operando no campo das dificuldades da tarefa e da rede de comunicações.  Está presente também nesse processo o observador, geralmente não participante, com a função de recolher e registrar todo o material, expresso verbal e pré-verbalmente no grupo, propiciando que o coordenador reajuste as técnicas de condução.

Nos grupos operativos, quando construímos uma escala de avaliação básica, permitimos as devidas interpretações acerca do processo grupal, de forma a promover uma categorização. O primeiro vetor dessa categorização inclui os fenômenos de afiliação ou identificação, seria o momento da integração que mais tarde se converte em pertencia, quando os participantes entram de fato no grupo, tornando possível o aparecimento do segundo vetor que é a cooperação, que consiste na contribuição para a realização da tarefa (PICHON-RIVIÈRE, 2005).

Para o autor, em seguida, tem-se, a pertinência como terceiro vetor, ao qual demonstra a capacidade do grupo de centrar-se na tarefa prescrita e no seu esclarecimento, abrindo espaço para a apresentação do quarto vetor que é a comunicação, uma categoria muito importante que dimensiona diferentes interpretações, podendo ser verbal ou não-verbal.

Fonte: encurtador.com.br/oJRT8

O quinto vetor do processo grupal operativo é a aprendizagem, um fenômeno básico nos processos relacionais, mas que representa uma mudança de natureza qualitativa, traduzindo na resolução de diferentes necessidades do grupo. Por fim, tem-se a tele como o sexto vetor, que se caracteriza pela disposição positiva ou negativa do membro para trabalhar em grupo, sendo o clima estabelecido, que pode ser traduzido pela transferência positiva ou negativa do grupo com o coordenador e os membros entre si.

Pichon-Rivière (2005) ainda acrescenta que o grupo operativo ocorre em três momentos. Se inicia pela pré-tarefa, onde situam-se as técnicas defensivas, que se apresentam como resistência à mudança, com a finalidade de adiar a elaboração dos medos básicos. Em seguida, temos o momento da tarefa, propriamente dita, onde consiste na abordagem e elaboração das ansiedades, operatividade e criatividade. Por fim, o momento do projeto com a finalização da tarefa, implicando em modificações importantes a nível individual e grupal, diante das novas adaptações que irão surgir.

A teoria pichoniana vem trazer para os processos grupais, espaços de aprendizagem que se apresentam em um permanente movimento de estruturação, desestruturação e reestruturação. Nesse sentido o movimento do grupo acontecerá entre os conteúdos que são manifestos e outros que se manifestarão durante os processos, provocando o que teórico denominou de espiral dialética (PEREIRA, 2013).

Os grupos operativos têm sua expressividade nos processos que envolvem ensino-aprendizagem, sendo a ideologia fundamental o constante movimento de aprender a aprender. É uma importante estratégia de intervenção quando se considera diferentes espaços de formação, dos mais diferentes públicos, envolvendo instrumentais que facilitem uma comunicação assertiva, desenvolvimento de habilidades sociais e interpessoais, como forma de promover qualidade das relações entre os sujeitos.

Fonte: encurtador.com.br/pqxE6

Referências:

ARAÚJO A.; ROCHA R. L.; ARMOND L. C. Da tendência grupal aos grupos operativos com adolescentes: a identificação dos pares facilitando o processo de orientação e educação em saúde. Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde: Saúde da Criança e do Adolescente, em abril de 2007. Rev Med Minas Gerais 2008, p. 123-130. Disponível em: file:///C:/Users/extra/Downloads/v18n4s1a18.pdf. Acesso em: 15 mar de 2019.

BASTOS A. B. B. I. A técnica de grupos-operativos à luz de Pichon-Rivière e Henri Wallon. Psicol inf., São Paulo, v. 14, n. 14, p. 160-169, out.2010.Disponível:http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-88092010000100010&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 15 mar de 2019.

GAYOTTO, M. L. Conceitos básicos que facilitam a compreensão do início de um grupo. Artigo referente ao curso de especialização em Coordenação de grupos operativos do Instituto Pichon-Rivière. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ean/v11n1/v11n1a07.pdf. Acesso em: 15 mar de 2019.

PEREIRA, T. T. S. O. Pichon-Rivière, a dialética e os grupos operativos: implicações para pesquisa e intervenção. Rev. SPAGESP, vol.14 no.1 Ribeirão Preto, 2013. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-29702013000100004. Acesso em: 19 abr de 2019.

PICHÓN-RIVIÉRE E. Processo grupal.  Tradução Marco Aurélio Fernandes Velloso e Maria Stela Gonçalves (3 artigos finais) Revisão da tradução Maria Stela Gonçalves. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

PICHON-RIVIÈRE, E. Teoria do vínculo. São Paulo: Martins Fontes, 1988.

ZIMERMAN D.E. Fundamentos básicos das grupoterapias. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.

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Pedra no Céu: o encarar de um mundo desconhecido

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Pedra no Céu, publicado em 1950 por Isaac Asimov, configura mais um de seus romances intergalácticos com reflexões pertinentes que ultrapassam as fronteiras de tempo e espaço. Temos aqui preconceito, ganância, intolerância, bondade, ódio e tantos outros sentimentos que permeiam a experiência humana.

O primeiro momento do livro se passa em Chicago, no mundo que conhecemos hoje. O alfaiate Joseph Schwartz passeia por uma ruela, concomitantemente é realizado um experimento num laboratório de pesquisas nucleares na cidade. Por algum incidente não compreendido relacionado à radioatividade no experimento, Schwartz é transportado de um passo para o outro, literalmente, para um mundo desconhecido.

A partir desse momento, somos apresentados a este novo mundo. Nele, Schwartz começa a questionar sua própria sanidade, uma vez que um segundo antes estava a caminho de sua casa. No intuito de procurar e reconhecer algo ou alguém, sai à procura pela vasta floresta até que encontra uma casa. Seu primeiro contato aturdido com aquelas pessoas o deixa devastado: ninguém fala sua língua, todos se vestem de maneira diferente, a própria casa parece ser feita de porcelana.

As pessoas nessa Terra vivem sob a tutela do Império, o qual dita os Costumes que as pessoas devem seguir e para qual todos devem prestar contas. Um dos Costumes é o Sexagésimo. Nele, quando qualquer pessoa completa 60 anos de idade, têm de ser morta, pois é considerado um peso que não pode produzir, devendo dar espaço no mundo aos jovens. A família que recebe Schwartz oculta do Império a existência de um idoso cadeirante em sua casa e, necessitando de um membro a mais para ajudar na produção, se aproveita do surgimento misterioso de Schwartz. Com esse objetivo em mente, eles o levam ao Dr. Shekt na cidade de Chica, capital da Terra, para se submeter ao Sinapsificador, um aparelho que diz poder aumentar as habilidades intelectuais das pessoas. As consequências dessa modificação mudarão o curso da galáxia.

Um dos problemas notáveis na Terra é a superlotação e Asimov se apropria dessa preocupação de forma muito inteligente. Considerando-se que o medo da morte é um dos temas centrais da existência humana, cabe esperar que as pessoas encarassem o Sexagésimo com temor, ansiedade, quem sabe horror. No entanto, a perspectiva é amplamente aceita por todos com certa apatia: entendem que morrer aos 60 anos é extremamente necessário para o mundo.

Isaac Asimov – Fonte: https://goo.gl/qDmqG6

O Império presente neste livro é o mesmo da Trilogia da Fundação do autor e Asimov escreveu e editou seus livros posteriormente para que as linhas temporais e as referências pudessem estar presentes. Fruto de um Império ainda novo, vivendo no ano 827 da Era Galáctica, Bel Arvardan nos é apresentado como um arqueólogo e pesquisador imperial interessado em estudar a Terra e sua radioatividade, pois acredita que toda a humanidade se originara de um único planeta e que a radioatividade presente na superfície da Terra nem sempre estivera ali, mas fora fruto de atividade humana. É interessante a descrença que Asimov promove nas pessoas da Terra: é inconcebível que nós, que vivemos nesse mundo, utilizássemos de armas nucleares para com os nossos. A referência é clara, uma vez que em 1945, cinco anos antes da publicação do livro, os EUA atacam Hiroshima e Nagasaki e deixam milhares de mortos e afetados pela radiação. É de fato inacreditável para as pessoas da Terra que seja possível tamanha abominação contra a raça humana, mas a história nos diz o contrário.

Bel Arvardan, um personagem que vive suas próprias contradições durante o livro, tenta resolver o conflito de preconceito que vê em si mesmo e nos outros. Em Pedra no Céu, as pessoas são classificadas como terráqueos ou forasteiros e lidera um forte sentimento antiterrestrialista por parte desses últimos, pois a Terra agora é um lugar altamente radioativo, ridicularizado e seus descendentes sinônimos de perigo. Um dos objetivos de Arvardan é demonstrar a possibilidade de que, apesar de todo ódio e desdém com que os forasteiros tratam os terráqueos, todos tenham descendido de um único planeta e que as pessoas podem se tratar não por uma relação de medo e ódio, mas de cordialidade.

Ilustração de Isaac Asimov – Fonte: https://goo.gl/kTNooa

O personagem de Arvardan é claramente identificado com o Eterno Andrew Harlan descrito por Asimov no livro O fim da Eternidade, publicado cinco anos mais tarde. Os dois personagens vivem os próprios conflitos na sua personalidade austera, focada no trabalho e buscando a todo custo ignorar os seus sentimentos. Assim como o fracasso de Harlan se deu com o surgimento de Noÿs Lambent, uma não-Eterna, o de Arvardan se dá quando conhece Pola Shekt, uma terráquea, filha do inventor do Sinapsificador. A vida do Dr. Shekt, Pola, Arvardan e Schwartz se interligam de uma maneira surpreendente e cada superação de um obstáculo pessoal, seja de Arvardan a se entregar aquilo que sente, seja de Schwartz a processar o luto pela vida que vivia, converge para que o futuro da humanidade seja salvo.

Vivendo o eminente perigo de um vírus relacionado à radioatividade, Schwartz começa a desenvolver os vetores presentes nas contribuições de Pichón-Rivière sobre os grupos operativos, aqueles centrados na resolução de uma tarefa. Para que a tarefa seja realizada, devem ser elaborados dois medos básicos que surgem no processo de mudança: o medo da perda (quando existe o temor de perda pelo o que já se tem) e o medo do ataque (temor do desconhecido). Enfrentando a incerteza sobre tudo o que viveu e o que haveria de viver, com a esperança de rever sua família e angustiado pela perspectiva de que isso poderia não acontecer, Schwartz lida com o medo do ataque estando frente a situações radicalmente diferentes em sua vida, com pessoas das quais não conhece e em um mundo estranho para ele. Motivado pela tarefa de combater esse vírus, Schwartz passa pelo primeiro vetor de afiliação num processo mais demorado, pois implica o envolvimento do sujeito com a tarefa e com as demais pessoas do grupo. Guiado por tamanha desolação pela perda da família e seu mundo, um forte sentimento de raiva se apodera dele, o que dificulta tal envolvimento. Num processo mais rápido passa para o segundo vetor, chamado pertenência, em que pondera sobre sua participação, chegando então à pertinência e cooperação.

Nesse livro podemos observar aspectos mais cômicos se comparado aos livros posteriores do autor, o que torna a leitura muito agradável, além de reflexiva pelos pontos já citados. É comum nos surpreendermos rindo de algumas situações ou ficarmos apreensivos de tamanha imersão na psiquê dos personagens, fazendo com que repensemos conceitos que aplicamos à nossa vida cotidiana de maneira tão natural, sem nos questionarmos sobre. Uma obra que demonstra mais uma vez o talento de Asimov em nos fazer adentrar num mundo tão diferente e ao mesmo tempo tão próximo de nós.

 

FICHA TÉCNICA

Nome do livro: PEDRA NO CÉU

Editora: Aleph
Gênero:  Romance, Ficção Científica
Autor: Isaac Asimov
Ano de lançamento: 1950
Idioma: Português
Ano: 2016
Páginas: 312

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