Como a família de Harry Potter impactou seu desenvolvimento?

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Conflitos intrafamiliares, segredos e negligências fizeram parte do processo de desenvolvimento de Harry Potter.

Harry Potter é o personagem principal de uma saga de sete romances publicada pela autora J.K.Rowling. Os volumes da autora percorreram o mundo, tornando Harry Potter um dos personagens mais queridos da literatura fantástica. Em 1998 o primeiro livro era lançado e, em 2001 era adaptado para os cinemas. Os filmes e livros da saga Harry Potter marcaram a infância e adolescência de muitas pessoas, e ainda hoje são conhecidos mundialmente e consumidos pela população.

O primeiro livro introduz a história de Harry Potter, um garoto de onze anos que perdeu seus pais com apenas um ano de idade, em um confronto contra o Lorde das Trevas. No embate, seus pais se foram, mas Harry sobreviveu, ficando famoso no mundo dos bruxos por ter sido o único a sobreviver a um encontro com o poderoso bruxo.

Harry passou a viver com seus tios e o primo após a perda, que mantiveram em segredo as origens do garoto, assim como o fato de que ele possuía habilidades especiais. Ao completar onze anos, Harry recebe cartas que o convocam até Hogwarts, a escola de magia. Mesmo com as tentativas do tio de impedi-lo de recebê-las, Harry descobre a verdade e parte para a escola.

No primeiro volume da saga, Harry faz amizades, descobre mais a respeito de seus pais e aprende os segredos do mundo dos bruxos. Os leitores acompanham o desenvolvimento pessoal, social e acadêmico do garoto que, anteriormente, se sentia deslocado e sozinho.

Inicialmente, a autora contextualiza a criação do personagem principal narrando como eram suas relações com a família Dursley e os sentimentos do jovem bruxo. Harry, seus tios e seu primo compõem uma família marcada por disfuncionalidades que afetam o garoto de diferentes formas.

Uma família é compreendida como funcional quando os integrantes do sistema são capazes de prepararem-se para enfrentar crises internas e externas, que afetam diretamente a saúde familiar e o bem-estar dos membros.¹ Quando a família não consegue promover um desenvolvimento saudável para seus integrantes, não apresenta comunicação e capacidade de se adequar às mudanças, é caracterizada como sendo disfuncional.²

Boneco Funko Harry Potter.
Fonte: Imagem de PokeyArt no Pixabay.

Os primeiros anos de vida do sujeito são de extrema importância para um crescimento emocional saudável e configuram uma base para seu equilíbrio psicossocial. Sentimentos como abandono, perda, ausência, tristeza, humilhação, medo e angústia podem servir como origem para comportamentos antissociais.³ Torna-se possível, portanto, identificar diversos momentos na saga Harry Potter que contextualizam os leitores da criação que o personagem recebeu na casa de seus tios, sendo um crescimento marcado por violências e falta de atenção.

No primeiro livro da saga, Harry Potter e a Pedra Filosofal, a autora traz situações fundamentais para o entendimento da criação da criança. O garoto dormia em um pequeno cômodo localizado embaixo da escada, usava roupas antigas do primo – que muitas vezes estavam desgastadas, possuía um péssimo relacionamento com todos da casa, era responsável pelas tarefas domésticas e recebia muitos castigos da família. Ainda no primeiro volume, é apresentada a situação na qual é aniversário do primo de Harry, Duda. No entanto, apesar do protagonista precisar fazer o café da manhã do primo, não é convidado para as comemorações. Nesta cena, a pessoa responsável por ficar encarregada de Harry durante o passeio da família é impossibilitada, então seus tios começam a debater o que fazer com a criança.

Inicialmente, discutem a respeito das pessoas que poderiam monitorá-lo, na falta de opções, consideram deixar a criança sozinha em casa, mas concluem que a mesma “destruiria” a casa. Posteriormente, refletem a possibilidade de levá-lo ao passeio e deixá-lo no carro, para só então resolveram levá-lo à comemoração. A criança ainda recebeu uma ameaça do tio, que disse “a primeira gracinha que fizer, a primeira, vai ficar preso naquele armário até o Natal”⁴.

A família de Harry se recusa a mandá-lo para o colégio e, posteriormente, não querem arcar com nenhum custo de materiais escolares que o garoto possa precisar, não oferecendo qualquer tipo de suporte para que o protagonista possa partir para Hogwarts. No segundo livro, Harry Potter e a Câmara Secreta, o tio do personagem recebe pessoas importantes em casa. Por isso, Harry precisa ficar trancado em seu quarto e é proibido de descer até a sala, pois seus tios não querem que ele atrapalhe a reunião importante, mesmo assim, seu primo participa do encontro.

A cena se repete em outros momentos, nos quais Harry é impedido de participar de programas realizados pela família e precisa ficar em outro local enquanto isso. Além disso, o garoto é vítima de bullying do próprio primo e seus amigos, que atormentam-no diariamente, enquanto o mesmo não possui nenhum círculo de amizades.

A violência vivenciada por crianças tem o poder de prejudicar todos os aspectos de sua vida, não apenas psicológicos, mas também físicos, comportamentais, acadêmicos, interpessoais, entre outros fatores que seguem todo o seu crescimento.⁵ As situações experienciadas por Harry em sua casa são marcadas por humilhações, violência e negligência.

Entende-se que a violência é uma maneira de restringir a liberdade do sujeito, por meio de repreensão física, sexual e moral. Crianças que vivem em constantes experiências marcadas por ausências ou presenças intrusivas, conhecem somente os extremos da distância afetiva. Por consequência, nota-se que o personagem é marcado por características como introversão e baixa autoestima. Ao ir para Hogwarts, a escola de magia, e se deparar com um mundo fascinante, Harry deseja, em uma cena, ter oito anos novamente. Essa descrição exibe a falta de infância vivenciada pela criança, que se maravilhou ao ir para um lugar diferente pela primeira vez.

O personagem é tido pelos tios como um bode expiatório, sendo punido por situações das quais não é culpado. O pavor dos tios pelo mundo bruxo é transformado em raiva pelo garoto, que é negligenciado pela família e culpado por todas as coisas ruins que acometem o ambiente familiar. A autoestima do personagem também é afetada pela forma como a família Dursley. Ao conhecer o mundo bruxo, Harry Potter descobre que é famoso por ter sobrevivido ao confronto que matou seus pais. Ao mesmo tempo, o garoto questiona suas habilidades a todo tempo, sem entender o motivo pelo qual sobreviveu, não se achando capaz de tal feito, além de enfrentar diversos conflitos no início de seu ano letivo, duvidando de sua aptidão.

Para que uma criança cresça e se desenvolva bem, é imprescindível que haja amor, segurança e limites impostos.⁷ No entanto, Harry é criado com limites rígidos, falta de afeto e suporte. Isso possui profundo impacto nos momentos seguintes, quando o garoto parte para a nova vida e estabelece relações interpessoais com os demais personagens.

No passar dos livros, Harry Potter consegue desenvolver relacionamentos com os novos colegas, e é acolhido por figuras que exercem o papel de direcionamento e afeto. Um exemplo disso é a relação com a família Weasley, que aparece com um funcionamento totalmente oposto à família de Harry. Os Weasley são numerosos, não possuem condições financeiras tão boas, mas são amáveis, cuidam uns dos outros e acolhem Harry como se fosse da família. Em várias cenas, Harry recebe presentes de Natal enviados pela família acolhedora.

Livros da saga Harry Potter.
Fonte: Imagem de crizgabi no Pixabay.

Outros personagens que foram fundamentais para o desenvolvimento social do garoto foram Dumbledore, Hagrid, Sirius Black, entre outros. Todos foram figuras importantes, que direcionaram o protagonista, demonstraram afeto e apoio emocional.

Mesmo tendo conflitos com outros garotos do colégio, o personagem é capaz de formar seu próprio círculo de amizades, desenvolver suas relações e tornar-se confiante de suas capacidades no meio acadêmico, recebendo o apoio necessário para sua evolução. É possível acompanhar o crescimento de Harry ao longo dos volumes da saga, que se torna um indivíduo obstinado, comprometido e com boas relações interpessoais. Sem uma intervenção precoce, crianças inseridas em famílias disfuncionais vivem em um cenário repleto de perdas, abandono, separações e angústias, podendo desenvolver e perpetuar graves patologias transgeracionais.

O rumo da vida do protagonista muda ao distanciar-se de casa e passar a conviver com pessoas que o acompanham em sua jornada. O sujeito em risco sempre se sente desamparado, sozinho, e necessita de uma intervenção que possa mudar suas concepções e acrescentar em seus conflitos.³ No caso de Harry Potter, os leitores acompanham uma nova rota em sua vida, ainda que o garoto tenha que retornar à casa dos tios. Os problemas como baixa autoestima e introversão são, aos poucos, superados, graças à presença de situações e indivíduos.

REFERÊNCIAS

  1. GÓMEZ, MTO. La família funcional y disfuncional, un indicador de salud. Rev. Cubana Med. Gen. Itegr. 1999;13(2):591-5. 
  2. SANTÍ, PMH. La salud familiar. Rev. Cubana Med. Gen. Itegr. 1997;15(4):439-45.
  3. STRECHT,  P.  (2003).  À  margem  do  amor.  Notas  sobre  negligência  juvenil.  Lisboa: Assírio & Alvim
  4. ROWLING, J. K. Harry Potter e a pedra filosofal. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2000. p.23.
  5. GONÇALVES, Kellen Cristina. Ofendidos e Humilhados: O descortinar da violência infantil: Uberlândia MG  1976-1996. Uberlândia, 2009.
  6. STRECHT, P. (1999). Preciso de ti. Perturbações psicossociais em crianças e adolescentes. Lisboa: Assírio & Alvim.
  7. BLÉANDONU, G. (2003). Apoio terapêutico aos pais. Lisboa: Climepsi.
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Harry Potter e o Cálice de Fogo: a opus alquímica

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Nesse filme da série, Harry Potter enfrenta vários perigos que podem ser analisados sob o prisma da Alquimia. A escola de Hogwarts foi escolhida como a sede da maior competição mágica que existe, o Torneio Tribruxo. Duas outras escolas, Beauxbatons e Durmstrang, irão competir.,

Três alunos são escolhidos pelo Cálice de Fogo para representar suas respectivas escolas. Por determinação do Ministério da Magia, apenas alunos com 17 anos ou mais poderem participar, mas Harry é escolhido (por manipulação) para representar Hogwarts, junto com Cedrico, um jovem popular aluno Lufa Lufa. Esse torneio é bastante perigoso e os participantes podem até morrer.

Pode-se observar aqui um ritual de iniciação para Harry. Os ritos de passagem, ou iniciação, nos povos primitivos uma transição particular para o indivíduo, bem como a sua progressiva aceitação e participação na sociedade na qual estava inserido, tendo, portanto um cunho tanto individual quanto o coletivo. Uma cerimônia muito importante era a passagem do jovem para a vida adulta e é nessa transição de menino para homem que Harry está passando. Velhas atitudes infantis devem agora ser abandonadas e novas responsabilidades devem ser aceitas.

Vemos essa mudança de atitude em Harry, Hermione e Ron, quando eles começam a se interessar pelo sexo oposto. Harry e Ron são obrigados a entrar no mundo feminino e convidar uma menina para o baile, o que é bastante difícil para eles. Portanto, o herói esta se tornando pronto para um relacionamento afetivo e desejando isso, para posteriormente formar sua própria família.

O torneio Tribuxo é composto por três provas. Na primeira os bruxos escolhidos precisam recuperar um ovo dourado que está sendo guardado por ferozes dragões. Como comentei no inicio do texto, essas provas podem ser mais bem compreendidas a luz da Alquimia.

Carl Jung consagrou muitos anos de estudo a este tema, e em seu livro Psicologia e Alquimia Jung introduziu, por assim dizê-lo, a alquimia na psicologia. Ele percebeu que o alquimista projetava sua própria psique durante a Opus alquímica que consistia na busca do valor supremo e essencial, ou seja, era a busca pelo Elixir da Vida Eterna e a Pedra Filosofal.

No primeiro filme da saga de Harry Potter comentei sobre a Pedra Filosofal, que é o inicio e a meta do processo alquímico e, por conseguinte da individuação. Ela é o começo e o fim. Tanto que ela da o nome ao inicio da saga. Dessa forma nota-se que a saga Harry Potter trata do processo de individuação pelo qual o herói (ego arquetípico) é submetido.

O motivo alquímico fica então mais evidente nesse filme da série. Aliás, não é a toa que o herói seja um bruxo, pois os alquimistas antigos eram considerados bruxos e alquimia uma arte mágica. Basicamente, o processo consistia na interação na interação de um sal e dois metais (o enxofre e o mercúrio). O sal é o dissolvente universal e é o meio de ligação entre o mercúrio e o enxofre, sendo associado à energia vital, que une corpo e alma.

O mercúrio e o enxofre são as principais matérias-primas da alquimia. O enxofre é o princípio fixo, ativo, masculino, que representa as propriedades de combustão e corrosão dos metais. O mercúrio é o princípio volátil, passivo, feminino, inerte. Ambos, combinados, formam o que os alquimistas descrevem como o “coito do Rei e da Rainha”, ou casamento alquímico.

Essa matéria prima, resumidamente, era submetida a uma serie de operações alquímicas a fim de ser purificada e transformada. Cada operação pela qual a matéria prima era submetida simboliza um estágio do processo pelo qual o ego pode ser submetido durante o processo de individuação. E em Harry Potter e o Cálice de fogo vemos algumas operações alquímicas pelas quais o herói será submetido.

No primeiro desafio do Tribuxo, Harry é submetido ao fogo do dragão. Esse desafio pode ser associado à operação denominada calcinatio. O processo da calcinação consiste no intenso aquecimento de um sólido, destinado a retirar a água dele, portanto trata-se de uma operação ligada ao elemento fogo.

O dragão costuma ser um símbolo associado à calcinatio. Nos textos alquímicos a natureza da substancia a ser calcinada é chamada de “lobo”, “sedimento negro” ou “dragão”. Esses termos dizem que a calcinatio é efetuada no lado primitivo da sombra, que acolhe o desejo faminto e instintivo e é contaminado pelo inconsciente (Erdinger, XX).

Esse fogo que provem do dragão (símbolo dos desejos instintivos) vem da frustração desses mesmos desejos instintivos, que gera raiva. Portanto, Potter esta passando por uma provação de um desejo frustrado que irá levá-lo a um processo de desenvolvimento de sua personalidade. O ponto importante é compreender qual é esse desejo frustrado de Harry.

Bem como Bruxo detentor de poderes mágicos e extremamente famoso por ter sobrevivido a Voldemort, Harry deve lidar com o instinto de poder e a arbitrariedade de um ego inflado e inflamado. As garotas agora olham para ele com desejo, na escola ele é uma lenda e um dos bruxos mais poderosos é seu inimigo. Voldemort é um aspecto sombrio de Potter, que simboliza a força destrutiva do poder. Assim como o menino ele também era famoso e poderoso, mas que sucumbiu a essa força instintiva do poder e foi por ela dominado.

A calcinatio não foi compreendida por Voldemort. Em termos coletivos o vilão representa a ânsia de poder do homem moderno, que destrói os recursos da natureza em prol de uma afirmação e poder egóica. A calcinatio nos faz lembrar que o verdadeiro poder vem do Self, ou seja, de uma força transcendente que frustra nossas pretensões quando essas não estão de acordo com a totalidade psíquica. É nesse momento que precisamos lidar com a raiva, o grande combustível da calcinatio, pois ela emerge, juntamente com a frustração das exigências de poder do ego.

E é no instante em que Harry lida com a frustração e a raiva que emerge o Self, na forma de ovo de ouro. O ovo para a psicologia analítica é um símbolo do Self, ele representa o circulo, a uroboros e a totalidade. E agora é a partir ele que Harry é guiado para as outras provas. Isso significa que agora o herói passa a agir motivado pelo Self e não pelo desejo egóico.

A calicinatio, portanto nos leva ao abandono das nossas pretensões e coloca o ego em seu devido lugar.
A segunda tarefa Harry precisa mergulhar no fundo do Lago Negro e resgatar Ron, que foi colocado sob a guarda de ferozes monstros aquáticos. Ele consegue com a ajuda de Neville Longbottomd, que lhe dá uma planta de nome guelricho, que lhe faz mutações instantâneas e permite que ele respire debaixo d’água.

A segunda tarefa pode ser associada a operação alquímica da solutio. A solutio pertence ao elemento água e representa transformação do sólido em um liquido. O sólido desaparece no solvente parecendo que foi engolido. É um estado que se assemelha ao bebê que está contido no útero. Essa operação representa nosso desejo de dissolução e de retorno ao estado indiferenciado, inconsciente.

Esse estado indiferenciado é representado pelo redondo, a uroboros, o círculo, ou seja, um útero simbólico, onde não há consciência, nem separação dos opostos. É uma descida ao inconsciente de onde o ego se origina. Passamos pela solutio constantemente: quando dormimos ou quando estamos doentes, pois na solutio encontramos a renovação da energia, o renascimento e o rejuvenescimento.

Mas o perigo da solutio é o fato de um ego imaturo achar prazeroso, pois de fato é uma experiência agradável: na inconsciência não há conflito. No entanto, não há crescimento, amadurecimento, autonomia e consciência. À medida que o ego deseja voltar a esse estado indiferenciado, também deseja se tornar consciente. Vivemos esse conflito de duas forças contrarias nos puxando. Harry então passa pela solutio. Ele mergulha em um lago (símbolo da regressão e da solutio) e deve salvar seu amigo sem, no entanto ficar preso, com o perigo de morrer.

Algumas criaturas marinhas aparecem tentando prender Harry. Essas criaturas parecem sereias diabólicas. As sereias são símbolos comuns da solutio, pois na Mitologia elas tinham o poder de afogar os homens com o seu canto.

Na Mitologia Vênus e Afrodite (deusas do amor) têm ligações fortes com a água, pois nasceram no mar. Portanto o erotismo é um forte ativador da solutio. Potter pode ser engolido pela luxuria e amor. Seu desejo erótico que está ativo o leva ao afogamento. Harry então sofre o desaparecimento de sua antiga forma para o surgimento de uma forma regenerada. Por meio do afogamento o ego é limpo de suas impurezas, é retirado os conteúdos que não estão em acordo com a totalidade psíquica.

Na terceira prova, Harry precisa encontrar a Taça Tribuxo, que está escondida dentro de um labirinto encantado que tem vida própria. Restam apenas ele e Cedrico, que decidem pegar a taça ao mesmo tempo. Porém, eles são surpreendidos ao descobrir que ela é uma Chave de Portal que os tele transporta para o cemitério onde jaz a família dos Riddle.

Lá Harry encontra Voldemort e Cedrico é assassinado. O tema do labirinto é bastante conhecido na Mitologia Grega. Que ficou como uma elaborada construção erguida para o rei Minos de Creta, e projetada pelo arquiteto Dédalo e seu filho, Ícaro especificamente para abrigar a criatura chamada Minotauro, que não tinha qualquer fonte natural de alimento, e precisava devorar humanos para sobreviver.

O rei Minos exigia que pelo menos sete rapazes e sete donzelas atenienses (escolhidos por de sorteio) lhe fossem enviados a cada nove anos (ou, segundo alguns relatos, anualmente) para ser devorado pelo Minotauro. Quando se aproximava a data do envio do terceiro sacrifício o jovem príncipe Teseu se ofereceu para assassinar o monstro. Em Creta, Ariadne, filha de Minos, se apaixona por Teseu e o ajuda a se deslocar pelo labirinto, que tinha um único caminho que levava até seu centro. Na maior parte dos relatos Ariadne dá a ele um novelo, que ele utiliza para marcar seu caminho de modo que ele possa retornar por ele. Teseu então mata o Minotauro com a espada e lidera os outros atenienses para fora do labirinto.

No Tarot Mitológico, a lâmina A Torre representa o labirinto. A Torre oculta um segredo que está prestes a ser descoberto e tudo virá abaixo. Harry e Cedrico, assim como Teseu descobrem esse segredo oculto.
Esse segredo tem a ver com as nossas sombras tão bem escondidas por nossa persona. Aquilo que não queremos mostrar ao mundo e que sofregamente reprimimos.

O labirinto representa a iniciação, o caminho para se chegar ao centro, ou seja, a meta, O Self. Mas para isso é necessário encarar os aspectos sombrios e se sacrificar. O cemitério e a morte de Cedrico apontam para outra operação alquímica:a mortificatio. A mortificatio representa a experiência da morte. Representa a penitencia, abstinência, como meio de sujeição das paixões e apetites.

Ela é a mais negativa de todas as operações da alquimia, pois representa a derrota, a humilhação, a tortura, a morte e a mutilação. Contudo, essa operação leva, por compensação, a um estado altamente positivo posteriormente. Ela também é o símbolo da ressurreição e do renascimento. Seu símbolo pode ser a Fênix – que já apareceu anteriormente no filme anunciando a morte e o renascimento do herói.

A mortificatio está associada à cor preta e conseqüentemente à nigredo, que representa, em termos da psicologia analítica, ao encontro com a sombra. Isso significa, que quando tomamos consciência da nossa sombra é uma morte, uma derrota para o ego. É a tomada de consciência do mal. No filme Voldemort volta à vida por meio do sangue de Harry. A sombra do herói agora está viva e possui uma forma. O sangue (símbolo da morte e da vida) é libido, energia. Isso significa, que precisamos dispor uma quantidade de energia para nossa sombra, pois mesmo sendo uma derrota para o ego, é por meio dela que o ego renascerá renovado e mais fortalecido.

Harry entra agora na Nigredo, pois ele vê a morte de perto. Cedrico morre e isso abala Potter profundamente. Após essa morte ele não será mais o mesmo. Cedrico é um aspecto de Potter que morreu. Ele era um aluno perfeito e capitão do time de quadribol de sua casa, ou seja, uma unanimidade em Hogwarts, o herói apolíneo. E Potter tem admiração por ele, projetando em Cedrico todo o seu potencial. Pois é esse aspecto de perfeição apolínea em Harry que deve morrer. A perfeição não pertence aos humanos, mas aos deuses. Por essa razão Cedrico não pertence ao mundo humano.

Portanto, não é na luz que desenvolvemos nosso potencial, mas nas nossas sombras mais profundas. E assim nosso herói é transformado e fortalecido. Ele agora entra na Nigredo durante o restante da saga e lá permanecerá até o ultimo confronto com seu inimigo maior.

FICHA TÉCNICA

HARRY POTTER E O CÁLICE DE FOGO

Data de lançamento: 18 de novembro de 2005 (EUA)
Direção: Mike Newell
Série de filmes: Harry Potter
Música composta por: Patrick Doyle
Adaptação de: Harry Potter e o Cálice de Fogo

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Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban: a projeção do complexo paterno

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O terceiro filme da saga Harry Potter, mostra o menino novamente na casa dos desagradáveis tios Dursley. Irritado com uma tia que vem visitar os Dursley foge de casa e vai viver em um abrigo de bruxos.

Observamos agora há uma diferença marcante em Potter: ele está amadurecendo!

Aos 13 anos ele não quer mais se submeter ao desprezo e maus tratos por parte dos tios, pelo fato de ser diferente. Ele precisa desenvolver sua independência e autonomia. No texto anterior, Potter cada vez mais se afastava de sua família consangüínea retirando as projeções do arquétipo paterno e materno dos pais pessoais. Em O Prisioneiro de Azkaban esse arquétipo paterno encontrará um novo objeto de projeção.

Harry Potter ao fugir dos Dusley, descobre que o assassino Sirius Black, um discípulo de Voldemort, fugiu da prisão de Azkaban, considerada até então como à prova de fugas, e tudo indica que está atrás do herói.

Após o desenvolvimento da estória e com o encontro de Potter e Sirius, descobrimos que o ultimo não é um vilão, mas que foi injustamente acusado de assassinato. Aqui ocorre um sincronicidade: Potter e Sirium, ambos fogem de uma situação injusta e aprisionante. E ambos precisam um do outro para se libertar. Além disso, Potter descobre que Sirius é seu padrinho.

Carl Jung (xx) menciona o motivo da dupla descendência, ou seja, a descendência de pais humanos e divinos, presente na Mitologia Grega, como no caso de Héracles, que foi inconscientemente adotado por Hera, alcançando a imortalidade. No Egito é até mesmo um ritual. O Faraó é por sua natureza um ser humano e divino. Nas paredes da câmara de nascimento dos templos egípcios vê-se representada a segunda concepção e nascimento divinos do Faraó – ele“nasceu duas vezes”. O próprio Cristo nasceu duas vezes: através de seu batismo no Jordão ele renasceu pela água e pelo espírito.

Ou seja, esse segundo nascimento dá base ao motivo dos pais duplos, onde o renascido recebe uma “adoção mágica” representada pelo padrinho e madrinha. Essa adoção sustenta a fantasia infantil de muitas crianças pequenas e crescidas de que seus pais não são os verdadeiros, mas apenas pais adotivos a quem foram confiadas (JUNG, 2000).

Potter reflete essa necessidade humana universal. Os pais humanos não são reais, e os bruxos estão mortos. A possibilidade de um padrinho, que ira satisfazer essa fantasia se aproxima. Somente alguém “divino”, e cuja natureza se aproxima da de Potter, por estar ligada também a Volemort, poderá compreende-lo e aceita-lo.

Por essa perspectiva, pode-se supor um complexo paterno em Potter. Além disso, Carl Jung (2000) diz que os padrinhos possuem a incumbência principal de cuidar do bem-estar espiritual do batizando. Eles representam o par divino, que aparece no nascimento anunciando o tema do“duplo nascimento”, que considera o herói como descendente de pais divinos e humanos.

Quando o jovem busca sua autonomia e independência na adaptação ao mudo, não é fácil se desligar com facilidade das figuras parentais. Potter simboliza o complexo paterno, devido à demora anormal a destacar-se da imagem primordial do pai.

Como Jung (2000) aponta ninguém suporta a perda total do arquétipo, e Sirius representa então a projeção do arquétipo paterno, representante da lei e da ordem. No filme anterior, Potter lidou com os aspectos regressivos da psique, simbolizados pela mãe terrível, e agora ele precisa lidar com o complexo paterno. No entanto, os complexos não necessariamente são negativos. Potter precisa de um modelo masculino para orientar seu ego. No aspecto positivo, esse complexo traz autonomia, independência e o desenvolvimento da inteligência do individuo.

 

 

O filme, então gira em torno do desenvolvimento do laço afetivo de Potter com Sirius e a ajuda que o menino presta para fugir da prisão e provar sua inocência. Outro aspecto interessante do filme é o fato de Potter e Hermione voltarem no tempo para auxiliar Sirius. Antes de voltar no tempo, Potter havia enfrentado os Dementadores (seres estranhos que sugam a energia vital de quem se aproxima deles), mas sem sucesso. Ele atribui sua salvação e a de Sirius a uma estranha visão, a qual ele atribui ao seu pai.

Nessa visão ele vê uma corça que lança um feitiço que afugenta os Dementadores salvando a vida dele e de Sirius. No quarto trabalho, Hércules precisa capturar a corça de Cerínia. A corça pertencia à deusa Ártemis. A corça possuía pés de bronze e cornos de ouro, trazia a marca do sagrado e, portanto, não podia ser morta. Mais pesada que um touro, mas bem rapidíssima, o herói, que deveria trazê-la viva a Euristeu, perseguiu-a durante um ano.

Embora consagrada a Ártemis, essa corça, no mito grego, é propriedade de Hera, deusa protetora do amor legítimo, sendo um símbolo essencialmente feminino. É muito interessante que um animal associado às deusas mães da Mitologia apareça para Potter e seja associada ao pai.

Conforme Brandão (xx), o lado puro e virginal da corça é bem acentuado, mas o “peso do metal”poderá pervertê-la, fazendo-a apegar-se a desejos grosseiros, que lhe impedem qualquer vôo mais alto. Essa corça se contrapõe a uma agressividade dominadora. A corça então pode significar um símbolo da alma de Potter.

Ao retornar no tempo, o herói descobre que ele mesmo lançou o feitiço que salvou sua vida e o de Sirius. E isso tem um significado muito profundo, pois a força de Potter esta na sua alma (anima) e não na masculinidade e na força. Pois bem, mas como ocorreu a resolução desse complexo paterno e o subsequente contato com a anima será abordado nos próximos filmes da série.

FICHA TÉCNICA

HARRY POTTER E O PRISIONEIRO DE AZKABAN

Direção: Alfonso Cuarón
Adaptação de: Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban
Música composta por: John Williams
Duração: 2h 22m
Ano: 2004

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Harry Potter e a Câmara Secreta: a transformação do herói

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O filme Harry Potter e a Câmara Secreta inicia com o garoto de férias novamente na casa dos desagradáveis tios. O bullying sofrido pelo herói agora se intensifica e a sua raiva e indignação também. Conforme Kawai (2007), quando um ser humano quer se tornar independente e quebrar a identificação com os outros, ele precisa se conscientizar dos defeitos deles.

Isso é comum na puberdade, onde os jovens passam a ter sentimentos hostis em relação aos pais – alguns chegam ate a pensar que não são filhos de seus pais. Essa fantasia permeia Potter e ele cada vez mais se afasta de sua família consangüínea e retira as projeções do arquétipo paterno e materno dos pais pessoais. Um dia um elfo doméstico, Dobby, vai ao encontro de Potter na casa dos tios para alertá-lo a não voltar a Hogwarts, pois ocorrerão coisas terríveis com ele se ele voltar para lá. Mas com a ajuda dos Weaslay, o garoto foge dos tios e chega a Hogwarts.

Novos personagens se apresentam na saga: Gilderoy Lockhart, famoso bruxo escritor e galã, que não perde uma oportunidade de fazer marketing pessoal e Lúcio Malfoy, pai de Draco, que era um dos seguidores mais fiéis de Voldemort.

Em Hogwarts os jovens Potter, Hermione e Rony vão se deparar com o problema da aceitação e do bullying, pois Hermione é chamada de “sangue ruim”, por não ser filha de bruxos, mas de trouxas. Nos grupos de jovens e crianças o bullying ocorre contra aquele que não se enquadra nos papeis do grupo, ou seja, com aquele que é diferente.

Sabemos que nos contos de fadas o herói mostra um ego arquetípico que está em harmonia com a totalidade da psique e que segue a jornada rumo à individuação. Pois bem, Harry no primeiro filme da série rejeita a proposta de Draco para se inserir em um grupo, mostrando que está no caminho da individuação e que não pode se identificar com o rebanho, correndo o risco de ter sua individualidade engolida.

Hermione também não segue o padrão da sociedade, ela é uma trouxa que quer se tornar bruxa. Ela segue os anseios de sua alma, e sabe muito bem que nasceu para ser bruxa, pois é uma das melhores de Hogwarts.

Sobre essa perseguição Von Franz (2010) diz:

“Em seu estado nascente, a realização do Self torna pessoa inadaptada e difícil para os seus, porque perturba a ordem instintiva inconsciente; Jung dizia que é como se um rebanho de carneiros percebesse que um dos seus membros deseja seguir seu próprio caminho.”

Potter se alia a Hermione e a defende, pois compreende esse sentimento de inadequação. Quando entramos nesse processo acabamos nos sentindo um estranho no ninho e um sentimento de solidão nos invade. Instintivamente iremos nos aliar àqueles que também estão nesse movimento de desidentificação com o grupo.

Além disso, é importante colocarmos aqui algumas observações que não foram comentadas no texto anterior. Os contos de fadas tratam de figuras arquetípicas presentes no inconsciente coletivo, por essa razão cada conto mostra aspectos coletivos, como forma de compensação da atitude unilateral da consciência. A escola Hogwarts pode ser interpretada como o inconsciente com seus arquétipos, especificamente o arquétipo do bruxo, ou mago.

O Mago, assim como o bruxo, é aquele que executa truques por meio da magia. Ele está sempre pronto a iludir e enganar com esses truques. Ele também é sedutor, pois afinal quem não gostaria de ter magia para poder tornar a vida mais fácil? Assim como Hermes – o Deus das revelações – ele pode nos pregar peças ou nos trazer soluções miraculosas para situações difíceis.

O Mago pode iniciar o processo de autocompreensão, que Jung denominava individuação, e guiar nossa viagem pelo mundo inferior dos nossos eus mais profundos (Nichols, 2007). Ele mostra milagrosa realidade do nosso mundo interior como os nossos dons e potenciais criativos. Ele então representa um poder que transcende o ego, ou seja, o poder do inconsciente. O ego humano sempre compreendeu esse poder e lhe proporcionou a ele a manifestação por meio de ritos mágicos.

Em termos coletivos, os contos de fadas se assemelham aos sonhos individuais, uma vez que possuem a função de compensar, confirmar, curar, contrabalançar e até criticar a atitude coletiva (Von Franz, 1984).
Harry Potter com sua magia compensa a atitude inconsciente do homem ocidental que deixou de acreditar no poder do inconsciente.

Em meus atendimentos psicoterápicos vejo as pessoas ficarem encantadas e embasbacadas com o poder mágico do inconsciente. Ao observarem seus sonhos e ao segurem as diretrizes do inconsciente, essas pessoas percebem verdadeiras mágicas acontecendo em seu dia a dia. Mas também existe o perigo da magia. Von Franz (1984) pontua que a alquimia, por longo tendeu para o aspecto mágico, tendendo assim para a inconsciência. Dessa forma o uso de rituais “mágicos” é uma forma de inconsciência, pois projetamos uma transformação interna desejada em objetos exteriores. A verdadeira magia ocorre, então, quando esse esforço transformador deve ser voltado para o interior.

Portanto, o quando o ego quer transformar algo em sua realidade ou algo dentro de si, precisa da ajuda do Self, pois ele tem capacidades mágicas e não o ego. A crítica da serie Harry Potter então está nessa falta de relação com o Self do ego do homem ocidental (trouxa), que tende a acreditar que pode resolver problemas de forma mágica, apenas com o seu próprio esforço.

Harry, Hermione e Rony descobrem então o segredo da Câmara Secreta. Uma lenda diz que um dos quatro Fundadores de Hogwarts, Salazar Sonseria queria que apenas estudantes “sangue puro” de famílias inteiramente de bruxos eram dignos de estudar magia, porém incapaz de persuadir seus três colegas a mesma opinião ele deixou Hogwarts, a lenda diz que antes de sair ele construiu uma Câmara Secreta escondida no castelo, que funcionaria como o lar de um Monstro, e que um dia o legítimo herdeiro de Sonserina voltaria à escola e abriria a câmara, libertando o monstro que mataria os alunos trouxas.

E é o que ocorre. A Câmara é aberta e alunos trouxas começam a serem petrificados, entre eles Hermione. Aqui então vemos novamente o problema da aceitação. Potter é sangue puro, contudo, ele compreende que a vocação é um caminho não determinado pelas convenções sociais e pela família. A nossa vocação é uma determinação do Self e nos leva ao caminho da individuação.

O grande conflito de Potter nesse filme é o de possivelmente ser o herdeiro de Sonserina. Pois ele consegue falar com cobras, sendo esse um dom raríssimo para bruxos e Salazar Sonserina também possuía esse dom. O herói novamente terá de enfrentar os poderes sombrios do inconsciente.

A cobra, assim como a serpente, é um animal consagrado as deusas ctonicas. Representa o renascimento, a renovação, o mistério, a sexualidade e a morte. O fato de a cobra pertencer as mães terríveis na Mitologia simboliza que Potter terá de enfrentar os aspectos regressivos da psique, ou seja, o seu desejo instintivo pela infância perdia. Harry está deixando a infância, entrando na puberdade e se anuncia um encontro com o feminino, com a anima.

Ele então descobre que Voldemort é o herdeiro de Sonserina e que seu nome era Tom Marvolo Riddle, que controlou Gina Weasley, por meio de seu diário obrigando-a a libertar o basilico, uma cobra gigante que mata todo aquele que a olha diretamente. Potter então mata o monstro e liberta Gina que está morrendo.

Em a Câmara Secreta então há uma mudança significativa no herói. Potter agora se transforma no típico herói de contos de fadas, que mata o monstro e salva a donzela, com quem futuramente ira se casar.O fato de Gina ser controlada por Voldemort mostra que em um primeiro acesso ao inconsciente os componentes da psique não são tão claros e podem se misturar. É comum em contos de fadas, a princesa ser presa e controlada por um demônio e o herói ter que redimi-la. Isso significa que a anima, o lado feminino no homem se encontra contaminada por elementos sombrios e precisa ser resgatada para que ocorra a diferenciação desse componente psíquico.

Novamente Potter, como herói, restabelece a condição saudável da psique, salvando a escola e os amigos. No entanto sua jornada está apenas começando e cada vez mais ele amadurece em rumo a individuação.

FICHA TÉCNICA

HARRY POTTER E A CÂMARA SECRETA

Precedido por: Harry Potter e a Pedra Filosofal
Seguido por: Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban
Adaptação: Harry Potter e a Câmara Secreta (2002)
Ano: 1998

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Harry Potter e a Pedra Filosofal: a jornada do herói

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Harry Potter é uma saga de grande sucesso escrita por J. K. Rowling e adaptada as telas de cinema em 2001. A historia trata de um garoto órfão de pai e mãe, prestes a completar 11 anos e que vive com os tios desagradáveis. Até descobrir que na verdade ele é um bruxo e que esta sendo convocado a ingressar a Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, onde seus pais, também bruxos, estudaram.

Ele também descobre que seus pais foram assassinados por um bruxo das trevas Voldemort e que ele miraculosamente sobreviveu ao ataque, ficando apenas com uma cicatriz em formato de raio em sua testa e assim se transformando em uma celebridade.

Gif: Harry Potter
Gif: Harry Potter

Iniciando a análise vemos que Potter é o herói da saga. E como herói ele representa um ego arquetípico, que está em harmonia com a totalidade da psique. O herói é aquele que está em consonância com as determinações do Self e nos contos de fadas é aquele que vem restabelecer uma atitude saudável da consciência coletiva (Von Franz, 2005).

Nos contos e mitos o herói costuma nascer de forma prodigiosa. Ele pode nascer falando, andando ou realizando alguma proeza. Além disso, ele pode ter um nascimento miraculoso (nascer de uma virgem, a mãe ser fecundada por um ser mágico, ou os pais serem estéreis), ou possuir uma marca ou defeito de nascença que o distingue dos outros.

Gif: Harry Potter 2
Gif: Harry Potter 2

E vemos essa marca em Potter. Apesar da marca não ser natural, mas produzida pelo confronto com o mal, observamos que o garoto terá um destino incomum, especial. Esse nascimento miraculoso e especial dos heróis costuma representar uma necessidade intrínseca do ser humano pelo milagre, ou seja, pelo numinoso, por aquilo que nos tira da dura realidade da vida e nos transporta para algo que transcende ao ego e que dá sentido a essa dura caminhada.

Com o herói aprendemos que seguindo o caminho que o Self nos determina e seguindo nossos instintos e ouvindo a voz do inconsciente podemos transmutar as dificuldades e assim os milagres começam a acontecer em nossas vidas. O fato de ser produzida pelas forças do mal mostra que Potter é marcado por seus aspectos sombrios. Que os enfrentou e saiu ileso. E esse é o grande feito do nosso herói.

Ao encararmos nossos aspectos sombrios desenvolvemos uma espécie de faro e de vacina contra o mal. Deixamos de ser presas fáceis de influencias malévolas. Conforme Von Franz (1984), quando uma pessoa conhece todas as possibilidades do mal contidas em si mesma, desenvolve uma espécie de segunda visão, ou seja, a capacidade de farejar a mesma coisa nos outros.

Potter de certa forma é semelhante a Voldemort – ele inclusive usa a mesma varinha mágica que seu antagonista – e, mesmo a despeito de Voldemort tentar destruir o garoto, isso o torna invulnerável a ele, tornando-o o único capaz de enfrentar essa força. Harry também mostra que a criança desamparada geralmente cria a fantasia de que alguém chegará e a tirará do mundo de miséria – financeira ou emocional – em que vive. E, de certa forma, todas fazem isso. Elas fantasiam que vivem um conto de fadas, pois o ego infantil ainda não tem estrutura para encarar a realidade como ela é.

Então a criança vive esse mundo mágico imaginando que é um herói salvador para que o ego de desenvolva e que possa seguir um modelo arquetípico quando partir em sua jornada ao mundo, uma vez que o herói nos contos e mitos representa esse ego arquetípico que se encontra em harmonia com a totalidade psíquica. É uma pena que, quando adultos, percamos essa conexão com os mitos e contos e passemos a encarar como atividades infantis.

Os pais de Potter estão mortos e são substituídos por pais postiços desagradáveis. É muito comum nas crianças, por volta da idade de 11 anos, imaginarem que não são filhos de seus pais, mas de figuras importantes, de reis e rainhas, heróis e heroínas. Nessa época a criança passa a enxergar os pais como seres humanos e seus defeitos começam a saltar aos olhos. Ocorre a retirada da projeção das imagens parentais.

Conforme Carl Jung (2008), quando ocorre o despertar da consciência começa a ocorrer concomitantemente uma separação da consciência do ego da criança de sua mãe pessoal, com a qual vivia em estado de participação exclusiva e identificação inconsciente. Assim todas as qualidades fabulosas e misteriosas da imagem arquetípica desprendem-se da imagem materna. E quanto mais o arquétipo se afasta da consciência, mais clara esta se torna e o primeiro assume uma forma mitológica cada vez mais nítida.

E é isso que ocorre com Potter, seu consciente se afasta da inconsciência e assim a imagem da Mãe se transforma em uma bruxa do bem, que se sacrificou por ele, como um ser divino. E essa imagem passa a ser projetada na escola Hogwarts, a escola que o recebe e acolhe. O arquétipo então subiu de categoria.
Temos exemplos em contos de fadas de heroínas sendo feitas de empregadas pelas madrastas ou bruxas, como, por exemplo, Cinderela. No entanto não é comum vermos um herói masculino sendo subjugado dessa maneira.

A heroína geralmente deve suportar o sofrimento até que algo miraculoso aconteça e ela pode agir, enquanto que o herói parte para a ação matando dragões e monstros. Isso mostra uma mudança de paradigma necessário para a sociedade ocidental que se baseia na ação extrovertida. Potter suportando os desaforos dos tios e do primo e esperando até que miraculosamente ele saia da situação mostra que às vezes o ato heróico é justamente suportar a situação pacientemente até que ela se resolva por si mesma.

Os tios tentam sem sucesso impedir que Potter receba a carta de Hogwarts e descubra seu destino especial. Isso representa a tendência da consciência a tentar impedir a mudança. Nós sempre tentamos impedir e questionamos as mudanças que surgem do inconsciente, pois queremos permanecer naquilo que é conhecido, mesmo que não seja mais adequado a nós e seja destrutivo.

Mas é impossível conter o fluxo do inconsciente e ele sempre acaba encontrando um meio de se manifestar. E isto esta simbolizado na enxurrada de cartas na casa dos Dursley. Outro aspecto importante e que não pode ser ignorado é o fato dos bruxos chamarem as pessoas normais de trouxas. Isso remete a ideia de normose. Ser muito normal e adequado ao que a sociedade prega e aos costumes sem consciência é nocivo ao desenvolvimento da personalidade.

Gif: Harry Potter 3
Gif: Harry Potter 3

Os bruxos alcançaram uma autonomia e não seguem os ditames da sociedade. Eles são o que são e transgrediram as leis da família de origem e sociedade, dessa forma é natural que vejam os seres comuns com desdém. Potter então segue para sua nova vida em Hogwarts e lá é recebido como celebridade, causando admiração de uns e inveja de outros. Lá ele faz dois amigos Hermione e Rony, que serão seus leais aliados em sua jornada iniciática.

Deixar a casa dos pais e seguir para uma nova vida e encontrar amigos e novos interesses é a primeira fase da iniciação dos jovens para a vida adulta. Os contos de fadas mostram de forma bastante evidente a simbologia da iniciação, onde os heróis precisam passar por provas para provarem o seu valor e merecimento para atingir um objetivo e mudar de fase de vida.

Primeiramente ele rejeita a proposta de Draco para se inserir em um grupo. Isso mostra que Harry quer seguir o caminho da individuação e buscar quem ele é, sem estar inserido em um grupo que lhe dita as regras de comportamento. Quando nos diluímos no coletivo perdemos a nossa individualidade.

Potter inicia então seus ritos de iniciação. Ele precisa provar seu valor no quadribol primeiramente para provar a si mesmo o seu valor e que está a altura do desafio. Ele também precisa enfrentar o espelho que mostra seus desejos mais profundos. Ao olhar para o espelho ele vê seus pais perdidos e anseia por te-los novamente. Isso mostra que para alcançarmos a autonomia precisamos lutar contra desejos regressivos, o anseio pelo paraíso perdido da casa parental.

Potter não pode mais voltar, regredir, ele deve aceitar a morte simbólica desse paraíso para que possa progredir em sua jornada. Em seguida, juntamente com os amigos salva a pedra filosofal das mãos de Voldemort. A pedra filosofal era o ideal dos alquimistas na Idade Média. Ela teria o poder de transformar qualquer metal em ouro e assim produzir o elixir da imortalidade. Ela é a meta da Opus Alquímica.

Carl Jung se debruçou sobre o estudo da alquimia e percebeu que se tratava de uma projeção de conteúdos psíquicos e que essa meta é a individuação e os processos alquímicos da matéria são simbólicos. Processos esses pelos quais a alma deve passar para se purificar e chegar a meta de se tornar si mesmo. O ouro, material incorruptível é um símbolo do Self e daquilo que em nós é nobre e incorruptível. O centro do nosso ser, nossa verdadeira essência.

A pedra filosofal é o maior desejo de Voldemort, uma vez que ela poderá traze-lo de volta a vida e mantê-lo eternamente jovem. Essa sede pela pedra mostra algo comum em nossa sociedade: o de querer a juventude eterna a custa de muito sofrimento psíquico. Não aceitamos o envelhecimento e conseqüentemente a morte.

O que Voldemort não compreende é que essa juventude é a da alma. Encontrar a meta de nossa vida e nos relacionarmos com o inconsciente traz a renovação para a alma, um novo alento nos enche de esperança. Isso se manifesta de forma clara no fato de Potter ser uma criança ainda. A criança é símbolo de juventude, do vir a ser e de renovação. Ela também é um símbolo do Self.

Concluindo, nossa sociedade precisa aceitar que a renovação e a fonte da juventude é interna e da alma. Ela é, portanto, simbólica. Ao fixar apenas no aspecto físico da juventude e literalizá-la nos transformamos em Voldemort e nos tornamos verdadeiros vampiros que sugam a energia e mortos-vivos. Com medo da velhice e da morte, passamos a viver uma vida pela metade e nos tornamos parasitas de outros.

Portanto Potter é um alento para a consciência tanto individual como coletiva, pois ele mostra que a meta é interna e que deve trazer a ética ao individuo. Mesmo quando Potter e os amigos burlam as leis eles fazem de forma a seguir uma ética interna. Ou seja, de seguir esse desejo imperioso do Self. Em uma sociedade pautada no individualismo, que visa apenas o externo, os ganhos e a juventude eterna Harry Potter vem e nos mostra o caminho contrário: o da ética, da firmeza, da cooperação e solidariedade.

FICHA TÉCNICA

HARRY POTTER E A PEDRA FILOSOFAL

Direção: Chris Columbus
Série de filmes: Harry Potter
Música composta por: John Williams
Duração: 2h 39m
Ano: 2001

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