Retrato do artista quando velho: a literatura do desespero

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Joseph Heller (1923-1999) nasceu em Nova York e teve o início de sua vida literária na escrita de contos. É reconhecido pelo livro Ardil-22, seu primeiro romance publicado em 1961, premiado e adaptado para o cinema. Retrato do Artista quando Velho foi publicado postumamente em 2000, no ano posterior à morte do autor, e procura contar sobre o processo de escrita na velhice.

Inicialmente, o romance parece um retalho de outros romances, como se estivéssemos lendo um livro dentro um livro. Através de uma narrativa em terceira pessoa conhecemos Eugene Pota, um escritor septuagenário de renome que reflete com amargura dos tempos de juventude em que as ideias lhe surgiam com mais facilidade, como lampejos prolíficos cheios de possibilidade. O protagonista busca, entre passeios lentos e vista para o mar, evocar uma ideia que lhe pareça digna de ser escrita.

A história que lhe parece mais acertada e genial tem o título “Uma Biografia Sexual de Minha Mulher”, que possui aprovação de seus editores e amigos, sem no entanto agradar sua esposa que precisa explicar a todo tempo que a história não se trata sobre ela. Pota pensa que livros sobre injustiça social e outros temas que perpassam as mazelas da sociedade são coisas então do passado, nada que fosse “motivo de escândalo” (HELLER, 2002, p. 29), que dirá tema merecedor de seu novo grande romance. Mas escrever um livro sobre sexo lhe provoca uma boa sensação.

É diante de um cenário de angústia e percepção desacelerada do tempo que observamos Pota em suas tentativas de escrita. Na idade em que se encontra e considerando que já escreveu livros considerados best-sellers, compreende que não pode escrever nada que esteja abaixo disso, o que nos promove uma ideia inicial que posteriormente é confirmada por ele de que há uma cobrança excessiva sobre o sucesso que lhe deixa paralisado, sem criatividade e com sentimento de humilhação.

Foto: Gilstéfany Oliveira

“A maioria de nós esmorece com a idade, e também com a experiência. O trabalho não se torna mais fácil com a prática e, quando paramos, desaba subitamente sobre o nós o peso esmagador de todo o tempo livre que temos pela frente e que não estamos aptos a enfrentar.” p. 24

Durante o livro, o protagonista se dedica à enredos sobre personagens bíblicos, mitológicos, adaptações de grandes obras literárias e outros temas que sempre desembocam num tipo de fracasso ou pausa. O autor se reprime constantemente pelo ridículo do que escreve e a narrativa é ultrapassada por essas histórias e sua vida cotidiana.

Em sua história sobre Tom Sawyer, referência à obra literária de Mark Twain, Pota parece espelhar na narrativa do personagem certos aspectos de sua personalidade e preocupações que lhe rondam, apontando um declínio da força criativa dos autores do qual Tom Sawyer busca como inspiração para se tornar um bom escritor. Este momento parece nos dizer que a busca é vã, os bons escritores que conhecemos morreram na miséria, melancólicos, sofrendo de solidão ou de doenças implacáveis e algumas vezes os dois ao mesmo tempo.

Ao final da busca infrutífera, Pota nos informa, através de Tom Sawyer, do banal da vida dos escritores: “tratava-se apenas de seres humanos apaixonados, com intenções elevadas, que queriam ser escritores e que, na maioria dos outros aspectos, pareciam mais sensíveis, neuróticos, confusos e infelizes que o normal.” (HELLER, 2002, p. 218). A normalidade possui uma característica cultural muito explícita, uma vez que seus limites variam de acordo com o padrão esperado de comportamento inseridos num contexto sociocultural e familiar (APA, 2014). Quer escritores ou não, cabe refletir se a confusão, sensibilidade e infelicidade não são elas mesmas uma característica do gênero humano, muito além de normal e anormal, mas função inadiável da qualidade de viver.

Numa palestra ministrada por Pota próximo ao final do livro, ele nos traz de forma clara todas as inquietações que já estavam nas entrelinhas de suas outras histórias. Questões relacionadas à natureza do trabalho, desejo de fama e prestígio, cobiça, falta de ritmo e energia mental, angústia e depressão. Momentaneamente, o livro parece perder em matéria de desenvolvimento e aguçamento de curiosidade, pois todas as cartas são dadas, explicadas, esmiuçadas. Não há nada então que o leitor já não tenha antevisto. Parece vir carregado também de um esgotamento, numa narrativa arrastada, como se estivéssemos tão cansados quanto o protagonista, que o sente em tentar escrever algo que lhe seja realmente digno e do leitor em observar a falta de qualidade nos produtos de suas tentativas.

Foto: Gilstéfany Oliveira

“Poderia começar com praticamente qualquer civilização humana de que temos conhecimento, e eu nunca, nunca, conseguiria chegar ao fim, pois as coisas más, selvagens, que os homens e mulheres civilizados, perversos, fazem contra os outros homens e mulheres continuam a suplantar nossa capacidade de fazer um inventário completo de todas elas.” p. 150

Na palestra que tem como título “A literatura do desespero”, Pota procura analisar a obra de grandes autores quando sua vida pessoal está em foco, observando que elementos trágicos estiveram presentes, principalmente ao final de suas vidas. Para isso, utiliza Herman Melville, Joseph Conrad, Henry James, F. Scott Fitzgerald, Charles Dickens, Sylvia Plath e outros para exemplificar como terminam os escritores em situações angustiantes, vulneráveis e levando a uma morte que, muitas vezes, ocorre por motivos pífios. Ao mesmo passo que analisa a biografia desses autores, o protagonista pensa sobre sua própria vida, se visualiza sua morte como uma saída adequada, se é um indivíduo infeliz. As respostas são negativas e o são pois ele tem no outro sua baliza: enquanto sou visto, enquanto sou aceito, enquanto gostam de mim, então sou alguém e faz sentido que eu esteja aqui.

Transferindo-se constantemente de uma história para outra, podemos verificar o mecanismo de autossabotagem promovido pelo protagonista, que não se atém à história que acredita ter potencial e perde então seu tempo em outros relatos. Quando finalmente encontra-se firme em dar continuidade na escrita de um livro sobre sexo na perspectiva de uma mulher, percebe que não as conhece o suficiente. Logo parte em viagens e reencontros de antigos amores na esperança de que lhe surja material suficiente para o livro.

Se Pota alcança seu objetivo ao final deixaremos à descoberta do leitor, na promessa de uma periência metalinguística presente no desfecho que dá ao romance um tom especial. Retrato do artista quando velho é uma elucubração de desespero, um retrato da velhice nos termos em que não existe mais correspondência entre o desejo e a ação, que ecoa sobre o implacável da vida: o tempo e a morte.

FICHA TÉCNICA

RETRATO DO ARTISTA QUANDO VELHO
Editora: Cosac & Naify
Gênero: Romance
Autor: Joseph Heller
Ano de lançamento: 2000
Idioma: Português
Ano: 2002
Páginas: 320

REFERÊNCIAS

HELLER, Joseph. Retrato do artista quando velho. São Paulo: Cosac & Naify, 2002. 320 p. Tradução de: Luciano Machado.

ASSOCIATION, American Psychiatric (APA). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.

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Genograma: relações familiares que comovem

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Na manhã desta quarta feira 18, ocorreram, na sala 219 do Ceulp, as apresentações dos genogramas da turma 0865 de Teorias e Técnicas Psicoterápicas IV, sob docência de Wayne Francis Mathews. Cada aluno produziu seu próprio genograma e o apresentou individualmente. Essa etapa é essencial para a disciplina e gera grandes expectativas nos acadêmicos.

Um genograma é uma espécie de mapa com símbolos padronizados que descrevem relacionamentos, eventos importantes e a dinâmica de uma família ao longo de várias gerações. Durante a primeira parte do semestre, Wayne apresentou esses símbolos e conceitos para a turma e enfatizou a importância do instrumento em terapia familiar, no que tange em conhecer as ligações e dinâmicas familiares dos clientes, compreendendo suas histórias e influências em suas vidas.

Fonte: https://goo.gl/PFHdLY

Em depoimento, a acadêmica Cândida Pereira da Silva diz que “fazer o genograma foi uma experiência única. Dentre as várias emoções no decorrer do curso, esta foi especial. Me proporcionou reviver sentimentos com a família que estavam adormecidos”.

Já para a acadêmica Émila Silva F. Castro, “a elaboração do genograma foi tarefa difícil. Tocar nas feridas, bem como nos pontos positivos que giram em torno de minha família foi algo que mexeu bastante com minhas emoções. No entanto, me fizeram refletir e ressignificar as relações intrafamiliares, bem como o meu olhar diante das situações que ocorreram e que possam vir a ocorrer no meio familiar”.

Por fim, o acadêmico Fernando Ribeiro Veloso diz que “a experiência de realizar o genograma favorece diversas reflexões e uma delas concerne à identificação do nível de proximidade estabelecido com membros da família e tem potencial de servir como mecanismo de transformação das relações familiares”.

Acadêmica apresentando genograma

As apresentações dos genogramas continuarão na próxima semana, dia 25, na mesma sala e no mesmo horário.

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A Sociedade Individualizada: a dinâmica pós-moderna no trabalho

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O livro “A Sociedade Individualizada: Vidas contadas e histórias vividas” de Zygmunt Bauman começa abordando o significado da palavra “trabalho” em seu primeiro uso e primeiros significados. Assim, de acordo com Oxford English Dictionary, a palavra trabalho se referia a um tipo de trabalho físico para suprir as necessidades de uma comunidade. Porém, séculos depois, já adquire um significado mais complexo de plural de trabalhadores que participam da produção.

Com isso, formaram-se sindicatos e associações que vincularam os dois significados e tornaram isso, uma questão política. O texto traz a ideia do economista Daniel Cohen que fala sobre a desigualdade entre as nações, que é de origem recente e que é um produto dos dois últimos séculos, época em que surgiu a concepção de que o trabalho era a fonte de riqueza e assim, surgiram também as políticas guiadas por essa suposição.

Fonte: http://zip.net/bqtJmr

A nova desigualdade global adquiriu novas noções fornecidas pela nova ciência da economia, a qual substituíra as ideias fisiocráticas e mercantilistas que estava acompanhando a Europa no caminho de sua fase moderna até o limiar da Revolução Industrial. Tais noções foram cunhadas na Escócia, país no qual estava totalmente preparado para ser o epicentro da ordem industrial emergente, mas que estava afastado do impacto cultural e econômico do vizinho. Assim, a Escócia afirma que, o trabalho é talvez, a única fonte de riqueza porque, concordando com o autor, a predisposição de formas de ação no “centro”, são sempre percebidas mais rapidamente e trabalhadas, articuladas, objetivadas e moldadas pelas “periferias” (subúrbio dos centros civilizacionais).

A criação da nova ordem industrial foi a “grande transformação” que se deu a partir da separação dos trabalhadores de seus meios de sustento, como sugeriu Karl Polanyi muitos anos mais tarde ao atualizar a visão de Marx. A partir desse ponto, o trabalho pode ser considerado uma simples mercadoria, pois a produção e a troca passaram a ser deixados do modo de vida mais amplo. Além de que o trabalho passou a ser tratado como tal mercadoria, como a terra e o dinheiro. Essa desconexão deixou a capacidade de trabalhar livre, por conseguinte, ela pode ser colocada, recombinada, de diferentes formas, bem melhores, sendo assim, o exercício mental e físico se tornou um fenômeno de direito próprio.

“Sem que essa desconexão acontecesse, haveria pouca chance de que o trabalho pudesse ser mentalmente separado da totalidade a que ele por natureza pertencia e se condensasse em um objeto autocontido.” (BAUMAN, 2008, p.29). Onde, na visão pré-industrial da riqueza, a terra era a “totalidade”. Porém, já na nova era industrial, que foi proclamado o advento de uma sociedade distinta (Inglaterra), o que dentre fatores, destruiu o campesinato e o vínculo natural entre terra e trabalhador. Como consequência, parecia aos contemporâneos da Revolução Industrial, a emancipação do trabalho.

Fonte: http://zip.net/bbtHg8

Essa emancipação do trabalho, não se estendeu livremente por muito tempo para estabelecer seus próprios caminhos. A forma de vida não tradicional, que já não era mais viável, a qual tinha o trabalho antes de sua emancipação, seria substituído por outra ordem, desta vez, já projetada e construída, produto de uma racionalização e pensamento, já que tinham descoberto que o trabalho levava a riqueza, agora explorara essa fonte de forma eficiente e planejada.

Para um novo começo era necessárias mudanças, de forma com que os antigos hábitos de convívio fossem exorbitados e deixados de lado, dando lugar a um sensacional e visível início de uma mudança que levara a diversas indagações. O real valor para o que havia acontecido estava sendo encarado de forma séria e com entusiasmo sabendo que a mudança só ocorreu mediante a auto avaliação de como seria o futuro em questão a partir da li, naquele momento a capacidade de pensar, sonhar, projetar estava sendo encarado com seriedade, pois a liberdade descoberta era motivo de grande especulação, levando assim a busca daquilo que era novo e por mais que fosse desconhecida teria que ser passada adiante para que fosse introduzida a rotina diária.

Henry Ford faz uma indagação para que possamos refletir a respeito da real forma no qual queremos viver se e com a famosa tradição imposta por muitos que outrora passada de geração a geração leva especulação, mas que de outra forma percebe que o ser humano vive bastante o hoje, porém alguns atos feitos por Ford para ganhar dinheiro fazem com que refletimos sobre a real forma de ser e estar imposta a seus funcionários, porém teve iniciativa e disse o que os outros queriam dizer a tempos.

Linha de montagem de Henry Ford. Fonte: http://zip.net/bntHn2

O tempo da modernidade pesada fez com que houvesse uma necessidade que o trabalho e o capital teriam que andar juntos um dando segmento ao outro claro que isso não viria se não fosse o fato de que os trabalhadores necessitavam sustentar suas famílias e seguir suas vidas e o capital necessitavam deles para crescerem e expandirem-se, ou seja, um depende do outro. “Para que ambos – capital e trabalho – pudessem se manter vivos, cada um precisava ser mantido como mercadoria: os donos do capital tinham de ser capazes de continuar comprando trabalho, e os donos deste precisavam estar alertas, saudáveis, fortes e de certo modo atraentes para não afastar os possíveis compradores” (BAUMAN, 2008, p.33).

Os desempregados começaram a ser vistos como substitutos ou sucessores daqueles que já trabalhavam, ou seja, o trabalho não poderia parar o capital que estava em jogo. Pensar no bem-estar social nessa situação se tornava meio ambíguo, mesmo nessas circunstâncias o bem-estar era de certa forma visto como algo que iria passar. Na Ford, mesmo com a carga horária um pouco exorbitante, ainda havia um pouco de cuidado com os jovens aprendizes que conseguiam emprego fixo na mesma, visando e uma em um pensamento duradouro sobre o futuro não só do jovem empregado como também da empresa.

A medida que se assumia que ficar na companhia do outro iria durar, as regras desse estar juntos eram de foco de intensas negociações. Os sindicatos refundaram a importância dos trabalhadores e resultou em restrições à liberdade de manobra dos empregadores. Essa situação mudou-se e o motivo é a nova mentalidade de curto prazo que substitui a de longo prazo.  Flexibilidade quando aplicado ao mercado de trabalho significa fim de emprego, trabalha com contratos de curto prazo. É também preciso acrescentar, porque o modo como o trabalho é conduzido do pouco, cada vez menos espaço para as suas habilidades. De maneira distinta dos tempos de dependência mútua de longo prazo, dificilmente existe qualquer estímulo para se ter um interesse sério.

Robert Reich sugere que as pessoas hoje empenhadas em atividades econômicas podem ser grosseiramente divididas em quatro grandes categorias.  “Manipuladores de símbolos”, pessoas que inventam ideias e formas de fazê-las desejáveis e vendáveis, formam a primeira categoria. Aqueles empenhados na reprodução do trabalho, educadores ou vários funcionários do Estado de bem-estar social, pertencem à segunda categoria. A terceira cobre pessoas empregadas em “serviços pessoais”. E por fim a quarta, à qual pertencem as pessoas que durante os últimos 150 anos formaram o “substrato social” do movimento trabalhista.

Fonte: http://zip.net/bmtHf2

Peyrefitte distingue a empresa que oferece empregos como o lugar mais importante para semear e cultivar a confiança. Se os empregados lutaram por seus direitos, foi porque eles estavam confiantes no “poder de controle” da estrutura na qual, como eles esperavam e desejavam, seus direitos seriam inscritos; confiavam na empresa. A procrastinação é o ato de adiar uma ação, neste sentido ela tem uma tendência a romper qualquer limite de tempo e a estender-se indefinidamente. A satisfação por sua vez fica relegada ao adiamento como uma provação simples e pura, uma problemática que sinaliza certo desarranjo social e ou inadequação pessoal.

No fundo o trabalho na modernidade leve, condensa as incertezas quanto ao futuro e ao planejamento em longo prazo, a insegurança estabelecida nas relações e a falta de garantias entre as partes. No mundo do desemprego estrutural ninguém se sente suficientemente seguro ou amparado, ou seja, a flexibilidade é o termo que rege os novos tempos. Assim a satisfação instantânea é perseguida, ao contrário do adiamento da mesma, uma oportunidade não aproveitada é uma oportunidade perdida. Não obstante, a satisfação instantânea é a única maneira de sufocar o sentimento de insegurança, recolocada aqui, não a única, mas sim uma das formas para dominar o sentimento de insegurança, haja vista, que existem outros subterfúgios a serem aplicados no campo da psicologia com esse intuito.

FICHA TÉCNICA:

A SOCIEDADE INDIVIDUALIZADA: VIDAS CONTADAS E HISTÓRIAS VIVIDAS

Autor: Zigmunt Bauman
Tradução: José Mauricio Gradel
Editora: Zahar
Páginas: 324
Ano: 2008

REFERÊNCIAS:

BAUMAN, Zigmunt. A sociedade individualizada: Vidas contadas e histórias vividas. 1. ed. Editora Zahar. Rio de Janeiro, 2008.

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Desabafo sobre as histórias de amor

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Não são todas as histórias de amor que me fazem suspirar, definitivamente não.

Tem que existir algo mais, não apenas um solo de piano, frases feitas ditas do momento do tesão, não, tem que ter algo além. Além dessa leveza proposital, desses olhares ensaiados, essa alegria forjada na hora em que passa o filme, esse colo que não delira de quente, mas sim delira somente pelo costume idiota de achar que pode ser amor.

Das histórias que me fazem suspirar, nem sei se devo revelar, mas sinto que preciso dizer nem que seja só o começo. Delas, eu amo sempre as partes mais simples.

Esse olhar para as horas que não passam, só por que ele a quer ver.

 Aquele jeito de falar coçando a cabeça despenteando o mais lindo de todos os cabelos.

Da saia dela que ao levantar revela a mais doce obsessão da boca dele.

Da cara que ela faz quando não recebe aquele presente que estava achando que iria ganhar, e no meio da tarde é surpreendida por flores de um gosto tão piegas quanto à poesia que ele lhe sussurra nos ouvidos depois do sexo.

Do sorriso dele devorando ela sentada num banquinho da cozinha enquanto ele prepara o jantar, e depois larga tudo só para agarrar-lhe pelos cabelos e ir fundo naquele corpo que pensa ser dele, e de fato é.

Daquela cicatriz na perna dele, lembrança da queda que levou naquela cachoeira, só para conseguir o ângulo prefeito para aquela foto embaçada no mural do quarto.

O gosto do pastel devorado com toda a fome do mundo naquele dia em que não tiveram tempo para almoçar, pois a fila do banco estava enorme.

Das fugas depois do expediente, uma hora de amor e delírio até que ela percebe que não pode perder a hora de ir embora. Do olhar que ele lança enquanto ela se veste no quarto de motel que minutos antes testemunhara a mais suave cena de amor.

A areia dentro da sandália dela, naquela noite em que resolveram arriscar tudo e fazer amor no meio da praia.

Dos olhos dele sentado naquele banco da praça no dia em que resolveram continuar juntos. Do abraço agradecido dela envolvendo aquele corpo de homem apaixonado.

Sem esquecer, claro, daquela noite em que ela se produziu como uma atriz pornô, cheia de deliciosas intenções e que não fez nada por que ele pegou no sono enquanto ela se arrumava.

E mais, aquelas caminhadas sem destino algum pela grama do parque num dia de domingo.

O lençol estendido na grama, e os dois dormindo agarrados embalados pela música do carro de som daquela passeata estudantil.

Pequenos detalhes que a olhos nus não representam qualquer suspeita, mas que aos olhos de quem vive a história de amor faz toda a diferença.

Definitivamente, não são todas as histórias de amor que me fazem suspirar, têm haver algo mais, detalhes, sempre tem que haver detalhes.

 

 

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