Pessoas com deficiência mental podem ser punidas?

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Histórias como a de Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, de 29 anos, que sofre de esquizofrenia e foi preso em 2010 acusado pelo assassinato do cartunista Glauco Vilas Boas e do filho dele, Raoni Vilas Boas, chamam a atenção para como a doença mental é vista pelas leis brasileiras. Segundo o Código Penal Brasileiro, a doença mental ou retardamento (desenvolvimento mental incompleto ou retardado) tornam o indivíduo inimputável perante a Justiça Penal.

Tal benefício está disposto no artigo 26 do Código Penal. “É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato”. Diante de tais circunstâncias, o indivíduo será avaliado clinicamente e, se comprovado que por conta de sua condição era totalmente incapaz de discernir suas atitudes, não poderá responder pelos seus atos.

Entretanto, não significa que o portador de doença mental o retardamento poderá retornar para a sociedade. Análise psicológica deverá avaliar o grau de periculosidade e, se necessário, a Justiça poderá solicitar sua internação em instituição específica por tempo determinado.

Foi exatamente isso que aconteceu com Carlos Eduardo, conhecido como Cadu. Apesar de ter confessado a morte do cartunista e de seu filho, o jovem não chegou a ser julgado porque a Justiça o considerou inimputável. Assim, Cadu foi internado em uma clínica psiquiátrica em Goiânia. Mas, em agosto de 2013 a Justiça de Goiás decidiu, diante de avaliação médica realizada em junho daquele ano, que ele estava apto a receber alta médica.

Porém, em setembro de 2014, Carlos Eduardo foi preso, juntamente com outro indivíduo, acusados de um roubo seguido de morte (latrocínio) e pela tentativa de outro latrocínio. E novamente conduzido a internação.

Outro aspecto que deve ser abordado e diferenciado da imputabilidade, aplicada quando o indivíduo é “inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato”, é quando a pessoa apresenta, no momento do fato ilícito, alguma capacidade de discernimento.

De acordo com o parágrafo único do artigo 26 do Código Penal, “se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardamento não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento” gozará de benefício, mas não da imputabilidade total. Neste caso, a pena prevista para o crime praticado poderá ser reduzida de um a dois terços.

Por fim, ainda sob a luz do Direito Penal, a pessoa com doença mental ou desenvolvimento incompleto pode também ser objeto de ação de terceiros. Isto é, ser usado como arma ou um instrumento para praticar alguma conduta ilícita. Neste contexto, o indivíduo que provocar ou instigar qualquer ato ilícito de alguém com deficiência mental, deverá responder pelos resultados obtidos, conforme o artigo 13 do Código Penal.

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Proteção Exagerada ou Cuidado Necessário?

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Após a criação das Leis Trabalhistas, em alguns momentos, a sociedade questiona se o direito do trabalhador coloca em maus lençóis o empregador, argumentando que a lei protege muito o empregado e cobra muito do contratante dos serviços. Esse discurso esteve em volga principalmente com aquisição dos direitos das empregadas domésticas, onde muitas pessoas enunciavam que seria caro agora manter uma pessoa trabalhando nas nossas casas ou ser muito difícil do empregador estar na legalidade. Mas será que de fato as leis trabalhistas trazem este cunho de proteção excessiva aos trabalhadores?

O Direito do Trabalho surge com a Consolidação das Leis Trabalhista- CLT, em 1943. Até este momento a atividade do Trabalho era caracterizada com altas jornadas, em locais insalubres, sem período de descanso, baixos salários, em algumas situações provocando inclusive a morte de colaboradores. Este decreto surge para regulamentar a relação do empregado com o empregador, tentando garantir melhores condições de trabalho, determinando a carga horária, o contrato trabalhista, período de descanso e entre outros aspectos.

Vale ressaltar ainda, que o trabalho significa atividade de produção do homem sobre o mundo, entende-se também que nesta relação de trabalho com o trabalhador há uma produção de subjetividades. Considerando o contexto desta produção do trabalhador anterior a lei, compreende-se que aquele trabalhador tinha a sua produção mediada por um ambiente de escravidão, onde não era possível dar dignidade àqueles trabalhadores. Um ambiente que produz estes estigmas em curto prazo de tempo vai enlouquecer as pessoas. Entende-se que estes estigmas e o contexto eram mantidos desta maneira, pois o objetivo dos empregadores era gerar lucro e para isto, os seres humanos se transformavam em máquinas. Como os trabalhadores eram máquinas não era preciso entender que aqueles sujeitos cansavam e nestas condições poderia ocasionar acidentes de trabalho; trabalhar em locais insalubres poderia provocar males à saúde, ou ainda, que a baixa remuneração não poderia afetar nada nos desejos e reconhecimento daqueles sujeitos. Enfim, nada disto era levado em consideração, pois eram máquinas. O pior que estas questões geravam prejuízo para o empregador, porque em determinadas situações ficava sem o colaborador e o lucro.

Com a criação das leis trabalhistas, este discurso foi alterado, pois estas normas possibilitaram que o trabalho produzido seja com dignidade, transformando o sujeito que outrora era máquina em homem. Entendendo que quando garanto as leis trabalhistas para aquele sujeito, eu olho, trato e cuido do mesmo como um ser humano. Vários estudos, começando por Elton Mayo, demonstraram que quando o sujeito é tratado como ser humano aumenta a sua produtividade, gerando benefício para o empregador.

Apesar destas leis trazerem esta possibilidade de humanizar o trabalho, o Direito Trabalhista segue alguns princípios em sua base, os quais são: da norma favorável ao trabalhador, da condição mais benéfica e a irrenunciabilidade dos direitos.  A primeira diz respeito da elaboração, hierarquia e interpretação das normas devem beneficiar o trabalhador. O segundo princípio é referente às vantagens conquistadas no trabalho não devem serem reduzidas. O terceiro enuncia que o trabalhador não pode deixar de receber ou ser aplicados os seus direitos. Observando estes princípios, nota-se que em todos estes privilegiam a figura do trabalhador, sendo assim, é possível sentir até piedade do empregador.

No entanto, quando lançamos este olhar de piedade para o empregador não é levado em consideração os requisitos para que o trabalhador apresente um vinculo trabalhista, os quais são: o empregado ser pessoa física, o trabalho apresentar continuidade, relação de subordinação do empregado para com o empregador, haver salário, a prestação de serviços devem ser realizados pessoalmente. Analisando estes fatores citados acima, destaca-se que quem muitas vezes pode perder a expressão de seus desejos, vontades, escolhas é o empregado, e não o empregador, uma vez que é necessária a relação de subordinação. Desta maneira, o Direito do Trabalho traz apenas condições para que esta subordinação não seja transformada em escravidão.

Logo, as manifestações realizadas a favor do empregador devem ser escutadas e respeitadas, pois, as leis foram criadas para beneficiar o colaborador. Acima de tudo isto, deve ser analisado a produção de subjetividade que está implícita nos discursos destas manifestações e de outras, já que estes discursos constroem práticas e subjetividades.

 

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Existe vida no cárcere?

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O Sistema Prisional Brasileiro, que visa a ressocialização correcional dos indivíduos presos/apenados, como um todo, é falho em diversos aspectos, e as condições de vida dentro do mesmo costumam ser precárias.

Na prática, essa ressocialização não existe como deveria, e o regime de reclusão tem sido empregado para punir estes sujeitos, que vivem uma realidade de privação e violação dos direitos. Hoje, o que encontramos são prisões superlotadas, degradantes para mulheres e homens, com condições insalubres. No caso das mulheres, se olharmos o nosso percurso histórico, essa violência muitas vezes é velada e naturalizada pela própria sociedade.

Precisamos (re)pensar como estamos punindo.

Infelizmente, percebe-se que os apenados são abandonados e destituídos de direitos, em todos os sentidos da palavra. Há demora no julgamento dos processos, na concessão de benefícios e na progressão de regime e também, por outro lado, existe uma carência de manutenção do sistema. Enquanto isso, eles permanecem em situação de cárcere, alheios a tudo e a todos, a mercê de todo tipo de mazelas, dentro de um espaço que tem sido palco para cenas de extrema violência, privação de liberdade, rebeliões e aumento da criminalidade, como é constantemente mostrado pelas mídias.

Em hipótese poderíamos pensar que à egressa desassistida/abandonada de hoje, continuará sendo a “criminosa” reincidente de amanhã. O que está errado?

Essas situações que já proporcionavam impacto em nossas vidas por discursos de ódio e medo criaram outros significados ao entrarmos pelas grades. Durante a realização deste projeto de intervenção, experienciamos uma realidade aquém do esperado: de tristeza, dor e isolamento. O resultado desse contato, foi uma quebra de paradigmas, e a possibilidade de um enfoque diferente daquele contaminado pelo diálogo de nossa sociedade, que se isenta de seu papel de (co)responsabilidade por esse regime, subjugando essa parte de indivíduos que permanece calada, destituídos de sua cidadania, em condições precárias – para não dizer desumanas – sobre o pretexto de pagarem sua dívida com uma sociedade que ao longo de sua história de vida, só lhes cobra, sem nada oferecer em troca. Uma realidade que não apresenta sinais de que irá mudar tão cedo.

O relato que segue traz considerações de uma intervenção realizada por um grupo de estagiárias do curso de Psicologia numa unidade prisional feminina do Tocantins, um trabalho que se justificou pela necessidade de tentar minorar os agravos subjetivos da reclusão carcerária, trabalhando questões como relacionamento interpessoal, confiança e autoestima das encarceradas.

Para trabalhar com este grupo, usamos como metodologias: a roda de conversa e a aplicação de dinâmicas de grupo, por considerar que tais métodos elucidam no setting grupal os elementos necessários para análise da dinâmica do grupo (ZIMERMAN; OSÓRIO, 1997). Esse formato permitiu que todas participassem desenvolvendo novas possibilidades de relações de apoio e cuidado. As frases utilizadas no decorrer do trabalho foram extraídas de atividades realizadas com as encarceradas, como por exemplo: levamos diversas figuras e pedimos para cada uma escolher a que mais se identificasse e a partir daí justificar sua escolha; em outro momento levamos perguntas que as fizessem refletir sobre si mesmo, perguntas como “quais são os seus medos?”, “o que eu quero para o futuro?”, entre outras.

Fonte da imagem: http://mairafernandesbittencourt.blogspot.com.br/2012_07_01_archive.html

“Essa imagem demonstra a dor, meu desespero, a vida que eu tinha, hábitos…
Nunca me passou que eu iria chegar a usá-las.
Ainda me dói muito usá-las, ficou marcado.
Cada vez que eu tenho que usá-las, é como se eu fosse um monstro, um bicho do qual as pessoas têm medo, ao me verem usando isso.
Dói, mas espero nunca mais me constranger,
Não vou me permitir passar por isso novamente. ”

E assim fomos construindo a relação deste grupo com transparência, compromisso, dedicação e sigilo. Sempre deixando claro para elas que o nosso desejo era que ninguém se sentisse tolhido em sua forma de expressão (gesto, olhar, falar, chorar etc.). Dentro de um grupo, todas as formas de expressão são importantes, a comunicação, seja qual for, deve ser espontânea e, acima de tudo, as diferenças individuais devem ser respeitadas (ZIMERMAN; OSÓRIO, 1997).

No nosso primeiro encontro com o grupo de mulheres foi um momento de apresentação. O grupo pôde conhecer as estagiárias e vice-versa. Foi um momento de interação e integração, onde pudemos falar sobre o grupo, os encontros futuros e as expectativas das encarceradas sobre o mesmo.

Já de início, pudemos perceber que elas se dispuseram a falar sobre suas vidas, experiências, medos, dúvidas, que, em consenso geral, eram um pedido de socorro.

Junto com elas escolhemos um nome para o grupo, que passou a chamar-se “OUTRO OLHAR”, um nome forte, marcante, que traz no seu íntimo: esperança. Cada uma delas fez questão de dizer o que significava este outro olhar para si a cada momento que passamos ali.

Quais são os meus medos?
Minha família parar de me apoiar e meus filhos,
no futuro, jogarem essa experiência na minha cara
e não aceitarem minha correção”

No total foram 10 encontros. Ao desenvolver um trabalho como este, encontramos algumas dificuldades. Percebemos a força da resistência quando lidamos com o discurso da segurança institucional na construção de estratégias de promoção de saúde. Um encontro de percepções por vezes antagônicos.  Percebemos o quanto a instituição, no seu cotidiano, produz sofrimento para todas as pessoas envolvidas: trabalhadores e apenadas.  Mas é preciso dizer, que a equipe nos recebeu e nos auxiliou no que foi possível para o desenvolvimento dessa atividade.

Contudo, partimos do olhar de compromisso social que a academia tem com a comunidade, e nos propusermos a somar com o trabalho desenvolvido pela unidade, não apenas como acadêmicas de Psicologia, mas como membros e integrantes de uma sociedade que também tem responsabilidade com a educação e reinserção social dessas mulheres. Esta experiência resgatou em nós o sentimento aguerrido de lutar por uma sociedade mais justa e menos perversa.

Vivenciamos algo que é só nosso, que ninguém nunca vai nos tirar, e que provavelmente não vamos ter a chance de experienciar novamente. Nossa sociedade não faz ideia da força, da coragem, da história, dos erros, dos acertos, da sabedoria, e do ser humano que existe em cada uma daquelas mulheres ali presas. Elas lutam a cada dia de forma individual e coletiva, por seus direitos, pela efetivação de um espaço democrático dentro das instituições, que permita um processo de construção consciente, de aprendizado, de produção de subjetividade, e de sujeitos que batalham pelo direito à autonomia de gerir suas próprias vidas, apesar do regime de isolamento.

Não podemos nos esquecer de que a população carcerária é formada por seres humanos, elas são iguais a nós, mas, que estão presas por terem cometido um ato infracional, ou seja, um erro. Vale lembrar que crime não é doença ou condição genética e que todos somos seres humanos, passíveis de erros. Portanto, a grade e os muros que nos separam delas, se vistas de perto, não são assim tão espessas e distantes de nossa realidade.

Enquanto estagiárias, não temos palavras para descrever o impacto dessa experiência para nossa vida e formação (pessoal, social e acadêmica). Mas podemos afirmar, sem sombra de dúvidas, que este foi um momento especial que tivemos de crescimento na nossa jornada, entendendo que ela também atravessa o ensino.

O grupo era comprometido, forte, integrado, tinha boa comunicação e estava disposto a crescer. As encarceradas encontraram ali um ambiente seguro para expor suas ideias, ao mesmo tempo em que estavam abertas a novas reflexões.

Ao longo dos 10 encontros, experimentando na pele a dor da vergonha; do preconceito; da discriminação; da desigualdade; da humilhação; do esquecimento; do abandono; da privação de liberdade; do desrespeito; da falta de oportunidade; da condenação (de todos os tipos de condenação), que aquelas mulheres – e outros tantos como elas – sofrem.

Fonte da imagem: http://padom.com.br/a-verdadeira-auxiliadora/

“Eu me identifiquei com a figura porque parece ser uma pessoa triste e solitária.
Hoje estou me sentindo assim. ”

Não queremos aqui levantar uma bandeira a favor ou contra seus atos, que já foram julgados, e pelos quais elas já pagam sua dívida com a sociedade. De outro modo, nossa bandeira é a favor da vida, e de uma nova oportunidade para essas mulheres – essa ideia se mostra tão arbitrária se considerarmos que para muitas delas tal oportunidade seria a primeira – construírem uma história de vida da qual possam se orgulhar, e realmente aprender com seus erros.

Para além dos resultados positivos, esta intervenção já teria sido gratificante, só pelo simples fato do aprendizado que tivemos e do quanto cada minuto lá dentro mudou a percepção acerca da nossa sociedade. No final de cada encontro, descobríamos algo novo em cada uma das participantes. Houve mútua troca de experiências. Foram momentos de renovo, que resultaram num misto de descobertas, aprendizado e lição de vida.

Diante de todos os desafios no início do estágio, o foco principal não era saber o porquê elas estavam ali, ou seja, quais delitos foram cometidos, mas sim um “outro olhar”, como o nome do grupo propriamente dito. O que valia mais nos encontros era a singularidade de cada uma, os desabafos, os sorrisos, as lágrimas, os momentos compartilhados e a história de vida.

Ao final de cada encontro, saíamos daquela instituição com a sensação de dever cumprido, pois como relatado pelas mesmas, aquele “era o dia mais esperado da semana”. Entendemos a importância do nosso apoio.

É preciso agradecer e reconhecer quão grande e importante foi esta experiência para nós em nível individual, pessoal, social, acadêmico e profissional. O privilégio de conhecer essas mulheres nos permitiu constatar que o sistema prisional e as políticas públicas em geral precisam urgentemente de melhorias, e a existência da banalização do ser humano, da vida; a ineficácia da ressocialização; o futuro incerto e sem perspectivas desses homens e mulheres que só querem/precisam de uma chance para fazer/ser diferente.

 

Referência:

ZIMERMAN, David E.; OSORIO Luiz Carlos [et.al.]. Como trabalhamos com grupos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

Nota:

Os trechos de reflexões dispostos ao longo do texto são de autoria das encarceradas de um presídio feminino do Tocantins como resultado das dinâmicas ao longo dos encontros. Zelando pela imagem pessoal, o grupo reserva o direto de manter o sigilo de suas identidades.

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Comunidade e Execução Penal – O Projeto Remição pela Leitura

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Você já parou para pensar qual o papel da sociedade frente ao sistema de execução penal em nosso país? Somos isentos a esse regime, ou somos, de outro modo, (co)responsáveis por ele?

Partindo dessas reflexões, foi implantado, no município de Palmas/TO, o Conselho da Comunidade para Execução Penal (CCEP), um espaço de atuação e de movimentação da sociedade, instituído para trabalhar nessas articulações com a responsabilidade de fiscalizar o cumprimento das penas, por parte dos sentenciados/apenados, nos diversos regimes.

Para entender melhor o processo de implantação e função do CCEP em Palmas/TO, e do Projeto de Remição de Pena pela Leitura, o (En)Cena entrevistou a Analista Técnica do Tribunal de Justiça e Assistente Social, Márcia Mesquita Vieira, com atuação sócio jurídica,  desde as questões da criança e do adolescente, medidas protetivas, sócio educativas, ao sistema prisional como um todo. Ela é professora e Coordenadora do Curso de Serviço Social no Centro Universitário Luterano de Palmas (CEULP/ULBRA) e membro do CCEP.

Márcia Mesquita Vieira – Foto: Arquivo Pessoal

(En)Cena – Quando o CCEP foi criado?

Márcia Vieira – O CCEP já é previsto na LEP – Lei de Execuções Penais. Só que, falando em termos de Brasil, não conseguiu ainda a implantação em todos os estados. Aqui em Palmas/TO, o nosso conselho foi criado em setembro de 2008.

(En)Cena – Quais os desafios da implantação do conselho?

Márcia Vieira – Por mais que seja uma Sociedade Civil Organizada, as vezes a gente não consegue se organizar tanto assim, por problemas internos como falta de recursos financeiros, ou pelos desafios que o próprio sistema oferece. Brigar com o sistema não é tarefa fácil. Nosso desafio é mobilizar a luta frente à dignidade e aos direitos humanos dos presos, mesmo que esta seja uma bandeira perene. Mas, podemos dizer que hoje estamos revitalizando o conselho da comunidade.

(En)Cena – Então o CCEP funciona em rede?

Márcia Vieira – Ele é um organismo da Sociedade Civil Organizada e trabalha com essas articulações em rede. Todas as instituições que de alguma forma desenvolvem algum trabalho ou estejam articuladas com o Sistema Prisional compõe a rede do CCEP. Nós trabalhamos com Vara de Execuções Penais, com o Ministério Público (MP), a Defensoria Pública, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), com o próprio Sistema Prisional, além das unidades as instituições religiosas que tambémdesenvolvem trabalho lá dentro: a Pastoral Carcerária, um grupo da igreja evangélica que faz um trabalho com os presos. Toda instituição/órgão que, a seu modo e com seus objetivos, desenvolve alguma atividade ligada a temática do Sistema Prisional, nós consideramos como parte da nossa rede.

(En)Cena – Quem são os membros do Conselho? Como ele está organizado?

Márcia Vieira – Hoje, temos vários filiados entre acadêmicos voluntários dos cursos de Serviço Social, Direito, Psicologia, Pedagogia; militantes da sociedade civil e do Centro de Direitos Humanos de Palmas/TO (CDH);  profissionais da educação, da pedagogia e área psicossocial, que trabalham com questão das Escolas no Presídio; e equipes da Saúde. O CCEP é um organismo aberto, qualquer pessoa pode fazer parte, então se uma pessoa nos procurar dizendo: “Eu quero desenvolver uma atividade com vocês…”, ela será aconselhada a ir ao Conselho, filiar-se e então pode começar a desenvolver sua atividade proposta, ou, até mesmo, se engajar em uma das que já acontecem. Em contrapartida, o CCEP trabalha com a finalidade de viabilizar o espaço, materiais etc. O Conselho não é um órgão fechado e restrito. Exemplo disso, é que temos algumas representações como a OAB, a Câmara de Dirigentes Lojistas de Palmas/TO (CDL), o CDH, o Conselho Regional de Serviço Social (CRSS) etc.

(En)Cena – Quem é o Presidente de CCEP atualmente?

Márcia Vieira – É um advogado, professor no curso de Direito do CELP/ULBRA, Prof. Geraldo Cabral. Atualmente é ele quem está à frente do conselho da comunidade.

(En)Cena – Como o conselho se articula com a justiça?

Márcia Vieira – Temos um diálogo aberto com a justiça. Hoje, a sala do Conselho funciona num espaço cedido pelo Fórum de Palmas/TO. É uma sala bem equipada, com recursos que necessitamos: móveis, computadores etc. O Conselho não tem fins lucrativos, logo, não temos fonte financiadora de recursos. Trabalhamos com projetos de captação de recursos para a execução de nossas atividades. Temos uma boa comunicação com a Vara de Execuções Penais – uma grande parceira – que é quem nos dá acessos de todo o panorama da realidade e funcionamento do Sistema Prisional de Palmas/TO.

(En)Cena – Como é que o CESEP ele se articula com a LEP?

Márcia Vieira – Nos inserimos no Sistema Prisional articulando atividades que nos possibilitam compreender os sujeitos que estão dentro desse contexto, bem como os fenômenos que acontecem nesse contexto. Trabalhamos com os apenados (reeducados) no sentido de tencionar essa rede, contra o controle social, com a finalidade de melhorar o nosso Sistema Prisional.

(En)Cena – Quais as ações que o Conselho desenvolve?

Márcia Vieira – Estamos na fase de planejamento de um dos maiores projetos que o Conselho da Comunidade pretende executar a partir desse ano, o Projeto de Remição pela Leitura. É um projeto grande, que vai abranger praticamente todo o Sistema Prisional do estado do Tocantins atualmente. Além disso, desenvolvemos atividades de potencialização e de geração de renda, por meio de artesanato, além de atividades interativas dentro das unidades, como o yoga por exemplo.

(En)Cena – Do que se trata o Projeto de Remição pela Leitura?

Márcia – Atualmente, no Brasil, um preso, quando ele está dentro do Sistema de Privação de Liberdade, para cumprir a sentença que lhe foi atribuída, pode minimizar ou diminuir esse tempo ao qual ele foi sentenciado, seja pelo trabalho, ou pela escolarização. Agora temos uma novidade: que é a remição pela leitura. A questão do trabalho e da escola tem um impacto pequeno no universo do Sistema Prisional brasileiro. Por exemplo, se nós temos 500 presos, somente 10 estão frequentando a escola, porque a escola das penitenciárias não tem estrutura, ou os profissionais não tem capacidade de fazer um acompanhamento de mais pessoas que este número. No geral, a infraestrutura das unidades prisionais é precária, e não acomoda uma escola com condições onde todos possam ter um ensino-aprendizagem de qualidade. Logo, os apenados nem sempre podem fazer remição pela escola.

A questão do trabalho é igual, pois esbarra nas questões de segurança e afins. Vou dar um exemplo de um projeto que o CCEP executa: o artesanato com boneca. Para fazer biscuit as reeducadas precisam de estilete e tesoura para confeccionar as bonecas. Como você pode fazer um trabalho artesanato sem esses equipamentos? Isso esbarra em todo um problema de segurança que as unidades – que também são precárias – não conseguem sustentar. A chegada dessa possibilidade da remição pela leitura está sendo vista por nós como uma alternativa a todo esse processo, porque a infraestrutura necessária para que o reeducando leia um livro é mínima, se comparado a estruturação de uma escola, ou de um local de trabalho.

(En)Cena – Quais os benefícios do Projeto de Remição pela Leitura para o Sistema Prisional?

Márcia Vieira – Acreditamos que o projeto vai potencializar o nível de acesso à informação, da alfabetização e da própria escolarização dos detentos. A leitura tem a possibilidade de “abrir os horizontes” das pessoas. A pessoa que lê mais, escreve melhor, fala melhor,amplia seu vocabulário. O projeto vai contribuir para os reeducandos na garantia e asseguração da cidadania, mostrando um novo panorama, ampliando suas perspectivas e dando novas possibilidades. Não como um apenado em dívida com o sistema, mas de um reeducando, que ainda tem muito com o que contribuir para com a sociedade.

(En)Cena – Como o projeto conseguirá mensurar os benefícios da leitura para os reeducandos?

Márcia Vieira – A infraestrutura para a implantação desse projeto ela é mínima, em relação as outras formas de remição de pena. Precisa-se garantir apenas que os reeducandos recebam um livro por mês, que eles leiam esse livro, e que construam o relatório de leitura, que exigirá destes conhecimentos de leitura e escrita. Ao final do mês, eles demonstrarão qual foi a interpretação deles daquela leitura. A cada livro/mês ele tem o direito a remição de quatro dias na sua pena, sendo que a) não pode ser o mesmo livro, e b) só será validado um livro a cada mês, resultando em 4 dias a menos de pena por mês.

(En)Cena – Quais os principais desafios do CCEP hoje?

Márcia Vieira – O CCEP tem alguns desafios, como a questão financeira. É difícil financiar tantas atividades, porém, estamos focando na questão da captação dos recursos. Como a entidade sem fins lucrativos isso é um problema, o Conselho precisa ser uma instituição que funcionasse de porta abertas 24h, afins de melhor receber as demandas… Temos um problema de falta pessoal, porque todos os que estão no conselho da comunidade são voluntários, logo, não temos pessoas para cumprir expediente no conselho. É um desafio, encontrar pessoas que possam trabalhar no conselho, porque não temos condições de remunerá-los.

(En)Cena – Como é a inserção do Conselho dentro das unidade prisionais?

Márcia Vieira – Não é muito fácil. Considerando as questões da segurança do preso, do presídio e de nós mesmos. Há uma cultura dentro dos presídios que diz: “o preso tem que estar preso”, ou que “bandido bom é bandido morto” etc. Nosso desafio é defender e assegurar os direitos civis dos reeducandos. Mas essas pessoas não têm aprovação da sociedade, tampouco podem exercer sua cidadania. Esse também é um grande desafio. Nem sempre é fácil a gente propor uma atividade. Temos um grande número de reeducandos prontos para partirem para o regime semiaberto, mas não há emprego para essas pessoas. Quem quer oferecer emprego pra uma pessoa que tem uma ficha criminal? A sociedade se isenta de sua (co)responsabilidade.

(En)Cena – Você acredita que uma Lei como a que obriga as empresas a contratarem deficientes, forçando os empresários a contratarem reeducandos do Sistema Prisional pode ser uma solução?

Márcia Vieira – Acredito que não. Atualmente, há um excedente número de empresas que descumprem essa regra trabalhista, por um motivo ou outro. Alegando desqualificação etc. Há outra dificuldade, que não é mais da inserção, mas da permanência dessas pessoas dentro das instituições. Penso que essas medidas impostas, são questionáveis. Por exemplo, assim conseguiríamos inserir os reeducandos, mas como a sociedade vai receber essa pessoa? Chegar num local de trabalho e ser visto como diferente, como perigoso, é complicado. Isso está para além das obrigações formais, e o formalismo não funciona quanto a gente fala de relações pessoais.

(En)Cena – Quais os resultados positivos do Conselho?

Márcia Vieira – Muitos. O maior saldo positivo que eu considero de todas as ações do Conselho, é o resultado de nossa inserção dentro das unidades prisionais, mudando o modo como os reeducandos eram tratados e vistos pelos próprios funcionários das unidades. O conselho deu visibilidade a esse grupo até então sem representatividade, mostrando outro panorama, o de que a sociedade também precisa se envolver nesse processo. Ela precisa se sentir pertencente, se abrir para novos debates. Entrar nas discussões. Em contrapartida, eu também não acredito que meia dúzia de gente vai transformar o mundo. Isso é ditadura. Revolução é outra coisa! É um grande número de pessoas modificando suas ideias, seus costumes, seu modo de enfrentar o problema. Isso sim é mudança social.

(En)Cena – Márcia, para encerrar. Caso tenha alguma instituição, empresa, pessoa ou organização interessada em colaborara com o  CCEP, como pode obter mais informações sobre o Conselho?

Márcia Vieira – O conselho funciona no prédio do Fórum de Palmas/TO. Atualmente, funcionamos apenas no período da tarde, das 14h às 18h.

 


Transcrição: Ruam Pedro Francisco de Assim Pimentel

Edição: Hudson Eygo

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Participação da Sociedade na Execução Penal

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“Abandone toda esperança aquele que por aqui entrar.”
Inscrição da porta do Inferno por Dante Alighiere em A divina comédia: Inferno

Quero, neste espaço, traçar um relato de minha participação como acadêmico do curso de Psicologia no Seminário “PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE NA EXECUÇÃO PENAL: perspectivas de melhoria do sistema penal tocantinense”, que aconteceu no dia 22 de março de 2014, em Palmas – TO.

Na oportunidade se reuniram membros da Escola Superior da Magistratura Tocantinense (Esmat), representados da Secretaria Estadual de Defesa Social, Promotoria de Justiça, Centro de Direitos Humanos de Palmas, Universidades, Reeducandas do Sistema Prisional de Palmas e Comunidade em geral para debaterem o tema.

Não posso esconder minha euforia em participar de um evento como este. Afinal, não é todo dia que os Magistrados abrem as portas do Tribunal de Justiça para colocar em pauta a participação da sociedade no sistema penal –  pelo menos foi esta a pretensão que eu tive ao ler o nome do evento.

No discurso de abertura, pôde-se ouvir frases como:

“Prender por prender não é a solução.”

                              “Não é por estar preso que o homem perde a sua dignidade.”

E, na minha opinião, a mais realista e coerente com a temática do evento:

“Não há soluções imediatas para se resolver o problema dos presídios no Brasil.”

Os debates se iniciaram com mesa intitulada “A Realidade Carcerária no Estado do Tocantins”, que cumpriu com seu objetivo ao situar os presentes sobre a atual condição do sistema prisional de nosso estado. A mesa trouxe dados precisos quanto a números de reeducandos(as) e locais onde estes cumprem suas penas. Na sequência, floreios aos Secretários Estadual da Defesa Social do Tocantins, Dr. Nilomar dos Santos Farias, que apresentou o projeto para criação de um novo presídio em nosso estado. Tal medida, à primeira vista, parece resolver o problema da superpopulação dos presídios, da falta de unidades específicas para cumprimento de penas semiabertas e da carceragem em delegacias, prática comum no estado.

Em seguida houve a fala de reeducandas da Unidade Carcerária Feminina do Município de Palmas, que foi, sem sombra de dúvidas o ponto alto da noite. Elas sintetizavam a dor das pessoas que mesmo tendo cumprindo suas penas, não escapavam do julgo da sociedade. As falas dessas mulheres aproximaram os convidados de suas realidades, e fez com que eles percebessem como é sofrer pelo resto da vida por um erro cometido no passado.

O debate seguinte frisou a função da pena e da reclusão na Ressocialização dos cidadãos que cometem crimes, mas que diante da realidade carcerária encontrada em nossos presídios, não acontece. Afinal, o sistema presidiários brasileiro não reeduca, apenas pune, em regime de reclusão. Em seguida o evento chega a seu fim com a distribuição gratuita do Manual do Conselho da Comunidade na Execução Penal lançado pela Esmat na ocasião.

Não posso em minha fala desmerecer o evento, estratégia louvável, tanto da Esmat em abrir-se para esse debate com a comunidade, como a das reeducandas que de tão livre consentimento se propuseram a falar abertamente sobre sua realidade a uma sociedade que, direta ou indiretamente, é sua algoz.

Mas não posso deixar de falar do meu descontentamento e das muitas dúvidas que me restaram após o evento. A primeira, claro, diz da minha condição de estudante de psicologia, uma ciência que ainda que próxima, se coloca tão distante do judiciário e do direito. A segunda, é sobre o evento não ter aberto espaço para perguntas e/ou participação efetiva da comunidade por meio de um debate aberto. O que é muito triste. Claro sinal de que, mesmo com essas tentativas – volto a dizer: louváveis – o Judiciário ainda está muito aquém do que se espera no que tange à participação popular.

Fato curioso, era de que uma das falas mais frisadas da noite, cobrava da sociedade sua (co)responsabilidade com a reabilitação das(os) reeducandas(os) do sistema carcerário brasileiro.

Justamente por não poder fazer perguntas, voltei para casa com vários questionamentos, no que cerne à criação da nova unidade prisional de Palmas. Num momento em que a sociedade busca formas mais humanizadas de reabilitação destes reeducandos, investir em mais presídios não seria, portanto, um retrocesso? Claro que há ressalvas, até mesmo porque a planta da unidade não foi apresentada à comunidade na ocasião, mas, independente disto, não seria o momento de se pensar em criação de instituições que presem pelas reinserção social destes detentos, muito mais do que pela simples detenção? O que está em jogo aqui, além de outras coisas, é má aplicação de dinheiro público.

A verdade é que, por mais que alguns esforços de personagens específicos tenham sido notadas naquela noite, ainda há muito o que se fazer pela melhoria do nosso sistema prisional, que, acredito eu, precisará de vários anos para que alguma mudança efetiva e humanizada aconteça, no que tange à reformas no sistema prisional brasileiro. Até lá, resta-nos participar de eventos como estes e esperar pela oportunidade de falar de pontos que não foram abordados, para assim, exercermos, enquanto comunidade, nosso papel na reeducação dessas pessoas, que mesmo destituídos de seu direito de ir r vir, são nossos iguais.

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O que vi e senti no V Fórum do Judiciário para Saúde

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Em busca de uma compreensão abissal da minha função enquanto agente social, observadas as lacunas do conhecimento científico, e como grande parte dos universitários, incrementar o Lattes,  procuro sempre que possível participar dos eventos promovidos pelas instituições não governamentais e os do Estado.

Foto: Hudson Eygo

No dia 18 de outubro de 2013 aconteceu no Tribunal de Justiça do estado do Tocantins- TJ/TO o V Fórum Estadual do Judiciário para Saúde com o tema “Saúde Mental e a Política de Álcool e Outras Drogas”, realizado pelo TJ, Escola Superior da Magistratura Tocantinense e Comitê Executivo para Monitoramento das Ações da Saúde no Tocantins – CEMAS/TO, este criado pelo Conselho Nacional de Justiça-CNJ para “auxiliar os Magistrados, Representantes do Ministério Público e Defensoria Pública na formação de juízo de valor quanto à apreciação das demandas (extrajudiciais e judiciais) relativas ao SUS” (grifo nosso).

Desde o nome a estrutura do evento há uma dissensão do objetivo deste para a sociedade, visto que esta o financiou.  O judiciário é pedante em propor realizar evento “para“ saúde, falando de saúde e não haver um elemento que signifique ligação, já demonstra possíveis intenções. Aberto à sociedade civil e transmitido às demais comarcas do estado, havia como participantes presenciais profissionais da área da saúde, direito, serviço social, militantes dos Movimentos Sociais e representantes de categorias que não compuseram nenhuma mesa e tão pouco foram ouvidos ao contestar os dados estaduais apresentados. Durante a mesa redonda os convidados não vinculados ao governo estadual de forma expositivo argumentativa fizeram uma análise  história e dos dados nacionais relativos ao tema,  enquanto as duas ligadas a secretarias apresentaram previsões e projetos de programas, se o orçamento não voltar aos cofres da União – problema gravíssimo no estado –  não serão beneficiados por esses os Atingidos por Barragens, os Ribeirinhos, Trabalhadores Sem Terra.

No período vespertino ressaltaram a importante participação da sociedade na construção de políticas públicas e de forma interdisciplinar garantir a “participação da comunidade” idealizada no artigo 198, inciso III  da Constituição Federal de 1988. A essência nordestina esteve presente tratando do tema “Justiça Terapêutica” que comoveu/ incomodou com sua irreverência e instigações.

Por fim, encerrada a transmissão televisiva e disperso o auditório ainda lotado para um coffe breack, retornaram os trabalhos em 5 minutos com 1/3 das pessoas antes presentes para o restante da programação  “Enunciados: Construção, Discussão e Deliberação”, é o documento que será encaminhado aos magistrados como fruto das discussões do Fórum. Compunham a mesa as juízas Milene C. Henrique, coordenadora do CEMAS/TO, Flávia Bovo  e alguns serventuários, lido o primeiro enunciado o  médico psiquiatra Leonardo Baldassara, convidado como debatedor da última palestra, contestou o termo “laudo”  utilizado pelo documento. Conflito que se resolveria com a simples leitura inicial de qualquer livro de medicina legal, mas se estendeu pela ironia e sarcasmo da coordenadora do CEMAS/TO, teve seu clímax ao pedir que Leonardo e seus colegas de profissão fossem breves, uma pessoa não identificada do auditório fala alto que agora devemos escutá-los. Milene com postura pedante e o mesmo tom, interrompe mais uma vez a fala de outro psicanalista faz reintegração dizendo “eu sou a coordenadora desse evento, se alguém estiver em desacordo pode se levantar e se retirar”.

Nos primeiros segundos minha mente parecia um limbo, incertezas que causaram palpitações e questionamentos. O evento não estava mais sendo transmitido às comarcas e provavelmente não chegará à pauta de nenhuma reunião que questione a seriedade e aplicabilidade de toda discussão realizada em torno do tema proposto e dos Enunciados. Interdisciplinaridade exige que os magistrados desçam de seus pedestais e se relacionem horizontalmente. É duvidoso o juízo de valor formado sem a voz do assistencializado e profissionais dos Centros de Referência de Assistência Social – CRAS.  Levantei e me retirei, porém em breve estarão disponíveis OS ENUNCIADOS DO V FÓRUM DO JUDICIÁRIO PARA SAÚDE.

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Diálogo entre a Disciplina e a Punição

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Imagine a cena. Ao meio dia de uma sexta-feira qualquer, duas respeitáveis senhoras observam o trânsito de Palmas, em um dos cruzamentos mais movimentados da Capital. Dona Disciplina, habituada a ensinar metodicamente e, sem querer ofender a senhora Punição, sugere que punir não educa. A punição, acostumada a castigar e quase sempre exaltada, opõe-se, efusivamente, à tese. Para ela os 1.296 acidentes de tráfego com vítimas, periciados por peritos da Polícia Técnico-Científica em 2012, envolvendo 865 motocicletas em Palmas, seriam evitados, aplicando multas mais severas.

Na argumentação está implícita a afirmação de que os condutores são mal educados. Razão pela qual a Educação para o Trânsito não obtém êxitos imediatos. A Punição observa que a cidade cresceu, a frota de automóveis aumentou e a maioria dos condutores, cada vez mais agressivos, parece carecer de melhor preparo para transitar por avenidas curvilíneas, rotatórias e cruzamentos, muitos, bem sinalizados.

Nesse aspecto, a Disciplina sem desmerecer os esforços da Educação ausente no diálogo, até concorda, mas enfatiza sobre a urgência em se adotar medidas práticas que auxiliem a conscientização.

Com base no Diagnóstico sobre os Acidentes de Tráfego na Cidade em 2010, a Disciplina mostra à Punição que os cruzamentos entre as Avenidas Teotônio Segurado e LO-12 e a LO-14 contribuíram muito para a elevação dos índices de acidentes de tráfego, até o mês de julho. Em apenas um mês, a LO-12 contribuiu com 13%, enquanto a LO-14, com 17%.

A partir de agosto, entretanto, essa realidade mudou. Os índices de acidentes reduziram a ZERO, ao contrário do cruzamento da Teotônio com a LO-23, que embora bem sinalizado, lidera ranking de até 50% dos acidentes em cruzamentos entre a Teotônio e as LO’s.

Apesar de atuar pouco na região onde os índices despencaram para 0%, a Punição, bem irônica, quer saber qual seria o “milagre” para uma queda tão brusca nos índices de acidentes de tráfego nesses cruzamentos da região Norte da cidade, enquanto se observa um fenômeno inverso em cruzamentos da região Sul.

Em resposta à ironia da Punição, a Disciplina diz que o “milagre” fora a atitude do poder público, que acatara uma sugestão simples, apresentada por peritos da Polícia Técnico-Científica ainda em 2009, mas só adotada em agosto de 2010. Esse “milagre” responde pelo nome de redutores de velocidade. Ondulações. Se preferir, ele mesmo, o popular, digo, impopular quebra-molas.

Ácida como é, concordar com a Disciplina custa grande esforço à Punição cujo ego a supera em tamanho. Mas cansada de ver a morte zombar da vida com um sorriso cariado, a Punição se sujeita a dialogar com a Disciplina e, uma vez ou outra, aquiescer também com a Educação.

Surpreendendo a Disciplina, a Punição, como que pensando em voz alta, questiona: Quanto custa um acidente com vítima para o poder público e quanto custa a construção de um antipatizado quebra-molas em pontos críticos? E sonorizadores antes das faixas de pedestres custa caro? Iluminar então faixas para pedestres, quanto deve custar?

Convicta de que uma vítima custa bem mais ao poder público, do que medidas preventivas, a Disciplina intervém e lamenta que o trânsito copie, do sistema de justiça criminal, equívocos que não produzem justiça.

Na compreensão da Disciplina o equívoco é ter-se como preocupação primeira o passado e não o futuro; é priorizar o estabelecimento de culpa para provocar a vingança por intermédio da dor. Medidas assim não reparam o dano à vítima. Priorizar teorias em detrimento de resultados equivale a zombar. E com um ar de impotência, conclui que a vítima é assunto secundário, quando a prevenção também o é.

Embora ranzinza, a Punição que defende a fábrica de multas como solução para os acidentes de tráfego, acaba se entendendo com a Disciplina. No contexto da discussão o objetivo comum entre ambas é salvar vidas. Eis a razão para pensamentos antagônicos se aproximarem e adotarem práticas preventivas simples, economicamente viáveis e efetivamente eficientes e eficazes, sem precisar reinventar a roda.

A vida agradece!

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Experiências do estagiário de psicologia na área jurídica

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Faço estágio extracurricular desde setembro de 2011 na CEPEMA – Central de Execução de Penas e Medidas Alternativas, uma central vinculada à 4º Vara Criminal de Palmas, sob a supervisão da Coordenadora e também Psicóloga Ktiúcia de Sousa Sá. As principais atividades desenvolvidas pelos estagiários de Psicologia são: atendimento ao público da CEPEMA, auxílio nas visitas domiciliares e institucionais; auxílio na orientação e apoio sócio familiar, confecção de documentos; auxílio nos atendimentos psicossociais, acompanhamento e monitoramento dos processos e subsídio nas reuniões sócio-educativas. O objetivo da Pena e Medida Alternativa é fazer com que o apenado cumpra sua pena/medida no convívio com a sociedade, mantendo laços familiares, vínculo empregatício e comunitário e a Central vem trabalhar com a concretização desse objetivo, além do trabalho ressocializador ao jurisdicionado que se encontra nas condições do regime aberto. Sucintamente, as atividades funcionam da seguinte maneira: ao término da audiência o cumpridor da pena ou medida é encaminhado à CEPEMA para avaliação pela equipe técnica, orientações e encaminhamento à entidade conveniada. A equipe técnica realiza monitoramento e acompanhamento dos cumpridores através de visitas institucionais, visitas domiciliares, reuniões, entrevistas, contatos telefônicos entre outros instrumentos.

A equipe multidisciplinar é composta atualmente por uma Psicóloga/Coordenadora, Assistente Social, uma Pedagoga e estagiários das áreas de Serviço Social, Direito e Psicologia. A priori, o conhecimento que se tinha sobre Psicologia Forense era mínimo, no entanto o principal interesse estava junto com a teoria do espaço acadêmico, experienciar a prática nos campos de atuação do Psicólogo. Sendo assim, tudo foi inédito e encarado também como primeiro emprego o que possibilitou entender e vivenciar as relações interpessoais e relações de poder dentro do espaço laboral. Outra aprendizagem que o estágio proporcionou foi superar a primeira expectativa, fundir teoria e prática, ou seja, ao mesmo tempo em que eu estudava na sala de aula alguns transtornos da psicopatologia ou conceitos psicofarmacológicos, na prática eu tinha uma noção do que eu estava aprendendo sobre sofrimento psíquico de um indivíduo. O sentimento de inovação também surgiu no decorrer do estágio bem como o senso de crítica em relação ao arruinado sistema carcerário. O campo de estágio tem proporcionado esse papel de mostrar que pessoas que cometeram pequenos furtos e delitos podem trocar o cárcere por penas e medidas alternativas que não afastam o apenado do convívio social e familiar. Outro sentimento crítico que surgiu ao longo do estágio foi sobre a relação entre criminalidade e doença mental.

Depois de conhecer algumas histórias de vida dos apenados que estavam em regime aberto e que, em paralelo ao cumprimento da pena, esse encontrava algum diagnóstico de transtorno mental, vieram várias inquietações sobre a Reforma Psiquiátrica, tema bastante discutido em sala de aula. As inquietações se referiam ao seguinte pensamento: sabemos que a maneira de controlar “as laranjas podres” separando-as da sociedade em manicômios e prisões não adiantou em nada no quesito ressocialização, porque a sociedade continuou gerando as suas “laranjas podres”. Então o que se fazer? Sem o manicômio judiciário o que se fazer com o louco ou doente mental que precisa cumprir pena pelo delito cometido? Estes e muitos outros questionamentos foram e são gerados no ambiente de estágio. No meio das inquietações, fomos procurar ajudas com os professores que nos apresentaram literaturas que nos ajudam a compreender e a responder essas inquietações são elas: Criminologia e Subjetividade de Cristina Rauter, Manicômios Prisões e Conventos de Erving Goffman, Vigiar e Punir de Michael Foucault entre outros. Talvez uma das pretensões seja aumentar a rede social da CEPEMA incluindo o Serviço de Psicologia do NAC – Núcleo de Atendimento à Comunidade do CEULP/ULBRA para serem parceiros junto com os espaços de saúde mental já parceiros da Central como Caps II e Caps Ad. As inquietações, medos, impressões, sensações, percepções e aprendizagens ainda continuam porque o processo de adquirir conhecimento também continua. Paulo Freire diz em sua frase um resumo de tudo isso: “Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”.

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