“50%”: um equilíbrio entre a Vida e a Doença

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Quando se fala muito de um determinado assunto e quando a arte investe pesado em um tema, sendo ele abordado diversas vezes, de diversas maneiras e encarados sob perspectivas diferentes, o público costuma taxá-los de clichê cinematográfico, ou rotular como “moda”. O que não parece muito correto, uma vez que por mais batido que o tema seja sempre há algo a mais para abordar, observar e absorver.

Entre esses assuntos, tem-se abordado com freqüência sobre pacientes terminais, mais especificamente com câncer. Não é algo inovador retratar a história de pessoas que de repente têm suas vidas transformadas por causa da descoberta de uma doença. Como exemplos clássicos temos: Um Amor Pra Recordar (2002), Antes de Partir (2007), Uma Prova de Amor(2009), Pronta Para Amar (2011), Antes de Morrer (2012) e o mais recente e que está atingindo um enorme sucesso A Culpa é das Estrelas (2014).

A temática é a mesma. O drama, a tristeza de estar de frente a certeza do seu próprio fim, todas as aflições, angústias e o luto antecipado, permeiam todas essas histórias, mas cada uma traz uma essência diferente; uma característica que difere das demais e é justamente por isso que não devemos colocá-las todos em uma caixa e falar como se fossem uma única história.

Considero que uma das melhores formas de tratar um assunto é procurar maneiras “leves” (se assim posso dizer) e que faça o público prender-se não como se tivessem chumbos nos pés, mas como se quisessem, de alguma forma, ajudar o personagem no que for preciso, como se fizessem parte da trama. O filme aqui analisado tem essa vantagem, ele não é envolto somente de um drama pesado, não é daqueles que já traz no título o amargo do tema que será abordado, nem mesmo nos faz pensar que será outro clichê, outro “chororô”.

50%, é um filme baseado em fatos reais, dirigido por Jonathan Levine e estrelado por Joseph Gordon-Levitt (500 Dias com Ela) e Seth Rogen (Ligeiramente Grávidos), segue o padrão de filme triste mas não apelativo. Embora tenha pecado no humor tachado, talvez pelo fato de Seth Rogen ser desses atores que já possui rosto de comédia, ou por causa de nos negarmos a aceitar que o amigo usa o câncer do outro para se dar bem nas paqueras. Ou no final tudo se encaixa perfeitamente e então compreendemos o porquê do humor tachado, o porquê das válvulas de escape do personagem cômico dessa trama.

Tudo aquilo que fazemos, tudo que apostamos, todos os campos da vida, há exatamente 50% de chance de dar certo e 50% de dar errado. É como se fosse uma teoria de equilíbrio. E quando recebemos a noticia que estamos com 50% de chance de sobreviver? O que pensar? É um número ruim? Podemos enlouquecer? ou encarar como “não é tão mal assim, é a metade!” ?

Adan (Joseph Gordon-Levitt) é um jovem adulto de 27 anos de idade, segue uma vida saudável (não fuma, não bebe e pratica exercícios diariamente), trabalha em uma rádio e segue uma rotina bem controlada e prevenida. Possui um relacionamento um pouco questionável; uma namorada que parece não estar, inteiramente, em um relacionamento. Seu melhor amigo, Kyle (Seth Rogen)  é parte cômica do filme, porém não é do tipo de amigo que o força a ter uma vida promíscua, o aceita como é e os dois seguem juntos em uma amizade realmente bonita.

A reviravolta do filme começa junto com as constantes dores nas costas que Adan está sentindo, o que faz procurar um médico. Após alguns exames e uma consulta “técnica”, eu diria, Adan recebe o diagnóstico de que tem um tumor na coluna.

“Consulta Técnica”. Usaremos esse termo para explicar o porquê de escolher este filme para analisar. Ao ser recebido pelo o médico, Adan, apreensivo por respostas, é simplesmente ignorado. O médico fala com um gravador, passa todas as informações contidas nos exames realizados por Adan, para aquele aparelho, balbucia uma infinita quantidade de termos técnicos e somente depois do paciente perguntar algo é que o profissional dá atenção a ele. Não muita, isto porque, Adan ao questionar sobre sua situação, o médico outra vez diz inúmeros nomes, termos desconhecidos pelo paciente, o que aumenta ainda mais o desespero do jovem. O desconforto aumenta à medida que o médico não direciona o olhar para o paciente, e finalmente resolve  dizer: Você tem um tipo de tumor. Dito isto, Adan permanece em estado de choque, tudo que o médico agora começa a explicar novamente vai ficando distante. “Vou morrer”.

Como um profissional deveria se portar ao dar uma noticia tão delicada quanto esta? Até onde vai nossa consideração pelo sofrimento do outro? E como dizer isso a ele? O impacto de receber uma noticia como esta pode influenciar até que ponto na situação atual do paciente? Durante essa cena, em específico, é que devemos nos perguntar: estamos lidando com a doença ou com o paciente que tem a doença?

Adan é aconselhado a procurar por apoio psicológico, para obter algumas informações e para que compreenda sua situação.

Katherine (Anna Kendrick) é uma jovem terapeuta que possui pouca experiência, e que também enfrenta dificuldade em desenvolver uma consulta que possa ajudar Adan no seu processo de enfrentamento da doença. Adan também a deixa um pouco insegura, quando questiona a idade ou o número de pacientes que já passaram por ela, outras questões se seguem e que prejudica um pouco o andamento da terapia.

É, então, que conhecemos a Psicologia Hospitalar.

Em 1818 foi fundado o Hospital  McLean, em Massachusetts, esta instituição possibilitou a formação de uma equipe multiprofissional, composta por: patologistas, fisiologistas, bioquímicos e psicólogos. Sendo assim, a primeira insitituição a possibilitar a inserseção de psicólogos no âmbito hospitalar. Tal processo se deu pela iniciativa dos profissionais envolvidos, pela demanda da população e pelas próprias instituições.

Vale ressaltar, no entanto, que o termo Psicologia Hospitalar é usado somente no Brasil, para designar o trabalho de psicólogos em hospitais. Não há precedentes em outros países. O movimento para demarcar “psicologia hospitalar” como uma especialidade surgiu a partir do final da década de oitenta, se concretizando em dezembro de 2000, quando o Conselho Federal de Psicologia promulgou a Resolução nº 014.

São tarefas atribuídas ao psicólogo especialista em Psicologia Hospitalar, de acordo com o CFP (2001); 1) atuar em instituições de saúde de nível secundário ou terciário; 2) atuar em instituições de ensino superior ou centros de estudo e de pesquisa voltado para o aperfeiçoamento de profissionais ligados à sua área de atuação; 3) atender a pacientes, familiares, comunidade, equipe, e instituição visando o bem estar físico e mental do paciente; 4) atender a pacientes clínicos ou cirúrgicos, nas diferentes especialidades médicas; 5) realizar avaliação e acompanhamento em diferentes níveis do tratamento para promover e ou recuperar saúde física e mental do paciente; e 6) intervir quando necessário na relação do paciente com a equipe, a família, os demais pacientes, a doença e a hospitalização (ROSA, 2005)

Um psicólogo hospitalar tem como função principal ser um suporte para o paciente, para ajudá-lo no processo de enfrentamento da doença, as angústias, aflições e duvidas acerca de tudo que está acontecendo. O paciente encontra-se fragilizado, assustado com sua situação, o intuito do psicólogo hospitalar é escutar, acolher o individuo em seu sofrimento, nas dificuldades que cercam essa fase, auxiliando o paciente durante o processo de adoecimento, visando à minimização do sofrimento causado pela descoberta da doença, o tratamento e a hospitalização. Além de tudo o psicólogo hospitalar também auxilia os familiares do paciente e presta assistência a equipe médica. A medicina está voltada para curar a patologia, enquanto a psicologia hospitalar busca maneiras de ressignificar a posição do individuo frente à doença.

Comumente, o processo de adoecimento traz em seu bojo uma desorganização da sua vida, de modo que provoca várias transformações em sua subjetividade, ou seja, o sujeito sai do conforto de seu lar e se depara com a hospitalização, muda seus hábitos, perde sua identidade e, muitas vezes, acaba virando um número de prontuário (PSICOLOGADO).

Infelizmente o filme não trabalhou muito a questão: paciente e terapeuta. O foco principal estava ligado aos relacionamentos de Adan com as pessoas à sua volta e como sua doença afetou seus relacionamentos, isso porquê quando uma pessoa adoece todos àqueles que fazem parte do seu convívio social também passam por um “processo” de desequilíbrio. Mas não por menos devemos deixar de abordar esse assunto: O cuidar do outro.

Tal como diz Willian Osler (1849 – 1919), tão importante quanto conhecer a doença que o homem tem, é conhecer o homem que tem a doença.

50% aborda as relações afetivas antes e após um processo de adoecimento e hospitalização. A ética profissional diante de um momento tão delicado e conflituoso para o paciente, os familiares e a própria equipe médica. Aborda, acima de tudo, o cuidado, a atenção e o “importa-se” diante do sofrimento alheio, seja de caráter médico, familiar ou social. Porque antes de sermos profissionais, somos, também, seres humanos.

Referências:

LIMA, A. A. T. Ética Profissional e Resoluções do C.F.P/ Série Concursos Públicos: Vade Mecum Psicologia. Vol. 1. Salvador – BA. Concursos PSI Empreendimentos Editoriais, 2013. 246 p.

Psicologia Hospitalar. Disponível em: http://psicologado.com/atuacao/psicologia-hospitalar/a-psicologia-hospitalar#ixzz34IMwBFvw

ROSA, A. M. T. Competências e Habilidades em Psicologia Hospitalar. Disponível em:http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/7430/000544292.pdf?sequence=1

SALTO, M. C.  E. O Psicólogo no Contexto Hospitalar. Disponível em:http://www.febrap.org.br/pdf/psicologo_no_contexto_hospitalar.pdf.


FICHA TÉCNICA DO FILME

50%

Direção: Jonathan Levine
Elenco Principal: Joseph Gordon-Levitt, Seth Rogen, Anna Kendrick
Gênero: Comédia Dramática
Nacionalidade: EUA
Ano: 2012

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O processo de morte em “Uma prova de amor”

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“Mas por baixo da superfície há rachaduras, ressentimentos, alianças que ameaçam a base de nossas vidas, como se a qualquer momento nosso mundo pudesse desabar.”
Do filme Uma Prova de Amor

Uma prova de amor (2009), é um filme norte americano dirigido por Nick Cassavetes. Trata da dor de uma família em lidar com o câncer de sua filha, e de como eles adaptam suas vidas com o propósito de garantir alguns instante a mais de vida para Kate Fitzgerald (Sofia Vassilieva), que está morrendo.O enredo se dá na conflitiva familiar e no modo como a família enfrenta a doença de Kate, ao passo em que esquecem-se da manutenção de suas próprias vidas.

O núcleo familiar é comporto por cinco pessoas: a mãe, Sara (Cameron Diaz); o pai, Brian (Jason Patric); Jesse (Evan Ellingson), o irmão mais velho, Kate a filha com diagnóstico de leucemia desde a infância; e Ana (Abigail Breslin), a filha caçula.

Ana nasceu de uma fertilização in vitro, após o diagnóstico de Kate, como o propósito de ser, como ela mesma afirma em uma cena do filme,“o seguro de vida da irmã”. Ela é a combinação genética perfeita para prover material genético à Kate no seu tratamento. Mas o que a família não previa, é que ao assumir esse risco, traria ao mundo uma criança que também teria desejos e medos próprios.

A conflitiva se dá quando Kate, já na adolescência, sofre de falência renal e Ana entra com uma petição jurídica requisitando direito de decidir se faz o transplante de seu rim para a irmã ou não. É preciso deixar claro que o prognóstico médico dizia que, mesmo com um rim transplantado, Kate não teria muito tempo de vida.

O filme é recheado de flashbacks que levam o telespectador do presente para o passado em vários momentos, contando a história da família Fitzgerald paralela ao adoecimento de Kate sobre a perspectiva de todos os membros do grupo familiar.

O processo de morte é bem presente no filme e é possível identificar alguns dos estágios definidos por Kubler-Ross (1969), citada por Kovács (2002), negação e isolamento; raiva; barganha; depressão; e aceitação. Inicialmente não é demonstrada uma negação, já que a doença foi diagnosticada quando Kate ainda era muito nova. Contudo, no decorrer do filme, são mostrados flash’s em que Kate aparece apresentando algumas atitudes que se assemelham aos estágios de Kluber-Ross.

De acordo com Kovács (2002), raramente os pacientes são consultados, acerca dos seus desejos, sempre havendo uma preocupação com os sintomas da doença e com a doença em si, deixando-se de lado o indivíduo. Com Kate isso acontecia, ela não era consultada sobre seus desejos, sendo assim, ela decidiu falar com os irmãos sobre a vontade de morrer, que já estava pronta e que não queria o transplante de rim, que seria doado por Ana. Esse processo cirúrgico já estava decidido pelos pais e pelos médicos, mas ninguém procurou saber a vontade de Kate.

Em uma das cenas, Kate encontra-se em seu quarto, quebrando as coisas, ouvindo um som alto e bebendo, ao ser questionada por Ana ela diz que estar fazendo uma festa de despedida, dizendo: “Adeus mãe, adeus droga de hospital, vou ver o Taylor!”, tomando remédios para morrer. Pode-se dizer, que Kate foi tomada por raiva, por todo processo que vinha passando e por perder o namorado, Taylor (Thomas Dekker), que também tinha leucemia.

Além desta cena, também existem outras duas que demonstram um momento em que Kate estava bem depressiva, se achando feia, afirmando que as pessoas iriam rir dela, Sara, para não ver a filha naquele estado, raspa a cabeça. Em outras duas cenas, Kate conversa com Ana e deixa claro que já está pronta para morrer, em uma das cenas ela fala que a mãe voltaria a furá-la e cortá-la novamente e que ela não queria mais isso, assim como é explanado no texto de Kovács (2002), a pessoa não é encarada como sujeito e sim como objeto de atuação do médico, passivo, submisso e silencioso. Na outra cena ela diz a Ana que tudo será tranquilo e demonstra, ainda mais, que já aceitou a sua condição e que só basta esperar a morte.

A autora afirmou que, nem todos os pacientes passam por essas fases, nem as passam na mesma ordem, e com Kate isso fica bem claro, ela passou apenas por algumas fases.

A família também passa pelos mesmos estágios que o paciente, segundo Kovács (2002), e no caso da família Fitzgerald quem passou mais intensamente pelos estágios foi Sara, ela muitas vezes passou pela negação, não aceitando que aquilo estava acontecendo com sua filha e lutou todo instante para que Kate fosse salva.

Sara também passou muitas vezes pela raiva, raiva pela doença, raiva de Ana por negar ajuda a irmã, raiva de Brian por tirar Kate do hospital, raiva do médico, enfim, ela não conseguia aceitar a doença da filha. Sara estava sempre entristecida por ver o sofrimento da filha, tentando fazer de tudo para vê-la bem, alegre. E, por fim, Sara acabou aceitando que Kate queria partir, talvez tenha aceitado apenas após a morte da garota, afinal ela lutou a vida toda para manter a vida de Kate, mas fica claro que ela aceitou o fato de que não poderia fazer mais nada para contornar a situação.

Kovács (2002) afirmou que, em muitos casos, o paciente sabe da gravidade do seu caso, mesmo que não tenha se informado objetivamente, mas tem falar com seus familiares, pois acha que eles não sabem e imagina que sofrerão se souberem. No fundo isso aconteceu com a Kate, ela já tinha certeza de que não iria sobreviver, mesmo recebendo o rim de Ana, mas ela comentou apenas com os irmãos, evitando falar com a mãe, pois ela sabia o quanto Sara lutava para mantê-la viva.

O luto não começa no momento da morte, e sim quando a pessoa percebe que ela é inevitável (KOVÁCS, 2002). Kate se preparou durante muito tempo para morrer, preparando tudo para a morte ocorrer naturalmente. Por isso pediu aos irmãos que a ajudassem e também preparou uma espécie de livro de recordações, onde deixava mensagens para toda família, inclusive pedindo perdão, afinal toda família estava envolvida no seu processo de morte.

A leucemia tem um final lento, portanto, há tempo para elaboração. A negação tem de ser confrontada, os sentimentos precisam encontrar um canal de expressão. Os membros da família também têm de realizar desapego. Podem deixar o paciente seguir seu processo, sem que isso signifique abandon ou isolamento (KOVÁCS, 2002, p. 204).

Nesse caso, Sara não permitiu que o desapego acontecesse, pelo contrário, ocorria o apego a esperança de que Kate sobreviveria e se recuperaria, apesar de se ter ciência das poucas chances de reestabelecimento. A elaboração ocorreu de forma brusca, quando foi revelada a vontade que Kate tinha de partir, de finalmente descansar, sendo que esse foi um processo mais doloroso do que teria sido se ocorresse a longo prazo.

São muitos os aspectos importantes destacados no filme, porém nele não é visto um tratamento psicoterapêutico, o que seria de grande auxílio, tanto para Kate, quanto para sua família, principalmente para Sara. “A família também precisará de ajuda, quando ocorrer a morte efetiva, para realizar o desligamento efetivo” (KOVÁCS, 2002, p. 204). Essa ajuda poderia ser oferecida por um psicólogo, que também teria dado esse auxílio, ajudando que o processo de desapego ocorresse, desde o momento em que a doença foi descoberta.

Kovács (2002) ainda ressaltou que o processo psicoterápico não está focado na cura do paciente, nem em alongar a vida, mas sim em tentar proporcionar uma qualidade de vida e auxiliar na comunicação e expressão de sentimentos.

Em dado momento, no filme, é apresentada a possibilidade de Kate ir para casa, para poder ter uma qualidade de fim de vida, o que é totalmente repudiado por Sara, que não quer aceitar o fato de a filha estar morrendo. Essa oferta é muito semelhante a proposta do “movimento hospice”, apresentado por Kovács em seu texto, onde procura-se dar ao indivíduo um alívio da carga da doença terminal. Esse seria um auxílio muito válido para Kate e sua família, mas Sara ainda não estava pronta para encarar os fatos.

 

FICHA TÉCNICA:


Gênero: Drama
Direção: Nick Cassavetes
Elenco: Abigail Breslin, Alec Baldwin, Andrew Schaff, Andrew Shack, Angel Garcia, Annie Wood
Duração: 1h49
Ano: 2009

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