Jouney e as analogias a Individuação

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A Jornada do Viajante

 

Fonte: encurtador.com.br/biqsR

Em um colossal e aparente sem fim mar de areia, uma estrela cadente cruza o céu e cai em meio às dunas. Um personagem misterioso se levanta do terreno arenoso, sua face é oculta por um capuz que cobre sua cabeça, e seu corpo é coberto por um manto quase cerimonial; porém seus olhos brilhantes são visíveis em meio à escuridão. Olhos esses que demonstram confusão e surpresa, mas que logo se voltam para uma montanha enorme, que desponta no horizonte a frente; no topo dessa montanha há um feixe de luz direcionado aos céus, e é para lá que o indivíduo se sente impelido a ir.

Por conveniência nomearei o indivíduo de Viajante, pois a ele nunca é dado um nome. Ele é a representação do jogador, nas dúvidas, incertezas, na aparência misteriosa e como o jogador, tem uma jornada de descobertas à frente, pois a vastidão do deserto é retumbante e assustadora. 

 

Fonte: encurtador.com.br/prCQS

 

Journey é um jogo eletrônico desenvolvido pela Thatgamecompany que foi lançado em 13 de março de 2012 inicialmente para o PlayStation 3, atualmente também disponível para PlayStation 4 e Microsoft Windows. O que mais chama atenção na trama é sua caracterização simbólica e a maneira como expressa esses símbolos, sendo todo o conteúdo exposto ali muito arquetípico e análogo a linguagem da psicologia analítica. 

É assim que começa a trama, onde o jogador deverá atravessar as ruínas de uma civilização enterrada pelo tempo nas areias do tempo, sem nenhuma única palavra escrita ou falada ao jogador, a trama deste mundo deve ser abstraída por meio das imagens, hieróglifos e posteriormente da surpreendente interação com outros jogadores no decorrer da história. 

 

Fonte: encurtador.com.br/fimKP

A Individuação

Na compreensão do ser humano da psicologia originada em C.G. Jung, os símbolos e os arquétipos são parte intrínseca do desenvolvimento e constituição da psique. Diversos processos se dão ao longo da vida nas interações do ser humano com seus pares e estes definem os aspectos de saúde mental e bem estar psíquico dos indivíduos ao longo da vida. Porém, talvez o mais importante desses processos seja a chamada Individuação Pessoal.

Alguns autores modernos vão discorrer, portanto que “Jung afirma que a individuação é o processo que ocorre a partir da aceitação, por parte do ego, das orientações de uma dimensão da personalidade que denomina ‘si-mesmo’, que, por sua vez, traz informações simbólicas acerca do caminho da realização plena da personalidade” (VERGUEIRO, 2008, p.129). O mesmo autor vem a complementar posteriormente acerca da natureza do fenômeno e como a teoria analítica o compreende:

É, também, uma meta transcendental, em parte consciente e em parte inconsciente. Em parte mística e numinosa e em parte racional. Essa experiência não pode ser traduzida e jamais será de todo conhecida. Além disso, essa passa a ser uma das dificuldades encontradas para a compreensão do pensamento de Jung, já que, para ele, o enigma é parte da vida. (VERGUEIRO, 2008, p.129)

 

Fonte: encurtador.com.br/lwyH3

 

Há uma tendência a visualizar a Individuação como uma espécie de jornada durante a vida. O processo exige uma caminhada de autoconhecimento, contato com as partes numinosas/sombrias dentro de cada indivíduo e de reflexões introspectivas que resultam no autoconhecimento. O que os indianos budistas já caracterizavam como Iluminação por volta do século VI e IV a.C, as narrativas heroicas da Grécia antiga também forneciam paralelos interessantes a jornada de individuação; em sua dissertação de mestrado, Leticia Goncalves Said traz paralelo interessante entre a narrativa de Ulisses na Odisseia e o processo de individuação:

Assim, penso que tanto o destaque que o mito de Ulisses recebe em nossa cultura, quanto a relevância da individuação dentro das teorias junguiana e pós-junguiana, justificam a tentativa de compreendê-lo como uma metáfora do processo conforme descrito por Jung. Além disso, na Odisseia, Ulisses passa por diversas situações que podem ilustrar, de maneira muito rica, o processo de individuação que Jung descreve – por meio de seu embate com Posídon, de seu encontro com Circe, com Calipso, com Nausícaa, da ajuda que recebe de Hermes e da proteção que recebe de Atena, de sua descida ao Hades, e de seu retorno para Penélope, por exemplo. (SAID, 2019, p.12)

A partir dessa perspectiva, é possível afirmar que uma ótima analogia para a Individuação é a de uma jornada. Como a Jornada do Herói, as procissões religiosas, as peregrinações e a maneira como o ser humano associa o ato de percorrer longos caminhos com a transcendência e aquisição de conhecimento. Através do sofrimento vem a recompensa do autoconhecimento e o aperfeiçoamento das noções acerca do self; para alguns esse self é uma divindade e seus desígnios, para outros é aquilo que te aproxima mais de si mesmo em essência.

A Individuação e o caminho em Journey

Em Journey, o Viajante deve solucionar enigmas e usar suas habilidades místicas para perseguir seu objetivo final, que é chegar ao topo do grande monte com o imenso feixe de luz. Suas habilidades incluem flutuar pelas areias do deserto com a ajuda de pequenos pedaços de tecido, parecidos com suas roupas, estes que sempre brilham quando o personagem se aproxima deles também integram parte de sua roupa em determinados momentos.

Nas paredes dos templos, as escrituras e imagens denotam que o Viajante pertence a uma raça de seres que vivem em função da luz da montanha, essa luz tem seus indícios nessas paredes e na própria aparência das habilidades do personagem, que pulsam na mesma cor e parecem emanar da mesma fonte – algo mítico, transcendente e interno; talvez uma analogia a alma e ao Inconsciente Coletivo.

 

Fonte: encurtador.com.br/jEQ17

 

À medida que o jogador avança, parece trilhar um caminho de desafios e percalços, que envolve muito aprendizado simbólico, em busca da literal luz no topo da montanha mais alta, onde aparentemente todas as questões vão ser respondidas. Durante o percurso, outros seres misteriosos muito semelhantes a você aparecem para te ajudar e interagir com você, o que chega a ser surpreendente, pois não se espera contato humano dentro de um percurso tão solitário.

Na parte final do caminho, o Viajante e um indivíduo misterioso devem escalar a montanha final. Uma tempestade gelada tenta varrer qualquer intruso da montanha, com ventos fortes e impiedosos. Auxiliando um ao outro, os dois seres devem se manter aquecidos com a luz vital que pulsa dentro de cada um, para que possam prosseguir; e de maneira tocante essa caminhada se encerra com os dois, companheiros de viagem, dando passos curtos, porém firmes até a derradeira luz.

 

Fonte: encurtador.com.br/zIJ27

 

A partir daí é interpretativo. A Iluminação foi alcançada? Ou só o fim de uma jornada para o começo da próxima? Esse mistério é para a vida, como bem disse Vergueiro (2008, p.129) “além disso, essa passa a ser uma das dificuldades encontradas para a compreensão do pensamento de Jung, já que, para ele, o enigma é parte da vida”, talvez nós nunca sejamos capazes, em um curto período de vida, de transcender, de integrar todos os aspectos, mas o aprendizado que adquirimos no caminho percorrido nunca sumirá das partes mais profundas da mente. 

Fonte: encurtador.com.br/vBDJT

Referências:

VERGUEIRO, Paola Vieitas. Jung, entrelinhas: reflexões sobre os fundamentos da teoria junguiana com base no estudo do tema individuação em Cartas. Psicologia: teoria e prática, v. 10, n. 1, p. 125-143, 2008.

SAID, Leticia Gonçalves et al. O mito de Ulisses como metáfora do processo de individuação masculino no modelo junguiano. Dissertação de Mestrado. 2019.

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A Chegada: os limites da linguagem moderna

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O filme A Chegada (2016), trata da invasão de alienígenas na Terra e da tentativa de descoberta de uma forma de comunicação com eles. Irei tratar nesse texto a simbólica presente na comunicação e no simbolismo do inconsciente representado pelas naves alienígenas.

O filme inicia com a chegada de 12 naves extraterrestres em 12 pontos do planeta. Não sei dizer se foi a intenção do roteiro, mas faço uma alusão à mandala astrológica, com os 12 signos e as 12 casas. A mandala astrológica é um símbolo da totalidade que une os 4 elementos que constituem a formação do planeta e do ser humano, com 3 modalidades, ou seja, com 3 formas da energia psíquica (ou libido) se orientar.

Sobre as naves alienígenas, Carl Jung (1991) aponta que é um assunto tão problemático que não pôde ser definido em sentido algum com a desejável clareza, embora nesse ínterim se tenha acumulado um vasto arsenal de experiência. Por isso levantou que se trata, devido a sua complexidade, de um acontecimento psíquico também.

Fonte: goo.gl/Za6Fm5

Para Jung (1991), o formato circular das naves alienígenas representa a totalidade. Uma vez que a imagem circular é um símbolo da alma e imagem de Deus:

“Eles são manifestações de impressionante totalidade, cuja simples “circularidade” representa propriamente aquele arquétipo que, conforme a experiência, desempenha o papel principal na unificação de opostos, aparentemente incompatíveis, e que por esse mesmo motivo corresponde, da melhor forma, a uma compensação da dissociação mental da nossa época.”

Ele ordena também situações caóticas e coloca o indivíduo novamente na trilha do seu processo de individuação, proporcionando a personalidade uma totalidade e unidade maiores.

Se analisarmos o filme no sentido coletivo, a simbólica da invasão alienígena representa uma mudança e um despertar para questões da alma e do inconsciente. No nível pessoal, a personagem da linguista, a Dra. Louise Banks, passa por uma transformação profunda e o contato com os extraterrestres a faz compreender o significado do inconsciente.
Ela não somente desvenda os sinais enviados pelos extraterrestres, ela compreende o significado mais profundo de sua vida e o fenômeno da precognição.

Fonte: goo.gl/kSqo28

O inconsciente coletivo, para Jung, é uma camada inata e herdada pela humanidade, portanto é universal. Lá estão os modos de comportamento que são iguais em toda parte e para qualquer indivíduo. É a natureza suprapessoal que existe em todo indivíduo.

Jung (2008) aponta a natureza peculiar do inconsciente coletivo, pois há nele uma qualidade não-espacial e atemporal: “A prova empírica deste fato encontra-se nos chamados fenômenos telepáticos que, no entanto, ainda são negados por um ceticismo exagerado, mas que na realidade ocorrem com muito mais frequência do que em geral se acredita.”

A linguagem simbólica dos extraterrestres também representa a natureza do inconsciente, que se comunica conosco por meio de símbolos. Basta observar os produtos do inconsciente como os sonhos, os mitos, os contos de fadas, a alquimia. Todos eles possuem uma linguagem que não é cartesiana, dirigida e ordenada, mas simbólica e com uma força numinosa tremenda.

O ato e a dificuldade em tentar decifrar a linguagem dos extraterrestres, mostra a dificuldade que o homem moderno, acostumado com a linguagem dirigida da consciência, tem em relação ao que é tido como irracional.
A linguagem simbólica é a base alicerce de nossa civilização e o berço de nova vida. É do símbolo e do ritualístico que surge a nova ciência. A química clássica se originou da alquimia, bem como a astronomia se originou da astrologia.

A personagem principal compreende a mensagem, que transmite o sentido do irracional. Aquilo que Jung denomina Sincronicidade, ou seja, a simultaneidade de dois eventos ocorrendo, tanto no inconsciente quanto na realidade é possível de ser compreendido e aceito, e ocorre no filme.

Fonte: goo.gl/9MCYG1

A mensagem representa a essência do inconsciente. Estamos todos conectados pelo inconsciente coletivo e esse não tem tempo e espaço. Os fenômenos sincronísticos, os sonhos premonitórios, a intuição, também fazem parte da dinâmica psíquica humana.

A representação simbólica do Self e da totalidade pelos OVNIS, trazem para a humanidade a união dos opostos, a coniunctio superior (Edinger, 2006). Que é a meta do processo de individuação, a união daquilo que a principio parece impossível de ser integrado.

Vemos no filme, não somente a união do feminino e masculino, mas também do consciente e do inconsciente, da razão e do irracional. A heroína compreende isso e passa a mensagem a humanidade. Porém, há mais um ponto que quero salientar.
Ela, por meio da interpretação da mensagem simbólica dos extraterrestres – uma analogia ao processo da análise junguiana, que busca a interpretação das mensagens do inconsciente – conhece o seu destino, e sabe que, mesmo com o sofrimento inerente ao processo, deve aceita-lo e o aceita.

Conhecer nosso destino e aceitá-lo, vivê-lo da forma mais plena possível, mesmo sabendo que o sofrimento estará lá nos esperando, não tira a beleza do que a vida pode nos proporcionar. Aceitar a alegria, o amor e a tristeza é o maior ato de heroísmo que podemos ter. A união dos opostos consiste em aceitarmos luz e sombra, alegria e dor. Isso é dizer sim a vida!

REFERÊNCIAS:

EDINGER, E.F. Anatomia da psique: O simbolismo alquímico na psicoterapia. São Paulo, Cultrix: 2006.

JUNG, C.G. A Natureza da Psique. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

JUNG, C.G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

JUNG, C.G. Um mito moderno sobre as coisas vistas no céu. Petrópolis, RJ: Vozes, 1991.

FICHA TÉCNICA
A CHEGADA

Fonte: goo.gl/6xFsYQ

Diretor:  Denis Villeneuve
Elenco:  Amy Adams, Jeremy Renner, Forest Whitaker
Gênero:  Ficção científica
Ano: 2016

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