Lágrimas e Esperança: uma análise de ‘Um caso perdido’ de Colleen Hoover

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“Um caso perdido” é um livro da conhecida autora americana de best-sellers Colleen Hoover publicado em 2012 que repercute até os dias atuais por seu enredo comovente envolvendo uma adolescente de 18 anos chamada Sky que, de forma inesperada, se apaixona por um garoto intrigante chamado Holder. Com o desenrolar da história, muitas descobertas surpreendentes e impactantes são vivenciadas por Sky e seu relacionamento com Holder é parte fundamental para ela se manter emocionalmente estável.

O livro trata de muitas questões sensíveis de serem lidas e imaginadas, questões essas envolvendo abuso sexual, sequestro e bloqueio emocional. Vivenciar tais situações na adolescência pode trazer algumas consequências, e no exemplo da protagonista foi observado que a forma que ela encontrou para lidar com esses acontecimentos traumáticos foi esquecendo, sim, esquecendo. Ela esqueceu que o pai era quem a violentou quando era criança, esqueceu que a tia um dia simplesmente a levou da sua casa, mudou de cidade e que a polícia notificou o acontecido como desaparecimento. E aí eu me pergunto, quantos outros adolescentes gostariam de esquecer suas vivências?

Apesar de tais questionamentos serem de grande importância, o que me faz refletir sobre o livro é o papel que os relacionamentos amigáveis e amorosos têm no período da adolescência e o quanto isso, muitas vezes, é negligenciado pelos responsáveis e visto como algo prejudicial. Pelo menos para Sky, o fato de gostar de Holder tornou suas descobertas e recuperação da memória algo possível de ser superado por saber que tinha alguém ao seu lado com quem ela poderia contar. No final das contas, tudo tem relação com os sentimentos, com o amor, e principalmente na adolescência, onde tudo é mais intenso. 

A perda nesta fase da vida é um divisor de águas para a saúde mental. No caso de Sky, que perdeu a mãe e, de certa forma, perdeu o pai e a vida que estava construindo, essa perda a fez se questionar sobre tudo e bloquear inclusive sentimentos, já que era difícil para ela confiar nas pessoas, apesar de não lembrar da sua história de sofrimento. Ela acreditava que a mulher que a criava era sua mãe e que não tinha conhecido seu pai, pois a verdade era dolorosa demais para ser vivida novamente com lembranças. É interessante como nosso cérebro cria situações na intenção de nos proteger. Holder conseguiu quebrar toda essa barreira que impedia Sky de sentir amor, e, à medida que ela foi se lembrando do passado e ele foi vivenciando toda a dor que ela passou, isso quase foi motivo de colocarem um fim na relação, mas, afinal, o que pode ser mais forte que o amor de dois adolescentes que só conheciam a dor?

 

Fonte: Record Ltda.

Ficha técnica

Título: Um caso perdido (Vol. 1 Hopeless)

Autora: Colleen Hoover

Ano: 2022

Editora do livro: Editora Record Ltda.

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É Assim que Acaba: rompendo com o ciclo de violência doméstica

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Em sua obra mais íntima, Colleen Hoover tece palavras com cuidado e empatia, explorando de maneira sensível a realidade vivenciada por muitas mulheres brasileiras.

O livro “É Assim que Acaba” de Colleen Hoover, publicado em 2018, ganhou destaque graças às tendências no aplicativo TikTok, tornando-o o livro mais vendido no Brasil em 2022. Essa popularidade renovada pode ser atribuída à maneira sensível e direta em que a autora aborda questões como violência doméstica e relacionamentos abusivos, temas que são muito presentes na realidade brasileira. De acordo com a 10ª Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher, feita pelo Instituto DataSenado em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência (OMV), 3 a cada 10 brasileiras já foram vítimas de violência doméstica

Na narrativa, somos apresentados a Lily Bloom, uma mulher que está lidando com a recente perda de seu pai. Ao contrário do sentimento de luto, Lily experimenta um sentimento de alívio. Isso se deve ao fato de que, ao longo de sua vida, ela testemunhou a relação violenta entre seu pai e sua mãe, presenciando gritos, golpes, tentativas de estupro e agressões. Por isso, Lily faz a si mesma uma promessa: nunca permitirá entrar em um relacionamento abusivo, nunca permitirá que sua vida siga o mesmo caminho que a de sua mãe.

Apesar de ter sido criada em um ambiente que a preparou para reconhecer comportamentos abusivos e ter a certeza de que não se tornaria vítima de violência doméstica, Lily começa a experimentar essa mesma violência. Os chamados “acidentes”, nos quais seu namorado perde o controle durante acessos de raiva, explodindo, mas alegando não ter a intenção de machucá-la, acontecem rapidamente e sem aviso prévio. Assim, Lily se vê testando seus próprios limites, convencendo-se de que ele é uma pessoa boa, mesmo sabendo que talvez esteja trilhando o mesmo caminho que sua mãe.

Porém, Lily tem apoio de diversas pessoas como sua cunhada e um amor de infância que a auxiliam a ter forças para sair desse cenário repleto de violência. E é neste ponto que se separa a ficção da realidade: muitas vezes a rede de apoio para as vítimas de violência doméstica é frágil, falha ou simplesmente inexistente. Neste sentido, urge-se um maior conhecimento acerca de como ocorre a violência doméstica e a quem recorrer.

Apesar de a violência doméstica ter várias faces e especificidades, a psicóloga norte-americana Lenore Walker (1979) identificou que as agressões cometidas em um contexto conjugal ocorrem dentro de um ciclo que é constantemente repetido. Ele é composto por três etapas: a fase da tensão (quando começam os momentos de raiva, insultos e ameaças, deixando o relacionamento instável), a fase da agressão (quando o agressor se descontrola e explode violentamente, liberando a tensão acumulada) e a fase da lua de mel (o agressor pede perdão e tenta mostrar arrependimento, prometendo mudar suas ações). Esse ciclo se repete, diminuindo o tempo entre as agressões e tornando-se torna sempre mais violento. E estas fases podem ser muito bem identificadas ao longo da obra desde o primeiro “acidente” com Ryle, conforme no trecho:

“- me desculpe mesmo. Foi só que… Eu queimei minha mão. Entrei em pânico. Você estava rindo e…me desculpe mesmo, Lily, aconteceu muito rápido. Eu não queria te empurrar, Lily, me desculpe.

Dessa vez, não escuto a voz de Riley. Tudo que ouço é a voz do meu pai.

‘Desculpe Jenny. Foi um acidente. Me desculpe mesmo.’

[…]

Estou morrendo de raiva, mas de algum modo ainda consigo ficar preocupada.” (P.186)

 

As razões pelas quais as mulheres vítimas de violência guardam silêncio sobre o abuso são diversas e complexas, incluindo sentimentos como vergonha, medo e constrangimento. Por outro lado, os agressores muitas vezes procuram construir uma imagem de si mesmos como parceiros ideais e pais exemplares, o que dificulta ainda mais para a mulher revelar a violência. Portanto, é absurdo sugerir que uma mulher permanece em um relacionamento abusivo por opção. À medida que o tempo avança, os períodos entre as fases diminuem, e as agressões podem ocorrer sem seguir uma ordem definida. Em certos casos, o ciclo de violência culmina no feminicídio. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o Brasil registrou 1.463 casos de mulheres que foram vítimas de feminicídio em 2023. Ou seja, cerca de 1 caso a cada 6 horas, sendo o maior número registrado desde que a lei contra feminicídio foi criada, em 2015.

No dia 7 de agosto de 2006, foi promulgada a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340), uma peça fundamental no combate à violência contra a mulher. Elaborada com o intuito de responsabilizar os agressores no ambiente familiar e, consequentemente, dissuadir futuros atos violentos, esta legislação estabeleceu novos fundamentos jurídicos para enfrentar esse tipo de crime e aumentou a severidade das punições. Doze anos após sua promulgação, em 2018, apesar do aumento nas denúncias e condenações, a violência doméstica ainda era uma triste realidade para muitas mulheres no Brasil. Nesse contexto, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) firmaram um protocolo de intenções com o objetivo de facilitar o acesso a um atendimento integral e multidisciplinar para mulheres e seus dependentes em situação de violência doméstica e familiar.

Ainda assim, dada a complexidade dos casos, há mulheres que não conseguem realizar a denúncia. Uma das razões que justifica essa relutância em fazer uma denúncia é a dependência econômica, como explicou a delegada e presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, Ione Barbosa. “Tal situação se agrava ainda mais quando o casal tem filhos menores, o que torna a mulher resistente a fazer a denúncia, já que, em tal circunstância, esse ato os colocaria em risco”, afirma. (2021) E é nesse viés que a autora retorna à realidade: Lily nunca chega a fazer nenhum tipo de denúncia de suas violências e, mesmo com testemunhas e inúmeras provas físicas das agressões que sofreu, Ryle nunca encara a justiça acerca de suas ações.

Ao menos, a personagem principal, Lily, consegue se desvencilhar dos ciclos de violência que permearam sua vida e se permite experienciar um relacionamento saudável com Atlas, seu amor de infância que a auxilia durante todo o processo de separação.

O cerne deste protocolo é garantir que as mulheres vítimas de violência sejam assistidas sob uma perspectiva psicológica, sem culpabilização, buscando promover sua autonomia e fortalecer seus laços sociais e comunitários. Para tanto, pretende-se estabelecer parcerias entre os tribunais de Justiça, os Conselhos Regionais de Psicologia (CRPs) e as universidades, a fim de viabilizar esse atendimento integral. Além disso, ao trabalhar na área da formação, o protocolo visa formar uma nova geração de profissionais familiarizados com essa temática, aproveitando a função dupla dos serviços-escola de Psicologia, que além de oferecer atendimento à população, também proporcionam condições para o treinamento dos estudantes de Psicologia.

Além disso, partir da Pesquisa sobre as Práticas da(o) Psicóloga(o) em Programas de Atenção às Mulheres em Situação de Violência, conduzida pelo Centro de Referências Técnicas em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP) em 2008, observou-se que, de maneira geral, os participantes dos grupos nas diferentes unidades regionais descreveram as intervenções da Psicologia como centradas principalmente no acolhimento, na avaliação, na elaboração de laudos e pareceres, nos atendimentos individuais e em grupo, e no encaminhamento das mulheres aos serviços complementares da rede. Esses profissionais prestam assistência a mulheres em diversas situações de violência, como violência sexual, doméstica, física e psicológica, por exemplo. Em alguns casos, também oferecem atendimento ao agressor, dependendo da especificidade dos serviços prestados no local onde atuam

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Qualquer pessoa pode fazer uma denúncia (anônima ou não) pela Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180): é um serviço gratuito, que funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana. A denúncia será encaminhada aos órgãos competentes. A ligação não substitui a ida da vítima à delegacia, pois não abre um boletim de ocorrência.

 

Título: É assim que acaba
Autor: Colleen Hoover
Editora: GALERA RECORD
Número de Páginas:  368
Ano de Publicação: 2018

 

Referências

HOOVER, Colleen. É Assim que Acaba. 32 Edição. Galera, 2018

 Agencia Senado. DataSenado aponta que 3 a cada 10 brasileiras já sofreram violência doméstica. Disponível em<:https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/11/21/datasenado-aponta-que-3-a-cada-10-brasileiras-ja-sofreram-violencia-domestica>. Acessado em 12 mar. 2024.

 BRASIL. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Disponível em <: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm. >. Acessado em 12 mar. 2024.

WALKER, Lenore. The battered woman. New York: Harper and How, 1979.

PENHA, Maria da. Sobrevivi… posso contar. 2. ed. Fortaleza: Armazém da Cultura, 2012.

BRASIL. Lei Maria da Penha completa 12 anos <: https://site.cfp.org.br/tag/violencia-domestica/ >. Acessado em 12 mar. 2024.

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Vinicius de Moraes: o poetinha da música, da literatura, do teatro e da dramaturgia

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“As muito feias que me perdoem, mas beleza é fundamental”.
Vinicius de Moraes

A conhecida frase pertence ao poema “Receita de Mulher”, de Vinicius de Moraes. O “Poetinha” não foi somente poeta, mas sua obra passa pela literatura, pelo teatro, pela música, pelo cinema. Aliás, Vinicius de Moraes foi, sobretudo, um conquistador, um amante das mulheres. Casou-se nove vezes e era um boêmio inveterado. Também era fumante e apreciador de uísque.

Vinicius de Morais nasceu no dia 19 de outubro de 1913, no bairro da Gávea, no Rio de Janeiro. Cresceu no bairro de Botafogo e mais tarde na Ilha do Governador. Estudou na Faculdade de Direito do Catete. Estudou língua e literatura inglesas na Universidade de Oxford a partir de uma bolsa do Conselho Britânico. Em 1941, retornou ao Brasil empregando-se como crítico de cinema no jornal “A Manhã”.

O poeta ingressou na diplomacia em 1943, quando foi aprovado no concurso para o Ministério das Relações Exteriores. Por causa da carreira diplomática, Vinicius de Morais viajou para Espanha, Uruguai, França e Estados Unidos, mas não perdeu contato com a cultura do Brasil.

Vinicius de Moraes começou a tornar-se conhecido a partir da peça “Orfeu da Conceição”, em 1956. A década de 1950 foi quando a sua carreira musical também começa a ser conhecida, quando conheceu Tom Jobim e suas composições foram gravadas por inúmeros artistas. O período áureo para o poeta ocorreu na década de 60, já que as parcerias com Baden Powell, Carlos Lyra e Francis Hime também firmaram-se, além das parcerias com Chico Buarque e João Gilberto. O parceiro Toquinho viria na década de 1970, quando já era consagrado e lançou álbuns e livros que alcançaram de grande sucesso.

A noite de 9 de julho de 1980, ao acertar detalhes com Toquinho sobre as canções do álbum “Arca de Noé”, Vinicius alegou cansaço e retirou-se para um banho. Durante a madrugada do dia seguinte o poeta foi encontrado pela empregada, na banheira de casa, com dificuldades para respirar. Toquinho e Gilda Mattoso (a última esposa do poeta) tentaram socorrê-lo, mas não houve tempo e Vinicius de Moraes morreu pela manhã, de isquemia cerebral.

A música

Sua produção musical é vasta. É considerado um dos precursores da bossa nova. Não há quem não conheça uma música do Poetinha. Entre suas músicas podemos citar a “Garota de Ipanema”, “Gente Humilde”, “Aquarela”, “A Casa”, “Arrastão”, “A Rosa de Hiroshima”, “Berimbau”, “A Tonga da Mironga do Kaburetê”, “Canto de Ossanha”, “Insensatez”, “Eu Sei Que Vou Te Amar” e “Chega de Saudade”.

O poeta foi premiado com a Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes e o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro com a composição da trilha sonora do filme “Orfeu Negro”. Em 1961, compõe “Rancho das Flores”, baseado no tema “Jesus, Alegria dos Homens”, de Johann Sebastian Bach. Também ganhou o Primeiro Festival Nacional de Música Popular Brasileira, com a música “Arrastão”, em parceira com Edu Lobo.

No entanto, a parceria com o músico Toquinho é considerada a mais produtiva, uma vez que rendeu músicas importantes como “Aquarela”, “A Casa”, “As Cores de Abril”, “Testamento”, “Maria Vai com as Outras”, “Morena Flor”, “A Rosa Desfolhada”, “Para Viver Um Grande Amor” e “Regra Três”.

Além disso, participou em shows e gravações com cantores e compositores importantes como Chico Buarque de Holanda, Elis Regina, Dorival Caymmi, Maria Creuza, Miúcha e Maria Bethânia. O Álbum Arca de Noé foi lançado em 1980 e teve vários intérpretes, cantando músicas de cunho infantil. Esse Álbum originou um especial para a televisão e agora está sendo relançado com as músicas regravadas por cantores como Zeca Pagodinho e Adriana Calcanhoto. O lançamento deste álbum é para comemorar os 100 anos do nascimento do poeta.

A literatura

Na literatura, sua produção poética passou por duas fases. A primeira é carregada de misticismo e profundamente cristã, como expressa em “O Caminho para a Distância” e em “Forma e Exegese”. A segunda fase tem como tema o cotidiano, e nela se ressalta a figura feminina e o amor, como em “Ariana, A Mulher”.

Além disso, a poética de Vinícius também inclina-se para os grandes temas sociais do seu tempo. O carro chefe é “A Rosa de Hiroshima”, em que ele faz uma referência à Segunda Guerra Mundial e ao bombardeio nuclear nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki que, no dia 6 de agosto de 1945, em uma demonstração de força nuclear estadunidense, a cidade de Hiroshima foi completamente destruída pela Little Boy, como era denominada a bomba nuclear:

A Rosa de Hiroshima

Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A antirrosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.

A parábola “O Operário em Construção” alinha-se entre os maiores poemas de denúncia da literatura nacional, em que descreve o trabalho como base da vida humana; descrevendo o processo de tomada de consciência de um operário, partindo de uma situação de completa alienação: “tudo desconhecia / de sua grande missão”, sem saber “que a casa que ele fazia / sendo a sua liberdade/ era a sua escravidão”.

Entretanto, a poesia de Vinícius de Moraes é mais conhecia por seus sonetos. O diplomata, dramaturgo, jornalista, poeta e compositor brasileiro encanta a todas as gerações com um tipo de poema, cuja forma (fixa) era pouco era cultivada em seu tempo.

Soneto de separação

Oceano Atlântico, a bordo do Highland Patriot, a caminho da Inglaterra, setembro de 1938

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

O soneto de fidelidade é um dos mais conhecidos, teve sua versão musical e encanta os leitores:

Soneto de Fidelidade

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure

As rimas, o ritmo, a sonoridade, os processos figurativos estão marcados na poesia infantil do poeta. Não poderíamos deixar de mencioná-la. E, para terminar nossa conversar, saio correndo porque “passa o tempo, tic-tac”…

Relógio

Passa tempo, tic-tac Tic-tac, passa, hora
Chega logo tic-tac Tic-tac, e vai-te embora
Passa, tempo
Bem depressa
Não atrasa
Não demora
Que já estou
Muito cansado
Já perdi
Toda a alegria
De fazer
Meu tic-tac
Dia e noite
Noite e dia
Tic-tac Tic-tac
Tic-tac.

Leia mais, conheça mais em: http://www.viniciusdemoraes.com.br/site/

MORAIS, Vinicius (organização de Antonio Cicero e Eucanaã Ferrasz). Nova Antologia Poética.1a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

MORAIS, Vinicius (texto de José Castello). Livro de Letras. 1a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

CASTELLO, JOSÉ. Vinicius de Moraes: o poeta da paixão. 1a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

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