Psicologia Política e política como práxis da psicologia brasileira

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Gustav Le Bon estudou sobre o comportamento político em 1895 quando fez uso da temática massas eleitorais, e fomentou discussões sobre a interferência dos livros e dos jornais no processo de formação da opinião pública (LHULLIER, 2008). A psicologia aproximou-se da política nas obras de Freud, onde ele demonstrava interesse no que tange ao poder, civilização e pactos sociais, e a psicanálise propôs-se a substituir as questões filosóficas acerca da política racional pela análise das origens da dominação, leis de submissão que fazem parte do pacto social, ou laço social (FREUD, 1937).

 O pacto social ou laço social possui três modalidades: analisar, educar e governar, que de acordo com Freud são impossíveis de serem concluídas por completo, pois de acordo com a compreensão de sujeito e sociedade dele, existe a limitação no processo de dominação, escravização e normatização total a modelos sociais impostos ou almejados (FREUD, 1937)

Conforme Freud (1937), a psicanálise não se limita apenas a investigar o inconsciente apresentado nas práticas sociais, porém deve tornar visível a dimensão política que é apresentada na clínica.  A etimologia do termo política vem do grego, pólis –, os regimes de governo, os reinos, os sistemas republicanos, enfim, o funcionamento dos poderes públicos.

Fonte: encurtador.com.br/bxDN0

A psicologia política propõe-se a estudar as estruturas sociais com a finalidade de contribuir para modificações progressivas e o bem-estar coletivo (Penna, 1995). A psicologia comprometida com a transformação das conjunturas sociais aproxima-se com a teoria social crítica da Escola de Frankfurt, que possui o objetivo de romper com a neutralidade das ciências sociais e engaja-se de forma ativa dentro da sociedade, contribuindo para a construção de uma sociedade igualitária. Política não é excluir a referência à postura política institucional, como governo, partidos e representantes, porém é a expansão do seu significado para agrupar outros fenômenos relevantes da vida política (LHULLIER, 2008).

De acordo com Greenstein (1973), existem conexões complexas e na maioria das vezes indiretas que ligam fenômenos psicológicos e políticos, e que só são possíveis de serem estudados através da psicologia política. A Psicologia Política é a interação entre processos psicológicos e fenômenos políticos, e Deutsch (1983) afirma:

“A psicologia política visa estudar a interação de processos políticos e psicológicos, isto é, envolve uma interação de mão dupla. Assim como as habilidades, limites cognitivos afetam a natureza do processo de tomada de decisão política, também a estrutura e o processo de tomada de decisão política afetam as habilidades cognitivas. Dessa forma, crianças e adultos de cinco anos,  apesar das diferenças cognitivas, ideias muito diferentes serão formadas sobre as estruturas e processos políticos; Da mesma forma, certos tipos de estruturas e processos políticos favorecerão o desenvolvimento de certas características em adultos (inteligência, autonomia, reflexão, ação), em tanto que outros incentivam o desenvolvimento de habilidades cognitivas semelhantes às criança (imaturidade, passividade, dependência, ausência de espírito crítico) “(DEUTSCH, p. 240, tradução nossa).

Fonte: encurtador.com.br/sJV02

Martín-Baró (1991) aponta que o comportamento político consiste em tudo o que é feito dentro do Estado, e os protagonistas dessas ações são as instâncias, os cidadãos, os representantes, portanto, trata-se de uma ideia institucionalista da política. O autor utiliza o poder como uma forma de compreensão da política, pois considera o poder como um dos principais aspectos da vida social, o eixo fundamental.

Martín-Baró denota que o poder é intrínseco à vida política e social de modo geral, diante disso pode ser utilizado como componente capaz de diferenciar o comportamento político do comportamento não político, e define que: “ todo comportamento interpessoal ou intergrupal supõe algum grau de poder, por menor que seja, e consequentemente, seria político. “(Martín-Baró, 1991, p. 41). Por conseguinte, para que seja possível compreendermos o comportamento como político, é preciso analisar o impacto que ele provoca numa ordem social (Martín-Baró, 1991).

A ATUAÇÃO POLÍTICA DA PSICOLOGIA NO BRASIL

Em 1980, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) ao lado do Sistema Conselhos de Psicologia notaram que suas atuações não deveriam estar restritas somente ao âmbito da regulamentação e da prática profissional, mas que deveria abarcar também às questões político-sociais do Brasil, visando a luta para tornar os processos sociais e políticos democráticos (HUR e LACERDA JÚNIOR, 2017).

Hur (2012) aponta que o CFP participou do movimento civil Diretas Já e da Constituição Cidadã, lutando pela democracia, igualdade, direitos humanos e equidade, e na década de 90, o CFP evidenciou o compromisso social da psicologia, iniciando os anos 2000 com fortes posicionamentos da psicologia dentro das políticas públicas, dando voz e força a uma psicologia plural, que possui práticas abrangentes para diversas áreas e que dedica-se as políticas sociais, lutando pela transformação psicossocial.

Fonte: encurtador.com.br/kY289

O Conselho Federal de Psicologia desde o passado tem adotado posicionamentos e práticas que contribuem para que a sociedade, pois a luta consiste numa construção democrática e justa, que seja concebida em moldes igualitários e buscando aniquilar fatores que provoquem sofrimento psicossocial (HUR, 2012).

Sobre a relação entre a Psicologia e Política, Hur e Lacerda Júnior (2017) afirmam que:

“não só o CFP assume posicionamentos políticos, como também a própria Instituição Psicologia, seus saberes, dispositivos técnicos de intervenção e seus atores sociais (psicólogas[os]). Pois suas práticas sempre estão posicionadas social-historicamente e exercem relações de forças que culminam na gestão da vida, tanto individual, como social. É inegável que a atuação do psicólogo no Sistema Único de Assistência Social (SUAS) exerce relações de forças que podem transformar a vida da comunidade. É inegável que a atividade do psicólogo no seu consultório privado, ou mesmo um psicodiagnóstico, altera as relações de forças de um indivíduo consigo próprio e com seu entorno, no qual ele pode reconfigurar e assumir não só um novo posicionamento existencial, mas também político, porque se atualizam ali novas relações de forças e desejantes” (HUR e LACERDA JÚNIOR, 2017, p. 3-4)

Dessa maneira, apesar que existam profissionais da psicologia que não consigam comtemplar o lado político de suas atuações profissionais, “sempre há produção de regimes de poder em suas intervenções profissionais” (HUR e LACERDA JÚNIOR, 2017, p. 4). Os autores defendem que não existem práticas psicológicas e científicas que podem ser exercidas de maneira neutra, visto que existe uma microfísica das relações de poder presentes nas práticas sociais. Conforme Prof. Pedrinho Guareschi apud Hur e Lacerda Júnior (2017): “Se ignoramos a política, nos tornamos vítima dela”.

Fonte: encurtador.com.br/dZ256

Durante e após a ditadura militar, a psicologia levantou e produziu conhecimento científico sobre os impactos da violência de Estado e dos regimes opressores constituídos na ditadura, tendo como objetivo questões de cunho psicoterápico e político, onde a elaboração de traumas provocados pela ditadura era trabalhada em paralelo com a produção de narrativas acerca dos fatos da época, buscando informações que iam além do que era fornecido e divulgado por meio dos meios oficiais que era utilizados no regime (HUR e LACERDA JÚNIOR, 2017).

Entretanto, observamos que os ataques as investidas contra a democracia e aos direitos sociais não são exclusivos do passado, pois no presente vimos a execução de outro golpe político, de cunho parlamentar no ano de 2016, que atacou diretamente a Resolução 01/99 do CFP, além de praticar censura à arte, regressão no âmbito do trabalho e o crescimento da onda de conservadorismo que direcionava inúmeros ataques às minorias (MACHADO, 2017).

O papel da Psicologia é fundamental na luta pelos direitos humanos, pela democracia e contra todos os tipos de opressão, e diante da fragilidade da democracia do Brasil, devemos nos manter em alerta constante, visto que os sinais de resquícios da ditadura civil-militar continuam evidentes na sociedade ainda nos dias de hoje.

REFERÊNCIAS

FREUD, Sigmund. Análise terminável e interminável. In: EDIÇÃO Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Ed. Imago, vol. XXIII 1980. 1937

GREENSTEIN, E: “Political Psycholgy: a pluralistic universe”, en KNUTSON, J. N.,  Handbook of political psychology. Jossey-Bass Publishers. San Francisco, 1973.

HUR, Domenico Uhng. Esquizoanálise e política: proposições para a Psicologia Crítica no Brasil. Teoría y Crítica de la Psicología, (3), 264-280. 2013

HUR, Domenico Uhng; LACERDA JUNIOR, Fernando. Psicologia e Democracia: da Ditadura Civil-Militar às Lutas pela Democratização do Presente. Psicol. cienc. prof. , Brasília, v. 37, n. spe, p. 3-10, 2017. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932017000500003&lng=en&nrm=iso>. acesso em 14 de agosto de 2020.  https://doi.org/10.1590/1982-3703190002017

HUR, Domenico Uhng.U. (2012). Políticas da psicologia: histórias e práticas das associações profissionais (CRP e SPESP) de São Paulo, entre a ditadura e a redemocratização do país. Psicologia USP, 23(1), 69-90. https://doi.org/10.1590/S0103-65642012000100004

HUR, Domenico Uhng, & Lacerda Jr., F. (2017). Ditadura e insurgência na América Latina: Psicologia da Libertação e resistência armada. Psicologia: Ciência e Profissão, 37(num esp), 28-43.

LHULLIER, Louise A. A psicologia política e o uso da categoria “representações sociais” na pesquisa do comportamento político. In ZANELLA, AV., et al., org. Psicologia e práticas sociais [online]. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2008.

MARTÍN BARÓ, Ignacio.: “Métodos en psicología política”, en MONTERO, M. (Coor.):  Acción y discurso. Problemas de la psicolgía política en América Latina. Eduven. Caracas, 1991.

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Karl Marx: Sociedade como expressão de luta de classes

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Nascido na Alemanha em 1818, Karl Marx foi um dos pilares da chamada “era da revolução” no pensamento Ocidental. Ele chocou muitos de seus contemporâneos (e fascinou muitos outros que viriam depois de sua morte) ao defender que a história humana poderia ser “reduzida a uma única fórmula”, a fórmula do constante conflito entre as classes sociais dominantes e as classes mais baixas, cujo combustível é, em última medida, a própria economia.

Marx tem um conjunto de escritos que extrapola o viés econômico e abrange, sobretudo, questões sociais, políticas e filosóficas. Inclusive ele foi eleito pelos ingleses, na década passada, como o maior filósofo de todos os tempos¹. Além disso, é tido como um dos pensadores centrais da Sociologia moderna, ao lado de Émile Durkheim e Max Weber. Sua obra é conhecida por enfocar a chamada “ditadura da burguesia” sobre os extratos menos favorecidos; a tensão dessa luta de classes fortalece, invariavelmente, os mais ricos, que usam de todos os artifícios para se manter no poder. No entanto, de acordo com o alemão, essa dinâmica típica do capitalismo produz “tensões internas que conduziriam à sua autodestruição”. A saída para este panorama hostil seria o socialismo.

No “Manifesto Comunista”, Karl Marx (em parceria com Friedrich Engels) acreditava ter “alcançado um insight excepcionalmente importante sobre a natureza da sociedade através dos tempos”. Ou seja, as análises históricas anteriores teriam “pecado” por ter focado apenas o papel de determinadas pessoas, em suas ações individuais ou conjunto de ideias; teria havido uma negligência de análise mais global cujo foco principal era os conflitos entre classes. “Foram os conflitos entre as classes, Marx afirmou, que provocaram mudanças revolucionárias”.

Com tom utópico, e impregnado dos ideais compartilhados com vários colegas da academia na Alemanha de 1830, Karl Marx acreditava verdadeiramente que poderia mudar o mundo, e não apenas “interpretá-lo, como havia sido o objetivo de filósofos anteriores”. No “Manifesto” e em outros textos mais curtos, sobretudo os resultantes dos anos entre 1840 e 1850, há um conjunto de diretrizes que oferecem o lastro para que estas “mudanças” políticas ocorressem. E o ponto de partida é a alegação de que a sociedade havia se reduzido a duas classes em conflito direto: “a burguesia (a classe detentora do capital) e o proletariado (a classe trabalhadora)”. Esta última era submetida a usar as próprias mãos e força de trabalho para garantir, a qualquer preço e sob um rígido controle, as benesses dos “senhores”.

Karl Marx e Friedrich Engels em monumento na cidade de Manchester

No “Manifesto”, Marx elenca que a “descoberta” e colonização da América, além da abertura dos mercados indianos e chineses e o “aumento do número de produtos que podiam ser trocados tinham […] levado ao rápido desenvolvimento do comércio e da indústria”. No entanto, na gênese deste processo, a burguesia “não deixou nenhuma ligação entre as pessoas, a não ser o interesse próprio escancarado, a não ser o ‘desumano pagamento em dinheiro’”. Ou seja, o filósofo/sociólogo destaca que, antes, as pessoas eram valorizadas pelo que eram, “mas a burguesia tinha reduzido o valor pessoal a valor de troca”.

Pintura da Revolução Russa: marxismo nutriu um desprezo pelas religiões

Neste ínterim, as chamadas “ilusões religiosas e políticas” foram aos poucos sendo substituídas pela “exploração escancarada”. Nesta medida, os atuais modelos de financiamento das campanhas eleitorais, em detrimento de uma participação popular consciente, já eram previstos pelo alemão, que foi um dos primeiros a apontar que a “liberdade do povo” vinha sendo freneticamente substituída “por uma liberdade irracional – o livre comércio”. A solução para esse desastre, nas palavras de Marx, era que todos os meios de produção econômica estivessem sob o domínio da propriedade comum, “então todo membro da sociedade poderia trabalhar de acordo com sua capacidade e consumir de acordo com sua necessidade”.

Um dos grandes críticos do Estado Moderno, Marx chegou até mesmo a dizer que este não passava de “um comitê para administrar os interesses da classe burguesa”. Ele também chegou a “prever” que haveria ainda intensas lutas de classe na Europa, e que a população seria despojada de suas propriedades para, finalmente, ter apenas a sua mão de obra como geradora de renda.

Uma das principais críticas ao comunismo resultante das ideias de Karl Marx “foi a forma bárbara como esta ideologia foi implantada nas sociedades primordialmente agrícolas”, e o exemplo mais amplamente utilizado ainda hoje para atacar estes ideais são as centenas de milhões de pessoas mortas de fome (ou por perseguição política) nas revoluções russa e chinesa. Além do mais, julgam-no [Marx] como simplista por considerar que a revolução é inevitável numa sociedade marcada pela dialética. No entanto, o alemão não teria levado em conta a criatividade humana, “que é capaz de produzir uma variedade de escolhas”, sendo a dialética falha “diante da possibilidade de progresso pela reforma gradual”.

Em suma, Karl Marx foi um pensador que soube como poucos transitar entre a apurada produção intelectual das academias e as cotidianas reuniões dos “camaradas” proletários. Teve seus textos censurados pela família real prussiana e foi exilado na França e na Bélgica. Também teria participado das malsucedidas revoluções alemães de 1848 e 1849.

Aos 64 anos, desta vez exilado em Londres, deprimido com a morte da esposa Jenny von Westphalen, Marx não suportou a bronquite e pleurisia que lhe acompanharam por muitos anos e veio a óbito. Do seu enterro teriam participado apenas onze pessoas. O filósofo, no entanto, ficaria marcado pelas contribuições que deixou às gerações seguintes, e muitos ainda hoje julgam “O Manifesto Comunista” como uma verdadeira obra de gênio. É impossível, portanto, falar em política, filosofia e sociologia sem que o nome deste alemão não esteja presente.

Revolução Comunista na China acontece sob a égide do pensamento marxista

Obras-chave:

1846 – A ideologia alemã

1847 – Miséria da filosofia

1848 – Manifesto comunista

1867 – O Capital: volume 1

Nota:

¹ BBC Radio 4 (2005). Karl Marx – Winner of the greatest philosopher vote. Disponível emhttp://www.bbc.co.uk/programmes/p003k9jg – Acesso em 30 de janeiro de 2014.

Referências:

COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. São Paulo: WMF, 2011.

O Livro da Filosofia(Vários autores) / [tradução Douglas Kim]. – São Paulo: Globo, 2011.

Karl Marx – Disponível em http://en.wikipedia.org/wiki/Karl_Marx – Acessado em 30/01/2014.

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