Por que as mulheres não estão querendo maternar?

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Reflexões sobre a mudança de paradigma acerca da maternidade.

Uma pesquisa recente da empresa farmacêutica Bayer trouxe que 37% das mulheres brasileiras não querem ser mãe. Esse dado pode ser ainda maior, visto que as mulheres ainda sentem vergonha de assumir essa posição, ou de pelo menos apontar que sim, questionam ser. Essas mulheres são denominadas geração NoMo – Não Mães, na tradução. Aqui vamos tentar elencar algumas questões que afastam das mulheres o desejo de maternar. 

A psicanalista Maria Homem disse em uma entrevista que “O que o senso comum espera da maternidade é muito duro com as mulheres”. O papel da maternidade é uma construção social que dita de quem é a responsabilidade de criar os filhos. As mulheres são ensinadas a pensar que existe o instinto materno, que a maternidade é algo natural. Ainda na mesma entrevista, Maria Homem, traz que não há como definir se existe ou não esse instinto, mas que ele como é dado hoje é sim reflexo do comportamento social moderno. A questão das mulheres não é com ‘ser mãe’, mas com a maternidade.

A maternidade, como conhecemos hoje, nasceu no século XVIII, herança da sociedade pós Revolução Industrial, que passou a colocar a maternidade no centro da vida das mulheres, exigindo com que elas abdicassem de outros sonhos e desejos. A psicóloga Juliana Matos detalha em um post que antes da Revolução Industrial mulheres maternavam com total apoio da comunidade ao seu redor. Na idade média, por exemplo, após o parto os recém-nascidos de famílias mais abastadas, eram afastados das mães e levados para casa de criados para que cuidassem deles até por volta dos seus quatro anos. Isso se dava para proteger a criança de possível morte, pois a mãe estaria se recuperando do parto, e de inimigos que poderiam querer matar o futuro herdeiro. Em populações tradicionais, como as indígenas, até hoje as crianças são responsabilidade de toda a aldeia, não apenas da mãe.

Porém, o pós Revolução Industrial trouxe consigo as grandes cidades, o êxodo rural e o  afastamento das famílias. Foi aí que a mulher perdeu a sua, hoje nomeada de, rede de apoio, se tornando exclusivamente responsável pelas crias, enquanto os pais se tornaram os únicos responsáveis pela manutenção financeira do lar. 

Numa análise mais sociológica, homens e mulheres saiam para trabalhar nas fábricas e levavam as crianças junto. Com isso o número de crianças que morriam nesses locais era muito alto. Então, as mulheres passaram a se afastar do trabalho externo, ficando responsáveis pelo trabalho interno de dona de casa e mãe. Com a Primeira Grande Guerra, muitos homens jovens perderam suas vidas em batalha, numa idade de pleno vigor. Assim as mulheres retornam ao mercado de trabalho, deixando as crianças sob o cuidado de vizinhos ou até dos irmãos, não muito mais velhos. Isso culminou em um aumento da mortalidade antes do primeiro ano de vida. Numa situação de terra arrasada pelas guerras e milhões de mortes, essas crianças eram o futuro da nação. Como países que pretendiam crescer e se tornar os mais ricos do mundo iria se sustentar assim? O economista norte-americano, James Hackmann, disse que cada dólar investido na primeira infância retorna sete dólares para a sociedade e nenhum outro investimento é tão rentável.

Daqui surgem as primeiras discussões sobre a Licença Maternidade, com interesse em proteger os recém-nascidos de morrer engasgados, de frio, ou fome. Assim passou-se a interpretar que o cuidado das crianças era restrito à mãe, tornando-as as únicas responsáveis pelas crias. 

Portanto, não há como falar de maternidade sem falar de paternidade. É comum entrevistas com pais que não se lembram das datas de aniversário dos filhos, nome do médico, nome da escola, da professora, isso se dá porque não é exigido dos pais o mesmo empenho das mães. Recentemente foi amplamente divulgado na mídia o caso de um ator da Globo que decidiu deixar a esposa com dois filhos, um de quatro anos e outro de dois meses, por se sentir sem espaço para pensar, para criar. A história viralizou justamente pelo questionamento que, se fosse o contrário, se fosse essa mulher abandonando o lar com dois filhos tão pequenos, o julgamento seria diferente.  A diferença na cobrança de entrega de pais e mães na criação dos filhos é a de maior peso na decisão de maternar ou não. 

Há também o questionamento atrelado à questão financeira. Nós estamos vivendo uma das maiores crises de desemprego que o Brasil já enfrentou desde a constituinte pra cá e isso reflete em como a sociedade expressa interesse em ter filhos. Já tivemos a redução do número de filhos de 24,6% só de 2000 para 2020, e agora muitas mulheres estão verbalizando que não desejam a maternidade devido ao impacto que ela leva pra vida delas. 

Dados da empresa Catho em 2018 trouxeram que 30% das mulheres abriram mão de seus empregos ao se tornarem mães, número quatro vezes maior que ao de pais. As mulheres abdicam mais de seus empregos quando se tornam mães, além da maternidade dificultar que uma mulher chegue a um cargo de liderança. A pergunta “você tem filhos ou pretende engravidar” é constante no roteiro de entrevistas de emprego para mulheres, fato que não se repete aos homens. 

Após 24 meses, quase metade das mulheres que tiram licença-maternidade está fora do mercado de trabalho (Cecilia Machado, V. Pinho Neto; 2016.).

O Brasil é o sétimo país do mundo em número de mulheres empreendedoras e tem 48% dos lares brasileiros chefiados por mulheres. Nessa prática, elas saem do mercado convencional e passam a empreender como meio de ganhar dinheiro. Muitas vão para o mercado informal.  

Além da questão financeira, há também o abandono intelectual. Dados do IBGE de 2014 indicam que 90% das mulheres jovens com filhos deixam de estudar. É recorrente o discurso daquelas que abandonaram carreiras acadêmicas de mestrado e doutorado devido à maternidade, assim, só se sentem capazes de enfrentar esses desafios desvinculadas do desafio de ser mãe. 

Outro fato é que a maternidade afasta as mulheres não só do emprego, mas também da vida social. É recorrente a reclamação de mulheres que perdem o contato com amigos após se tornarem mães, que são excluídas dos eventos que anteriormente iam. A sociedade não está preparada para lidar com mães que vão a um teatro, a um barzinho, a um show. É raro ver locais com espaço para criança, isso afasta essas mulheres desses lugares. Cabe a nós, como sociedade, questionar se isso não é pensado. Com isso, as mulheres ficam ilhadas na maternidade e muitas vezes veem nas crias a única fonte de convivência. Ou seja, fica nas mulheres a percepção de que ser mãe é abdicar da sua carreira, dos seus amigos e da sua vida.

Impactos psicológicos

A gravidez não planejada é um medo enraizado nas mulheres. Um estudo da empresa farmacêutica Bayer em parceria com a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) aponta que 62% das mulheres brasileiras já tiveram pelo menos uma gravidez não planejada. Numa geração como a nossa, que espera o momento ideal para engravidar, que precisa ter o emprego perfeito, o salário perfeito, a casa perfeita, morar na cidade perfeita, a família perfeita, esse dado assusta. Então as mulheres têm esperado esse status de “perfeição” chegar para maternar, sem perceber que é uma utopia se tornando grande potencial de frustração da mulher com a maternidade.

Sendo assim, temos mulheres que desenvolvem depressão com a gravidez. Toda a insegurança de não estar no momento perfeito, de não ser a pessoa perfeita, explode. Um estudo da Fiocruz de 2016 traz que uma em quatro mulheres apresentam sintomas de depressão ou baby blues. Esse é outro medo muito presente na fala das mulheres que questionam a maternidade. Sabe aquela fala de que quando nasce um filho nasce uma mãe? Então, não é bem assim que as coisas se dão. A relação mãe e filho é como qualquer outra relação da vida, ela se dá e se transforma a cada dia, sofre impactos do cotidiano, é mutável. Se essa relação ainda é atravessada por um processo depressivo é ainda mais complicado. O vínculo entre mãe e filho sofre perdas, por muitas vezes, irreparáveis.

Além das questões próprias, as mulheres têm questionado os parceiros. Percebendo que a paternidade não é exercida da forma da maternidade, as mulheres têm demorado mais na escolha do parceiro.

Portanto, boa parte dos argumentos que fazem as mulheres repensarem ter filhos está na construção da maternidade e o peso que ela traz consigo. É sobre o que é cobrado dessa mulher que vira mãe. Por isso urge que a sociedade repense a forma com a qual julga a maternidade e condena mulheres que não respondem exatamente ao que ela espera do que seja a função de mãe. Também é preciso que nós apaguemos a ideia de que toda mulher tem o desejo de ser mãe pelo simples fato de poder ser.  

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Relato de uma mãe solo – quando decidi que meu limite é o céu

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Desde tenra idade tinha o desejo de ser mãe, pois venho de uma família de classe baixa e por ser a primeira filha, foi me dada a responsabilidade de ajudar a cuidar dos demais irmãos. Isso aguçou em mim o instinto maternal. Ainda muito nova me apaixonei e me deixei levar por essa paixão que levou a um relacionamento sério, depois de alguns anos tive o privilégio de gerar e dar à luz a um filho. Desde a gestação foi muito amado por mim. 

Nos primeiros anos de vida dele tive que ter muito manejo e destreza com as contas, pois meu orçamento era muito apertado. Esse foi um dos motivos pelo qual eu me submeti a viver em um relacionamento abusivo por quase sete anos, já tinha uma profissão, pedagoga, e decidi que durante as séries iniciais iria trabalhar em escolas particulares para dar ao meu filho uma educação melhor que a que tive. Porém, salário de professor, principalmente de ensino fundamental, não era tão bom, e isso era um dos motivos. Eu tinha medo de não dar conta de cuidar do meu filho e no fundo eu amava mais o “traste do ex-marido” que a minha própria vida.

Depois de ser traída por muito tempo, e por não ter mais harmonia em casa, eu chorava frequentemente porque eu via o meu “sonho de criança” de ter uma família carinhosa e presente, estava de fato só no sonho. Até que num belo dia cheguei no trabalho às sete da manhã destruída por dentro, mas estava lá para trabalhar e com o rosto inchado de chorar, uma colega conversou comigo de uma maneira que me fez perceber que eu tinha valor e que eu precisava tomar uma atitude. 

Fonte: Imagem de Dércio Comuana por Pixabay

Foi quando decidi que mudaria de cidade para tentar viver uma nova história. Quando falei para o meu filho, que desde muito cedo aprendeu a cuidar de mim (pois criança só é criança, mas percebe tudo à sua volta), ouvi desse menino de apenas 6 anos: “Mamãe não chora, vai ser melhor nós dois”. Essa era de fato a folha que eu precisava para escrever uma nova fase da minha vida. 

Foi então em julho de 2012 que vim para Palmas, onde não conhecia nada, mas Deus providenciou tudo para mim neste lugar. No mesmo mês que cheguei já encontrei trabalho. Minha rotina era puxada, andava de coletivo com uma criança, a mochila e uma bolsinha com a comida e lanche do dia, pois só voltávamos à noite para casa. Depois de um ano só com meu filho, consegui fazer coisas que antes eram quase impossíveis, pois sempre que eu compartilhava com o ex algo que queria conquistar, recebia um balde de água frio e o sonho era deixado de lado. 

A partir do momento que tomei as rédeas da minha vida me vi como um “cavalo selvagem” com um enorme campo para desbravar. Decidi que meu limite é o Céu: tirei minha habilitação, meses depois consegui comprar um carro, voltei a estudar e desde então nunca mais parei. Posso dizer sem medo de errar meu filho estava certo, até aqui foi muito melhor nós dois. Ficamos ainda mais unidos, pois, sempre procurei dar a ele mais presença que presente, mais amor e carinho e recebo isso de forma recíproca. 

Hoje tenho um adolescente de quase 17 anos, obediente, educado, inteligente. Está no 2º ano do ensino médio em mecatrônica, e sabe qual o sentimento que ele apresenta pelo pai? Medo, receio, e evita visitá-lo. E eu que enquanto estive casada não tinha nem habilitação, hoje sou totalmente independente e serei uma eterna estudante, pois não sou inteligente, mas sou esforçada e determinada e por meio do conhecimento procuro ser uma pessoa melhor a cada dia e consigo proporcionar a mim e ao meu filho uma qualidade de vida e saúde mental. 

E confesso, isso não tem preço.

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A Loucura de viver em busca de alguém

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Hebe Bonafini – 30 mil pessoas foram torturadas e mortas no período da ditadura militar argentina.
Foto: Rodrigo Correia

Hebe Bonafini, 83 anos, é líder das “Mães da Praça de Maio”, uma organização não governamental que luta, desde a década de 1970, para rever os filhos e netos que foram seqüestrados pelo governo militar na Argentina. Em 34 anos de existência, “las madres” como são chamadas, continuam realizando manifestações semanais na mesma praça em Buenos Aires. Durante o período de repressão na Argentina mais de 30 mil pessoas desapareceram. Foram presas, torturadas e mortas em mais de 100 prisões clandestinas. Participando do X Congresso de Saúde Mental e Direitos Humanos, que aconteceu pela primeira vez fora de Buenos Aires, em Córdoba também na Argentina, Hebe falou sobre a realidade atual Argentina, sobre saúde mental e também sobre sua trajetória.

(En)Cena – Hebe, o período de ditadura na Argentina ficou conhecido como um dos mais sangrentos da América Latina, como foi o início das manifestações das Madres durante esse período?

Hebe Bonafini – Veja bem, vou falar como eu me envolvi na causa e como isso acabou levando a um movimento maior. Antes que meu filho mais velho, Jorge, fosse seqüestrado pelos militares em 1977, eu era uma mulher que não se interessava por política, nem por economia, nem nada. Meu outro filho, Raúl também foi seqüestrado no fim deste mesmo ano. Então eu me juntei com outras mães e passamos a protestar pelo aparecimento de nossos filhos. O início foi duro, foram 30 mil pessoas que desapareceram, que foram torturadas e mortas.

(En)Cena – Como está hoje a questão dos desaparecidos?

Hebe Bonafini – Olhe, não foi pouca coisa que aconteceu de lá pra cá. Recentemente, pela primeira vez, se iniciou um movimento no Congresso para atribuir a nossos filhos e filhas desaparecidos a alcunha de ‘revolucionários’, e isso nos deixou, a todas as mães, muito felizes.  Porque creio que isso estava faltando, o mais importante que deve se ter em mente é que eles foram mesmo isso: revolucionários.  Pois mostra que o que eles passaram não foi em vão, que seu sangue derramado não foi inútil. Em cada criança que está nascendo agora, em cada jovem que está lutando agora, nos movimentos sociais, tem o  espírito que nossos filhos deixaram

(En)Cena – De 1979 para cá porque as Madres se  mantiveram na praça?

Hebe Bonafini – Porque, todavia, ainda há muito para fazer. Ainda existem crianças com fome, pessoas sem trabalho, militares que precisam ser condenados pelo que fizeram. As madres hoje representam um trabalho que busca mais educação, que combate as drogas, que ajuda as comunidades carentes, então por tudo isso ainda temos que manter nosso lema de “nenhum passo atrás” vivo.

(En)Cena – Hebe, no Brasil também houve um período de repressão muito forte, também com ditadura militar, que mensagem você mandaria a mães do Brasil que tiveram seus filhos mortos ou desaparecidos durante esse período?

Hebe Bonafini – Estive algumas vezes no Brasil e acredito que mães devem seguir o exemplo e tinham que juntar-se e lutar para que sejam condenados os homens que foram capazes de torturar, de matar, de seqüestrar, pois a condenação destas pessoas é a única maneira de reivindicar a memória das pessoas que desapareceram.

(En)Cena – Hebe, pela primeira vez o Congresso de Saúde Mental acontece fora da cidade de Buenos Aires, como foi trazer o evento para Córdoba?

Hebe Bonafini – Na verdade eu tenho que agradecer muito às pessoas que nos ajudaram a trazer este evento para Córdoba. Nós sabemos das dificuldades, pois um evento como esse se organiza com um ano de antecedência. É um grande Congresso e teve de ser organizado em apenas dois meses. Parecia impossível, mas todos trabalharam incansavelmente.  Então, em cada reunião, cada avanço que fazíamos cada palestra que se confirmava eu pude sentir a entrega das pessoas que nos ajudaram.

Hebe Bonafini – As madres continuam na praça porque ainda há crianças com fome,
ainda há violência, ainda há falta de emprego…
Foto: Rodrigo Correia

(En)Cena – Sobre o contexto da saúde mental, tema do Congresso, como a senhora vê o panorama atual do país?

Hebe Bonafini – Um povo tem saúde mental quando tem um bom governo, quando tem trabalho.  A situação da Argentina é singular, sobretudo com a aprovação da lei de saúde mental [1]. Mas volto a dizer que a situação depende de mais, deve-se discutir a saúde mental cuidando para que a mudança seja mais completa. A mim parece que o momento tem tudo para ser decisivo, buscar essa mudança é uma responsabilidade nossa. Em cada palestra, em cada mesa de trabalho do nosso Congresso acho que esta tem que ser a direção, buscar a mudança de tudo o que ainda não está certo.

(En)Cena – A entrevista foi concedida entre a chegada de Hebe na praça, local do congresso, e sua participação em uma mesa de discussão com o título “Cozinhando política e outras ervas”, palestra homônima de recente livro de sua autoria. Antes de sair ela me diz: “Acredita que certa vez estive no Brasil e perguntei a um companheiro brasileiro que estava no mesmo evento quem era Tiradentes e ele não soube responder?”.

[1] Aqui Hebe faz referência a Lei de Saúde Mental, aprovada na Argentina em 2010 que proíbe a criação de asilos manicomiais e substitui o modelo de internação por uma visão de tratamento em saúde mental multidisciplinar.

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