The Midnight Gospel: uma reflexão sobre a morte e a busca pelo perdão

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The Midnight Gospel, uma série animada criada por Duncan Trussell e Pendleton Ward, destacou-se por seu formato inovador e temáticas profundas. Lançada na Netflix em 2020, a série combina uma estética psicodélica com diálogos filosóficos e espirituais que busca trazer ao espectador, reflexões sobre questões existenciais. A animação nos convida a uma jornada introspectiva pelos confins do multiverso. No episódio 4, “Ordenando um Corvo”, o protagonista Clancy, em mais uma de suas aventuras intergalácticas, encontra-se em um mundo medieval ao lado da Milady Trudy. Juntos, embarcam em uma jornada de vingança que, aos poucos, se transforma em uma profunda reflexão sobre o perdão. Milady Trudy, é uma figura complexa que encarna muitos dos temas centrais explorados na série. Ela é retratada como uma mulher medieval que vive isolada, contudo tendo alguns companheiros a qual busca quando necessário. Dominada por sentimentos de raiva, ressentimento e desejo de vingança, seu personagem serve como um símbolo da luta interna que muitas pessoas enfrentam ao lidar com emoções dolorosas e traumas do passado.

A temática do perdão, central neste episódio, é explorada de forma poética, psicológica e filosófica, utilizando analogias e metáforas que nos convidam a questionar nossas próprias crenças e valores. A Milady Trudy, com sua carga de ressentimento e desejo de vingança, personifica a dificuldade que muitos de nós enfrentamos em perdoar aqueles que nos feriram. A metáfora das “barras”, utilizadas por Clancy para representar as memórias dolorosas do passado, é particularmente reveladora. Ao carregarmos essas barras, carregamos também o peso emocional das experiências negativas, o que pode nos impedir de seguir em frente. Segundo Maraldi (2017), o perdão envolve um processo psicológico multifacetado, que inclui a tomada de decisão consciente de perdoar, a elaboração emocional das ofensas e o cultivo de sentimentos de compaixão e empatia. Ele enfatiza que o perdão é fundamental para a promoção do bem-estar psicológico e a recuperação de relacionamentos saudáveis”.

Fonte: Netflix – The Midnight Gospel

A jornada de Milady Trudy e Clancy nos mostra que o perdão é um processo gradual e complexo. A busca por vingança, muitas vezes, é uma forma de tentar recuperar o controle sobre uma situação que percebemos como injusta. No entanto, ao nos apegarmos à raiva e ao ressentimento, é nosso próprio bem-estar que colocamos em risco.

Além disso, o episódio aborda a importância do mindfulness e da aceitação, que são conceitos centrais na Psicologia contemporânea. A prática de mindfulness, que envolve estar presente no momento e aceitar a realidade como ela é, pode ser vista na maneira como o personagem aceita sua morte inevitável. Mindfulness ou Atenção Plena é o termo ocidental para denominar a prática de meditação praticada no Zen Budismo. Jon Kabat Zinn idealizou o programa “Redução de Estresse Baseado em Mindfulness (Mindfulness Based Stress Reduction – MBSR)”. O termo Mindfulness traduzido para o inglês é conhecido como “Atenção Plena” (GERMER, SIEGAL & FULTON, 2016). Contudo, a tradução não corresponde com a amplitude da prática Jon Kabat-Zin (2017, p.26), que inclui prestar atenção de maneira particular no propósito, no presente e o mais importante, sem haver julgamentos.

A Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) explora a aceitação incondicional como uma maneira de lidar com o sofrimento, e essa filosofia está fortemente presente nas interações entre Clancy e Trudy que ele entrevista. Estudos empíricos sugerem que a aceitação é uma estratégia eficaz para lidar com o luto e a ansiedade relacionada à morte, o que reforça a relevância das ideias apresentadas no episódio. Socialmente estamos cada vez mais conectados, em contrapartida tendemos a nos desconectar de nós mesmos e dos nossos momentos (Kabat-Zinn 2017, p. 91).

A solidão, outro tema recorrente no episódio, está intimamente ligada à dificuldade de perdoar. A Milady Trudy, isolada em seu castelo, busca consolo na vingança, na tentativa de preencher o vazio interior causado pela perda de seu amado. A série nos mostra que a conexão com os outros é fundamental para nossa saúde mental e que o perdão pode ser um caminho para superar a solidão e encontrar um novo sentido para a vida. Essa solidão pode ser vista como um reflexo de uma sociedade individualista, onde as conexões humanas autênticas se tornam cada vez mais raras. A busca pela vingança, nesse contexto, pode ser interpretada como uma tentativa desesperada de se conectar com algo maior do que si mesma, a ausência de uma comunidade solidária e acolhedora dificulta a superação do trauma e a busca pelo perdão.

A estética visual de “Ordenando um Corvo” é um elemento fundamental para a construção do significado e da atmosfera do episódio. A animação psicodélica, as cores vibrantes e as formas orgânicas criam um universo onírico e surreal que reflete a complexidade dos temas abordados. A animação pode ser vista como uma representação visual do interior da mente de Milady Trudy. As cores vibrantes e as formas distorcidas refletem a turbulência emocional que ela experimenta.

Muitas das imagens utilizadas no episódio possuem um significado simbólico. Por exemplo, o corvo pode ser interpretado como um símbolo da morte ou da má sorte. A natureza é representada de forma exuberante e selvagem, contrastando com a artificialidade do castelo de Milady Trudy. Essa oposição pode ser interpretada como uma metáfora da luta entre a natureza humana e a civilização.

“Ordenando um Corvo”, nos convida a uma profunda reflexão sobre a natureza do perdão, e a importância de cultivar relacionamentos saudáveis. Ao explorar os conceitos de perdão, solidão e busca por sentido, o episódio nos mostra que a jornada de autoconhecimento é um processo contínuo. A série como um todo, nos presenteia com uma obra que transcende a ficção científica, oferecendo ferramentas para lidarmos com as complexidades da vida e encontrar paz interior.

Referências 

GERMER, Christopher K; SIEGEL, Ronald D.; FULTON, Paulo R. Mindfulness e psicoterapia. Tradução: Maria Cristina Gularte Monteiro; rev. Melanie Ogliari Pereira. -2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2016.

KABAT-ZINN, J. Viver a catástrofe total: como utilizar a sabedoria do corpo e da mente para enfrentar o estresse, a dor e a doença; tradução de Márcia Epstein; prefácio de Thich Nhat Hann. – Ed. rev. e atual – São Paulo: Palas Athena, 2017.

MARALDI, Everton de Oliveira. Perdão e espiritualidade na psicologia: uma revisão de literatura e considerações para pesquisa no Brasil. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 22, p. 119-130, 2017.

WARD, Pendleton; TRUSSELL, Duncan. The Midnight Gospel. Los Angeles: Netflix, 2020. Disponível em: https://www.netflix.com. Acesso em: 16 ago. 2024.

 

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“Mindfulness e Psicoterapia”: autodescoberta, resiliência e equilíbrio psicológico

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A importância da atenção plena no processo terapêutico e no bem-estar psicológico dos indivíduos.

Como usar o mindfulness na clínica

Esse livro, aborda uma temática que está sendo bastante explorada nos dias de hoje, a atenção plena. É fácil perceber que a quantidade de informações hoje, estão tirando a atenção das pessoas sobre as coisas simples, e que essa distração traz inúmeras consequências desastrosas, como ansiedade, estresse entre outros, esse conjunto de autores trazem uma nova forma de enfrentar esses sintomas. Além disso, esse livro leva o leitor a uma nova visão com relação à clínica, pois ele tira um pouco do olhar para o cliente/paciente e volta o mesmo para o próprio terapeuta.

Ansiedade, depressão e estresse estão sendo bastante discutidos hoje, e muitas vezes as pessoas diagnosticadas, estão a procura de medicamentos a fim de sair dessas demandas. Mas… e se tivesse uma outra saída, uma solução menos invasiva? Uma das propostas deste livro se baseia nisso, em enfrentar a ansiedade e estresse com meditações e atenção momento a momento. “O mindfulness é uma habilidade que nos permite ser menos reativos ao que está acontecendo no momento”. (Pág.3)

Focar em sua respiração, no seu ambiente ao redor, e cada vez que seu pensamento insistir em tirar sua atenção, volte a concentrar se em sua respiração, é uma das técnicas do livro  que faz com que o leitor, se concentre no momento presente pois “ o sofrimento parece aumentar à medida que nos distanciamos do momento presente”. (Pág,4). Com isso é preciso segurar esses pensamentos para que eles não vagueiam levando toda a atenção daquele momento.

O livro entre muitas outras coisas relata que a nossa mente fica grande parte do tempo, ou no passado ou no futuro, e quase nada no presente, “ O que a mente está fazendo? A maior parte das vezes ela parece estar fazendo excursões no passado ou no futuro, tentando resolver problemas reais e imaginários”. (Pág.29).

Como já dito, o livro traz formas não muito convencionais de tratar o sofrimento,  e uma dessas formas é colocar na mente e desenvolver a perspectiva de que os pensamentos não são estáticos. Assim o mindfulness é um convite para nos permitirmos que os pensamentos, assim como os sentimentos, fluam. 

“Nenhum estado mental, por mais agradável que seja, pode ser mantido indefinidamente, nem experiências desagradáveis podem ser evitadas. Entretanto,  somos tão condicionados a evitar o desconforto e buscar o prazer que nossas vidas são coloridas por uma sensação de insatisfação, de alguma coisa faltando “(GERMER, p. 21, 2016).

O trecho anterior também desafia a narrativa prevalente de que a felicidade constante é a norma e que o sucesso elimina o sofrimento, ampliando assim a pressão sobre o sofrimento e cultivando um sentimento de culpa naqueles que não conseguem manter uma felicidade ininterrupta.

Uma das ideias discutidas é que “muitos dos nossos sofrimentos decorrem de distorções cognitivas” e que “manter crenças distorcidas centrais contribui para o sofrimento”. Nesse contexto, o terapeuta pode auxiliar o cliente a questionar tais pensamentos, avaliando sua validade. Esse processo revela que “aquilo que antes era considerado ‘realidade’ é, na verdade, uma construção mental, e nossa identificação com essa construção é o que gera o sofrimento

Uma outra proposta do autor é olhar para o psicológico, visando melhorar a sua experiência diante do cliente/paciente, porém essa experiência só poderá melhorar quando o psicólogo olhar para si mesmo,  como diz o próprio livro:

“(…) ‘cuidar dos outros requer cuidar de si’(…) Essa informação faz sentido na medida em que não podemos acolher completamente outro indivíduo imperfeito, quando rejeitamos a nós mesmos por imperfeições semelhantes.”

O livro leva a uma visão de alto compaixão, pois isso leva a melhor compreensão de si mesmo e por consequência a compreensão do outro, abrindo as portas para que, o que o paciente trazer seja recebido de braços abertos, mesmo que aquele assunto possa parecer fora dos padrões, ou não muito aceitáveis pela sociedade, pois o cliente está ali apenas a procura de uma escuta sem julgamentos.

A autocompaixão foca na bondade para si mesmo, poder admitir a sua humanidade e que o psicólogo irá inevitavelmente cometer erros e irá ter sofrimentos também, igual a todas as pessoas, “reconhecer a inevitabilidade do sofrimento pode nos conduzir pelo caminho da libertação emocional.”(Pág.110). 

O livro se mostra bem completo pois ao mesmo tempo em que ele traz essa visão para o psicólogo, ele também leva a pensar na relação terapêutica entre psicólogo e cliente, que se faz muito importante  no processo de melhora do paciente. 

O autor dá ênfase a atenção que é preciso ter durante uma sessão visando que aquele paciente está ali pois está um busca de alguém que possa ouvir suas dores, sem julgamentos, “A atenção genuína dos outros é tão surpreendente rara que até vale a pena pagar por ela na psicoterapia” (Pág. 65).

Juntamente a essa escuta qualificada vem também a compaixão pelo outro “A compaixão pelos outros, surge do insight de que ninguém está isento de sofrer e que todo mundo deseja ser livre de sofrimento”(Pág.69). Esse olhar para a compaixão, faz com que fique mais fácil estabelecer uma boa relação terapêutica, e essa é uma das principais bases para um bom atendimento para com o cliente.

Bem o livro como já dito é bem completo, ele traz várias visões sobre a psicologia e a prática do psicólogo, trazendo também técnicas de meditação, e de atuação clínica, é preciso ter paciência pois ele tem mais de 300 páginas, mas é um conteúdo bastante relevante tanto para um acadêmico quanto para psicólogos já atuantes.

Referência:

GERMER, Christopher K.; SIEGEL, Ronald D.; FULTON, Paul R. Mindfulness e Psicoterapia. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2016.

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Tópicos Especiais inicia teorização e técnicas sobre Práticas Integrativas

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Os acadêmicos de Psicologia na disciplina de Tópicos Especiais, que neste semestre tem como tema “Psicologia e Espiritualidade”, iniciaram nessa quinta (19/04) uma série de intervenções para tentar aplicar, na prática, as técnicas que dão sustentação às Práticas Integrativas e Complementares do SUS (técnicas que dão suporte aos métodos científicos para facilitar e/ou acelerar os processos de recuperação do paciente). Estas técnicas estão relacionadas, em maior ou menor grau, a uma série de protocolos que, antes, eram de exclusividade do saber religioso e popular e que, aos poucos, vêm sendo encampados pela ciência. Muitos psicólogos já se utilizam destas técnicas em suas intervenções cotidianas, sobretudo o Mindfulness.

Fonte: goo.gl/N3dPUc

A ação é um desdobramento das aulas do primeiro bimestre, que ofereceu aos acadêmicos um panorama geral das bases epistemológicas para uma Psicologia da Religião. Serão cinco aulas com as principais técnicas, apresentadas pelos próprios acadêmicos, que se pesquisaram técnicas e referenciais teóricos. Dentre as técnicas estão Mindfulness, Aromaterapia, Musicoterapia, Dançoterapia, Automasssagem e CNV – Comunicação Não-Violenta.

Estas intervenções serão transformadas em seminários que, durante o Caos 2018 (Congresso Acadêmico) irão compor um bloco de apresentações de um Psicologia em Debate Especial.

A disciplina de Tópicos Especiais é ministrada pelo professor Sonielson Sousa e terá como trabalho final, no dia 29 de maio, uma mesa redonda com três psicólogos da cidade, que irão problematizar sobre os desafios de um diálogo entre a Psicologia e os saberes religiosos tradicionais.

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