Racismo Estrutural no Brasil: (En)Cena entrevista o ativista Mauro Baracho

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O (En)Cena reproduziu a entrevista com o ativista e mestrando em Antropologia pela UFMG, Mauro Baracho, para o curso de Psicologia do Ceulp/Ulbra, sobre o tema Racismo Estrutural no Brasil, que dentre outros aspectos abordou sobre as consequências do racismo e machismo na sociedade, suicídio entre grupos negros e seus estudos com homens negros.

(En)Cena – Poderia falar sobre a ideia da existência de uma democracia racial no Brasil, da ideia que foi vendida, que foi feita dentro da estrutura estatal a partir de livros didáticos no passado, através de grandes esquemas ideológicos que tentam vender essa imagem  de que as coisas são iguais para todos, de que não há preconceitos, não há racismo, não há discriminação.

Mauro Baracho – Por conta das manifestações nos Estados Unidos, as pessoas se questionam por que os negros brasileiros não se revoltam como os negros americanos. Nessa questão, entra uma série de apagamentos de revoltas negras ao longo da história, mas também entra o processo histórico de pós abolição do Brasil e dos Estados Unidos. E no Brasil, optou-se em maquiar as diferenças sobre ideia de democracia racial.

Vem dessa ideia do exterior que o Brasil é essa mistura de povos, e de fato é, que o Brasil é uma mistura de africanos, de europeus, de indígenas. Mas que na prática, no dia a dia isso não significa muita coisa, porque a discriminação está na aparência, na cor de pele. E ninguém leva isso em conta na hora de contratar na vaga de emprego.

O Brasil optou em criar uma ideia de que é um país mestiço, como de fato era, ela vai ser reforçada principalmente por obras. Para que isso funcione precisa de intelectuais pensando, produzindo obras para criar esse aspecto positivo, principalmente na obra de Gilberto Freire em “Casa-grande e senzala”, que eram muito fortes as ideias do racismo científico onde os mestiços eram considerados como raça degenerada, era a pior raça. Os brancos, os amarelos, os negros e depois os mestiços. Então, essa obra vem para dar um aspecto positivo na identidade mestiça do Brasil. Vem consolidar essa ideia de democracia racial no país, dizer que a escravidão não foi tão cruel, que era branda porque os senhores de engenho e as escravas se relacionam e em que circunstâncias aconteciam essas relações. Na abertura do livro, descreve que nasce uma nova nação, que é a mistura do branco, negro e indígena. Que o racismo não é institucionalizado, no sentido de não ter lei de segregação, mas sabemos que a segregação se deu por costume; nos Estados Unidos se deu por lei e aqui no Brasil se deu por costume. Isso foi um artifício para não se discutir racismo no Brasil, para dizer tem gente misturada, existe branco,  negro e não precisa se falar em racismo.

A ditadura militar perseguiu vários blacks no Rio de Janeiro, por medo do pessoal se inspirar nos movimentos norte americanos, porque não queriam transparecer que existiam diferenças raciais no Brasil. O filme do Simonal mostra isso, quando ele é chamado pelos militares, e interpelam ele por uma letra, afirmando que não existe racismo no Brasil e pregar a ideia de que somos todos uma mistura.

(En)Cena – O antropólogo Munanga, fala em uma das suas obras que o racismo no Brasil, muito mais que qualquer parte no mundo, se dá numa lógica de crime perfeito. Porque dificilmente a gente conhece por vias institucionais, pela grande imprensa, quem são as vítimas, o rosto, a história de fato, e muito menos quem são os algozes. Porque isso cria a falsa sensação de que os crimes de racismo não ocorrem, porque eles também não são noticiados na mesma proporção.

Mauro Baracho – Eles até são noticiados, a gente vê muitos crimes de injúria. Mas é tudo pensado para não punir os agressores, principalmente na separação do que é injúria racial e racismo. Porque racismo é quando ofende um povo, e a injúria é uma questão individual […]. Ao pensarmos como povo, e se uma pessoa me ofende  me faz uma injúria racial, o que impede dela cometer o mesmo crime com outra pessoa negra? Não é comigo, porque eu não tenho uma característica da cor da pele que ela vai fazer isso, ela pode fazer isso com qualquer outra pessoa. É um crime perfeito porque nesse sentido de quem comete, além de sair impune, quem denuncia sai como chato, o extremista. E ao longo da história, percebemos que a galera vai criando mecanismos para abafar essas injúrias raciais. Eu lembro da minha mãe, que é preta, ao chegar e contar para ela sobre episódios de racismo, ela dizer que isso tudo era cisma.

O jornalista Carlos Medeiros fala dessa questão da cisma, que as pessoas falam que racismo é cisma, ele fala que é ‘complexo de cor’ que é a ideia de que os pretos já são cismados, veem racismo em tudo. Então, essa questão de crime perfeito, a pessoa que sofre o racismo é vista como chata, extremista e ‘mimizenta’, e a pessoa branca, como liberdade de expressão, ou são brincadeiras.

(En)Cena – Vejo muito nas universidade um movimento crescente de descolonização das subjetividades, como eles chamam, principalmente os filósofos, sociólogos, e alguns psicólogos  no sentido de fazer com que a gente repense a nossa linguagem. Que a nossa linguagem foi construída também em cima de uma lógica bastante excludente, de uma lógica de separação, de uma dualidade. Um exemplo, a casa onde mora o presidente dos Estados Unidos é a casa branca, nos contos de fadas vemos a Branca de Neve. Então, tudo que está relacionado a brancura, a branquitude coloca-se como aspectos positivos e tudo que está relacionado a negritude, normalmente eram associados a aspectos negativos.

Percebo que muitas pessoas se incomodam quando essas questões são levantadas, e o cuidado que deveríamos ter, eu imagino, é justamente nessa dimensão mais elementar que é na linguagem. Por isso, que talvez as piadas racistas, de fato, elas têm que ser confrontadas, mas tem um grupo crescente  de pessoas que atacam o politicamente correto, elas querem ter o direito de rirem das outras pelas suas particularidades, inclusive são pessoas que consideram que o mundo está mais chato porque elas não conseguem, por exemplo fazer uma piada com um negro, um homossexual, um judeu. Como você vê isso? Pois, o tempo inteiro eu como professor escuto isso, de vez em quando, “eu não posso mais me expressar agora”. É como se a liberdade de pensamento e de fala estivesse acima de qualquer coisa, inclusive da integridade do outro, parece que há uma distorção.

Mauro Baracho – Sim. Tem até um documentário chamado ‘O riso do outro’, que fala exatamente disso. As pessoas falam que não podem se expressar, e quando você aponta algumas piadas racistas, elas se sentem cerceadas, então ela quer ter o direito de ser racista, direito de ser homofóbica, direito de ser machista.

Os Trapalhões, cresci nos anos 90 vendo o Didi fazer piadas racistas com o Mussum, e eu ia para a escola e os meninos reproduziam as piadas em mim e em outros meninos negros, e era brincadeira, era piada. E eu não gostava daquilo, e  duvido que uma pessoa preta vai curtir esse tipo de piada. E se a gente reclamasse, seria o cara excluído, o cara chato; então, isso tem uma questão de socialização.

Quando a gente começa a falar que as coisas não são legais, as piadas racistas, homofóbicas, a galera começa a se sentir ofendida por não poder fazer mais.

Ouvi um comentário que estão acabando com a alegria do brasileiro, aí a gente vê que a alegria do brasileiro é diminuir mesmo, diminuir gente preta, diminuir pessoas gays, mulheres. Porque para eles, o humor é isso, é fazer piada com pessoas que já passam por um processo muito difícil por serem gays, por serem negras, por serem mulheres.

Tiveram pessoas defendendo as manifestações ‘charlotte’s view’ nos Estados Unidos em 2015, que defendia o ato como liberdade de expressão. Eles partem da ideia de que liberdade de expressão é falar o que quiser doa a quem doer, e o humor tem essa ideia deliberal também, que não pode ter tabu ou barreiras. E os meios que defendem isso são sempre os mesmos, Danilo Gentili, essa galera que nunca teve a menor graça mas só chegou onde chegou porque o Brasil é um país muito racista, muito homofóbico, muito machista e sádico. Que sente prazer em ver pessoas como Danilo Gentili, Léo Lins, Sílvio Santos humilhando pessoas. Sílvio Santos levava travestis no seu programa para fazer piadas da cara delas, em pleno domingo a noite no horário nobre. E essas pessoas só são permitidas a espaço na mídia se forem caricaturas, como Vera Verão, o Jorge Lafond. Porém, só era aceitável quando era pra fazer rir. Relação de poder é isso, você se afirma, diminuindo o outro.

(En)Cena – Sobre a questão da apropriação cultural. Acaba surgindo na imprensa alguns grupos que aderem a artigos que são da cultura negra, começam a ser colocados como moda, ou um estilo, tirando inclusive, as características iniciais que tem até uma conotação política … Fazem uma mistura geral para relativizar a ação. Achei interessante o seu post sobre o alisamento de cabelos.

Mauro Baracho – As pessoas usam isso quando a gente fala de apropriação cultural, primeiro que começam a achar que apropriação cultural é quem pode ou não pode usar turbante, quem pode ou não pude usar tranças. Porém, estamos discutindo processos históricos, de culturas que foram marginalizadas, dita como atrasadas, que tiveram seus processos culturais marginalizados no ocidente e hoje elas são legais desde que sejam em corpos brancos. Quando apareceram três atrizes brancas, Mariana Ximenes, na capa de uma revista usando turbantes. Então quando uma pessoa negra usa um turbante na rua é apedrejada, chamada de macumbeira, mas quando uma pessoa branca usa um turbante é a coisa mais descolada do mundo. As pessoas vem fazer essa falsa simetria de que se for por esse lado, pessoas pretas se apropriam da cultura branca quando alisam o cabelo, já partem para uma premissa totalmente errada, o cabelo é um traço genético.

E a questão das tranças é um elemento cultural no sentido que ela já foi usada para transmitir significados além do tempo, dizem que na época de escravidão as tranças eram usadas para desenhar rotas de fugas, e estamos falando de penteados e não de textura de cabelo. E as pessoas pretas não alisam os cabelos para apropriação da cultura branca, mas para serem aceitas, pois crescem tendo vários padrões de nariz fino, cabelo liso. Ninguém que alisa o cabelo toma o lugar de uma pessoa branca.

(En)Cena – Você que está dentro da universidade, eu percebo que dentro do cientificismo, que é aquela ciência mais dura, dentro daquelas ideias de pessoas que acreditam que a ciência é a única forma de explicar os fenômenos, há uma ciência patriarcal, de origem branca, muito influenciada pela língua inglesa, bastante liberal do ponto de vista econômico. Essa ciência tem uma tendência a se colocar como uma espécie de universalizante, no sentido de desconsiderar os outros saberes. A gente vê isso muito claramente no Brasil quando os saberes populares relacionados a medicina e a linguística, a dinâmica dos cuidados dos povos indígenas e povos negros foram totalmente excluídas dos debates públicos e também não foram considerados como ciência no sentido mais amplo. E isso eu ainda percebo no meio acadêmico, não sei se você também percebe isso no meio acadêmico, uma supervalorização do que seria o científico, mas sem entender de forma mais profunda de onde vem esse científico; se esse científico inclui esses saberes tradicionais ou se ele exclui os saberes tradicionais. Os estudos do francês Edgar Morin, apontam que não é mais possível explicar o ser humano a partir de um pressuposto, de um paradigma, por exemplo, o paradigma científico positivista; ou a gente se abre para outras formas de interpretar esse sujeito e entender esse sujeito ou a gente está fadado ao fracasso.

Mauro Baracho – Se tem uma falsa ideia de que a ciência é neutra, e a academia também não é. Ainda se tem essa resistência, principalmente pessoas pretas e indígenas quererem produzir outras narrativas. Eles gostam de pesquisar o negro, os indígenas, mas quando entra uma pesquisa de branquitude, as pessoas ficam receosas. A minha pesquisa é sobre masculinidade negra, pesquiso o primeiro grupo de masculinidade negra de Belo Horizonte, onde homens pretos se reúnem para discutir masculinidade negra, as questões que atravessam os homens pretos, porque até então a gente só via discussão de meninas pretas. E em Belo horizonte, já deve ter em torno de um ano e meio que eu pesquiso sobre o assunto, e fui muito guiado a pesquisar sobre isso por conta das minhas leituras de autoras negras. Quando eu entrei no mestrado, o grupo estava surgindo com dois homens pretos que foram em um encontro de masculinidade que só tinham homens brancos […]. O interessante foi que depois de um tempo, começaram a levar os pais, os filhos para debaterem.

(En)Cena – Você chama atenção para a construção de quilombos por parte da população negra. Quilombos que podem voltar a replicar estruturas hierárquicas. Do que você estava falando exatamente?

Mauro Baracho – Está na moda falar em construção de espaços, mas não se pode construir um espaço exclusivo para gente preta sem considerar uma série de coisas. Enquanto estiver replicando lá dentro estruturas hierárquicas, no sentido de por ter um título acadêmico, uma visibilidade maior, você tem mais prestígio que outras pessoas pretas. E isso é um cuidado que a gente deve ter nessas estruturas e várias áreas da nossa vida.

A gente tem que considerar uma série de coisas, por exemplo questões de autoestima, saúde mental. Eu criar um quilombo, um grupo de pessoas pretas para reunirem, ou criar uma roda de conversa para reproduzir hierarquias no sentido de que eu posso falar porque tenho um título acadêmico, como se eu tivesse mais prestígio, sem fazer violência psicológica, afinal a maior parte dos suicídios é em população negra.

(En)Cena –  Você falou de uma questão que ocorre no Brasil que é a quantidade de ideação suicida seguida de suicídio da população negra, principalmente os jovens, algumas pesquisas mostram que são de 2 a 3 vezes maior a ocorrência nessa população. Me fez lembrar também de alguns dados que são levantados, de vez em quando, sobre a solidão entre as mulheres negras, principalmente entre as mulheres a partir da meia idade. Esse é um fenômeno que aliado ao próprio fenômeno do racismo estrutural, acaba ceifando vidas, pelo menos do ponto de vista psicológico, afetando muito a saúde mental dessas mulheres. Você conhece algum projeto em Belo Horizonte, ou no Brasil, ou algum autor que trabalha essa questão da solidão entre a população negra em especial as mulheres ou a população em geral?

Mauro Baracho – Sim. Essa questão da solidão é pautada pelas mulheres pretas na década de 80, Laura Moutinho, Sueli Carneiro, Claudete Alves, Ana Cláudia Pacheco; são todas autoras que produziram sobre a solidão da mulher negra. Que não se dá somente na área afetiva ou sexual, a solidão no sentido também mais geral. A medida que tem aquela pirâmide que coloca a mulher preta como a base da pirâmide, e outra, não acredito que em quilombos não se discuta a solidão da mulher preta. De fato, existiu a solidão da população negra no ocidente como eles gostam de colocar, e a solidão da mulher preta implica em todo o estado da pirâmide. E é um assunto que todos nós deveríamos refletir, e não deve ficar só restrito nas meninas pretas debatendo as mulheres pretas. Então, quando eu comecei a falar sobre isso, a galera curtiu porque tinham poucos homens falando sobre isso, tocando nesse assunto. De fato, isso não é um assunto fácil de ser falado, é um constrangimento, isso toca em algumas coisas, vai nas feridas. No livro da Claudete Alves, vai discutir essa questão de os homens negros que ascendem porque casaram com mulheres brancas. Ela quem traz essa implicância com os homens negros. Então, a solidão da mulher negra é um mix de machismo e racismo.

(En)Cena –  Você fez um post que me chamou atenção falando sobre as pessoas que são vítimas de racismo, como elas paralisam diante do racismo. Como isso ocorre? Já que você relatou que já foi vítima de racismo.

Mauro Baracho – Eu fiz aquela reflexão baseada em um livro. A gente estuda o racismo mas não espera por ele. Essa paralisia se dá por conta do encontro que temos entre a ideia de nós mesmos com a percepção das pessoas em relação a nós, você se vê objetificado e isso nos paralisa.

(En)Cena – Qual sua opinião pessoal sobre o futuro do nosso país em relação a um debate como esse, quais são suas perspectivas? Você acha que a gente está trilhando um caminho onde a gente vai amplificar essas vozes, muitas pessoas ficaram decepcionadas com os rumos políticos que tomamos nos últimos quatro ou cinco anos com uma virada para a extrema direita. Onde conquistas sociais que foram alcançadas nos últimos 20 anos foram postas em xeque, foram desafiadas, e a gente vê muitas pessoas desanimadas, são militantes e outros que veem esse cenário todo como um combustível para continuarem mais militantes ainda.

Mauro Baracho – Eu também estou um pouco pessimista, mas também não é algo que me faz desistir. Porque essa ascensão da extrema direita é uma tendência mundial, também não tenho perspectivas boas no Brasil, de que as coisas vão melhorar. Acho que tendem a se manterem. Independente de quem seja, vai continuar difícil. Talvez a gente ache que um governo mais progressista  ajuda para que caminhem melhor. O genocídio da população negra se intensificou nos 13 anos de PT, enquanto não se colocar o debate racial como centro do racismo e da escravidão as coisas vão continuar, não vão mudar muito. Então, para gente vai continuar difícil.

(En)Cena –  Agradecemos por sua participação.

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Implicações da Covid-19 na população negra brasileira

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O novo coronavírus, denominado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) de SARS-CoV-2, responsável pela doença Covid-19, emergiu e foi identificada em Wuhan, na China, em dezembro de 2019 (LANA et al. 2020). Em 11 de março de 2020, em virtude ao acelerado ritmo de disseminação do vírus, a OMS declarou a pandemia de Covid-19. Conforme dados da Organização Pan-Americana de Saúde (2020), foram ratificados, em nível mundial, 789.197 óbitos até 21 de agosto de 2020, ademais 22.536.278 casos de infecção foram confirmados.

As dores e inquietações provenientes das epidemias, além de serem condições de saúde, também estão associadas a problemas políticos e culturais, pois essas experiências são contextuais e relacionais, visto que o ser humano compreende dimensões biológicas, psicológicas e sociais. Diante disso, à vista dos dados consolidados e expostos pelos veículos de imprensa e informação, constata-se que, conforme Cunha (2020), há populações que se encontram mais sujeitas a contaminação e, consequentemente, a letalidade do vírus. Haja vista que alguns indivíduos configuram maior exposição e, por esse motivo, estão mais suscetíveis a serem atingidos e vitimados em razão de suas circunstâncias sociais, econômicas e de saúde. No cenário brasileiro, a pandemia do novo coronavírus atinge e afeta de modo desigual a população negra, periférica e vulnerável (AMPARO, 2020).

Acontecimentos lastimáveis como esse, além de deixarem rastros de mortes, sofrimento e muita dor, evidenciam um enorme abismo social. A constância da desigualdade presente neste país produz, no imaginário social, uma naturalização da mesma, o que “resulta de um acordo social excludente, que não reconhece a cidadania para todos, onde a cidadania dos incluídos é distinta da dos excluídos e, em decorrência, também são distintos os direitos, as oportunidades e os horizontes.” (HENRIQUES, 2001, p. 1).

Fonte: encurtador.com.br/fESV7

Racismo individual, institucional, estrutural

Silvio de Almeida, grande intelectual jurista, filósofo e professor, evidencia, em seu livro denominado Racismo Estrutural, que o racismo é sempre estrutural. O movimento histórico que aconteceu no século XVI com a ampliação da economia mercantilista junto ao  descobrimento do chamado novo mundo, e logo após o iluminismo que contribuiu de forma significativa e projetou ferramentas que se constituíam dos fatores biológicos, psicológico, econômico e linguístico, para classificar grupos de humanos, serviu basicamente de ponto de partida do que seria o modelo de “homem universal”, baseado no homem europeu.

O positivismo já no século XX, com suas técnicas mensuráveis, foi manejado de tal forma a contribuir com a disseminação do racismo científico. Através das concepções deterministas da época, defendeu-se então a superioridade do homem branco europeu sobre as demais raças, se utilizando de parâmetros da biologia e da física para afirmar que as características físicas, biológicas e ambientais eram capazes de explicitar “as diferenças morais, psicológicas e intelectuais entre as diferentes raças” (ALMEIDA, 2019, p. 25).

Numa perspectiva do racismo individual, o fenômeno é visto como um comportamento patologizado/anormal de um sujeito ou grupo isolado, assim, não havendo uma sociedade ou instituição racista, mas pessoas e grupos racistas. Este horizonte se mostra superficial sobre a análise de que o racismo não nasce e se desenvolve isoladamente, mas é um construto que a todo momento se modifica em prol de uma manutenção do poder de determinados grupos raciais em detrimento de outro, o que não quer dizer que sujeitos que cometem atos discriminatórios não devam ser julgados.

O termo racismo institucional traz em sua concepção que o racismo se reverbera da sociedade para as instituições e das instituições para a sociedade refletindo-se  nas normas, padrões de funcionamento e comportamento, influenciando as nossas decisões, preferências e sentimentos. Portanto, levando em  consideração que são os homens brancos que ocupam esse lugar de poder nas instituições, a manutenção e a formulação desses padrões sociais, são feitos para privilegiar pessoas brancas.

Este processo se configura sistematicamente, numa estrutura que acaba por normalizar o racismo no âmbito de esferas importantes e que norteiam a sociedade como nas áreas política, jurídica, econômica e social, ou seja, ele é estrutural. Portanto, é necessária uma agenda política que de fato trabalhe na desconstrução desse sistema, dessa estrutura que privilegia pessoas brancas em detrimento de pessoas negras.

Fonte: encurtador.com.br/iACIS

Racismo no Brasil

O Brasil, último país das Américas a abolir a escravidão, em 1888, não propiciou de nenhuma maneira aos negros que, supostamente, tinham recebido de volta sua liberdade após receberem as cartas de alforria, políticas que fizessem com que fossem inseridos socialmente e economicamente na sociedade. Além do governo brasileiro não construir estratégias de emancipação econômica para a população negra, promoveu a imigração europeia ao Brasil, com o intuito de embranquecer a população. A esse respeito tem-se que:

A desagregação do regime escravocrata e senhorial se operou, no Brasil, sem que se cercasse a destituição dos antigos agentes de trabalho escravo de assistência e garantias que os protegessem na transição para o sistema de trabalho livre. Os senhores foram eximidos da responsabilidade pela manutenção e segurança dos libertos sem que o estado a igreja ou qualquer instituição assumisse encargos especiais, que tivessem por objetos prepará-los para o novo regime de organização da  vida e do trabalho. O liberto se viu, sumária e abruptamente, em senhor de si mesmo, tornando-se responsável por sua pessoa e por seus dependentes, embora não dispusesse de meios materiais e  morais para realizar essa proeza nos quadros de uma economia competitiva. (FERNANDES, 2008, p. 29).

Petrônio Domingues (2007) diz que ao longo do período republicano o movimento negro, por meio de diversas modalidades de protesto e mobilização, buscou a inclusão social  do negro e a superação do racismo na sociedade brasileira. Seguindo essa mesma ideia Gay e Quintans (s/d) afirmam que durante a redemocratização do Brasil o movimento negro assume “novos contornos, e passa a reivindicar uma série de direitos e políticas públicas capazes de combater o racismo e reduzir as desigualdades” (GAY; QUINTAS, s/d, p. 3). Pode se dizer que estas lutas possibilitaram alguns progressos tais como: acesso à educação, à saúde, participação política, igualdade perante a lei conforme está garantido na Constituição Brasileira de 1988 inspirada na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Contudo, na prática muitos desafios ainda precisam ser superados.

Nesse sentido, para Silva (2013) a educação tem sido um trampolim de ascensão  para que os negros consigam vencer os obstáculos impostos pelos dispositivos de poder e seleção para chegar ao ensino superior, embora ela sozinha não consiga vencer o racismo estrutural. De modo que, mesmo entre os negros com os melhores níveis de escolaridade, os salários são inferiores aos dos brancos. Nesse aspecto a mulher negra é a mais atingida, mesmo aquelas com mais anos de estudo ganham menos que os homens brancos, mulheres brancas e homens negros. Portanto, fica claro que “a desigualdade se mostra articulada não apenas com a categoria raça, mas também com a categoria gênero” (SILVA, 2013, p. 101).

Fonte: encurtador.com.br/hqFY3

Racismo no âmbito do mercado de trabalho

O racismo estrutural, faz parte de todas as esferas da sociedade de modo a impedir intergeracionalmente a ascensão econômica e social do povo negro de forma violenta e voraz. Nesse processo, a mulher negra foi estuprada cotidianamente, obrigada a trabalhar na cozinha da família branca,  enquanto outras trabalhavam nas lavouras, executando o mesmo trabalho dos homens. Angela Davis (2016, p. 17), em seu livro intitulado Mulheres, raça e classe, explicita que as mulheres negras eram vistas apenas como “unidades de trabalho lucrativas, para os proprietários de escravos elas poderiam ser desprovidas de gênero.” Mesmo após a Lei Áurea a situação não mudou muito para a maioria, que continuou a trabalhar como empregada doméstica na casa das famílias aristocratas e burguesas, possibilitando a emancipação da mulher branca que pôde investir no campo intelectual e profissional.

“A história de privação das mulheres negras, se as tornam invisíveis também as desumaniza, daí a naturalização de sua pobreza e exploração, daí também a sua presença majoritária nas funções de pior remuneração”. (SILVA, 2013, p. 102). Exemplo disso é que um dos primeiros casos de coronavírus no país, no estado do Rio de Janeiro no Alto Leblon, um bairro da zona sul, foi o de uma empregada doméstica de 63 anos que trabalhava há dez anos na casa da família da patroa que a contaminou e que acabara de chegar da Itália, país que se mostrou um dos epicentros da doença no início da pandemia. A vítima veio a óbito no dia seguinte ao apresentar os sintomas da Covid-19.

Em depoimento ao site UOL (2020), a cunhada da vítima relatou que “ela era muito trabalhadora. Pegava três conduções para chegar ao trabalho. Para voltar, era a mesma coisa: dois ônibus e um trem. Ela saía de casa no domingo e só voltava na quinta”. Essa é a realidade de trabalho de muitos negros no Brasil, com jornada de trabalho extensa e com baixa remuneração, tendo que enfrentar as dificuldades de mobilidade, já que as cidades são projetadas para separar as classes mais “altas” de classes mais “baixas”. Muitas vezes, por não conseguirem trabalhos formais de carteira assinada, precisam trabalhar na informalidade para tentar garantir o mínimo para o sustento de suas famílias. Segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em 2003, 27% das mulheres negras trabalham como empregadas domésticas e apenas 23% possuem carteira assinada, enquanto 12% das mulheres brancas que são empregadas domésticas, 30% tem registro na carteira.

Este dado supramencionado mostra o impacto direto em questões como a aposentadoria, pois para receber o benefício é necessário um tempo de contribuição, sendo no caso das mulheres, 30 anos, e, dos homens, 35 anos, conforme evidencia o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), em 2019. Devido ao processo histórico, conforme expõe Goes, Ramos e Ferreira (2020, p. 1), a população negra encontra-se, majoritariamente, presente nos indicadores negativos, tais como “atividade no mercado de trabalho informal, que limita o acesso a direitos básicos como a remuneração pelo salário mínimo e a aposentadoria.” Acresce-se ainda que a pandemia desvela a desigualdade do Brasil e salienta o quão pouco este país avançou na superação do racismo, dado que, como já supracitado, esta configura um dos fatores determinantes para este cenário de altas taxas de mortalidade.

Neste  cenário atual de pandemia pode-se ressaltar também que atender a necessidade de exercer o isolamento social sem que haja comprometimento do trabalho de onde advém a renda, representa um grande desafio, tendo em vista que muitos ocupam cargos informais, ou ofícios considerados essenciais durante a pandemia, que demandam presença física e trabalho manual, e não estão amparados por benefícios ou direitos trabalhistas.

Fonte: encurtador.com.br/iCE56

Impacto do racismo na saúde dos negros

A  saúde, conforme prevê a Constituição Federal de 1988, Art. 196, visa alcançar o bem-estar e a justiça social, além de ser reconhecida como direito de todos e dever do Estado, por intermédio de políticas públicas e econômicas que objetivem reduzir riscos e agravos, bem como acesso universal e igualitário às ações e serviços para prevenção, promoção, proteção e recuperação. Outrossim, a mesma ainda estatui a respeito de direitos sociais fundamentais como trabalho, segurança, lazer, previdência social e proteção à maternidade e à infância.

Nesta perspectiva, averígua-se que as desigualdades de saúde presentes nos países, bem como a maioria das enfermidades, decorrem de questões socioeconômicos, raciais, étnicas e de gênero, assim como circunstâncias de nascimento, moradia, trabalho e renda, isto é, Determinantes Sociais da Saúde (DDS), que, em um contexto racista, restringe o acesso à informações e serviços disponíveis, visto que as condições de vida dos indivíduos estão diretamente relacionadas a sua situação de saúde (BUSS; FILHO, 2017).

À vista disso, faz-se necessário ampliar debates sobre o fato de que o racismo se configura como determinante social da saúde, uma vez que grande parcela da comunidade negra está exposta e vulnerável a conjunturas de padecimento, violência, enfermidades e morte, em bairros excludentes, com maior poluição e sem acesso a serviços fundamentais. (GOES; RAMOS; FERREIRA, 2020).

Institucionalmente, as desigualdades e injustiças sociais estorvam e engendram o acesso a serviços essenciais, bem como a oportunidades, em consequência do racismo estruturado. Desta forma, verifica-se o intenso sofrimento, negligenciado pelo Estado, que negras e negros vivenciam em suas realidades, assim como o padecimento devido aos impactos da pandemia da Covid-19 e seus múltiplos desdobramentos negativos. No começo da pandemia os casos de infectados não eram divulgados por cor. Segundo o site globo.com  (2020) “os boletins só passaram a incluir tais números a partir do dia 11 de abril, quase 1 mês e meio depois da confirmação do primeiro caso de Covid-19, e graças a pressão da coalizão negra por direitos”, dado este que demonstra a tentativa de invisibilização da população negra.

 Neste ínterim, cabe ressaltar que, segundo Santos (2013), às condições insalubres de moradia, a falta ou precariedade na infraestrutura de saneamento básico historicamente negligenciada pelas políticas públicas à população negra submete-a a diversas mazelas socioambientais como: utilizar água não potável, conviver com lixo e esgoto a céu aberto, falta de limpeza urbana, enchentes, desmoronamentos de encostas, estas e outras situações causadoras de diversas doenças. Assim, a discriminação fundamentada em fatores raciais/étnicos, de gênero, socioeconômicos contribui decisivamente para dificultar o acesso dos negros a direitos básicos e os submete a um tratamento desigual geradores de condições de vida degradantes levando-os ao adoecimento físico e mental podendo chegar a comorbidades e mortalidade graves.

Sob essa luz se justifica a afirmação feita por Thiago Amparo no site Folha de São Paulo (2020): “Mede-se racismo por quão descartável é o corpo negro. Se a Covid-19 desnuda as feridas do racismo que estrutura nossa desigualdade, curar esta pandemia pressupõe, antes de tudo, expô-las.” À vista do que foi exposto, conclui-se que condições sociais possuem forte influência no processo saúde-doença e, posto isso, entende-se a necessidade de implementar-se ações que envolvam todos os setores visando a promoção do bem-estar. Destarte, observa-se que a atual esfera exige procedimentos específicos para o combate ao racismo e suas consequências.

Fonte: encurtador.com.br/rACG1

O papel da Psicologia frente ao racismo

A psicologia, enquanto ciência e profissão, tem sua ação fundamentada na Declaração Universal dos Direitos Humanos, conforme explicita o Código de Ética Profissional de Psicologia. Além disso, é uma ciência aplicada nos processos coletivos e atua na “promoção, prevenção e reabilitação na esfera psíquica do ser humano. Portanto nas esferas social, econômica, política, cultural, biológica” (RIBEIRO, 2017, p.175). Nesse sentido, a psicologia social vislumbra o indivíduo como biopsicossocial, ou seja, considera-o de maneira integral tendo em vista sua história de vida.

O Conselho Federal de psicologia (CFP), lançou referências técnicas em torno da atuação dos psicólogos referentes a questões raciais. Neste documento, entre as várias pautas  abordadas, a discussão sobre a formação do profissional de psicologia é necessária e urgente, visto que a grade curricular tem certa carência sobre racialidade. Assim o texto traz que

A formação da(o) psicóloga(o) é um momento privilegiado para a construção de conhecimento, de saberes e de práticas sobre diversos assuntos vividos no cotidiano dos sujeitos. Portanto, é nesse momento que se faz necessário apresentar aos estudantes temas relevantes, para despertar o interesse na busca do conhecimento e possibilitar o reconhecimento dos aspectos que envolvem as relações raciais e seus efeitos psíquicos presentes no cotidiano em nossa sociedade. (CFP, 2017, p. 105).

Portanto, os profissionais que se encontram no exercício da profissão, bem como os acadêmicos de Psicologia necessitam compreender a amplitude e especificidade de como se processam as relações raciais no contato social “e principalmente que há um sofrimento psíquico peculiar sutil ou explícito presentes no cotidiano das pessoas negras”, conforme apresenta a referência técnica (CFP, 2017, p. 107).

Na atuação deste profissional, é apropriado aplicar em seu cotidiano os princípios fundamentais propostos, visando extinguir quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão dos direitos, visto que é dever deste atuar com responsabilidade social de forma crítica, considerando as diversas realidades.

Dessa forma, o racismo deve ser um tema trabalhado não só pela Psicologia Social, mas também pelas outras abordagens de forma transversal para que as consequências psicossociais do racismo sejam entendidas como um aspecto que compõe a subjetividade dos sujeitos brancos e negros, indo para além de uma conceitualização superficial, reconhecendo, compreendendo, problematizando e combatendo ações racistas e suas diversas consequências, prevenindo e evitando sua eventualidade. Sendo assim, a Psicologia deve unir-se a outros campos do conhecimento, posto que o racismo ataca por múltiplas frentes (ESPINHA, 2017).

 

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Flávio Aparecido de. A psicologia social e o papel do psicólogo na sociedade contemporânea. 2018

ALMEIDA, S. L. de. Racismo estrutural. 1 ed. São Paulo: Polén, 2019.

AMPARO, Thiago. Por que a Covid-19 é tão letal entre os negros? Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/colunas/thiago-amparo/2020/04/por-que-a-covid- 19-e-tao-letal-entre-os-negros.shtml>. Acesso em: 01 de jul. de 2020.

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Código de Ética Profissional do Psicólogo. Conselho Federal de Psicologia, Brasília, agosto de 2005.

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ESPINHA, T. G.. A temática racial na formação em psicologia a partir da análise de projetos político-pedagógicos: silêncio e ocupação. 2017.

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Livro traz temática social com o poder das palavras

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Por meio da poesia, o livro “A negra cor das palavras” traz versos que destacam a temática social, procurando revelar, através da negritude, a potência da língua e da voz de uma raça que foi tão oprimida. Publicada pela editora Penalux, a obra da escritora Alexandra Vieira de Almeida busca fazer uma leitura sobre os símbolos que permeiam as cores negra e branca, revelando que uma complementa a outra, nas suas simbioses e, ao mesmo tempo, diferenças. 

Segundo a autora, o livro traz uma reflexão sobre a negritude de um povo, discutindo questões de uma classe marginalizada e de vida sofrida. Os versos procuram também falar sobre como brancos e negros se completam, numa analogia feita pela própria autora. A escritora ainda brinca utilizando a tinta preta e o papel branco para contextualizar as diferenças e semelhanças de cada um. 

Fonte: Arquivo Pessoal

Para o professor emérito da UFRJ e membro da Academia Brasileira de Letras Antonio Carlos Secchin, que assina a quarta capa, a escritora evita o “panfletarismo”. Para Secchin, se o discurso soa vincado pela demanda social, é num outro plano, de intensa subjetividade, que melhor se realiza. “Por meio de imagens fortes, no manejo exclusivo do verso livre, o negror atravessa toda a obra, presente em 10 títulos de poemas e numerosas incidências ao longo dos versos”. 

Segundo o poeta, arquiteto e historiador da arte Nuno Rau, responsável pelo posfácio, a obra apresenta a cor negra também como símbolo da melancolia, estando presente através da bile negra, citada em um dos versos. Para ele, a autora constrói o livro a partir de uma paisagem de significados, extraindo da noite a força motriz para sua poesia, “que emana de sólidos negros sob uma luz que nos encena uma luminosa dor da escrita”.

Sobre a autora

Nascida e criada no Rio de Janeiro, Alexandra Vieira de Almeida é professora, poeta, contista, cronista, resenhista e ensaísta, além de ser Doutora em Literatura Comparada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Publicou seis livros de poesia adulta, sendo o primeiro “40 poemas” e o mais recente “A negra cor das palavras”. Também tem um livro ensaístico, “Literatura, mito e identidade nacional” (2008), e um infantil, para crianças de 6 a 10 anos, “Xandrinha em: o jardim aberto” (Penalux, 2017).

Fonte: Arquivo Pessoal

Ficha técnica:

Livro: A negra cor das palavras

Poesia

Editora: Penalux

Tamanho: 14×21 cm

Páginas: 102

Preço: R$ 38,00

Link para comprar

Site pessoal

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Racismo no Brasil. Isso não é mi mi mi!

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Jovem é morto em supermercado no Rio… Você acha que esse crime não tem nenhuma relação com o RACISMO? Isso é mimimi? Mais do que nunca, eu preciso escrever sobre isso…

Para advogar acerca da existência do racismo no Brasil, eu poderia utilizar argumentos históricos. Citar que o racismo está diretamente ligado à história do Brasil. Afinal, a “abolição” da escravatura, simplesmente, relegou aos negros à condição de “libertos”. Mas, como a esmagadora maioria deles eram sem instrução, restou-lhes os sub-empregos, as periferias sem condições de moradia… Comprometeu-se sua DIGNIDADE…  E, consequentemente, sua perspectiva positiva para o futuro. Foi um literal “Estão livres e sobrevivam como puderem”.

Eu poderia usar argumentos baseados em estatísticas que apontam, a cada 23 minutos, morrer assassinado um negro no Brasil. Ou informar que os jovens negros, ainda, são a maioria dos analfabetos e com menor inserção no nível superior, neste país. Dizer que a maioria dos encarcerados são negros… Enfim… enfim… enfim…

Familiares de Jenifer Gomes, de 11 anos, assassinada com um tiro no peito após chagar da escola, no Rio de Janeiro. Fonte: https://glo.bo/2SXcNGW

Contudo, acredito que esses argumentos não convencem àqueles que levantam a bandeira do “Brasil não é racista”. E se você é intransigente e solidificou sua opinião favorável à essa bandeira, nem precisa se dispor a comentar neste texto. Porém, se você ainda possui a capacidade de ouvir para refletir acerca de opiniões contrárias às suas, continue a leitura.

Há pessoas que defendem que ‘Só entende de racismo contra negro quem é negro”. Eu concordo e acrescento “Entende também, sobre racismo, quem convive com negros”

Então, convido-lhes a fazer um teste.

Quando você estiver nos lugares mais sofisticados na sua cidade, olhe em volta e conte quantos negros estão ao seu redor? Não vale contar o garçom, o porteiro, o frentista… Quantos negros sentados à sua mesa? Quantos?

Se você estuda em colégio, pré-vestibular ou curso superior que lhe exige alto investimento financeiro, chegue à sua sala, na segunda, e contabilize a quantidade de negros presentes. Quantos?

Feche seus olhos e imagine você, à noite, entrando na sua casa e, de repente, surge um homem. Se ele for branco, qual a sua reação? Mas e se ele for um homem negro? (Sinceridade!)

Fonte: https://bit.ly/2IiDGBh

Agora responda-me:  quantas histórias de negros como a de Joaquim Barbosa, você conhece?

Então, será quem essa não é uma das causas dos negros lutarem tanto por REPRESENTATIVIDADE?

Ah! Você “até tem amigos negros”. Ok! Porém se  você possuir um bom poder aquisitivo e negar o racismo, reflita acerca do seu convívio com a família desse seu amigo. Se, acaso, ele morar nesses locais, você sobe o morro ou se desloca até a periferia para os churrascos de domingo? Ou batizado do filho? Aniversário?

Acredite, se você não conhece a história e a realidade da maioria dos  negros  pobres deste país, eu até compreendo você negar o Racismo. Entretanto, isso não lhe obriga a jamais mudar de opinião.

Esse trágico episódio da morte no Extra suscita a necessidade de discutirmos e lutarmos contra o racismo. Sabem o que analisei desta barbárie? Vi de um lado, Davi- o segurança. Do outro lado, Pedro- o jovem assassinado. O que os dois têm em comum? O fato de serem pobres e negros. Todavia, por alguma razão, o segurança esqueceu de que ambos “estão no mesmo barco” que navega nas ondas de um racismo que ora se mostra velado, ora explícito, ora camuflado pelo descaso.

Por isso, calar, não escrever, não se manifestar é, também, se manter na janela da casa grande observando a morte de mais um negro julgado culpado, sem direito à defesa.

E eu? Nunca fui da casa grande… Por isso, lutarei ao lado daqueles a quem, infelizmente, muitos ainda consideram “senzala”.

Não ao preconceito.

Toda carne humana tem valor.

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Negros no Oscar e incentivo social

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Século XXI, mulheres com direitos quase se igualando aos deveres. Negros caminham, ainda sorrateiros, entre a população buscando provar o seu lugar, um lugar nunca antes marcado por outros como nós, o que gera total estranheza e incompreensão por todos os lados. Por um lado, vivemos em época em que um filme protagonizado e produzido por negros concorre a um Oscar, por outro tentam nos marcar a pele com marcas invisíveis que tem por único objetivo nos subjugar através do argumento claro de que pertencemos exclusivamente à periferia.

Viemos de lá, ou melhor, viemos de lugares piores do que aquilo que hoje conhecemos como comunidade, a popular favela. Pertencemos por longos tempos a mãos daqueles que se julgavam superiores pela tez da sua pele, viemos de navios agrupados como lixo, fomos vendidos como mercadorias, levamos chibatadas como se nossa dor não significasse nada. Hoje nossa dor é contada em histórias, em músicas, em telas de cinema, mas estamos longe de reclamar nosso lugar de direito, aquele lugar que insistem em nos dizer que não nos é devido.

Fonte: https://abr.ai/2DC6zCM

Vamos entender que atualmente podemos nos ver representados em filmes sem que sejamos escravos, podemos escrever matérias que serão lidas por toda população. Hoje precisamos reconhecer que alguns de nós já se manifestaram e levantaram a bandeira da liberdade, não apenas a liberdade de ir e vir, mas a de se descobrir capaz de realizar grandes feitos. Precisamos agora aprender a levantar mais alto a bandeira da representatividade, entender que os lugares que conquistamos, por menores que sejam, precisam ser valorizados de forma que outros como nós possam erguer suas bandeiras também.

Como segregados, como fomos, conseguimos alçar voos incríveis, imagina se nos juntarmos e tentarmos levantar uns aos outros. Sim, isso seria incrível. Se hoje alcançamos nomeações, vamos reclamar os prêmios, as recompensas, as posições nas alturas. Vamos ocupar a periferia, mas também os bairros de luxo, vamos trabalhar para pagar contas, mas vamos estudar para que nossas possibilidades não fiquem limitadas.

Fonte: https://bit.ly/2GrMouZ

Vamos vender bala no sinal, mas também estudar medicina e aprender a salvar vidas. Vamos faxinar pelo nosso ganha pão, mas também incentivar aos da próxima geração para que sejam mais do que conseguimos ser, educando-os para que “Wakanda” seja em todo lugar e para que eles, assim como nós, encorajem-se para libertar o Pantera Negra que existe no interior de cada um.

Busco fazer a minha parte numa luta diária que mais parece uma eterna queda de braço, mas sigo lutando para que outros enxerguem o potencial em si e lutem por si tal como eu lutei e continuo lutando.

Fica a esperança de um mundo onde não seja necessário exaltar a possibilidade de um prêmio por uma academia acostumada a concedê-los cada vez mais a nós, negros de pele, de corpo e de alma.

Fonte: https://glo.bo/2tmJWxB
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O espaço do negro no mercado de trabalho

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É comum as pessoas usarem a seguinte frase: “somos todos iguais e todos temos as mesmas oportunidades.” Depende de como e de que lado você está fazendo esta análise. Vamos refletir um pouco mais sobre a questão do negro no mercado de trabalho e academicamente. Essa é uma discussão necessária. Nós, negros, precisamos ter nossa história validada e dita por nós. Esse é o lugar de fala do negro. Em alguns processos seletivos de empresas, há códigos que a empresa cria, por exemplo, um código de inscrição para indicar uma pessoa negra, pois pode ser que o cliente que deseja aquele novo colaborador não queira uma pessoa negra no seu local de trabalho.

Temos também outras descrições, como Cabelo Black ou não liso, nariz largo, lábios mais grossos, tonalidade de pele mais escura. Alguns podem perguntar: “Será que essa pessoa será uma boa recepcionista ou uma boa gerente de contratos para lidar com nossos clientes de outras empresas?”

Incrível essa pergunta e a colocação. Infelizmente, sinto em informar que é o que mais acontece no mercado de trabalho no Brasil. Pessoas são simplesmente julgadas por sua tonalidade de pele, por seu cabelo e seu tipo físico. Neste caso, falo de pessoas negras. Dessa dita “minoria” (em ocupação e mobilidade social), mas que na verdade é a maioria da população brasileira. Vai entender, não é?

Eu faço questão de conversar sobre isso. Critica-se a cota para negros em universidades. Podemos falar do Conceito da Equidade Aristotélica “Implica tratar desigualmente os desiguais para promover a efetiva igualdade” para falarmos de oportunidades. Mas para pensarmos em igualdade, precisamos investir em saúde, educação, saneamento básico e políticas públicas que realmente aconteçam. Isso só irá acontecer realmente se for de interesse da outra parte que é dita “maioria”.

 Hoje, há um movimento em que os negros estão realmente utilizando suas vozes para ter espaço de fala e contar a sua história como não foi contata nos livros de história, pois negro era mercadoria, escravo e ainda considerado preguiçoso. Ou seja, não tinha identidade. Quando vemos pessoas negras atingindo um lugar de gerência, diretoria, destaque, dizem que é sorte ou que teve um bom padrinho ou usam isso para afirmar que as oportunidades são iguais para todos. 

O pesquisador Milton Santos dizia o seguinte: “Nossos corpos falam”. Nosso corpo está tão ligado a imagem do negro preguiçoso (dito na época da escravidão) que não quer nada com nada. Constroem-se ainda mais estereótipos que os livros de história dizem por aí que a sociedade, como um todo, não coloca o negro em outro local. Apenas como inferior. Isso é algo sério, pois é passado por gerações. Estamos na luta incessante de desconstruir isso. Mas ainda vemos muita resistência, por parte de empresas, pessoas, grupos de classes sociais, escolas, salão de beleza, lojas e muitos outros.

O negro sofre psicologicamente com essas negativas. É um fato que vivemos na sociedade. Se está na hora de mudar? Mais que nunca essa é a hora. Por isso não deixem que a ideia de que o seu corpo fala por você e não o seu conteúdo, seja maior. Por isso, saiba que no caminho de todos nós há pedras, mas no nosso há pregos, cacos de vidros e o racismo. Se podemos? Sim. Por isso, que acredito que “Eu sou, porque nós somos.”

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