“O Pequeno Príncipe” – o essencial é invisível aos olhos

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07Escrito em abril de 1943, o livro “O Pequeno Príncipe”, do autor francês Antoine de Saint-Exupéry se trata de uma das maiores obras existencialistas do século XX, além de ser um dos livros mais traduzidos da história, perdendo apenas para o Alcorão e a Bíblia. Antes de se tornar escritor e ilustrador, Antoine de Saint-Exupéry ingressou no serviço militar no Regimento de Aviação de Estrasburgo, após ter sido reprovado na Escola Naval. Depois de um ano acabou obtendo a licença para pilotar e a partir disso foi se desenvolvendo na carreira de piloto, o que acabou influenciando na escrita de sua obra.

Seu livro se caracteriza como literatura infantil, mas possui um grande alcance no público adulto. Aborda diversas reflexões profundas, de forma leve e simples, sobre amizade, dinheiro, amores, entre outros assuntos. A narrativa gira em torno do personagem do Pequeno Príncipe, um jovem, não habitante da terra, que visita diversos planetas em busca de novas aventuras. Em uma dessas viagens ele acaba pousando no meio de um deserto do planeta Terra e lá conhece um piloto de avião que após um pouso complicado, se encontrou inesperadamente perdido neste mesmo lugar.

O livro apresenta a frustração do piloto por sentir que ninguém compreende suas ilustrações e à medida que ele vai se lamentando, o pequeno príncipe vai narrando as aventuras que viveu e trazendo diversas reflexões. Nesse contexto, cresce o elo entre o pequeno príncipe e o piloto perdido, e ambos começam a refletir juntos sobre assuntos tão importantes que acabam sendo esquecidos à medida que crescemos e tomamos outras responsabilidades. Para além de apenas mais uma trama infantil, a obra apresenta grandes reflexões sobre os valores que cultivamos e as prioridades que vão se perdendo ao decorrer do tempo. Por esse motivo, esse livro acabou alcançando em demasia o público adulto, ao abranger diversas interpretações que podem ser aplicadas ao contexto em que cada leitor se encontra.

                                                                                              Fonte: https://www.otempo.com.br/

Ilustração extraída do livro “O pequeno príncipe”

Em um momento da narrativa eles conversam sobre o afeto que o príncipe têm por sua rosa, a qual cuida com tanto carinho e zelo. Nesse contexto é dita uma das frases mais marcantes do livro: “Foi o tempo que dedicaste à tua rosa que a fez tão importante”. Dentre tantas coisas que essa frase nos leva a pensar, chamo a atenção para o tempo que gastamos com aquilo que tanto importa para cada um de nós. Em 2010, uma pesquisa feita pela International Stress Management Association Brasil apontou que 60% dos brasileiros carregam um sentimento recorrente de falta de tempo. Paralelamente a isso, a agência de marketing digital Sortlist analisou o uso médio de navegação dos brasileiros em diferentes aplicativos. Os dados revelam que os brasileiros gastam em média 10 horas diárias navegando na internet, sendo três horas desse tempo destinadas ao acesso de redes sociais.

Talvez você esteja se perguntando como todos esses dados e pesquisas se relacionam com a história do Pequeno Príncipe. O fato é que a mensagem das palavras desse personagem pueril não devem deixar de ecoar ou ao menos nos incomodar, por menor grau que seja. Assim como ele dedicou tempo à sua rosa, também dedicamos muito tempo às coisas ao nosso redor. No entanto, com a aceleração contemporânea, dificilmente comparamos como gostaríamos de estar investindo nosso tempo e como realmente estamos gastando.

                                                                                                       Fonte: https://www.otempo.com.br/

Imagem extraída do filme “O pequeno príncipe”

Cabe a nós, fazer uma autoanálise para entendermos como estamos gastando nosso tempo. Estamos negligenciando aquilo que deveria ser essencial em nossas vidas? Como por exemplo, os relacionamentos saudáveis que nos cercam, ou sonhos que por muitas vezes se encontram engavetados, ou até mesmo a apreciação das coisas ordinárias da vida? Um dia chuvoso ou ensolarado, um final de semana de descanso, um trabalho bem feito, entre tantas outras coisas que podem perder valor à medida que crescemos e amadurecemos. Quão estranho é pensar que quanto mais “amadurecemos” mais nos esquecemos dos nossos valores, de cuidar daquilo que verdadeiramente importa e de pôr em prática aquilo que o autor diz no livro:“o essencial é invisível aos olhos”.

Vamos crescendo e a busca desenfreada por algo que nos preencha e traga felicidade faz com que fixemo-nos em coisas perecíveis demais que são incapazes de nos realizar na proporção que desejamos. passamos a focar na felicidade como um objetivo a ser alcançado e não como uma consequência do caminho que trilhamos.

A leitura do pequeno príncipe nos traz de volta à consciência daquilo que realmente importa, sem menosprezar as necessidades que a vida nos impõe a viver. Longe de ser uma literatura apenas para crianças, o livro se faz ainda mais necessário para aqueles que entraram no modo automático da vida e sem perceber, encontram-se perdidos de si.

REFERÊNCIAS

Antoine de Saint-Exupéry: Escritor e piloto francês. eBiografia, 2003. Disponivel em:

https://www.ebiografia.com/antoine_de_saint_exupery/. Acesso em 31 de agosto de 2023.

Você tem ideia de quanto tempo passa nas redes sociais?. Blog Affix, 2023. Disponível em: https://www.affix.com.br/voce-tem-ideia-de-quanto-tempo-passa-nas-redes-sociais/#:~:text= Um%20estudo%20revelou%20que%20os,da%20rede%20em%20diferentes%20aplicativos.

Acesso em 31 de agosto de 2023

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‘O Pequeno Príncipe’ à luz da fenomenologia existencial

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Quando cativamos o outro, a relação passa a ter sentido e o outro não é mais objeto e sim um Outro Eu. Martin Buber (1974) vai nessa direção quando ressalta que o ser humano deve ultrapassar a relação Eu-isso para uma relação Eu-Tu.

O filme ‘O Pequeno Príncipe’ é baseado na experiência do aviador francês Antoine de Saint-Exupéry, que por causa de uma pane no motor de seu avião, fez um pouso emergencial no meio do deserto do Saara, na África. Depois de adormecer é acordado por um principezinho que lhe pede para desenhar um carneiro. Em oito dias de contato com o pequeno príncipe, muitas coisas novas e antigas são reveladas ao aviador. O conhecimento do outro e do seu mundo é importantíssimo para o reforço da identidade própria. É no encontro com o outro que nos conhecemos de forma mais consistente. Um pequeno menino, que veio de um pequeno planeta distante da terra, saiu em busca de conhecimento para entender e viver melhor com uma rosa que ele achava que era a única no mundo.

No início ele conheceu e cuidou de uma rosa, a relação dos dois era ímpar, ela era bela e envolvente, mas ao mesmo tempo era vaidosa e orgulhosa. O cuidado com a rosa, em regá-la, protegê-la, faz alusão a forma como o cuidado deve estar inserido na prática psicológica. Neste envolvimento deve haver a sensibilidade para a afetação, para a escuta clínica (ouvir com compreensão), o cuidado e o vínculo. O cuidado é uma prática que vai além da técnica, apesar da técnica ser importante, ela não é mais que a relação, através do encontro, onde se pode acolher esse outro (o cliente). O vínculo é importante para se estabelecer a confiança do cliente no psicólogo.

Quando a rosa mente para o pequeno príncipe sobre a sua origem, ele fica frustrado e entristecido, se sentindo enganado pela rosa. O próprio principezinho sentiu-se angustiado em saber que sua flor que tanto amava estava em algum lugar, que por escolha sua, partiu de seu planeta para visitar outras regiões. Esta angustia do pequenino pode ser levado também como um sofrimento que é essencial ao ser humano, é algo que acontece e que não se pede para acontecer. Diante dessa separação o príncipe entra em contato com um vazio existencial, e através do contato com outros personagens durante sua trajetória ele vai encontrado um significado para a sua complexidade.

Fonte: https://abr.ai/2QkNjhf

[…] O contato, como expressão de vida, é eternamente renovável, permitindo à pessoa se reconhecer e se renovar, ao modelo do universo, mediante ciclos de mudança. Somos os contatos que fizemos e nossa transformação segue a dinâmica de nosso jeito de encarar a vida. Somos o que ouvimos, vimos, cheiramos, comemos e tocamos. As pessoas fizeram, fazem, mantêm, interrompem e cortam o contato. Se soubermos como uma pessoa manipula o contato, saberemos como ela funciona. O ciclo, tanto na expressão de saúde quanto de bloqueio, retrata esse experienciar existencial pelo qual as pessoas tornam a realidade presente. (RIBEIRO, 2006, p. 88).

O que mais admirava o pequeno príncipe em seu planeta era a possibilidade de constantemente estar vendo o pôr-do-sol e cuidar de sua rosa. Diante de coisas tão simples, o principezinho construía sua existência por estar aberto e se deixar afetar. A afetação está vinculada com existência autêntica, a partir da vivência dos fenômenos. Trazendo para a Psicologia, a afetação está relacionada tanto com o encontro entre cliente e psicólogo quanto com a compreensão e a realização de uma intervenção mais eficiente e eficaz.

Fonte: https://abr.ai/2R8NDoS

Ao passar pelas piores experiências, vagando de planeta em planeta, o pequeno príncipe se deparou com uma raposa no jardim apresentando desejo de se relacionar. O encontro do pequenino com a raposa trás para a sua vida um novo significado. Nessa relação interpessoal os fundamentos constitutivos de uma relação cheia de significado vão surgindo aos poucos. A linguagem como elemento primordial de comunicação. Porém, muitas vezes a linguagem pode não dar conta da capacidade de entendimento e compreensão dos fenômenos, é preciso estar atento a todas as expressões emitidas pelo sujeito numa tentativa de olhá-lo em sua completude.

Quando cativamos o outro, a relação passa a ter sentido e o outro não é mais objeto e sim um Outro Eu. Martin Buber (1974) vai nessa direção quando ressalta que o ser humano deve ultrapassar a relação Eu-isso para uma relação Eu-Tu. Quando o principezinho cativou a raposa criou laços com ela a ponto de entender que o outro, mesmo longe, é que dá razão a nossa vida e o egoísmo somente nos afunda a uma falta de sentido.

Fonte: https://bit.ly/2SvDTBD

Referências:

BUBER, M.. Eu e Tu. São Paulo: Moraes, 1974.

RIBEIRO, Jorge Ponciano. Gestalt-terapia: refazendo um caminho. 2. ed., São Paulo: Summus, 1985.

SAINT-EXUPÉRY, A.. Cartas à minha mãe. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2009.

______. O Pequeno Príncipe. Rio de Janeiro: Agir, 2009.

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